Capítulo 6 - Pedigree
No escritório da mansão.
Lacerda entra e encontra a secretária sentada em sua cadeira branca, batendo, repetidamente, as cumpridas unhas na mesa de vidro. Em pé ao lado da porta com os braços cruzados o segurança.
— Pode ir, Jorge.
— Tem certeza, diretor? — pergunta, olhando para a bagunça de objetos espalhados no chão que a mulher enfurecida jogou em sua direção.
— Tenho. Não precisa se preocupar, não sobrou mais nada pra ela jogar em mim — responde, batendo no ombro do segurança que logo em seguida se retira do escritório.
Ele fecha a porta do escritório e Valéria o encara cerrando os olhos. O empresário se aproxima desviando dos objetos quebrados e espalhados pelo chão, sabendo que será uma conversa difícil, ele pega uma garrafa de uísque e se senta de frente para ela.
— Não precisava ter quebrado todos os copos, mas agradeço por ter poupado o meu uísque, esse aqui é bem raro — disse, destampando a garrafa e bebendo direto do gargalo.
— Guardei essa garrafa para quebrar na sua cabeça — responde, cruzando os braços.
— Eu não entendo o motivo de você estar agindo dessa forma, Valéria.
— Como não entende? Eu chego à casa do meu namorado e o encontro na piscina com uma puta. Como você queria que eu agisse? — grita irritada.
— Primeiramente eu não sou o seu namorado, nós já conversamos diversas vezes sobre isso. O que nós temos é apenas sexo — fala o diretor, calmamente.
— Eu pensei que estivesse apaixonado por mim — disse, com os olhos cheios de lágrimas.
— Não faço ideia do por que pensou isso, nunca falei nada nesse sentido, pelo contrário, sempre deixei claro que não estou aberto a nem um tipo de relacionamento amoroso. Acho até mesmo que sou incapaz de me apaixonar — explana, tomando mais um gole do uísque.
— É que nesses cinco anos que estamos juntos eu nunca o vi com outra mulher, pensei que fosse por estar apaixonado por mim, pensei que o que tínhamos fosse especial.
— Eu gosto de você, gosto de transar com você e gosto muito de como chupa o meu pau — comenta rindo e tirando um sorriso dela. Lacerda estende as mãos sobre à mesa e a encara de forma meiga. Ela desfaz os braços cruzados devagar e entrega suas mãos a ele que as acaricia e completa: — Eu gosto de ficar com você, mas eu não estou apaixonado. O fato de não me ver com outras mulheres é porque eu não tenho tempo, você, mais do que ninguém, sabe os meus horários, sabe que eu sou muito ocupado. Eu trabalho muito, não tenho tempo para relacionamentos e nem quero, estou bem solteiro. O máximo que eu tenho a oferecer é um bom sexo.
— Então quem sabe eu possa lhe recompensar por esta bagunça. Podíamos ir para o seu quarto e... — disse de forma provocante.
— Fica pra outro dia, hoje eu não estou no clima.
— Não está no clima porque já comeu aquela vagabunda — berra irritada.
— Ela não é uma vagabunda, é a minha filha, a minha Maria Julia — afirma, deixando a secretária de olhos arregalados.
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Na suíte máster.
Lacerda entra em sua suíte e escuta vozes vindas da varanda. Lyara está contando uma de suas histórias para a governanta.
— (...) aí a onça pintada pulou em cima de mim e eu não conseguia respirar, porque ela era muito pesada. Acho que aquela onça deveria ter uns 200 kg — descreve, gesticulando.
— Até onde eu sei o peso de uma onça adulta gira em torno de 50 kg a 90 kg — disse o diretor, se intrometendo na conversa.
— Você não sabe de nada, Cael. A onça que me atacou era maceta, acho que tinha mais de 200 kg, ela tinha uns 300 kg com certeza.
— Acho que qualquer coisa com mais de 300 kg que pulasse em você teria a matado, Lya — comenta, achando graça.
— Não existe bicho pra me enfrentar eu sou muito forte — fala, mostrando o muque magro.
— Nossa! — exclama irônico. Ele a olha e percebe que ela está usando um vestido florido que não lhe é estranho. Lacerda pergunta intrigado: — Onde conseguiu este vestido, Lya?
