Prólogo - A volta do cara dos telhados (Derek)
Afeganistão, hoje.
Eu estava acomodado confortavelmente na posição que escolhi para fazer a vigilância. Meu papel era ajudar a equipe, de olho no ângulo de entrada do alvo. Jay estava ao meu lado com o seu inseparável Wing Mag. Ele passou um bom tempo para deixá-lo do jeito que queria (o rifle ganhou até nome: Betty Boop).
Finalmente, recebemos o sinal de nosso patrimônio¹.
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Rodapés:
[1] Quando ouvi a primeira vez esse termo, fiquei na dúvida. Mas, de tudo que fui apreendendo das falas dos SEALs, especialmente, Howard Wasdin, entendi que patrimônio é o codinome dado aos locais que colaboram com os agentes da inteligência, em troca de pagamento, ou algum tipo de benefício/colaboração. Eles são, grosso modo, "dedos duros" dos alvos dos quais desfrutam de alguma intimidade. E o fazem em troca de, geralmente, dinheiro. O patrimônio combina as ações para ajudar os agentes das forças especiais a executarem suas missões – indicando horário, local, pessoa, ou qualquer informação que se torne útil numa ação direta.
-Executar – soou a ordem do nosso líder, pelo rádio; lá embaixo, os homens começaram a se enfileirar na entrada do prédio.
O novato, Lockhood, adiantou-se com a marreta para arrombar a porta. O grupo de efetivos invadiu e a gente os perdeu de vista. Uma vez lá dentro, Jay e eu não poderíamos protegê-los, mas o nosso trabalho prosseguia -alguém tinha que guardar as costas deles, do lado de fora, contra possíveis emboscadas.
Observei atentamente o movimento da rua, àquela hora, quase inexistente. Eu esperava avistar algumalvo retardatário, ou quem sabe, um possível reforço... Mas até agora, nada.
Enquanto isso, nós dois acompanhávamos a ação pelo rádio. O grupo encontrou uma porta de metal, nos fundos da casa. Isso não me pareceu bom.
-Pode ser uma armadilha – comentei com Jay, que concordou comigo, num aceno de cabeça.
Tracy tinha uma decisão difícil a tomar...
A missão incluía duas partes: apreender as armas; e capturar "as mulas," para que os "cristãos em ação"rastreassem a cadeia distribuidora. Se fôssemos bem sucedidos, quem sabe, várias apreensões como esta fariam cessar o suprimento dos fundamentalistas.
Frank estava colocando os explosivos para derrubar a porta de metal, enquanto Abner lhe dava cobertura.
-Vá em frente – Tracy decidiu prosseguir com a desobstrução.
A explosão foi rápida. Em seguida, os homens invadiram. Alguns tiros foram trocados. Eu continuei vigiando as ruas no entorno. Sim, eu era o cara dos telhados, que geralmente estudava a invasão do lado de cima do alvo, enquanto meus irmãos o faziam em solo. Assim, cercávamos o inimigo por todos os lados. Sem opções de fuga.
Jay era o meu parceiro de nado².
-Ainda temos mais dois alvos nessa madrugada – comentou ele, em tom de conversa.
-Betty Boop vai ficar contente com a oportunidade de cuspir fogo – abri um meio sorriso.
-A minha belezinha – sorriu Jay, acariciando a arma.
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Rodapé:
[2] - Expressão dada a companheiros que atuam junto em várias missões e possuem um laço de afinidade maior, dentro do grupo. Eles começam juntos no BUD/S, o treinamento inicial para SEAL. No caso, são como , no linguajar dos SEALs.
Suas palavras, mais do que o gesto, provocaram-me uma sensação de estranheza. Quase uma vertigem. Fechei os olhos, mas não falei nada. Jay nem percebeu o que estava acontecendo comigo.
Fazia cinco meses, desde que deixei a casa de meus pais para retornar à base. Fui submetido a uma porção de exames e testes, e então, enviaram-me para o treinamento com as equipes, em Little Creek³. Só depois de me vigiar com olhos de água, é que fui reintegrado ao pelotão estacionado no Afeganistão, pelo mestre-líder[4], com o aval do comandante operacional e o líder de equipe, Spencer Tracy, o qual me devolveu a antiga posição, junto aos Shadow Walkers. No entanto, esta era a primeira vez que eu saía com meus irmãos para uma ação direta.
(Minhas mochilas para cada tipo de missão estavam sempre prontas. De modo que, quando fui ao encontro de Constanza, no Little Bird[5], a familiar adrenalina que precede a ação, logo me dominou. O treinamento assumiu o controle; eu estava pronto para reagir em modo de memória muscular; e os meus movimentos seriam guiados pela atenção concentrada.)
