Lucky me

Deixei que o riso irrompesse de minha boca para disfarçar o nervosismo. Ainda sentia o calor dele nas palmas das mãos, assim como os resquícios de argila. O cheiro dela inclusive se misturava a colônia suave de cedro que emanava do pescoço de Namjoon.

E Kim Namjoon é a última pessoa que eu esperava encontrar aqui.

Aulas de cerâmica pareceram uma boa ideia na semana passada, mas agora já não tenho tanta certeza. As coisas só haviam piorado desde que a transferência de escola se tornou oficial e eu me agarrei a primeira coisa que encontrei para esquecer o que estava à minha frente e também o que eu havia deixado para trás.

No mural hiper colorido de um doceria caseira que serviu de refúgio nos meus primeiros meses na Academia Elementar de Ilsan, achei um folheto sobre aulas de cerâmica. Parecia aleatório o suficiente para me tragar da minha vida. Mas eu devia ter desconfiado que o universo não seria tão simpático comigo, porque aqui estou eu como dupla de Kim Namjoon, irmão mais velho do meu ex-melhor amigo e por quem tenho uma quedinha nada atraente ou saudável há mais tempo do que tenho coragem de admitir. Sim, um clichê patético... eu também não gosto de estar nessa situação... Principalmente porque a última vez em que nos vimos eu me declarei para ele, em seguida me mudei para o outro lado do país, troquei de escola e cortei laços com todos porque não estava sabendo como agir com tudo o que estava acontecendo na minha vida.

Felizmente não demorou muito para aquela aula acabar, porém o desespero permaneceu presente enquanto eu sentia Namjoon seguindo logo atrás de mim assim que passei pelas portas automáticas da saída.

- Hoseok!

Sua voz ecoou na noite, com o céu ainda escurecendo e um vislumbre suave da lua no céu. Eu o havia ignorado durante as últimas duas horas e pretendia continuar assim, pretendia continuar para sempre já que não voltaria mais às aulas de cerâmica.

- Jung Hoseok! Será que você pode parar de ser infantil e falar comigo? - ele gritou frustrado.

Por um segundo quase cedi à vontade de virar para trás, mas o medo ainda me dominava e por isso mantive os passos cadenciados, descendo a rua.

Pensei que ele tinha desistido até ser surpreendido por sua figura na minha frente, me obrigando a parar abruptamente. Ele estava ofegante, os cabelos bagunçados pelo vento, o rosto rosado e os olhos cravados em mim como se só isso fosse exercer força suficiente para me deixar parado ali, e talvez fosse.

- Vo-você... você não precisa agir assim.

A frase dele ficou pairando acima de nossas cabeças, sem significar nada para mim, mas parecendo ser a resposta de todos os problemas para ele.

Como não respondi, ele continuou assim que se recompôs.

- Eu já sei de tudo.

Meu sangue pareceu congelar o fluxo em minhas veias.

- Tudo? - sussurrei. Namjoon assentiu. - Mas... - Minha voz morreu e eu queria me esconder para sempre.

Namjoon deu um passo em minha direção e indo contra qualquer coisa que eu poderia pensar colocou sua mão sobre a minha que apertava a alça da mochila.

ㅡ Ninguém tem o direito de julgar a sua vida, o que acontece nela ou deixa de acontecer. O que aconteceu não foi culpa sua, e o que você decide fazer na sua vida particular não é da conta de ninguém. ㅡ Engoli em seco, pensando sobre o quanto ele estava inteirado da situação. A carta de despedida que deixei para Taehyung era bem extensa e explícita. Sinto meus dedos formigarem de vergonha só em pensar nos olhos de Namjoon absorvendo cada uma daquelas palavras no meu garrancho afiado. ㅡ E acho injusto que você tenha sido o único a falar da última vez que a gente se viu.

- Namjoon, você não precisa...

- Preciso sim - ele me interrompeu. ㅡ Preciso muito. Porque é por não dizer o que a gente quer que certas coisas não acontecem, ou acontecem, enfim. ㅡ Ele balançou a cabeça como que para organizar as ideias. ㅡ O que eu quero dizer é que aquilo que a gente sente precisa ser dito. E eu me acho um idiota desde aquele dia por nunca ter conversado mais com você e dito o quanto você é interessante.

