Capítulo 37

"Das sete bilhões de pessoas no mundo
Existe apenas você
Quase um milhão de palavras que eu poderia dizer,
mas nenhuma delas vai contar 
O tanto de anos que eu já vivi."
-Numbers
The Cab

Ava querida, já é hora de ir para a faculdade! -Vovó avisa do outro lado da porta e aperto o travesseiro contra a minha cabeça sentindo uma vontade gigantesca de gritar.

Me levanto a contragosto e tomo um banho demorado sem me preocupar com o horário já que de todas maneiras irei direto para o cemitério jardim, como nos últimos dias.

Vovó não faz ideia que estou matando aula e isso só me deixa ainda mais desapontada comigo mesma.

Quando passei de querer mudar e mandar na minha vida a mentir para todos e fingir que tudo está bem?

O mais engraçado de tudo, é que eu sou a única culpada de toda essa merda. Eu me coloquei nesse problema, deixei o medo me dominar e fiz o que Beto ordenou em vez de escutar a mim mesma ou de pedir ajuda por medo de acabar ocasionando ainda mais destruição.

Tomo um café da manhã reforçado para não levantar suspeitas e depois de ajudar vovó com as louças sujas, pego minha mochila praticamente vazia, as chaves da moto e a carteira e deixo a casa com aquele sorriso falso no rosto.

Minhas bochechas doem de tanto aparentar que estou bem, mas essa é a única saída, pelo menos até que o semestre acabe e eu possa ir embora e tentar esquecer de tudo o que aconteceu.

Depois de minutos dirigindo pela cidade, pego a rua que me leva para o cemitério e estaciono no mesmo lugar de sempre.

Me sento no banquinho solitário e imediatamente retiro a caderneta surrada de dentro da mochila.

Procuro uma folha limpa e começo a escrever tudo o que estou sentindo, como das outras vezes.

No início essa ideia me parecia tão tonta, não fazia nenhum sentido colocar no papel as coisas que estão me machucando por dentro, mas então o tempo começou a passar e de repente me vi presa na sensação de que se eu fizer isso, estou me livrando desses fantasmas que me perseguem cada maldito dia.

É quase como um exorcismo de todos os demônios que não me deixam em paz, uma maneira de exteriorizar meus sentimentos, de me iludir e pensar que talvez algum dia ele chegue a ler essas frases ridículas e possa me perdoar por todo o mal que lhe fiz.

O mais engraçado, é que ficou bem mais fácil me abrir para um pedaço de papel do que para uma pessoa. Até porque se eu falar com alguém, sei que vão começar a me tratar diferente, ao mesmo tempo que tentarão me ajudar e acabarão se colocando em perigo.

Respiro profundamente.

— Isso nunca vai acontecer, Ava. -Murmuro sem parar de escrever.

A ponta da caneta desliza pelo papel amarelado conforme deposito nele todos meus anseios, frustrações e arrependimentos.

À essa altura já não sinto mais dificuldade em me expressar, as palavras brotam na minha cabeça como uma fonte inesgotável de puro sofrimento e dor.

Escrevo tão distraída que mal percebo as horas passando.

Eventualmente fico com fome e vou até um dos restaurantes que ficam por perto apenas para comer e voltar ao meu posto.

Dessa vez, deixo a caderneta de lado e fico observando o dia passando aos meus pés sem me importar com mais nada.

Não ligo para a faculdade, para as faltas e muito menos para a possibilidade de reprovar o semestre.

Estou sozinha em um mundo rodeado de podridão onde a única pessoa que esteve ao meu lado, que me amou como eu era com todas as minhas imperfeições, agora já não está mais comigo.

Lágrimas e mais lágrimas deslizam pela minha pele fria, algumas se perdendo na gola da blusa fina e outras se secando com a brisa vespertina antes mesmo de chegar no meu pescoço.

Se alguém me visse nesse exato momento, pensaria que estou chorando por alguma alma enterrada mais atrás no cemitério, no entanto, o meu luto tem a ver com a relação que destruí antes mesmo de começar.

— Bom, acho que é hora ir embora. -Limpo meu rosto com as pontas dos dedos, guardo o caderno de volta na mochila e subo na moto para voltar para casa com o coração pesando duas toneladas como de costume.

Provavelmente estou parecendo uma maldita dramática que não para de chorar um dia sequer, só que infelizmente, essa é a única maneira de continuar lidando com toda essa merda.

Se eu não chorar, sei que vou explodir a qualquer momento e tenho medo do que possa ocasionar se isso chegar a ocorrer.

Não quero machucar mais ninguém, é por isso que prefiro passar todas as tardes sozinha e evitar que os estilhaços da bomba que eu mesma explodi machuquem mais alguém.

Deus, como sinto falta dele.

Queria tanto que Jhonatan estivesse aqui para me dizer que tudo vai ficar bem, que eu vou conseguir lidar com toda essa confusão, que ele acredita em mim e não vai me deixar sozinha nessa.

— Você mesma provocou isso, Ava, agora arque com as consequências. -Sussurro ao mesmo tempo que chuto o pedal da moto com mais força do que a necessária.

