Capítulo 33
"Espere
Eu nunca quis te fazer mal
Não tenho pernas para ficar em pé
Eu estava apenas dançando no escuro"
-Place in Me
Luke Hemmings
Já passou quase uma semana desde que fui ao cinema com Jhonatan.
Cinco dias sem receber nenhuma mensagem ou ligação de Beto.
Estou preocupada, mas ao mesmo tempo aliviada por não tê-lo na minha cola durante esse curto tempo.
Começo a pensar que aquele episódio foi tudo coisa da minha cabeça por conta da sua perseguição e rezo para que o garoto tenha finalmente desistido de mim.
Sorrio amargamente para mim mesma sabendo que isso é praticamente impossível.
Roberto é como um animal faminto quando ganha um osso: ele não o solta por nada.
E isso me dá medo.
Me faz pensar até onde ele seria capaz de ir para conseguir o que quer, o que ele faria para não ficar em desvantagem.
Me olho no espelho pela décima vez, dizendo a mim mesma que vai ficar tudo bem.
Uma mentira que faço questão de engolir cada manhã, que desce raspando pela minha garganta e faz meu peito se apertar duramente.
E ao ver o meu reflexo, não me reconheço mais.
Os olhos fundos e apagados, o cenho franzido e os lábios apertados em uma linha dura e fina.
Essa não sou eu. Nunca foi.
Quando era criança, apesar de não ter recebido todo o carinho dos meus pais, eu poderia dizer que era feliz à minha maneira.
E agora, quando pensava que poderia voltar ao que era antes, que poderia finalmente conhecer o amor de verdade e principalmente sentir que sou querida por alguém, eu acordo dessa ilusão da pior maneira.
De forma automática passo creme na minha pele, depois o protetor solar e por último borrifo algo de perfume no pescoço e pulsos.
Vovó não está na sala e nem na cozinha quando desço e lembro que ela tinha uma consulta com o médico marcada para hoje de manhã.
Tomo um café rápido e corro para a faculdade desejando encontrar Jhonatan para tentar esquecer de toda essa tempestade que me rodeia nem que seja por alguns minutos.
Ao chegar, não encontro o garoto em lugar nenhum e respiro fundo tentando me tranquilizar.
Mas que droga.
Eu sabia que chegaria um momento em que ficaria dependente de outra pessoa e embora saiba que Jhonny jamais usaria isso contra mim, mesmo assim eu me sinto uma idiota por precisar dele para estar bem.
Eu sou uma idiota.
Também não encontro Julieta e muito menos Bianca.
Ultimamente Juli está enfiada nos livros se preparando para as provas finais e só de lembrar que eu deveria estar fazendo o mesmo, meu estômago se contorce em ansiedade.
Por falar nisso, quase não falei com Julio esses dias. Pelo que sei, como estão chegando as férias de meio do ano, ele está com vários carros para revisão e quase não tem tempo para nada.
Novamente estou sozinha.
Caminho para a sala onde passarei a primeira aula com a mente tão dispersa que por pouco não percebo a aproximação de um garoto que nunca vi na vida.
— Ava? Ava Rice? -Ele pergunta baixinho.
— Hã... sim?
Seus olhos incrivelmente verdes me fitam de maneira estranha e ele solta um suspiro juntamente com um sorrisinho aliviado.
— Que bom que finalmente te encontrei. O seu namorado pediu para te avisar que ele está te esperando no laboratório de computação. -Franzo o cenho tentando achar uma explicação lógica para tudo isso.
— Se ele quer realmente me ver, por que diabos não me ligou ou mandou mensagem diretamente? -Indago verdadeiramente confundida.
— Não sei, gata. Sou apenas o mensageiro, adeus. -Ele dá de ombros e se afasta sem dar maiores explicações.
O que será que Jhonatan está tramando?
Que seja, de todas maneiras queria encontrar com ele.
Giro meu corpo e começo a andar na direção contrária até o laboratório com um sorrisinho animado no rosto.
Ao chegar na porta, arrumo meus cabelos que devem estar feito um desastre por conta do capacete e do vento que peguei no caminho até aqui. Uma vez que estou minimamente decente, giro a maçaneta e entro na sala sendo recebida por uma escuridão inusual.
— Muito bem, Jhonny, aqui estou como você pediu e... -Paro de falar imediatamente quando uma figura completamente diferente da que estava esperando aparece no meu campo de visão.
