Capítulo 17

"O coração é um botão de flor
Que floresce em meio ao chão pedregoso
Não há nenhum quarto
Nenhum espaço para alugar nesta cidade
Você está sem sorte
E sem o motivo que tinha para importar-se
O trânsito está parado
E você não está indo a lugar algum."
-Beautiful Day
U2



Ai... -Sinto uma leve fisgada ao passar a pomada cicatrizante pela quinta tatuagem que fiz em um lapso de um mês.

Não sei se é porque realmente gosto da sensação, ou se é uma forma de dizer aos meus pais, mesmo sabendo que eles provavelmente nunca vão me escutar, que finalmente eu estou no controle da minha vida.

E posso fazer o que bem entender como o meu maldito corpo.

De todas maneiras, uma vez que comecei, não consigo mais parar.

É como um vício que me faz ligar para o estúdio de Nick e marcar um horário antes mesmo da última tatuagem cicatrizar por completo.

O melhor de tudo isso, é que a cada momento que me olho no espelho, sinto que pela primeira vez em muito tempo, estou me amando exatamente como sou.

Deslizo os dedos com cuidado pela pele da minha coxa esfregando suavemente a pomada em cima da tatuagem recente.

Dessa vez escolhi a figura de uma silhueta se abraçando, só que no lugar da cabeça, são rosas com os talos e espinhos.

Se trata de mim me aceitando exatamente como sou. Com espinhos e tudo.

Sorrio ao lembrar de como Olívia ficou maravilhada com o resultado do próprio trabalho. Pelo que ela mesma me contou, ainda é iniciante, mas sendo sincera, seu trabalho é perfeito.

O bom é que a tensão sexual entre ela e Nick serve de distração. Aqueles dois se desejam tanto que é praticamente impossível não notar. E de uns dias para cá, eles parecem até mais íntimos, quase como se algo tivesse acontecido.

Nick não parou de sorrir enquanto observava a morena tatuando. Seu olhar orgulhoso foi a coisa mais fofa que já vi. Dá para ver que ele confia em Olívia e sabe que ela pode chegar a ser tão boa quanto ele mesmo.

Às vezes só precisamos que alguém nos dê um voto de confiança para podermos mostrar do que somos capazes.

Olho para o espelho decidindo que eu farei isso por mim mesma. Eu vou começar a aceitar que eu sou capaz de qualquer coisa e tentar esquecer de tudo o que me fizeram acreditar quando tentavam me diminuir.

Pelo menos, sei que aqui não estou sozinha nessa.

E por falar em vovó, ela não dormiu em casa outra vez.

E ainda se recusa a deixar Hugo passar uma noite no seu quarto por mais que eu tenha dito que não ligo.

Quando os encontrei naquele dia no sofá, mais tarde, depois de fazer minha tatuagem, tivemos a conversa que ela solicitou.

Depois de quase meia hora tranquilizando-a e dizendo que realmente não me importo de vê-la namorando, tive que prometer que se Hugo chegasse a passar dos limites para cima de mim, eu lhe diria imediatamente.

Sorrio me divertindo ao lembrar do seu rosto preocupado como se ela fosse a adolescente e não eu.

Termino de higienizar a tatuagem e tampo o potinho de pomada quase vazio.

Ao fazer isso, inevitavelmente penso em Jhonatan, como sempre.

Assim como prometeu desde aquela bendita conversa após o nosso beijo, ele me passou a me tratar como sua amiga.

Nos reunimos para fazer os trabalhos para o final do semestre, conversamos aleatoriedades nos momentos de descanso e quando a aula acaba, ele me acompanha até o estacionamento e cada um pega o seu caminho para casa.

Embora eu mesma tenha pedido por isso, não estou gostando nada dessa distância entre nós dois, por mais que aparentemente tudo esteja normal.

Sinto que ele se controla para não dizer algumas coisas mais profundas ou para evitar me tocar e confesso que em alguns momentos desejo com todas as minhas forças que ele mande para casa do caralho o que lhe disse e me beije do mesmo jeito que ele fez aquele dia no laboratório de computação.

Sei que estou sendo confusa e bastante indecisa e que provavelmente ele até já deve ter se cansado e está me tratando bem por pena, e não o julgo. De verdade.

Ninguém teria a paciência e muito menos a obrigação de ter que lidar com uma pessoa tão ferrada quanto eu.

Uma vez que o creme foi absorvido completamente, visto uma bermuda jeans e uma calça folgada por cima para não pegar sol enquanto dirijo até a faculdade.