Ótimo, agora estou falando sozinha.

Era só o que faltava para completar minha lista de absurdos, reflito com um sorriso amargo antes de colocar Mabel em marcha e chegar em casa em minutos.

Dessa vez não parei para olhar o cenário ao meu redor.

Não faz sentido querer desfrutar de uma vista que nunca mais terei o prazer de apreciar.

É uma perda de tempo.

Estaciono com cuidado, fecho o portão e subo direto para o meu quarto.

Preciso de um banho e quem sabe de uma vida nova onde não exista Beto nem os meus pais e muito menos uma relação fracassada.

Seco meu corpo sem vontade para nada e me jogo na cama depois de colocar um pijama qualquer.

Me encolho no colchão sem força até mesmo para me cobrir e outra vez as lágrimas molham o lençol sem a minha permissão.

Quando isso vai parar? Quando essa dor vai finalmente desaparecer?

Porque meu peito já não suporta mais carregar o peso da decepção.

— Querida, o jantar está pronto... -Vovó dá batidinhas na porta e ao olhar as horas no telefone, levo um susto ao notar que dormi por quase três horas seguidas.

— Já vou! -Respondo com a voz rouca.

Lavo o rosto com água bem fria antes de enfiar aquele maldito sorriso no rosto e descer até a cozinha.

Como era de se esperar, a mesa já está posta me sento na mesma cadeira que ocupei desde que cheguei aqui.

Eu fui tão tola em acreditar que poderia pertencer a algum lugar.

Nunca vai ser assim.

Estou fadada a viver sempre escapando, fugindo de pessoas que só querem meu mal.

— Está muito gostoso, vovó, obrigada. -Afirmo depois de levar algumas colheradas até a boca.

O clima esfriou de uma hora para a outra e ela decidiu preparar uma canja de galinha para esquentar um pouco.

— Que bom meu amor, sabia que iria gostar. -Ela me analisa com astúcia.

— Uhum. -Desvio o olhar do seu e ela franze o cenho.

— Ainda estão separados, não é mesmo? -Balanço a cabeça para cima e para baixo. — Por que não conversa com ele? -Solto uma risadinha desanimada.

Se ela soubesse que já conversei e que pior ainda, estou planejando desaparecer sem dizer nada para ninguém.

— Ele não quer me ouvir. Na verdade, é melhor assim.

Vovó dá a volta na mesa e puxa uma cadeira se sentando ao meu lado.

Ela acaricia a minha bochecha com uma mão enquanto enrosca meus dedos com a outra.

— Sabe, o amor não é fácil. Ele nos consome de dentro para fora e se permitirmos, nos obriga a fazer ou a dizer coisas das quais podemos nos arrepender no futuro.

Aceno com a cabeça entendendo o seu ponto.

Vovó não é boba e deve ter notado que algo está acontecendo, porém ela é tão boa comigo que jamais vai me pressionar para que lhe diga, ao contrário dos meus pais.

— E o que fazer quando o arrependimento te corrói tanto que já não restam lágrimas para chorar? -Murmuro engolindo o nó que se forma na minha garganta.

— Aí você levanta a cabeça e segue adiante, não importa o que aconteça. O feito, feito está, meu amor. Não há volta atrás. -Seus dedos apertam minha bochecha de leve. — O que resta é aceitar o seu erro e tentar remediá-lo sabendo que o resultado pode ser positivo ou negativo, mas que mesmo assim, você tentou e ainda terá toda uma vida para viver.

Respiro fundo absorvendo cada uma das suas palavras como um mantra sagrado.

— Como sempre, você tem razão, Elizabeth Dalton. -Beijo sua testa com carinho. — Obrigada por ficar sempre ao meu lado.

Vovó arfa indignada.

— Você é minha neta, Ava. Te amo com todo o meu ser, portanto sempre vou te apoiar, não importa o que aconteça.

Nesse momento, percebo que por mais que tudo esteja desabando ao meu redor, ainda assim, terei quem me levante do chão.

Abraço seu corpo em um aperto que significa muito mais do que ela imagina.

Vovó não faz ideia do que se passa na minha cabeça, mas seus braços devolvem o gesto me fazendo acreditar pela primeira vez que eu realmente não estou sozinha.

Ficamos alguns minutos sem nos mover, até que nos afastamos lentamente e ela beija o topo da minha cabeça com carinho.

— Vá dormir querida, descanse um pouco e saiba que por mais difícil que pareça, amanhã será outro dia.

— Tudo bem. -Me levanto com cuidado. — Me deixe só limpar tudo isso. -Afirmo diante do seu protesto. Por mais que vovó insista em fazer tudo e me garanta que ela aguenta o batente, ela está cansada e não seria legal da minha parte deixá-la toda essa carga. Por isso, sempre arrumo a casa para não obrigá-la a varrer ou passar pano. É o mínimo que posso fazer já que ela literalmente me deu um lar para viver e nunca pediu nada em troca.