Meu coração não sabe se bate rápido como o de um cavalo de corrida ou se para de uma vez.
O ar some dos meus pulmões lentamente e minha vista nubla tanto que por alguns segundos não enxergo nada.
— O-o que está fazendo aqui? -Forço as palavras a saírem da minha boca e me maldigo mentalmente por demonstrar fragilidade diante desse ser desprezível.
— Mas olha só para isso. Pensei que seria recebido de uma forma mais... animada. -A voz sombria de Beto preenche a sala vazia e minha vontade é de sair correndo.
Deus, como pude algum dia estar apaixonada por ele?
Os cabelos castanhos claros penteados minuciosamente para um lado, os olhos verdes que carregam um brilho de maldade pura e o corpo bronzeado e musculoso que é desejado por uma multidão de meninas que não fazem ideia de como ele é por trás de toda essa fachada de garoto bom.
Até chego a ir até a porta para dar o fora daqui, no entanto, seus dedos seguram meu pulso com uma força desnecessária e meu estômago embrulha imediatamente ao sentir o seu toque nojento sobre mim.
Imagens do nosso último encontro piscam dentro da minha cabeça e preciso de uma força sobrenatural para conseguir me manter em pé.
— Não se atreva a dar as costas para mim outra vez, garota. -Faço uma careta com a dor que ele infringe na minha pele e puxo o braço de supetão.
Meus olhos se enchem de lágrimas e novamente me vejo naquela situação do passado.
Novamente estou sendo dominada pelo medo que me impediu de reagir, mas isso não pode continuar. Eu prometi a mim mesma que ia lutar.
— Eu vou fazer o que me der na telha, Roberto. -Rosno dando passos curtos até a porta. — E por favor, dê o fora daqui e não volte mais. -Completo séria e recebo uma gargalhada sonora como resposta.
— Acha mesmo que pode mandar em mim depois de todos esses anos? Tsc. Tsc. Tsc. -Ele faz um barulho estalado com a língua. — Escuta aqui, vadiazinha, o seu prazo acabou e como prometi, vim buscar o que é meu. -Levanto o queixo para não deixá-lo notar que estou aterrorizada por dentro.
— Já disse que eu não quero nada com você, idiota. Nunca vou querer.
— Oh querida, ainda não entendeu, não é mesmo? -Uno as sobrancelhas ao ver a sua expressão se suavizar como se ele estivesse falando com uma criança. — Estou pouco me fodendo para o que você quer! Além do mais, você tem uma obrigação que cumprir não só comigo, mas também com a sua família.
— Obrigação? Ficou maluco por acaso?
— É, Ava! Você é filha de duas das pessoas mais influentes da sua cidade e deve agir como tal. Nós fazemos parte da realeza daquele lugar, as garotas querem ser como você, elas querem ter um namorado como eu, rico e cheio de contatos... consegue notar a grande chance que está desperdiçando apenas por pirraça? -Não consigo parar de rir de tão ridículo que soa esse seu discurso.
No entanto, sei que Roberto acredita fielmente nesse ideal maluco, bem como sei que devo mudar de estratégia se quiser sair inteira daqui.
Me aproximo dele com o coração galopando dentro do peito e indo contra todos os meus instintos de proteção, levo a mão até o seu rosto e acaricio a sua bochecha contendo o nojo que sinto apenas por tocá-lo.
— Quer mesmo estar com uma pessoa que não te ama apenas pelo poder e dinheiro? Olhe só para mim, Beto, não estou à sua altura... nós sequer combinamos, e-eu estou cheia de tatuagens, não sou a garota adequada para você. -Sorrio com falsa empatia. — Tenho certeza que pode encontrar alguém que esteja interessada nas mesmas coisas que você. Nós... nós podemos continuar sendo amigos e... -Sou interrompida de supetão e ele afasta minhas mãos do seu rosto com violência.
— Acha mesmo que vou cair nesse seu papinho, Rice? -Sorri de uma maneira macabra. — E isso... -ele aponta para as minhas tatuagens. — Isso pode ser resolvido com algumas sessões de laser. -Afirma com convicção.
Nesse momento entendo que ele não vai mudar de ideia, não importa o que aconteça e fico sério outra vez.