Pisquei atônito. A mão de Namjoon subiu pelo meu antebraço e descansou no meu ombro direito, apertando de leve para dar ênfase ao que dizia. Porém mais palavras jorravam de sua boca e a mão continuava pressionando, como uma massagem tranquilizante. Como que dizendo que tudo ficaria bem.

- Não sei se foi pot te ver de novo depois de tantos meses ou pela carta ou essa tarefa de fazer uma peça relacionada a uma lembrança feliz. ㅡ Ele apontou a cabeça para o estúdio da aula de cerâmica atrás de mim. ㅡ Só o que eu sei é que o Tae morre de saudades de você, mas tá tentando respeitar o seu tempo. E que eu sinto saudades de te ter lá em casa e de ter o Taehyung tagarelando sem parar sobre você e sobre os lugares que visitaram e as coisas que fizeram. Eu nem tinha percebido que você fazia tanto parte da minha vida até você não estar mais nela. Que... ㅡ ele pareceu reprimir a frase. Levantando os olhos mais brilhantes que eu já vi e se aproximando mais um passo, ele suspirou e disse baixinho: ㅡ Que eu tinha lembranças felizes envolvendo você.

O ar ficou suspenso, minha respiração, intensa. Seu hálito quente batia no meu rosto, me deixando embriagado e vendo coisas. Esse parecia um daqueles momentos da ficção quando o clima acontece entre o futuro casal, mas eu não conseguia me fazer acreditar que era isso o que estava acontecendo. Parecia fácil de mais; bobo e simples de mais em meio ao caos dos últimos meses.

Com Namjoon me capturando em seus olhos, apertando agora ambos os meus ombros com suavidade, parecia que nada de ruim podia me atingir. Que nada havia atingido. Como se a traição do meu pai ao casamento de quase 20 anos com a minha mãe não tivesse destruído tudo. Como se a depressão e os surtos dela depois de descobrir sobre isso, e sobre a gravidez da amante, não tivessem deteriorado a nossa relação mãe-filho. Como se o fim do casamento deles não tivesse representado a nossa falência financeira. Como se as minhas ações imprudentes de agir como uma puta não tivessem sido um efeito colateral e jogado a última pá de terra nesse circo dos horrores.

E mesmo parecendo saber que de fato tudo isso aconteceu, ele continuava ali, comigo.

- Desculpa demorar tanto tempo pra entender que eu não devia ter vergonha de te achar interessante e atraente só porque você era o melhor amigo do meu irmão mais novo - Namjoon sussurrou.

E antes que as engrenagens do meu cérebro pudessem transformar suas palavras em significados, ele grudou o corpo ao meu. O ar voltou de súbito pela minha garganta abaixo, formando um arroto estranho e curto que escapou como um soluço de meus lábios nervosos. Namjoon sorriu pequeno. Levantei um pouco o meu rosto para alinhar nossas bocas, em antecipação. Eu já havia me declarado, se ele me rejeitasse - e agora eu não achava que ele iria - seria o menor dos meus problemas.

Então acabando com qualquer distância entre nós, Namjoon me beijou. O Kim Namjoon. Aquele que eu sempre quis que fosse meu, que eu sempre quis que me beijasse exatamente como ele estava fazendo naquele momento.

Seus lábios macios tratavam os meus com tanta reverência que eu sabia estar corado, mas me empenhei no beijo tanto quanto ele, e depois de estarmos sem fôlego, deixei que minha testa se apoiasse em sua bochecha. Ele virou o rosto e apoiou a testa em minha cabeça, respirando em meus cabelos. O beijo havia durado poucos segundos, mas eu moraria dentro deles se fosse possível.

- Eu espero... que isso não seja por pena - deixei o pensamento escapar. Foi só um sussurro ofegante, mas eu sabia que ele tinha entendido.

- Eu te beijaria por muitos motivos, Hoseok, e pena definitivamente não é um deles.

Sorri orgulhoso, mas engoli o sorriso logo em seguida. Nada de expectativas.

