Capítulo 8 - Teatro Amazonas
No centro de compras. Em uma loja próxima à feira.
Lyara está escolhendo peças íntimas.
— O que você acha dessa aqui, Cael? — pergunta, segurando uma calcinha preta de renda.
— Ah, Lya! É... Bem... E-eu não sei — gagueja constrangido. — Escolhe algo confortável.
— Tá bom — fala, devolvendo a calcinha à arara e andando em direção a outro setor.
— Você não vai levar nada, Lya?
— Eu não gosto de usar calcinha. Fico mais confortável sem — responde naturalmente.
— Dê-me força, Deus — sussurra Lacerda.
— Se não fosse sua filha hein, tio — insinua Lucas.
— Luquinhas, para manter a sua integridade física e os seus dentes, vá esperar no carro — fala o diretor entregando a chave do veículo ao sobrinho.
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Lyara sai da loja já usando a roupa nova; um vestido longo florido e sandálias de tiras. Lacerda vem carregando as sacolas de compras. Os dois caminham pelo Largo de São Sebastião.
— Eu adoro essa parte do centro — comenta suspirando. — Acho tão bonitos os prédios antigos coloridos, a banca de revistas, a praça, a Igreja de São Sebastião e o Teatro Amazonas.
— Você já visitou o Teatro Amazonas?
— Se eu entrei aí? — pergunta, apontando para o local. — Não! Eu não! Nunca, nunquinha.
— Vem! Eu vou te levar para uma visita exclusiva por uma das sete maravilhas brasileiras¹².
— Eles não vão me deixar entrar... — Ela para, olha para si mesma e conclui: — Se bem que desse jeito vestida como uma madame talvez não me barrem dessa vez. Mas deve estar fechado para visita hoje.
— O bom de trabalhar com turismo é que eu consigo entrar em qualquer ponto turístico da cidade a hora que eu quiser. Vamos?
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Lacerda leva Lyara para conhecer o Teatro Amazonas, um dos mais importantes teatros do Brasil e o principal cartão postal da cidade de Manaus. Inaugurado em 1896 durante o Ciclo da Borracha, sendo considerado um dos mais belos teatros do mundo, foi tombado como Patrimônio Histórico Nacional pelo IPHAN em 1966.
A índia fica encantada com a beleza arquitetônica, as magníficas pinturas e as mobílias clássicas que incorporam o lugar. O diretor, como um bom guia turístico, discorre sobre a história da construção, sobre a decoração e sobre os maiores espetáculos realizados no teatro.
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Logo à frente do teatro a Praça São Sebastião, com piso mosaico inconfundível, produzido com granitos portugueses representando o vai e vem das águas barrentas do Rio Solimões quando encontram o morno Rio Negro, tendo ao centro o altivo Monumento à Abertura dos Portos às Nações Amigas, construído em mármore. Lacerda e Lyara caminham pela praça.
— Tem uma sorveteria logo ali. Você gosta de sorvete?
— Eu nunca tomei sorvete é parecido com dindim¹³?
— É muito melhor, você vai gostar.
Na Sorveteria self-service, próxima à praça, Lacerda pega uma taça e monta o sorvete.
— Qual sabor você quer?
— Eu quero de açaí¹⁴.
Lacerda coloca na taça uma bola de sorvete de açaí, a índia sorridente arregala os olhos quando avista algo.
— Olha tem jujubas. Eu adoro jujubas — fala, praticamente babando em cima do doce gelatinoso. — Pode colocar jujubas no sorvete, Cael? Por favor, coloca um pouquinho. Um pouquinho não coloca um montão. Ou melhor, eu quero esse pote de jujubas todinho pra mim.
— Sim, você adora, Jujubinha — comenta, com olhar vago.
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Saindo da sorveteria, Lacerda segurando as sacolas de compras, Lyara segurando a taça de sorvete, eles sentam-se em um banco da praça favorecidos pela sombra das árvores.
— Esse é o melhor dia da minha vida, ganhei roupas, conheci o teatro e esse sorvete delicioso com jujubas — fala, lambendo os beiços. — Obrigada, Cael!
— Disponha. Têm muitos outros lugares que eu quero lhe mostrar. Eu pensei em irmos ao...
Nesse instante, Lyara se aproxima e beija os lábios de Lacerda que recua confuso e pergunta:
— O quê? Por que me beijou, Lya?
— Eu gosto de você. Não gosta de mim?
— Gosto muito, você nem imagina o quanto.
— Então me beija — sugere, se inclinando e fazendo bico.
— Não! Eu não vou lhe beijar — rebate Lacerda, segurando os ombros e afastando-a.
— Eu não entendo... — comenta, pensativa. — Você fez tudo isso por mim, eu pensei que quisesse ficar comigo. É por causa da sua namorada?