— Escuta aqui seu verme, jamais vou voltar para aquele inferno e muito menos ficar com você, entendeu? Eu te odeio, odeio os meus pais e tudo o que tenha a ver com vocês, e se continuar me importunando, vou gritar tão alto que virão policiais até da maldita China para me socorrer. -Repito a frase que ele me disse por mensagem e percebo que cometi um erro.
Um grande e estúpido erro.
— Oh, pobrezinha. Vir morar nessa cidade te fez pensar que poderia ir contra mim? -Sua risada faz meu corpo inteiro estremecer. — Ou será que foi aquele seu namoradinho, como é mesmo o seu nome? Jhonatan... algo?
Arregalo os olhos.
— Não se atreva a se aproximar dele. -Ameaço com a mandíbula tão apertada que sinto até o barulho dos ossos praticamente saindo do lugar.
— Pode ficar tranquila, meu amor, não tocarei em um fio de cabelo daquele marginalzinho, mas sabe, seria uma pena se os freios da sua picape preta parassem de funcionar. Hoje em dia os acidentes são mais comuns do que imaginamos... -Seus olhos brilham conforme ele fala e engulo em seco sentindo meu mundo desabar pedaço por pedaço.
Minhas bochechas ficam encharcadas com as lágrimas desesperadas e nesse instante Beto entende que pelo menos por agora, ele venceu.
— Por favor, não coloque-o em perigo por minha causa... por favor. -Imploro com a voz embargada. — Pela nossa amizade, Beto, deixe-o em paz! -Grito.
Roberto se aproxima a passos lentos até parar bem na minha frente e coloca uma porção de cabelo atrás da minha orelha fazendo todo o meu corpo estremecer de medo.
Seu rosto está a centímetros dos meus e faço uma careta.
— Você vai terminar com aquele garoto e vai voltar para casa comigo, Ava, ou quem vai sofrer as consequências será ele, já que não posso tocar em você até que estejamos casados. -Aperto as pálpebras o mais forte que consigo desejando que tudo isso não passe de um pesadelo.
Por favor. Por favor. Por favor.
E para o meu desgosto, quando abro os olhos, ele continua ali na minha frente.
— Por favor, Beto... -Sussurro em um último vestígio de esperança.
— Tenho olhos e boca nessa universidade, não se esqueça disso. -Ele desliza o dedão pela minha bochecha em uma carícia asquerosa. — E trate de não demorar, não me faça perder ainda mais a paciência. -Agora ele sussurra apertando o meu queixo e fazendo todo o meu rosto doer.
Sem esperar por uma resposta, Beto sai da sala e fico sozinha dentro do lugar escuro, com o coração tão pesado que não consigo sequer me manter de pé.
Me jogo em uma das cadeiras vazias e esfrego o rosto com as duas mãos em uma tentativa inútil de me tranquilizar.
O que eu vou fazer? Se não obedecer Beto, Jhonny pode ficar em perigo.
E se obedecer... estarei praticamente assinando minha sentença para a infelicidade.
Mas pelo menos essa dor eu sou capaz de suportar.
Jamais me perdoaria se acontecesse algo com o garoto que amo, e farei o que for preciso para mantê-lo a salvo, mesmo que isso me destrua por dentro.
Eu devo isso a ele, por todos esses momentos felizes que passamos juntos e por todo o amor que recebi durante esse tempo.
Procuro o celular para acabar com essa tortura de uma vez, e como se o garoto lesse meus pensamentos, o aparelho começa a vibrar nas minhas mãos e seu nome pisca na tela fazendo um arrepio percorrer na minha espinha.
— Oi amor, te procurei pela faculdade inteira... estou morrendo de saudades. -A voz de Jhonatan perfura meu peito e uso toda a força que me resta para não desabar.
— Estou na sala de computação. -Respondo fria. — Na verdade, que bom que ligou, precisamos conversar. -As lágrimas escorrem livremente pelo meu rosto.
— Está tudo bem, Ava? -Aperto a boca e as pálpebras sentindo meu corpo inteiro tremer.
— Sim, hã... te espero aqui, não demore por favor. -Encerro a ligação e jogo o celular de qualquer jeito dentro da mochila.
Caminho pela sala rogando para que de alguma forma Jhonatan não venha, que ele encontre algum amigo e se distraia conversando ou que liguem para ele e o chamem para alguma tarefa ridícula, qualquer coisa com tal de evitar que ele apareça.
Repito as mesmas palavras uma e outra vez como um mantra, e quando ele atravessa a porta com um semblante preocupado no rosto, sei que o que estou prestes a fazer será a coisa mais difícil da minha vida.