Ficamos em silêncio por um longo tempo, não só acalmando a respiração como digerindo a conversa e o beijo. Eu pelo menos estava quieto por esses motivos. E por ficar calado por tanto tempo, eu não sabia o que dizer para retomar a conversa, afinal qual rumo ela deveria ter agora?

- Foi sorte, sabia?

Descolei do corpo dele e fixei em seus olhos cintilantes. Sua expressão nunca pareceu tão viva.

- Te encontrar aqui - ele continuou explicando. - De todos os lugares, eu nunca pensei que seria aqui: na aula de cerâmica que minha avó faz aos sábados e insiste que eu participe sempre que minha família vem visitar. Desde que eu disse que queria ser artista, ela me empurra pra tudo o que acha que se encaixa em arte, mesmo que não tenha a ver com música. E eu sempre consigo um jeito de dizer não.

Ele subiu as mãos pelos meus braços e fez questão de fixar cada uma em uma lateral de meu rosto, os polegares fazendo carinho em círculos.

- E hoje eu simplesmente disse sim. Não senti nada estranho, não vi nenhum sinal, só achei que era certo aceitar o convite dessa vez. E realmente foi.

Eu continuaria ali, sendo tragado para o mar negro de seus olhos, me sentindo flutuar sem rumo mas sem medo disso, porém meu celular bipou algumas vezes seguidas com algumas mensagens, e segundos depois o celular de Namjoon começou a tocar. Tentamos ignorar, eu tentei fingir que nada mais existia a não ser a gente, mas a realidade é densa demais para fingir que ela não está aqui impactando e destruindo tudo o tempo todo.

- Oi. Não, eu tô bem - Namjoon disse ao atender. ㅡ A vovó é exagerada, eu só fiquei aqui fora tomando um ar. - Pausa. - Que?! - Namjoon tirou o celular do ouvido, olhou para a tela acesa e voltou o aparelho para a orelha. - Desculpa, nem percebi o tempo passar, já estou voltando! - E desligou com o rosto contorcido em uma careta de frustração.

Já as minhas mensagens eram um simples pedido da minha tia, uma frase longa dividida em várias pequenas mensagens que diziam: "Cadê você? Tá chegando? Não esquece de passar no mercado na volta, sua mãe precisa de café".

Assim percebi que era ali que dizíamos adeus. Eu não queria que fosse uma despedida definitiva, mas também não podia me agarrar a nada só por causa de um beijo - mesmo sendo um beijo de Namjoon; principalmente por ser um beijo de Namjoon.

Abri distância entre os nossos corpos e desviei o olhar. Por não saber como fazer isso que deixei uma longa e expositiva carta com Taehyung. O momento exato em que a gente sabe que precisa se desprender de algo muito importante nunca é fácil e nunca é igual, a não ser na dor que vem depois. E eu preferia ter de enfrentar isso sozinho a estar sob os olhos atentos de Namjoon.

Eu abri a boca várias vezes, procurando as palavras, querendo falar, mas não tendo de fato o que dizer. Até que inalei o ar, enchendo bem os pulmões, e o expulsei junto das palavras:

- Você precisa mesmo ir? - Ele me olhou com os olhos levemente arregalados de surpresa. - Eu... eu preciso passar no mercado pra minha mãe, você... viria junto pra me fazer companhia? É rapido, juro!

Namjoon pareceu pensar por poucos segundos e sem dizer nada, pegou na minha mão e seguiu descendo a rua.

- O mercado mais próximo é por aqui - murmurou baixinho.

Andamos por um tempo em silêncio, eu ainda tentando falar mais, aproveitar mais desse momento tão estranho e inesperado, porque parecia que qualquer coisa desfaria o que quer fosse esse laço recém-criado - recém-descoberto? - entre Namjoon e eu.

Viramos a esquina e eu já via o mercado no fim da rua, em frente ao farol de um cruzamento. A loja de animais ao lado fez uma pergunta despontar em minha mente.

- O Tae tá aqui também?

Namjoon, que observava nossas mãos juntas, que eu havia esquecido estarem assim, lançou o olhar sobre mim.