— Pela milésima vez, a Valéria não é a minha namorada. — retruca o diretor, revirando os olhos. — Eu preciso contar algo. Eu não ia contar agora, mas você entendeu tudo errado, então é melhor contar logo de uma vez... Lembra-se que falei sobre a minha filha?
— Lembro-me sim, a Maria Julia que odiava o quarto e adorava os girassóis.
— Tinha outra coisa que ela também adorava: jujubas. Por esse motivo eu a chamava de jujubinha, porque se deixasse ela só comeria jujubas o dia todo — externa, com um sorriso contido e os olhos cheios de lágrimas. — A jujubinha era cheia de vida, sempre pulando, correndo, dançando, sorrindo... Ela tinha olhos verdes e cabelos pretos que nem a mãe. E tinha um sorriso que iluminava como o sol — disse o diretor, segurando o queixo da índia.
— Entendi tudo. Você está me ajudando, porque eu te faço lembrar a sua filha que morreu.
— A morte da Maria Julia foi presumida, pois o corpo dela nunca foi encontrado. No acidente o carro da minha esposa caiu de uma ribanceira dentro do rio. Foram dias de busca até encontrar o carro, a correnteza estava forte devido às chuvas. O corpo da minha esposa já estava... A minha esposa morreu na hora com o impacto da queda e a janela de trás do carro estava aberta, logo foi presumido que a minha filha, que tinha apenas três anos de idade, havia sido arrastada pela correnteza ou por algum animal... Então quinze anos depois você cruza o meu caminho, com essa história maluca de filha da deusa das águas e todas as características da minha jujubinha. Lya, eu acho... Na verdade, eu tenho certeza que você é a Maria Julia, você é a minha filha.
— Não pode ser. Eu tenho um pai, o meu pai é o pajé Yanomaká Kumã.
— Eu sou seu verdadeiro pai. Esse pajé mentiu pra você, ele praticamente a sequestrou. Se esse pajé não estivesse morto eu mesmo o mataria, por ter tirado você de mim.
A índia se levanta do banco com os olhos cheios de lágrimas e a cabeça rodando, querendo fugir daquela situação confusa ela sai correndo sem rumo.
— LYA! VOLTA AQUI. LYA! — grita desesperado, porém sem reação continua sentado paralisado e num sussurro exclama: — Volta, Jujubinha!
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Na esquina, um carrinho vendendo churrasco.
— Hum, tá bom esse espetinho. Tem pimenta? — pergunta Lucas, em pé na esquina, comendo um espeto de carne. O vendedor ambulante entrega o frasco de pimenta ao jovem. Lucas coloca a pimenta no churrasco e de repente sente o celular vibrando em seu bolso. Ele devolve o frasco e atende ao telefone: — Oi, tio! Tô aqui perto comendo um churrasquinho de gato — fala brincando. Após ouvir o que houve, questiona: — Sério? O senhor contou tudo? E aí como ela reagiu? — pergunta com os olhos arregalados, colocando um pedaço de carne na boca. — Fica calmo, tio. Uma hora ela volta. Onde o senhor está? — pergunta, olhando em volta após ouvir a buzina de um carro. Quando avista a bela jovem, de pele branca e cabelos negros atravessando a rua sem prestar atenção, quase ser atropelada. — Tio, me espera aí na praça que daqui a pouco eu chego aí — disse encerrando a ligação e guardando o celular no bolso da calça.
— Aqui moço, pode ficar com o troco. — Lucas paga o homem do churrasco e segue na mesma direção que Lyara.
A índia sente a pontada no pé machucado, devido o esforço da corrida. Ela se senta na calçada, desamarra as tiras da sandália e nota que o pé está inchando. Lucas senta-se ao lado dela na calçada.
— O que você quer? — berra, chateada.
— Nada. Só vou sentar aqui e comer o meu churrasco. Quer um pedaço?
— Não! — responde, rispidamente.
— Sobra mais pra mim. Hum! Delícia de churrasco — comenta, mordendo mais um pedaço de carne.
— Você sabia? — balbucia, com os olhos marejados.
— Se eu sabia que você é a minha prima? É eu ouvi falar. No começo eu achei que não fazia sentido algum, mas agora até que eu tô achando legal. Ah! Foi mal por não ter lhe reconhecido antes, afinal eu via você todo dia na porta do cursinho — desculpa-se, abocanhando mais um pedaço do churrasco. — O engraçado é que toda vez que eu olhava pra você eu ficava pensando: conheço essa garota de algum lugar — comenta, com a boca cheia.
— Eu tinha essa mesma sensação de conhecer você, como se fosse de alguma vida passada.
— Doideira, né?
— Pois é... Dá um pedaço?
— Pega — disse, entregando o espeto com o último pedaço de carne. A índia come e lambe os beiços. Lucas pergunta: — Tá gostoso, né? Acho que eu vou comprar mais um. Você quer um espeto de carne? Tem de frango também.
— Pode ser um de cada?
