Capítulo 10
"Você espera, querendo que este mundo deixe você entrar
E você fica ali
Numa luz fria
Nas ruas escuras e vazias."
-Let Love In
The Goo Goo Dolls
O final de semana passou em um piscar de olhos e outra vez a inevitável segunda-feira chegou para todos.
Júlio veio no sábado arrumar Mabel e depois de me chamar para sair e de eu lhe explicar que não estava afim desse tipo de relação no momento, ele entendeu o recado e prometeu que seríamos apenas amigos até que eu resolvesse as coisas comigo mesma.
Quando falei com o mecânico pelo telefone, pensei que seria algum velhote com bigode e uma barriga saliente, mas assim que um cara todo musculoso e com um rosto que parecia ter saído de uma capa de revista apareceu no portão da minha casa eu não consegui acreditar no que estava vendo.
E o mais engraçado de tudo, é que ele sabe muito bem o que está fazendo.
Quero dizer, com relação às motos e tudo mais. Júlio achou o problema em questão de minutos e arrumou tão rápido que quando percebi, ele já tinha acabado.
Ainda me garantiu que se Mabel voltasse a estragar, era para ligar imediatamente que ele iria ao meu resgate.
Confesso que fiquei meio sem jeito quando ele ofereceu essa ajuda.
Às vezes me sinto completamente fora do lugar. É como se eu tivesse esquecido de como é ter amigos, como socializar e criar laços com desconhecidos.
— Eu realmente sou uma bagunça. -Murmuro para o meu reflexo no espelho enquanto me visto para mais um dia de aula.
Esfrego um pouquinho da pomada cicatrizante no meu braço e imediatamente lembro de Jhonatan. Talvez essa tenha sido a sua intenção ao me dar o produto.
Ele sabia que cada vez que a usasse, acabaria pensando nele.
Maldito.
Como o dia está meio fresco, coloco uma blusa de frio por cima da regata branca e enfio a barra por dentro da calça jeans para que o vento não entre enquanto dirijo pela avenida movimentada.
Passo um pouco de rímel nos cílios e um gloss suave para não ressecar meus lábios. Nunca gostei de maquiagens pesadas, principalmente se você tem que sair de casa às sete da manhã.
Por último, coloco os materiais que preciso para as aulas de hoje na mochila e espirro um pouco de perfume no pescoço, pulso e atrás das orelhas antes de descer até a cozinha.
Vovó teve que sair cedinho para uma consulta médica e mesmo eu tendo dito mil vezes que ela não precisava me deixar o café da manhã preparado, ela o fez mesmo assim.
Me sinto extremamente culpada por mudar toda a sua rotina e tenho quase certeza de que por mais que ela diga que não é nada, deve ser difícil conviver novamente com alguém que não tem o mesmo ritmo que ela.
Assim que puder, irei procurar um trabalho para aliviar os gastos e quem sabe me distrair um pouco.
Preciso desesperadamente pensar em outra coisa que não seja naqueles malditos.
Bebo o café com leite e mastigo rapidamente o sanduíche para então ir até a garagem para encontrar com Mabel.
Sorrio ao vê-la brilhante como sempre e aliso a lateral do motor com os dedos trêmulos.
— Gostaria tanto que estivesse aqui para me ver, vovô. -Sussurro com a voz embargada.
Ele era o único, além de vovó é claro, que me entendia. Vovô sabia meus gostos, meus sonhos e anseios. E não me julgava por isso. Pelo contrário, ele me incentivava a segui-los.
Puxo uma longa respiração para me tranquilizar.
— Bem, é hora de voltar para a realidade.
Subo na moto e dou a partida para sair da garagem. Fecho o portão me certificando de que está devidamente trancado e só então saio em disparada em direção ao trânsito caótico.
Exato vinte minutos depois, estaciono no lugar de sempre e vou direto para a minha sala. Hoje não estou no pique para conversar com ninguém, muito menos com Bianca.