— Ei, o que houve? -Ele se aproxima e tenta me beijar, mas me afasto com o coração apertado. — Ava? -Seus olhos buscam uma resposta para esse meu comportamento estranho e puxo uma longa respiração levantando o queixo para não deixar transparecer como estou sofrendo por dentro.
— Eu... -começo com a voz embargada. — Eu devo te contar algo. -Balanço a cabeça para um lado e para o outro.
— Ok... -Jhonny levanta a mão para tocar meu rosto e seguro seu pulso com cuidado. — Por favor, me diga o que está acontecendo. -A aflição está mais do que evidente na sua voz baixa.
Tento organizar as palavras que estouram como pipocas na minha mente perturbada e respiro fundo novamente antes de falar.
Que Deus me ajude.
— Lembra aquela história que a Bianca te contou sobre a aposta? -Ele confirma com o cenho franzido. — Era tudo verdade. -Ao contrário da reação que pensei que ele teria, um sorrisinho confundido se forma nos seus lábios carnudos.
— Caramba, Ava, você me assustou! Pensei que estava falando sério quando disse que precisávamos conversar e...
— É sério, Jhonatan. Tudo foi um plano meu e dela para se vingar de você. -Continuo respirando com dificuldade.
— M-mas... -fico de costas para não ter que ver a decepção no seu rosto. — Você me disse que era tudo mentira aquele dia, e-eu acreditei, eu...
— Foi tudo parte do nosso plano, será que não entende? -Rosno furiosa comigo mesma.
— Por quê? -Ele pergunta com a voz entrecortada.
— Porque você é um maldito galinha, Jhonatan. Ama iludir as garotas dessa universidade e precisava receber o seu merecido. -Limpo uma lágrima com o punho sem que ele perceba. — Você achou que continuaria fazendo isso para sempre? Usando as garotas para o seu prazer e quando elas se apaixonam você as descarta como se fossem objetos? -Cuspo as palavras sentindo seu sabor amargo entre meus lábios. — Você é tão ingênuo. Bastou apenas um não pra você rastejar por mim até conseguir um sim. -Concluo experimentando a dor pungente de mentir para o amor da minha vida.
— Droga, Ava, eu pensei que estivéssemos na mesma sintonia, pensei que me amasse como eu te amo...
Solto uma gargalhada sonora.
— Amar você? Alguma vez eu te disse isso? -Seus olhos se enchem de lágrimas e de repente não me importo mais com esconder o meu sofrimento. — Vocês homens gostam de um desafio. Foi tudo calculado, Jhonatan, e você caiu na isca como um patinho. Tudo isso foi pra você ver o que é ter o coração partido ou descartado por alguém que não está nem aí para os seus sentimentos.
— Por que está fazendo isso? O que você ganha com toda essa merda, heim? - Pela primeira vez desde que o conheço, vejo-o gritar e perder completamente a compostura e nego com a cabeça.
Se ele soubesse como estou estilhaçada.
— Desde o início o meu desafio era te conquistar e depois quebrar o seu coração. -Explico com a voz desprovida de qualquer sentimento aparente.
Estou entorpecida por inteiro. Minhas pernas e braços se adormecem rapidamente e a boca tão seca que beberia pelo menos uns três litros de água de uma só vez.
— Pois meus parabéns Ava, você acaba de ganhar a sua maldita aposta. -Ele dispara antes de sair da sala a passos firmes e fechar a porta em um estrondo.
Nesse momento eu fico consciente do que acaba de acontecer, da enorme tolice que cometi e então minha respiração falha, não consigo respirar e minhas pernas pesam tanto que desabo no chão ficando de joelhos sem me importar com a dor que sinto ao golpear o porcelanato frio.
Apoio minhas mãos nas coxas e tombo a cabeça para trás deixando que um grito silencioso se desprenda do mais profundo do meu ser.
Como eu fui capaz de fazer isso? Como tive coragem de feri-lo dessa maneira?
Choro desconsoladamente ao compreender que por mais que essa pareça ser a decisão correta a tomar, no final das contas, eu joguei fora a única chance que tinha de ser feliz.
Só espero que você me perdoe algum dia, meu amor.
"Não se mexa
Não podemos apenas ficar?
Podemos começar de novo?
Não desapareça
Porque você sempre terá um lugar em mim
Você sempre terá um lugar em mim"
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