— A dona Marta me deu.
— Espero que não se incomode. A menina não tinha nada para usar, diretor, então eu peguei esse vestido que era da dona Maria — explica a governanta. Devido a expressão vaga e indecifrável que ele faz ao notar a menina usando o vestido da sua falecida esposa, a empregada se desculpa antecipadamente: — Perdão, diretor! Eu vou agora mesmo conseguir outras roupas pra ela. Vem, Lya! — disse, segurando na mão da índia e a puxando.
— Espera! — sussurra, segurando o braço da jovem. — Não precisa trocar de roupa. Você está linda, Lya. O vestido ficou perfeito em você — elogia a encarando.
— O senhor já vai para o trabalho ou vai almoçar em casa, diretor? — pergunta a governanta.
— Você trabalha dia de sábado, Cael? — questiona Lyara, espantada.
— Trabalho sim, por quê?
— A dona Inês ensinou que dia de sábado, não é dia de trabalho, é dia de ficar em casa com a família — responde a índia, apontando o dedo indicativo.
— E quem é essa dona Inês?
— Dona Inês era a presidente da ONG que me ajudou, ela morreu mês passado num sábado.
— Se ela tivesse ido trabalhar no sábado, ao invés de ficar à toa em casa, ainda estaria viva — disse Lacerda, sarcasticamente.
— E se você tivesse um coração, ao invés de uma pedra, talvez fosse mais humano e empático — fala a índia, bufando.
— Eu vou cuidar do almoço. Você prefere carne ou frango, Lya? — pergunta a governanta, tentando amenizar a tensão.
— Não precisa se preocupar, dona Marta. Eu já vou embora — disse a moça, caminhando rapidamente para fora do quarto.
Lacerda corre atrás dela e a alcança no corredor.
— Lya, desculpa! Não foi minha intenção lhe chatear. Eu falei sem pensar, me perdoa? — fala o diretor, segurando o braço dela.
— Pense antes de falar, pois as palavras machucam mais do que uma onça pintada de 300 kg.
— Eu prometo que vou pensar bem antes de falar.
— Jura por Tupã? — questiona, apontando para o céu.
— Juro! E então o que você quer almoçar?
— Eu acho melhor eu ir embora. Não quero que tenha problemas com a sua namorada.
— A Valéria não é a minha namorada, é apenas a minha secretária executiva.
— E ela sabe disso? — pergunta Lyara, tirando risadas dele.
— Acho que agora a Valéria finalmente entendeu — comenta, segurando as mãos dela. — A Marta faz uma lasanha deliciosa. Quer comer uma lasanha comigo?
— Você não vai trabalhar?
— Hoje não. Acho que vou me dar uma folga e passar o sábado em casa. O que você acha?
— Eu acho que vai ser muito legal — responde Lyara, sorridente com os olhos brilhando.
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No jardim da mansão.
O pergolado de madeira com cortinas brancas abriga um confortável sofá com muitas almofadas. Lyara está sentada no sofá segurando um pequeno girassol. Lacerda se aproxima e pergunta:
— Onde você achou essa flor?
— Ali em baixo de um arbusto — responde, apontando.
— Não era pra ter nem um girassol aqui eu mandei o jardineiro arrancar todos — fala, irritado.
— Qual o problema? Não gosta de flores?
— Gosto, porém essa flor... Era a flor preferida da minha filha, ela adorava correr em volta dos girassóis. Todos aqueles girassóis sem ela não fazia sentido, então mandei arrancar tudo.
— O quarto da sua filha, que ela nem gostava, está intacto, mas as flores que ela adorava você mandou arrancar? É muito difícil entender você, Cael — disse Lyara, colocando o girassol na orelha dele.
— O meu psicólogo até desistiu de tentar me entender. Sou um homem complexo — comenta, sentando ao lado dela. — A Marta falou que esse gel de massagem é muito bom para torções — informa, mostrando a embalagem do produto. — Coloca seu pé aqui na minha perna.
— Um homem que gosta de pegar no pé dos outros é difícil de entender — conclui, colocando os pés no colo de Lacerda.
— Dos outros não, tô pegando só no seu pezinho — disse, passando o gel no pé torcido dela.
