Capítulo 14 - Esmeralda

Na manhã seguinte.

O diretor desperta com Lyara deitada em seu braço. Ele se afasta bem devagar para não acordá-la. Após conseguir levantar, cobre-a com o lençol e se retira do quarto.

Após alguns minutos no chalé ao lado.

Lacerda está tomando banho, enquanto ensaboa seu musculoso corpo nu, tem a sensação de que está sendo observado. Ele se vira e encontra olhos amendoados lhe fitando pela porta entreaberta.

— Agora vai ficar me espiando, Valéria? — pergunta, desligando o chuveiro.

— Estava admirando o banheiro do hotel — comenta, mordendo os lábios. — Passei aqui ontem à noite e você não estava. Dormiu aonde? — indaga, cruzando os braços.

— Dormi no quarto da Lya — responde, saindo de dentro do Box. — Ficamos conversando até tarde e acabei pegando no sono — conclui, se enxugando com uma toalha branca.

— Dormiu com a índia? — questiona a secretária, abismada.

— Dormi ao lado da minha filha e, por favor, pare com essas insinuações. Isso já está me irritando.

— Perdão! — desculpa-se, apalpando o abdômen dele. — Não quero irritá-lo, pelo contrário, minha função é deixá-lo relaxado... Bem relaxado — provoca, descendo as mãos até o membro dele que rapidamente enrijece com o toque.

— Estou mesmo precisando relaxar um pouco — rebate, acariciando os lábios dela com o polegar. — Ajoelha — ordena, fazendo ela se abaixar entre suas pernas.

A secretária se ajoelhou e Lacerda enfiou bruscamente seu membro rígido na boca dela, segurando-a pelos cabelos e estocando com firmeza. Usou e abusou da garganta profunda da loira, no entanto, ao fechar os olhos a única imagem que via era a da cachoeira.

***********************

No restaurante do hotel.

A índia entra acompanhada do macaco que pula na grande mesa posta com café da manhã regional e começa a fazer a maior bagunça. Um garçom prontamente aparece.

— Bom dia, senhorita Lyara. Que macaquinho adorável... Será se a senhorita poderia pedir, gentilmente, para o seu bichinho parar de jogar a comida no chão?

— Kanauã, vem! — ordena Lyara, fazendo o macaco subir em seu ombro.

— Obrigada, senhorita! Deseja algo especial para o café da manhã?

— Tem Jaraqui²² frito?

— Peixe no café da manhã? — pergunta o garçom, estranhando o pedido.

— E não esquece a farinha. Ah e traz uma cerveja daquela de garrafinha.

— Sim, senhorita, como desejar — fala o garçom, indo providenciar o pedido.

Lyara avista, sentados à mesa, Lacerda e Valéria tomando café da manhã. Ela se aproxima e ele a cumprimenta:

— Bom dia, filha! Sente-se — fala, à medida que comia uma fatia de bolo.

— Bom dia, Lyara. Você está radiante hoje — elogia, ao passo que posiciona o braço nos ombros do diretor.

Oi, Valquíria! — fala desconfiada, sentando-se de frente para o casal.

— O meu nome é Valéria — retruca, disfarçando o desconforto.

— Tanto faz.

— Então, Lya, eu vou ao fervedouro com o Sebastião...

— Posso ir junto, Cael?

— Melhor não, filha. Vou apenas com o Sebastião e um engenheiro pra tirar as medidas do local para o projeto. Fique aqui e aproveite, eu não vou demorar — disse, levantando-se.

— Espera, Lacerda. Tem um sujinho aqui — comenta, se aproximando e limpando delicadamente o chocolate da barba dele. — Pronto! Agora pode ir — exprime, depositando um beijo na bochecha dele.

Ele revira os olhos e se retira. Lyara encara enfurecidamente a loira que a ameaça sutilmente:

— Escuta aqui garota, o Lacerda pode ter caído nessa sua conversa de índia perdida na selva. Mas eu não e estou de olhos bem abertos. Eu sei o que você quer e digo uma coisa, você não vai conseguir, ele é meu namorado e eu não vou perdê-lo para uma moleca do pé descalço.