- Uhum. Eu e ele sempre visitamos nossa avó no fim do mês, às vezes nossos pais conseguem vir junto também. - Intencionalmente ou não, seu dedão fez um carinho circular momentâneo em minha mão. Tentei voltar a me concentrar no que ele dizia. - Como eu falei, ela tenta me enfiar em tudo o que tem a ver com arte, já perdi a conta de quantos museus e festivais aquela mulher já me levou. - Um sorriso aconchegante tomou conta de seus lábios e subiu até os olhos. - O Tae tenta acompanhar o ritmo dela mais do que eu, na verdade. Mas mesmo assim é divertido. - Ele me lançou um olhar diferente e parou a algumas lojas do mercado. - Você quer que eu avise ele? Sabe, que você está aqui...?

Desviei do seu olhar e foquei em nossas mãos. Eu nunca havia reparado como ele tinha mãos tão compridas e ainda assim tão delicadas. Sem conseguir me deter, abri sua mão com a palma para baixo e passei a ponta dos meus dedos por sua pele. Isso me ajudou a pensar com mais clareza e menos vergonha.

- Eu tenho vergonha do que ele pensa de mim. Fomos amigos por tanto tempo e eu simplesmente bani ele da minha vida quando vim pra cá... Sei que fiz isso com todo mundo, mas ele é em quem eu mais penso e de quem eu mais sinto falta. - Fiz uma pausa para recuperar o ar e só então tive coragem de erguer os olhos. Namjoon me fez querer derreter sob o seu olhar. - Você acha que ele ainda seria meu amigo se a gente conversasse? Eu posso implorar, não ligo. Qualquer coisa vai ser melhor do que continuar me sentindo sozinho.

Eu não pretendia dizer a última frase, mas ela saiu antes que eu pudesse impedir. Os últimos meses tem sido tão distantes de algo bom que eu prefiro me agarrar a qualquer esperança, custe o que custar.

- Hoseok, é do Taehyung que estamos falando. Se eu ligasse pra ele agora, ele viria correndo em lágrimas pra te xingar e abraçar, e eu duvido que ele te largaria tão cedo.

Uma risada genuína escapou da minha boca. Ele tinha razão, mas eu nunca seria capaz de me desculpar o suficiente com Taehyung por ter deixado nossa amizade de lado, principalmente porque eu precisava de alguém que me entendesse e fingi que não quando eu e minha mãe tivemos de vir para a minha tia. Eu sentia tanta vergonha de quem eu era e de tudo o que tinha acontecido...

- Hm, acho que preciso ir agora. De verdade. - Namjoon ainda tinha a mão na minha e a outra guardava o celular onde tinha checado as horas.

Eu não queria que ele se afastasse, mas também não poderia impedir que fosse embora. Não é como se isso fosse um adeus, pensei. E tomado por um ímpeto de coragem, foi a minha vez de cruzar a distância entre nós e pousar meus lábios nos dele. O beijo não durou muito, talvez ainda menos do que o último, mas foi o suficiente para plantar um sorriso no meu rosto, um sorriso que permaneceu mesmo enquanto eu zanzava pelo mercado em busca do café.

Ele havia dito que esperaria que eu conversasse com Taehyung primeiro, antes de pegar o meu número e "dar em cima de mim de verdade", segundo as palavras dele. Agora, meus passos pareciam querer acompanhar as batidas do meu coração e assim, com o café na sacola e o suor grudando no meu rosto, eu só precisava chegar em casa logo.

[🍀]

Eu tô muito feliz em finalmente postar essa história. Ela foi usada no meu teste para ingressar no Bangtan Star e fazia tempo que eu não escrevia com base num desafio. Gostei muito da experiência e do resultado final. Não costumo trabalhar com clichês, mas gostei tanto de como isso aqui saiu que até me estenderia em mais alguns caps com o desenrolar das coisas, mas como eu ainda sou eu, o final ficará em aberto hehe
Muito obrigada a quem sempre aparece no meu perfil, amo ter vocês aqui ❤️
Ah, é: tenho dois projetos, uma 3shot e uma shortfic, que se tudo der certo serão postados até março, pelo menos a postagem vai ser iniciada até lá 🤞🏼🙏 Não serão postadas simultaneamente e sim uma seguida da outra, então fiquem de olho por aqui que eu não vou me demorar a voltar!
Beijos e se cuidem 🌻

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