— Ai, tá gelado! — exclama, sentindo o gel na sua pele. — O pé da sua namorada é bonito?
— Eu já falei que a Valéria não é a minha namorada — responde, enquanto a massageia. — Mas sim o pé dela é bonito. Ela sempre pinta as unhas de vermelho e fica muito sexy... E eu não faço a menor ideia por que estou te contando isso, eu nunca contei pra ninguém — disse o empresário, constrangido.
— Você ficou corado. Tá parecendo um pimentão — observa a índia rindo.
— Boa noite! Olha quem chegou! — cumprimenta Lucas se aproximando, acompanhado do macaco.
— Kanauã! Vem cá! — disse, animada ao ver seu animal. O macaco pula do ombro de Lucas e corre até os braços de Lyara que o recebe com muitos beijos. — Eu também estava com saudade. Como foi lá com o Lucas? Foi legal? — pergunta, conversando baixinho.
— Pensei que viria pra almoçar e você me chega às 20h.
— É que eu dei um pulo na casa de uma amiga — fala Lucas, com sorriso no canto dos lábios.
— Luquinhas, tome juízo e se previna. Sua mãe está sabendo dessa amiga?
— Não, tio. Sabe como a dona Alice é e falando no diabo... — disse Lucas, tirando o celular de dentro do bolso. — Minha mãe tá ligando. Se ela perguntar eu passei o dia todo aqui tá bom, tio? — pergunta, recebendo um balançar de cabeça afirmativa como resposta. Ele atende o celular e fala: — Oi, mãe! Eu tô aqui no tio... Não atendi antes porque o celular estava lá dentro e a gente tá aqui fora no jardim. Quer falar com ele?
— Oi, Alice! — fala Lacerda atendendo ao celular do sobrinho. — Sim, ele passou o dia todo aqui — respondeu, revirando os olhos. — Alice, espera um minuto. — Ele afasta o celular e se dirige a Lyara dizendo: — Eu preciso conversar em particular com a minha irmã, você me dá licença?
— Claro — responde, tirando os pés de cima do colo dele.
Lacerda levanta-se do sofá e caminha pelo jardim, conversando ao telefone. Lucas senta ao lado de Lyara que o interpela:
— E aí como foi lá com a France?
— O quê? Não, eu não estava com a France, eu estava com a...
— Eu sei que você estava com a France, o Kanauã me contou tudinho.
— Esse macaco é muito fofoqueiro. Tá! Eu estava com a France, mas não conta nada pro meu tio.
— Por que não? Por que não conta pra sua família que está namorando?
— Porque eles vão surtar. A mamãe me mata se souber que eu estou namorando a minha professora de português, que é dez anos mais velha do que eu.
— A France é tão legal acho que a sua mãe iria gostar dela.
— Você não conhece a dona Alice. Na cabeça dela eu tenho que namorar alguém da mesma classe — explica Lucas, acariciando o macaco.
— Da mesma classe que estuda no cursinho com você?
— Não, Lya. Estou falando de classe social. A minha família é meio antiquada, eles querem que eu namore alguém com fortuna, brasão, pedigree... — conta o rapaz, enfatizando a última palavra fazendo aspas com os dedos. — Eu amo a France e não quero a expor ao tribunal da inquisição da família Lacerda, pelo menos não por enquanto. Preciso manter o meu namoro em segredo, você me ajuda? — pergunta, estendendo a mão.
— Ajudo no que precisar — responde, apertando a mão dele.
O diretor se aproxima e eles disfarçam mudando de assunto.
— Pronto, Luquinhas — fala Lacerda, entregando o celular ao sobrinho. — A Alice falou pra eu levar você pra casa, mas eu disse que eu estava muito cansado e que só iria levar você amanhã. Então você pode dormir aqui em casa ou...
— Valeu, tio! O senhor é o melhor — comemora Lucas, abraçando o diretor. — Me empresta um carro?
— Só se você me prometer que não vai beber.
— Eu prometo pela vida do Kanauã — disse Lucas, cruzando os dedos. O macaco dá um grito e pula na cabeça do jovem que completa: — Tô brincando, Kanauã. Para de puxar o meu cabelo — implora ele, para o macaco soltar seus cachos.
***
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