— O Vitório contou que eu matei um porco com um graveto? Imagina só o que eu consigo fazer com uma faca — anuncia a jovem, segurando com força a faca que estava em cima da mesa.

— Você é uma selvagem — espanta-se.

— E você é uma loira azeda. Deixe-me em paz, Vanusa.

— Valéria! Eu já disse que o meu nome é Valéria.

— Eu não dou a mínima pro seu nome, Vagina.

Kanauã pula na mesa e derruba o copo de suco na secretária.

— Seu macaco nojento, olha o que você fez, estragou meu vestido — fala, levantando-se da mesa com o longo vestido branco sujo de suco de frutas vermelhas.

Valéria se retira do restaurante, enquanto o garçom limpa a bagunça do macaco.

Alice e Lucas entram no restaurante.

— Bom dia, Lya! — disse, aproximando-se dela. — Essa aqui é a minha mãe.

— Olá, querida! Eu estava ansiosa para lhe conhecer. Sou a sua tia Alice. Você é tão linda... E é muito parecida com a Maria Madalena — comenta, acariciando o rosto da jovem. — Sabia que ela foi Miss?

— O Lacerda comentou algo sobre isso, mas eu não entendi direito. É como se ela fosse uma cunhãporanga²³?

— De certa forma, digamos que é uma cunhãporanga de vestido de seda, salto alto e coroa de ouro. Falando em ouro, a titia trouxe um presentinho pra você, espero que goste — fala Alice, abrindo uma caixa de joia com um colar dentro.

— Isso é uma pedra preciosa? — questiona Lyara, notando o pingente no colar de ouro branco.

— Sim, querida. É uma esmeralda, para combinar com seus lindos olhos verdes. Você gostou?

— O meu povo foi dizimado por coisas como está. Centenas de índios assassinados a sangue frio, florestas queimadas, rios poluídos e animais extintos. Essa pedra não combina com meus olhos, essa pedra representa a destruição e a ganância do homem branco.

— Que vacilo hein, mãe — sussurra Lucas.

— Eu não quis ofender o "seu povo", foi apenas um presentinho de boas vindas.

— Quando os colonizadores chegaram ao Brasil, também deram muitos presentes de boas vindas aos indígenas e depois os escravizaram até a morte. Você é espanhola, né?

— Sou, mas posso assegurar que não escravizei nenhum índio — disse, constrangida.

— Acho que a nossa faxineira é da tribo Waimiri-Atroari²⁴, mãe.

Lyara pega a faca e enfia a ponta com força na mesa de madeira, encarando a tia de forma intimidadora.

— Cala a boca, Luquinhas! — exclama Alice, desconcertada.

— Olha que maneiro, a faca ficou em pé — comenta Lucas, admirado. — Devia ter visto a Lya tirando o couro do porco ontem, ela tem uma agilidade com a faca impressionante, mãe.

— Acho que eu vou tomar o meu café da manhã no quarto. Até mais — fala Alice, assustada, se retirando do local.

O garçom traz o peixe e a cerveja de Lyara.

— Já vai beber tão cedo, Lya? — questiona Lucas, vendo-a virar o copo. — Pensando bem é domingo e a minha mãe e o meu tio já foram... Acho que eu vou tomar uma também. Traz mais uma cerveja, amigo, e um pão na chapa, por favor.

— Bom dia! — disse Vitório, bocejando, sentando-se à mesa com eles. — Acordei tão tarde assim, já está na hora do almoço? — pergunta, ao ver o prato com peixe, arroz e farinha.

— Esse é o café da manhã made in Lya. Acho que eu vou pedir um peixe também. Ei amigo, cancela o pão e traz um peixe desses pra mim — fala Lucas, chamando atenção do garçom. — Vai querer comer peixe também, Vitório?

— Se tiver açaí eu quero.

— E traz um peixe com açaí pra esse paraense — grita o jovem.

**********************

Na tarde ensolarada.

Os três jovens estão sentados na grama sob a sombra das árvores, fazendo artesanato com as sementes que Lyara colheu na mata.