Como era de se esperar, Jhonatan não chegou ainda e suspiro aliviada.
Me sento na mesma cadeira que ocupo todos os dias e retiro o caderno para anotar o conteúdo.
Conforme os minutos vão passando, observo a cadeira ao meu lado vazia com o cenho franzido.
Tudo bem que o idiota tatuado costuma se atrasar, mas ele sempre aparece.
Estranho.
Somos liberados da primeira aula, e nada de Jhonny.
— Pare de pensar nesse garoto de uma vez por todas, Ava. -Resmungo enquanto caminho até a sala onde passaremos a próxima aula.
— Então você também gosta de falar sozinha. -Meu pescoço se arrepia com seu hálito quente e solto um gritinho agudo em um sobressalto.
— Quer parar de fazer isso, por favor? -Levo uma mão até o coração.
— Mas eu não fiz nada... -Jhonatan diz e todo o seu rosto se ilumina quando ele mostra os dentes em um sorriso distorcido.
Babaca.
— Quer saber? Adeus.
Aperto a alça da minha mochila e escapo da sua presença o mais rápido que consigo, embora saiba que vamos nos ver outra vez dentro da sala.
Pelo visto vai ser difícil me afastar de Jhonatan quando ele não tem a menor intenção de ficar longe de mim.
Me jogo em uma cadeira qualquer esperando que certa pessoa entenda o recado, e ao parecer ele o fez, para o meu alívio.
Seu olhar não se afasta do meu por um segundo sequer enquanto ele vai até uma cadeira no lado oposto da sala e se senta com a expressão fechada.
O que deu nesse garoto hoje?
O professor chega minutos depois e começa a aula normalmente.
Faço de conta que estou concentrada no que o homem de cinquenta e poucos anos diz com a voz rouca na frente de todos, mas na verdade a única coisa que passa pela minha cabeça é: será que ele está olhando para mim?
Não quero virar o rosto e correr o risco de ser pega em flagrante, então tento ver disfarçadamente pelo reflexo da tela do meu celular.
Eu deveria estar cursando teatro e não administração.
Passo um bom tempo observando meu telefone até que de repente, Jhonatan nega com a cabeça e seus olhos encontram os meus através da tela brilhante. Ele aperta os lábios em uma tentativa de não sorrir e levanta uma sobrancelha convencido.
Argh.
Volto a olhar para frente sentindo minhas bochechas queimando de vergonha e o coração galopando dentro do meu peito.
Muito bem, Ava! Você está fazendo um ótimo trabalho. Só que não.
Não me atrevo a me mover durante o resto da aula e uma vez que somos liberados, corro até o restaurante para comprar algo para matar a sede que me atingiu em cheio.
Quase termino a garrafinha de água de uma só vez e respiro fundo sentindo o líquido frio me refrescando por dentro.
Sei que preciso retornar para a sala, caso contrário vou levar uma falta na próxima aula, o problema é que Jhonatan vai estar lá me encarando daquele jeito como se ele pudesse me queimar apenas com o olhar.
Aceitando o meu destino, caminho a passos lentos pelos corredores como se quisesse retrasar o máximo possível minha chegada.
O que diabos está acontecendo comigo?
Ainda bem que a última aula da manhã será no laboratório de informática, pelo menos assim eu vou poder me distrair um pouco antes do almoço.
Ligo para o estúdio de tatuagens enquanto ando até o outro lado do campus e marco um horário para uma tatuagem nova.
Meio que não consegui parar de pensar em que precisava de outro desenho no meu corpo já que gostei muito do resultado da primeira.
Bem que dizem que as tatuagens são viciantes e agora posso confirmar esse dado.
Como estava longe da sala de informática, acabei demorando mais do que o normal para chegar, então quando passo pela porta, basicamente todos os computadores estão ocupados por uma dupla de alunos concentrados na tarefa que o professor passou, algo sobre marketing e toda essa porcaria.