Procuro um lugar debaixo de uma sombra para estacionar e ao descer da Mabel, a primeira coisa que vejo é Jhonatan fechando a porta da sua picape em um movimento seco. Como se ele sentisse a minha presença, sua cabeça gira e ele abre um sorrisinho torto ao me ver e caminha até parar na minha frente cruzando os braços, um gesto que ele vem fazendo bastante ultimamente.

— Alguém te empurrou para fora da cama hoje? -Zombo retirando o capacete e penteando meus cabelos com os dedos.

Talvez... -Seus olhos me observam atentos e me controlo para não soltar um arquejo.

— Hum. -Murmuro sentindo o gosto amargo na boca por uma brincadeira que eu mesma comecei.

— E você, o que aconteceu que decidiu vir mais cedo? -Algumas pessoas passam por nós dois cochichando e espero que elas se afastem o suficiente para retirar a minha calça.

— Sempre chego cedo, Jhonatan. -Levo os dedos até a minha cintura e abaixo o tecido macio até os pés.

Jhonny ao ver o que estou fazendo, se coloca na minha frente em um pulo e solta um palavrão de uma maneira tão engraçada que quase caio no chão por não conseguir conter as gargalhadas.

— O que diabos está fazendo, Ava? Ficou maluca por acaso? -Seus olhos varrem o estacionamento antes de realmente voltarem a olhar para mim.

— Fique calmo, cavaleiro dourado, que estou muito bem vestida. Não precisa se preocupar. -Me levanto mostrando a bermuda jeans que levava embaixo da calça e no momento em que ele vê minhas pernas, seus olhos se arregalam tanto que ele parece uma criancinha vendo seu brinquedo preferido ganhando vida.

— Uau... -Para a minha surpresa, Jhonatan se abaixa até ficar na altura da minha coxa e um arrepio percorre todo o meu corpo ao sentir seus dedos contornando a tatuagem com cuidado para não chegar a tocar a parte que ainda está se cicatrizando. — É perfeita.

Engulo em seco.

— O-obrigada. -Me afasto com cuidado e sua cabeça pende para cima me proporcionando uma visão maravilhosamente sensual.

Seus olhos piscam devagar e é como se estivesse vendo tudo em câmera lenta.

Oh por Deus.

Escutamos alguns assobios de longe e Jhonny fica em pé rapidamente negando com a cabeça parecendo sair de um transe.

— Vamos, nossa aula já vai começar. -Ele suspira esfregando a testa e de repente estamos caminhando lado a lado em direção à entrada da universidade.

Aqui dentro as pessoas parecem já ter se acostumado a nos ver juntos e para o meu alívio não somos mais motivo de fofoca.

Por falar em fofoca, Bianca não me deixou em paz um segundo sequer depois de descobrir que Jhonny e eu estamos no mesmo grupo para o trabalho do final de semestre.

Ela insiste em que eu faça aquela loucura de enganá-lo para se vingar e sinceramente, começo a pensar que ela só está com raiva do garoto porque ele não quis levar as coisas com ela adiante e isso deve tê-la deixado com o ego ferido.

Desde que cheguei na Brown, escutei muitos boatos sobre Jhonatan Cross. Alguns diziam que ele era um galinha sem coração, outros que ele simplesmente tem aversão aos compromissos e uma pequena parcela afirma que ele é apenas um cara solteiro que quer se divertir.

E a cada dia que passa me sinto mais tentada a acreditar na última versão dos fatos.

Entramos na sala sem dizer nada e me sento em uma das cadeiras vazias. Jhonatan ocupa o lugar ao meu lado e deixa a mochila largada no chão de qualquer jeito.

O professor chega alguns minutos depois e inicia a aula com a mesma animação de um bicho-preguiça.

— Oh vamos, Ava! Você precisa sair e se divertir... -Julieta insiste pela milésima vez.

A sexta-feira chegou em um piscar de olhos e a namorada do meu amigo enfiou na cabeça que preciso acompanhá-la até uma festa já que Júlio está ocupado fazendo o inventário da mecânica e não pode ir com a amada.

— Não sei se é uma boa ideia, Juli. A última vez que bebi, digamos que as coisas não saíram muito bem. -Respiro fundo para não deixar que as lembranças me ataquem como sempre fazem quando lembro de Beto, o idiota do meu ex namorado.

Ele não entendia ou simplesmente não ligava para as minhas decisões e sentimentos.

Cada vez que penso em como fui submetida a essa relação apenas por conveniência sinto meu estômago se embrulhar.

Porque para qualquer cidadão daquela cidade infernal, Roberto era um exemplo a seguir. Filho do prefeito e imagem pública aplaudida pelos meus pais em busca de benefícios para eles mesmos. Babacas.