— Sua pulseira está ficando linda, Luquinhas — comenta a índia, observando a arte do rapaz.

— Você acha que a Fran vai gostar?

— Vai sim, tenho certeza que ela vai adorar, ainda mais porque sabe que foi feita com amor — responde sorridente. — E você também vai dar essa pulseira para a sua namorada, Vitório?

— O Vitório? Duvido que tenha namorada — questiona, debochado. — Se bobear ainda é BV.

— O que é BV? — pergunta a índia.

— Boca virgem, porque ele nunca beijou ninguém — disse, fazendo chacota do amigo.

— Não enche, Luquinhas — retruca o universitário de cara fechada. 

— Eu beijei uma vez — confessa Lyara, lembrando-se do rápido beijo que deu naquele dia na praça de São Sebastião. — O que tem entre a sua mãe e o Cael?

— A minha mãe e o diretor é o típico caso entre patrão e secretária. Ela se ilude muito, mas eu duvido que essa relação vire algo a mais. Não precisa se preocupar, nós não vamos ser irmãos — disse Vitório, tirando os óculos de grau e limpando na camiseta azul.

— É como à quadrilha de Drummond: Valéria que amava Lacerda que amava Maria que não amava ninguém. — ironiza Lucas. — A verdade é que o meu tio ainda não superou o luto e nem sei se ele vai conseguir superar algum dia... A vida dele se resume ao trabalho, hoje mesmo ele deveria estar aqui descansando, no entanto está planejando uma nova atração para o hotel.

— E a minha mãe deveria estar em casa aproveitando a folga do final de semana, mas resolveu dirigir até aqui para "vir me buscar" — comenta Vitório, fazendo aspas com os dedos.

— Mas eu vi o seu carro bem ali, aquele Honda prata não é seu?

— É, Luquinhas. Por isso eu fiz as aspas no ar — explica o rapaz loiro com espinhas no rosto. — Eu vim pra Figueiredo no meu carro e depois a minha mãe apareceu com essa desculpa esfarrapada. Pra completar ela falou que vai voltar de helicóptero com o diretor e eu tenho que levar o carro dela. Como eu vou dirigir dois carros?

— Ei Vitório, eu posso levar o carro da sua mãe — fala, dando uma tapa no ombro do amigo.

— Ai! — exclama, esfregando o ombro. — Mas a polícia não apreendeu a sua carteira de habilitação naquela blitz?

— Não, a polícia fez pior: ligou pra minha mãe. A minha carteira foi apreendida pela dona Alice e você acabou de me dar à desculpa perfeita para eu conseguir a minha CNH de volta.

Lacerda aproxima-se deles e pergunta:

— O que estão aprontando?

— A Lya está ensinando a gente a fazer artesanato. Olha só a pulseira que eu fiz, tio — responde Lucas, mostrando a bijuteria em seu braço.

— Está muito bonita sua pulseira. Nem precisa mais estudar, já pode vender sua arte na praia — disse sarcasticamente.

— Concordo, diretor — comenta Vitório, rindo.

— Até o senhor me zoando, tio? — dispara chateado, cruzando os braços.

— Estou brincando, Luquinhas. Vocês podem me dar licença? Eu preciso falar com a Lya.

— Vitório, prepara a sua melhor cara de bom moço nerd e vamos lá resgatar a minha habilitação das garras da cruel dona Alice — fala Lucas, levantando-se do chão.

— Vamos — responde levantando e caminhando ao lado de Lucas. — Mas você vai ficar me devendo uma.

— Depois eu te apresento uma amiga que curte tirar virgindade — grita e sai correndo.

— Eu te pego, Luquinhas! — exclama, correndo atrás dele.

O diretor senta-se na grama ao lado de Lyara.

— Eu fiz isso pra você — fala a índia, entregando um colar de sementes a ele.

— Que lindo! Eu adorei, Lya — disse Lacerda, colocando o colar no pescoço.

— Ficou muito bonito. Combina com seus olhos cor de barro.