— Pode sim. Vem! Eu te ajudo — fala, ajudando-a levantar.
Lyara apoia seu braço no ombro de Lucas e sai mancando.
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Após cerca de uma hora, Lacerda está nervoso, pois sua filha recém-encontrada sumiu novamente e seu sobrinho ainda não apareceu, pra piorar a temperatura de 40°C da Manaus tropical faz o suor escorrer pela sua testa. De repente, uma brisa fresca surge para amenizar o calor, o diretor fecha os olhos e respira fundo. Quando ele abre os olhos avista Lucas e Lyara vindo em sua direção. Ela vem andando com dificuldades usando o ombro do primo como apoio.
— Lya, o que houve? Machucou o pé de novo? — pergunta preocupado.
— Acho que sim — responde, fazendo careta.
— Senta aqui. Deixa-me ver seu pé.
A índia senta no banco da praça e posiciona os pés no colo de Lacerda. Ele tira as sandálias dela e analisa o machucado.
— Está bem inchado. Vai precisar ficar uns dias com esse pé pra cima.
— A culpa é sua, Cael.
— Minha? Foi você que saiu correndo desembestada.
— Sim, mas você não pode chegar do nada e dizer que eu sou sua filha e que mataria o meu pai pajé — fala a índia, enfurecida.
— Você tem toda razão, a culpa foi minha. Eu não deveria ter falado daquele jeito. Você me perdoa?
— Perdoo — disse, balançando a cabeça em afirmação.
— Pronto! Tudo certo. Agora vamos comer nosso churrasquinho antes que esfrie — comenta Lucas tirando três espetos de dentro de uma sacola plástica.
— Oba! Trouxe churrasco pra gente.
— Na verdade não é pro senhor, tio.
— Como não? Você tem três churrascos aí.
— São dois pra Lya e um pra mim — disse Lucas, entregando um espeto de carne e um de frango para Lyara. — Não trouxe nenhum pro senhor. Na verdade eu nem sabia que o senhor comia essas comidas que vende na rua. Sempre foi fresco pra comida.
— Fresco é o teu pai, moleque. Dá esse espeto pra cá — fala Lacerda, tomando o churrasco da mão do sobrinho. — Vai lá comprar outro pra você, aproveita e traz um refrigerante pra gente.
— Que saco! — reclama, saindo para comprar mais churrasco.
— Dois espetos de uma vez, você está com fome mesmo — comenta o diretor, puxando assunto.
— Eu gosto de churrasco — afirma, enquanto reveza comendo um pedaço de carne e depois um de frango.
— Eu também — garante, comendo um pedaço de carne. — Do que mais você gosta?
— Não sei — responde, encolhendo os ombros.
— Você gosta de tacacá¹⁵? Tem uma banca bem ali, vai já abrir.
— Não posso comer tacacá. Eu comi uma vez e passei super mal, fiquei toda vermelha e a minha barriga doía muito.
— Como pude me esquecer disso, você é alérgica a camarão.
— Eu sou?
— Sim, eu me lembro de quando você devia ter uns dois aninhos, comeu um camarão e foi parar no hospital. Você tem alergia a frutos do mar.
— Ah, frutos do mar. O mar deve ser bonito.
— É lindo. Nós podemos viajar pra praia depois que o seu pé melhorar. O que você acha, filha?
— Eu acho que está meio cedo pra você me chamar de filha. Preciso de mais tempo pra me acostumar com tudo isso.
— Claro! Demore o tempo que for pra se acostumar e pra se adaptar a tudo isso... Eu sei que é muita informação pra processar, mas convenhamos que seja mais plausível você ser a minha filha do que ser a filha de uma sereia.
— Mas eu adoro ser filha da sereia Yara e tenho muito orgulho de ser uma índia. Se bem que de certa forma, todos somos índios, não é mesmo?
— Eu sou espanhol, nasci em Madrid. E a sua mãe era venezuelana... Você apontou para a medalha no quadro da Maria naquela noite, lembrou-se de alguma coisa?
— Não me lembro de nada, só do papai pajé e da infância na selva.
— Esse pajé foi um bom pai pra você?
— O melhor papai do mundo. Sinto saudades dele — fala de modo tristonho.
— Eu prometo fazer o possível para ser o segundo melhor pai do mundo — declara, acariciando o rosto dela e ganhando um sorriso como resposta.
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12_Em 2008, o Teatro Amazonas foi eleito uma das sete maravilhas brasileiras em dois concursos promovidos pela Revista Caras em parceria com o Banco HSBC.
13_Dindim é o nome regional que é conhecido o sacolé/ geladinho/ gelinho, é uma espécie de picolé artesanal preparado dentro de pequenos sacos plásticos.
14_Açaí é um fruto de cor roxa, muito consumido no norte do Brasil.
15_O Tacacá é uma iguaria típica de toda a região amazônica, preparado com caldo de tucupi, camarão e jambu.
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