— Não precisa se preocupar, amiga. Eu não vou permitir que nada te aconteça. -A garota promete com aquele olhar de cachorrinho pidão. — Por favor... -Seus dedos se unem em um gesto de oração e sei que nesse momento perdi a batalha.

Sacudo a cabeça e solto uma longa respiração.

— Ok, eu vou. -Ela dá pulinhos e bate palmas animadas. — Mas com uma condição. -Declaro e Julieta fica em silêncio rapidamente esperando que continue com a minha petição. — Você tem que me prometer que não vai se afastar de mim e principalmente que não vai me deixar beber.

— Só isso? -Balanço a cabeça em concordância. — Fique tranquila, vou ficar tão colada em você que vão achar que somos uma pessoa só. -Julieta afirma com convicção e deixo escapar uma risadinha. Essa garota é maluca.

— Tudo bem, tudo bem. Não precisa exagerar. -Levanto as mãos em rendição.

— Julio não está indo comigo, Ava, portanto só quero dançar com uma amiga até que meus pés fiquem cansados. -Sorrio ao escutar a última frase.

É engraçado como Bianca e ela são tão diferentes. Por um lado, Julieta é alegre, gosta de se divertir e não liga para que os outros digam. E por outro lado está Bia, que vive em base ao que pensam dela.

Se Bianca tivesse me convidado para essa festa, tenho certeza que a resposta seria um rotundo não. Não sei porque não me sinto confortável na sua presença. Deve ser alguma neura da minha cabeça.

Tento não pensar nisso.

Como Julieta não tem carro, dou uma carona até o seu apartamento para que ela pegue suas roupas e maquiagem e rumamos até a minha casa para nos arrumarmos.

Nem preciso dizer que ela está super animada pois segundo o que ela mesma disse, nunca foi de ter tantas amigas. Se ela soubesse que minha única amiga até agora era minha prima que vive a quilômetros de distância...

Ao chegar em casa, guardo a moto na garagem e vou até a sala. Vovó e Hugo assistem um filme abraçados no sofá e cumprimentamos os dois rapidamente antes de subir até o meu quarto para tomar um banho.

— Nem louca vou colocar isso, Juli. -Seguro uma blusa cropped com alça fina entre os dedos.

— Tenho certeza que ela ficará linda em você! Precisa mostrar todas essas suas tatuagens, garota! -Seus lábios se franzem de maneira solene e solto uma gargalhada sonora.

— Eu as faço para mim, querida, não para os demais. -Murmuro girando os olhos, mas o gesto parece não lhe afetar em nada.

— Eu sei, Ava, porém o mundo deve conhecer a sua beleza. Quem dera eu tivesse coragem para fazer o mesmo. -A frase sai em um tom sonhador e seguro seu rosto com as duas mãos.

— Te garanto que não dói tanto quanto dizem, basta começar com uma e você não vai conseguir mais parar, vai por mim. -Afirmo e ela concorda com a cabeça.

— Você tem razão, algum dia farei uma -promete. — E não mude de assunto, aqui, coloque-a logo que a festa já deve ter começado.

Julieta empurra a peça de roupa para cima de mim e sei que não adianta contrariar a garota de quase um metro e meio, ela não vai desistir tão fácil do seu objetivo.

Coloco um sutiã de renda combinando com a blusa verde esmeralda e visto uma saia preta com cintura alta para tentar não mostrar muito a minha barriga.

Julieta tentou me fazer vestir uma sandália de salto, mas depois de lhe explicar os motivos de não querer fazer isso, ela me permitiu ir com um tênis All Star azul marinho.

Houve um tempo em que até me arriscava a usar esse tipo de calçado, até que um dia precisei escapar e quase cai no chão.

Agora eu simplesmente não sou capaz de sair sem um sapato que me permita correr se for necessário.

Faço uma maquiagem simples que consta de um delineado, rímel e um batom matte vermelho, um presente da Lana antes de vir. Segundo ela, esse seria o meu recomeço e também uma forma de sempre lembrar dela.

Me olho no espelho para ver o resultado e devo admitir que minha amiga fez um bom trabalho com a escolha do meu look.

Por falar em Julieta, ela está estonteante. Desde a maquiagem perfeita, o vestido preto colado ao corpo até o sapato de salto alto.

Com razão Julio está louco por ela.

Até eu ficaria, ela é linda.

— Está pronta? -Indago colocando meus documentos, algo de dinheiro, celular e chaves dentro de uma bolsa transversal. Outra das minhas várias táticas de autoproteção.

Peço um Uber enquanto ela dá os últimos retoques em si mesma.