— Vou considerar isso como um elogio... A Alice me contou sobre o encontro de vocês mais cedo. A minha irmã ficou muito chateada e até um pouco assustada.

— Eu não vou usar aquela esmeralda, símbolo da destruição de um povo, no meu pescoço.

— A esmeralda é uma pedra poderosa — define, tirando a joia de dentro do bolso. — Sendo conhecida como a pedra do amor bem sucedido, ela afasta a inveja e atrai a prosperidade — fala o diretor, manuseando o colar. — Eu entendo os seus motivos por não gostar de pedras preciosas, mas não veja esta bela pedra como símbolo de destruição, encare-a como um símbolo de resistência e luta de um povo guerreiro que jamais será esquecido — conclui, colocando o colar na mão de Lyara.

— É muito bonito.

— Quer que eu coloque em você? — pergunta, recebendo um aceno de cabeça como confirmação. Ela suspende os cabelos com as mãos e Lacerda coloca o colar em seu pescoço.

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Na área de lazer do hotel.

Lucas e Vitório estão jogando sinuca, enquanto Alice e Valéria estão sentadas numa mesa jogando baralho. Lyara vai ao local acompanhada de Lacerda.

— Minha irmã, a Lya quer falar algo com você.

— Desculpa, tia Alice! E obrigada pelo colar de esmeralda — agradece, tocando no colar em seu pescoço. — Eu também gostaria de presenteá-la com um colar, fui eu mesma que fiz — fala, oferecendo um cordão de sementes e palha.

— Que bela peça. Você é uma excelente artesã — elogia Alice, recebendo o colar.

— Nada melhor que uma troca de presentes para selar a paz — comenta o diretor, satisfeito.

— E este colar foi apenas um presente de boas-vindas, ainda quero lhe dar um presente especial para o seu aniversário, mas para não termos conflitos com a sua cultura, você escolhe.

— O meu aniversário já passou, foi dia primeiro.

— Não, querida. O seu aniversário é dia 16 de outubro, eu lembro-me bem.

— Tem razão, Alice. Aconteceram tantas coisas que eu acabei me esquecendo, o aniversário da Maria Julia era dia 16, logo o seu aniversário é dia 16 e não dia primeiro, Lya.

— Precisamos organizar uma grande festa e apresentá-la a sociedade. Precisamos fazer a lista de presentes, lista de convidados, flores, bolo... São tantas coisas para organizar e tão pouco tempo — fala Alice, animada.

— Eu não quero festa e nem presentes.

— Tudo bem, Lya. Se você não quer festa, não faremos festa. Mas tem certeza que não quer nem um presente? — pergunta o diretor.

— Eu quero duas bonecas e uma bola — responde, após pensar por alguns segundos.

— Não prefere um celular ou um notebook? — questiona Lacerda, confuso com o pedido.

— Você não está crescidinha para brincar com bonecas? — indaga Valéria.

— Não são pra mim. Lá na Matinha eu tinha uma vizinha, a Hortência, ela é da minha idade e tem três filhos, duas meninas e um menino.

— Agora entendi... Duas bonecas e uma bola — reflete o empresário. — Valéria, encontre essa moça e providencia os brinquedos, ou melhor, faça um levantamento da quantidade de crianças que foram vítimas do incêndio, vamos comprar brinquedos para todas elas. Será um belo dia das crianças.

— Quem diria, o meu irmão fazendo ação social, eu vivi pra ver isso — ironiza Alice.

— Eu sempre faço ações, sou uma pessoa muito solidária... Agora chega de papo furado e vamos embora. Eu preciso voltar à cidade, tenho uma entrevista marcada para esta noite.

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22_Jaraqui é um peixe muito popular no Amazonas. Expressão usada pelos manauaras: "Quem come jaraqui nunca mais sai daqui".

23_Cunhãporanga na língua tupi significa a mulher mais bela da tribo.

24_Waimiri-Atroari é um povo indígena do estado do Amazonas. São do ramo linguístico Karib, cujo território imemorial de ocupação está situado entre os rios Uatumã, Negro e Branco.

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