O homem grisalho nem se dá o trabalho de olhar para mim quando entro, ele apenas aponta para o único monitor ocupado por apenas um aluno e engulo em seco ao ver de que se trata.
Oh não. Não. Não. Não.
Jhonatan balança a cabeça para um lado e para o outro com aquele maldito sorriso no rosto. Ele se espreguiça na na cadeira e leva os braços até a nuca em um sinal claro de que está se divertindo bastante às minhas custas.
Rodo os olhos e me obrigo a ir até ele me sentindo a pessoa mais babaca desse lugar.
Se eu tivesse chegado mais cedo, quem sabe teria conseguido me sentar com outra pessoa, mas não, eu precisava comprar aquela bendita garrafa de água.
Deslizo a alça da mochila pelo meu ombro e a jogo em cima da mesa sem ter coragem de olhar para a cara prepotente do garoto.
Me sento na cadeira ao seu lado com cuidado para não tocá-lo sem querer e escuto uma risadinha abafada do idiota.
— Eu não mordo, sabia? A não ser que você me peça. -Aperto as pálpebras ao escutar a sua voz rouca.
— É, parece que você está pedindo para levar uns tapas. -Sussurro com a cabeça inclinada.
— Será mesmo? Porque se bem me lembro, era você quem estava me espiando há alguns minutos atrás.
Viro minha cabeça para encará-lo e sinto minhas bochechas esquentando rapidamente ao dar de cara com seus olhos diabolicamente sensuais.
— E-eu não estava... -Jhonatan sorri sem acreditar em uma palavra que sai da minha boca. — Sabe de uma coisa? Não te devo nenhuma explicação. -Respiro fundo e volto a olhar para a frente.
— Tudo bem, não precisa se preocupar, esse vai ser o nosso segredinho. -Jhonatan sussurra contra o meu ouvido e sobressalto na cadeira atraindo a atenção de alguns colegas.
— Muito bem, todos prestem atenção. -O professor resmunga se levantando e solto um suspiro aliviada.
— Salva pelo gongo. -Jhonatan provoca baixinho e dou uma cotovelada na sua costela lhe arrancando um gemido abafado.
Seus olhos se arregalam em surpresa, mas em vez dele achar ruim, seus lábios se curvam em um enorme sorriso desafiante.
— Jhonatan e Ava, silêncio por favor. -Quase engasgo com a minha saliva ao escutar meu nome e me endireito na cadeira sem nem olhar para os lados. — A partir de hoje, vocês farão trabalhos em dupla e deverão permanecer com quem estão sentados até finalizarmos as tarefas para não acabar se prejudicando. -Ele termina de explicar e solto uma risada amarga.
Isso só poderia estar acontecendo comigo.
Começo a levantar a mão para perguntar se não podemos mudar de lugar, mas uma garota com cabelo azul se adianta e abaixo o braço lentamente.
— Não, Kelly, vocês não poderão trocar de parceiro para poder ficar com quem conhecem. Devem aprender a trabalhar com qualquer pessoa, independentemente da situação.
Droga.
— Ao que tudo indica, você não vai se ver livre de mim tão cedo. -O idiota ao meu lado sussurra satisfeito e respiro fundo outra vez.
— É o seguinte cara, que nós tenhamos que trabalhar juntos nessa porcaria, não significa que vamos ser amigos, ok? Então por favor, não force a barra se não quiser fazer tudo sozinho. Eu realmente não ligo de reprovar essa matéria.
Jhonatan me observa em silêncio por alguns segundos, talvez percebendo a furada em que está se metendo e quando penso que ele vai aceitar a derrota e me deixar em paz, seus olhos brilham em determinação e sua boca se curva para cima novamente em um sorriso preguiçoso.
— Acho que vou correr esse risco.
NOTA DO AUTOR
Sextou? Sextou.
E como sempre, chegamos com capítulo fresquinho pra vcs.
Espero que tenham gostado,
Não se esqueçam de votar e comentar.
Amo vcs🥰
Bjinhosss BF🖤🖤🖤
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