Embora tenha dito que não vou beber nada, prefiro ir de táxi, até porque pilotar uma moto fica quase impossível com o que estou vestida e não quero arriscar ter que trazer Julieta bêbada na minha garupa.

— Sim, amiga. Vamos, é hora de arrasar.

Borrifo um pouco de perfume no corpo e descemos até a sala.

Vovó se levanta ao nos ver e seus olhos se enchem de lágrimas.

— Estão maravilhosas, meninas. Cuidado para não irem parar na cadeia por roubar corações! -Ela brinca e Hugo concorda com um sinal de positivo com as duas mãos.

— Eu não garanto nada, mas Ava com certeza vai conquistar uma fila de seguidores. -Julieta sorri.

— Ok, já chega, nosso táxi deve estar nos esperando -resmungo. — Não voltarei tarde, vovó. -Prometo dando um beijo no seu rosto e ela aperta minhas bochechas com carinho.

— Volte a hora que quiser, meu amor. Se divirta! Seja livre!

— Obrigada... e aproveite a noite enquanto eu estiver fora. -Pisco um olho e ela levanta as sobrancelhas sugestivamente.

— Com certeza. Agora vão logo!

Somos praticamente enxotadas porta afora entre risadas e tropeços.

— Sua avó tem mais vida social que nós duas, amiga. -Julieta observa fechando a porta do carro devagar.

— Ao que tudo indica, sim. -Suspiro aceitando a realidade.

Elizabeth Dalton é uma adolescente presa no corpo de uma vovózinha.

E a amo ainda mais por isso.

Entramos no carro e confirmamos o endereço para o motorista. Em questão de segundos estamos a caminho da casa onde a famosa festa está acontecendo a todo vapor.

Julieta conversa sem parar enquanto o pobre coitado escuta tudo se controlando para não mandá-la ficar calada.

Para a sua sorte, não estávamos muito longe e quase posso sentir o seu alívio quando pagamos a corrida e fechamos a porta com cuidado.

Caminhamos pela grama recém aparada sendo observadas por alguns caras que também acabam de chegar. O barulho da música estridente pode ser ouvido antes mesmo de entrarmos e por um milésimo de segundos, um medo irracional de que ele possa estar aqui me esperando me invade e sinto vontade de voltar para casa.

Para a minha segurança.

Então Julieta enrosca seu braço no meu e olho para o lado focando no seu rosto sorridente.

— Estou aqui, amiga. Não vou me afastar de você. Prometo. -Ela garante e balanço a cabeça para cima e para baixo afastando as lágrimas para não acabar borrando minha maquiagem.

Entramos na casa pela porta da frente e vamos até o jardim onde a festa acontece a todo vapor.

Algumas pessoas já estão completamente bêbadas e outras parecem ter acabado de chegar assim como nós duas. Desviamos de alguns corpos suados e tentamos não nos separar com os empurrões involuntários.

Cumprimentamos alguns conhecidos da Brown pelo caminho e recuso pacientemente qualquer bebida que me oferecem.

Chega um momento em que até mesmo Julieta fica brava com a insistência dos caras e tenho que controlá-la para que ela não acabe pulando em cima de algum desavisado.

Resolvo levá-la até a pista de dança improvisada do outro lado do bar também improvisado para que possamos nos distrair e descubro segundos depois que essa foi uma decisão um tanto amarga porque do outro lado da pista, a primeira coisa que vejo é Jhonatan encostado em uma mesa e ao seu lado, uma garota muito bonita fala algo no seu ouvido fazendo-o sorrir abertamente.

Não consigo parar de olhar para essa cena e de repente o ar escapa completamente dos meus pulmões e esqueço momentaneamente de como se respira.

Julieta ao perceber meu comportamento estranho olha para a mesma direção e solta um praguejo.

— Não acredito nisso. Mas que droga Jhonny. -Seus olhos se apertam em irritação e ela cruza os braços como uma garotinha emburrada.

— Tudo bem, Juli. Não precisa ficar brava, eu e ele somos apenas amigos, lembra?

Desconverso desejando beber uma boa quantidade de álcool para tentar apagar essa imagem da minha cabeça.

— Mas ele é louco por você, Ava. Quando vai parar de fingir que não sabe disso?

Me viro de costas para não ter que continuar vendo a cena e suspiro pesadamente.

— Pode até ser, mas ao que tudo indica, ele deve ter finalmente entendido que eu não valia a pena o esforço.  

NOTA DO AUTOR

Hello gatas e gatos, tô adiantando cap pq
no final de semana estarei viajando e provavelmente não 
postarei nada, então aproveitem kkkkk 
Não se esqueçam de votar e comentar.

Amo vcs 🥰
Bjinhossss BF🖤🖤🖤

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