Na ocasião, o helicóptero nos deixou no telhado da casa e partiu. Nós nos demos conta de que não havia como entrar, pois se tratava de um telhado fechado. Avistamos uma sacada na casa ao lado – a mesma dava para a janela do segundo andar do nosso alvo. Então, bancamos os Jason Bournes e saltamos de um lado a outro (a diferença era que, no filme, o Matt Damon não tinha que carregar de trinta a quarenta quilos extras em forma de equipamento).
Naquela hora, Jay me provocou, dizendo que eu estava fora de forma.
Eu mostrei a ele que não.
Vasculhamos a parte superior do alvo, avaliando possíveis riscos e estabelecemos o nosso ponto de observação. Estávamos lá, desde então.
-Charlie 3 e Charlie 7 – chamou Tracy, arrancando-me de minhas divagações. – Procedam com a verificação. "Anjo do céu"[6] fará a cobertura do lado de fora.
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Rodapé:
[3] - Um pouco o sul de Virginia Beach, onde fica o quartel-general do SEAL Team Six, nome popular do DEVGRU.
[4] - Nome do comandante do esquadrão. Os SEALs tem o esquadrão vermelho, o dourado, o azul, e o prata. Dizem que existem outros...
[5] - Helicóptero pequeno utilizado em várias missões.
[6] - Codinome, ou proword previamente combinada para uma missão, relativa ao uso dos drones.
Recolhemos nossas armas e avançamos para dentro do alvo, pelo segundo piso, desobstruindo os cômodos superiores do mesmo modo que Tracy e os caras faziam lá em baixo.
-Limpo! – disse eu, ajustando o meu headfone.
-Limpo! – ecoou Jay, do outro lado do corredor.
Ótimo, estava na hora de escolher um novo ponto de observação. Optamos pelo quarto que dava para a esquina, lá fora, pois propiciava uma visão ampla de ambas as ruas.
Eu me sentei na cama (era uma cama de solteiro), e olhei ao redor. O quarto parecia ter pertencido a um adolescente. Meu parceiro começou a revirar tudo... Ocorreu-me que eu deveria fazer o mesmo, antes de começar a vigiar a rua. Eu espiei embaixo da cama e estaquei.
- Quanta originalidade - zombei.
Jay parou o que estava fazendo e olhou para onde eu estava apontando. Havia um buraco no chão. Eu me levantei e, juntos, empurramos a cama para o lado. O buraco estava forrado de armas: AK 47, lança-rojões, morteiros, e muita munição.
Um estoque de respeito.
Acionei o rádio preso ao meu colete tipo Molle e disse: - Charlie 1, acho melhor dar um pulo aqui em cima.
- Entendido – respondeu Tracy.
Logo em seguida, o líder da equipe estava ao nosso lado; e nós três contemplávamos "as maravilhas de Alice". Só faltava o chapeleiro maluco para fazer o chá. E por falar nele, teve início uma correria lá em baixo... A gente seguiu o fluxo, por assim dizer, bem como, os gritos dos nossos companheiros. Parece que alguém estava escondido e tentava fugir pela porta dos fundos. Descemos a escada para ajudar a capturar o fujão. Não demorou muito pra que alguém do grupo o derrubasse. O sujeito era um homem em idade militar, grande e forte, mas assustado pra cacete! Decidimos levá-lo preso, para interrogatório.
-Volte lá em cima, - ordenou-me Tracy - catalogue o que encontraram e bata fotos para o comando.
Eu hesitei, por um micro segundo. Desde que retornei à base, parecia que meu líder de equipe estava tentando me poupar. Ele me disse que desejava ter uma conversa comigo, mas a conversa nunca acontecia, porque a equipe entrou numa roda viva de ações diretas de apoio e missões com alvos de alto valor. Assim, eu vivia em estado de prontidão... E agora que estava no meio de uma AD, eu faria coisas paralelas, dignas de um novato? Os novatos fariam coisas mais interessantes que eu? Tenha dó!
Claro que eu não disse nada disso... Afinal, desde que eu fosse útil aos meus colegas, era tudo o que deveria importar. Girei nos calcanhares, em silêncio, subi as escadas e comecei a fazer o que me foi designado.
Por um instante, olhei pela janela... O céu estava encoberto de nuvens, o que era ideal para executar a missão. No entanto, houve um momento em que as nuvens se abriram e uma lua cheia iluminou todo o quarto. Durou apenas um instante, antes de o céu se fechar outra vez... Contudo, foi o bastante para me fulminar, como um raio. Fiquei petrificado no lugar, sentindo-me imergir num vórtice de lembranças ofuscantes e dolorosas demais para processar de uma só vez. Nem reparei que a câmera fotográfica caiu dos meus dedos inertes... Aquela lua foi como um sol iluminando os recantos escuros da minha mente.
Eu me lembrei de tudo.
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