O alarme toca sem parar e estapeio o pobre celular tentando cessar a música irritante. Me levanto da cama com a mesma falta de ânimo das últimas semanas, escovo meus dentes sem nem me dar o trabalho de olhar meu rosto no espelho ou de passar uma maquiagem para esconder as olheiras.

Tenho tanto nojo de mim mesma, que não sei como ainda me suporto.

Só de pensar no Jhonatan deve estar fazendo, no que ele provavelmente está pensando sobre mim, meu estômago se revira.

Não quero nem chegar a imaginá-lo com outra garota. Isso seria demais para o meu coração despedaçado.

Ao descer até a cozinha depois de me arrumar, encontro meu café da manhã sob uma redoma de plástico juntamente com um bilhetinho.

"Tive que sair mais cedo, meu amor, minha consulta se adiantou e não posso perder esse lugar na fila. Deixei seu café da manhã preparado, por favor, coma tudo antes de ir para a aula.

Com amor, vovó."

Aperto o pequeno pedaço de papel contra o peito e um sorriso se forma no meu rosto.

Vovó cuida de mim mesmo quando não está por perto.

Assim como ela pediu, devoro cada quitute que foi preparado com muito carinho antes de arrumar tudo e sair.

Pelo menos hoje não terei que mentir na sua cara.

Vou direto para o cemitério, mas dessa vez, não me sento no banquinho.

Decidi trazer uma manta e uma pequena cesta com frutas e algo de suco para passar a tarde.

Como se trata de um cemitério jardim, existem muitos lugares onde posso me deitar sem ter que pisar em alguma cova ou profanar algum túmulo.

Encontro o lugar perfeito para me esconder do mundo real e estendo o pedaço de pano debaixo de uma árvore frondosa que me proporciona uma sombra fresca.

Deito devagar com cuidado para não derrubar as coisas de dentro da minha mochila e depois de tirar a pequena lancheira com a comida, uso-a de travesseiro juntamente com a jaqueta que me protege quando estou pilotando..

Hoje não estou com tanta vontade assim de escrever, então simplesmente contemplo o céu ocupado por apenas algumas nuvens esporádicas entre as folhas até que meus olhos ficam tão pesados que pego no sono.

Acordo horas depois com o canto de um pássaro à distância e agradeço mentalmente por não ter sido incomodada enquanto estava dormindo.

Não sei o que deu na minha cabeça ao ficar tão exposta assim.

Devo estar tão perdida em mim mesma que simplesmente não consigo mais resistir ao cansaço.

Reviso meu celular para ver se não tenho nenhuma mensagem de Lanna e quase caio para trás ao encontrar com pelo menos dez chamadas perdidas de Julieta.

Oh não.

Junto apressada todas as minhas coisas e enfio dentro da mochila com o coração batendo acelerado dentro do peito.

Mergulhei tão fundo na autocompaixão, que esqueci completamente da minha amiga.

Eu sou uma péssima pessoa.

Passo a alça da mochila no meu ombro e rumo até o estacionamento sem parar de pensar no que fazer para que ela me desculpe por ter sido tão ausente depois de terminar com Jhonatan.

Caminho cabisbaixa pela grama esverdeada e chuto algumas pedrinhas conforme vou chegando mais perto da minha moto.

Escuto um barulho de carro subindo e solto uma longa respiração.

Ainda bem que acordei, caso contrário, acabaria sendo observada por algum estranho ou quem sabe até ligariam para a polícia para me tirar daqui.

Deixo o capacete no guidão da moto enquanto ajeito a mochila dentro do compartimento para poder dirigir mais confortável.

De repente, respiro fundo ficando nervosa sem entender o porquê.

Balanço a cabeça sorrindo para mim mesma.

Devo estar ficando maluca, só pode.

Faço duas tranças no cabelo para que ele não fique tão embaraçado na viagem de volta e quando estou quase acabando, me viro para subir na moto, no entanto, paraliso por completo ao enxergar de longe a figura de uma pessoa que jamais imaginei que veria outra vez.

Jhonny desce do carro de qualquer jeito e caminha a passos rápidos na minha direção.

Seu olhar está fixo no meu e prendo a respiração durante todo o seu percurso, até que ele para na minha frente com o cenho franzido e lágrimas escorrendo pelas bochechas avermelhadas.

Será que aconteceu alguma coisa?

Por favor, que esteja tudo bem com ele, que Beto não tenha feito nada, por favor.

— Jhonny o que... -começo a falar, mas então sou interrompida pelos seus braços que me puxam para perto de si, meu corpo colidindo com o seu e o seu perfume se impregnando em todo o meu ser me lembrando por um breve momento, qual a sensação de ser feliz. 

NOTA DO AUTOR
Helloooo amores da minha vida! 
Como prometido, aqui está o capítulo de hoje...
Eu disse que os dias de glória estavam chegando, não é mesmo?
Mas não confiem mto tbm não pq sabem que eu sou doida haahha
Espero que tenham gostado, 
Não se esqueçam de votar e comentar!

Amo vcs,🥰
Bjinhossss BF 🖤🖤🖤

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