Capítulo 4 - The Robocops (Lara)

O começo de tudo...

Sentei na cama e deslizei a imagem da tela do meu dispositivo com o polegar. As imagens postadas no Instagram eram lindas! Alguns dos textos que acompanhavam, eram igualmente interessantes. Eu já tinha duas pastas cheias de postagens salvas. O problema era localizar as coisas, depois...

Escutei um miado lá fora. Agucei os ouvidos, imaginando se o gato tinha encontrado a ração e o pote de água que lhe deixei. Pelo ritual dele, mais alguns minutos, e estaria se esfregando nas lâminas de madeira da minha janela. Ele cismou de morar no meu quintal; e me xavecava para entrar no moinho, faz tempo. Às vezes, eu me perguntava se ele já não morava ali dentro, antes de eu chegar e me apossar de tudo. Bem, fosse como fosse, ele estava conseguindo me vencer, pelo cansaço. Sabe como é: "água mole em pedra dura, tanto bate, até que fura". 

Levantei da cama, exalando um suspiro. Ainda me sentia cansada, e com dores musculares decorrentes dos exercícios físicos. Iniciei uma nova bateria, esta semana e, também, comecei a correr na praia.

@BlackJack_2001 ficaria orgulhoso de mim – o feitor de escravos!

É fácil para um militar adepto de atividades físicas e esportes radicais, querer dizer o que uma civil preguiçosa (e que odeia ginástica) tem que fazer. Ele que me sugeriu como desenvolver o que ele chamava de bateria de exercícios. Mas eu fui logo lhe avisando para não se empolgar muito. Porque eu só ia fazer até certo ponto.

Naturalmente, não podia negar os efeitos benéficos dos exercícios que ele me ajudou a programar. Desde a melhoria da resistência pulmonar e cardíaca, até o endurecimento dos músculos. No entanto, nada se igualava a melhoria da autoestima e da parte emocional.

A esfregação na lâmina da janela teve início e eu a abri devagar, para não espantar o felino. Ele era meio arisco; costumava passear entre as minhas pernas, mas não me deixava pegá-lo no colo... Ainda.

O gato me olhou com aqueles olhos verdes arregalados. Uma gracinha: todo rajado, nas cores cinza e preta. Parecia um mini puma misturado com um tigre. Desconfiado e indeciso, ele arqueou o corpo. Por um instante, achei que iria pular e sair correndo para o mato. Como não o fez, comecei a ter esperanças de que aceitasse se esfregar na mão que lhe estendi lentamente.

-Você foi pego no flagra, amiguinho – eu lhe disse, num tom meigo.

-Miau!

Passei a mão na cabeça toda tigrada e, para o meu espanto, o gato se atirou ao meu colo. Segurei-o nos braços e descobri que era fêmea... A julgar pela cicatriz na barriga, deve ter sido castrada. Fechei a janela e procurei alguma coisa que pudesse usar como cama. Peguei a almofadona jogada sobre uma poltrona trabalhada em ferro e arame, e coloquei no chão de cimento batido.

A gata não quis saber da almofada. Ficou perambulando e examinou tudo com seu interesse preguiçoso, mas persistente. Olhou para cima, onde ficam as pás do moinho. O vento as balançava um pouquinho, produzindo um ruído rascante. Estavam bastante deterioradas. Em algum momento, alguém cimentou a engrenagem, para que não mais girasse. No entanto, elas ainda estremeciam diante de um vento mais forte - era um pouco assustador, mas até que eu achava legal... E já tinha me acostumado.

A gata girou a cabeça de um lado pro outro, meio assustada.

-Miau!

Ora, ora, isso descartava a possibilidade de ela já ter morado dentro do moinho.

A gata de repente pulou nas vigas de sustentação que levavam ao topo.

-Eita, amiguinha! – eu fiquei um pouco apreensiva. - Eu não vou ter como te tirar aí de cima.

Graças a Deus, a gata soube subir e descer sozinha.

Voltei a me sentar na cama, peguei o celular e continuei olhando as postagens. De repente, atualizou uma foto de três militares armados até os dentes, com máscaras cobrindo seus rostos. A comunidade militar - Badass S/A ("Fodões" ou "Sinistros S/A"), pediu que as pessoas curtissem e batizassem a equipe com um nome original. Um nome que não fosse o correto (e o correto era Navy SEAL/DEVGRU). Eu fiquei olhando aqueles homens, com óculos de visão noturna enfiados na cara, cheio de lentes por cima de máscaras escuras, pinturas de camuflagem; tinham braços tatuados; usavam coletes com vários bolsos, protetores, placas no peito, botas futuristas com tornozeleiras... Caramba!

Dei uma olhada nos comentários, que variavam de "New Kids On The Block" a "The frogs", passando por "Dó-Ré-Mi Family", "The Goonies"... Enfim, os próprios militares estavam debochando deles mesmos. Decidi entrar no espírito da brincadeira. Um nome me veio à mente e digitei: "The Robocops". Claro, tudo a ver! Eles pareciam ter saído do filme Robocop. Meio homens, meio máquinas... E estavam numa pose de banda de rock.

Não demorou muito para o meu celular apitar, indicando que o comentário estava sendo curtido. Não dei bola, na hora. Levantei e fui até o microondas, retirar meu jantar feito de Miojo, salsicha em lata, cebola e ovos de codorna em conserva.

É, eu sei, sou louca. Mas...

Adorooooo!

Depois de me servir, voltei a sentar na cama, com as pernas cruzadas. Entre uma colherada e outra, peguei o celular e espiei para ver quem tinha curtido o meu comentário. Das doze curtidas, a primeira de todas foi a de @BlackJack_2001. A foto de usuário era uma estilização da bandeira pirata "Roger Jolly", com sua cara de caveira de pirata, num fundo vermelho.

Senti um friozinho na barriga, mesmo já estando acostumada em ver o seu user, todavez que eu comentava ou postava alguma coisa.

Chamou-me a atenção que @BlackJack_2001 não colocava nenhuma postagem pessoal na comunidade militar. Mas, fuçando em "Sinistros S/A", achei uma foto dele ao lado de um colega, ambos empunhando rifles, e o uniforme básico dos militares mobilizados no Oriente Médio. O problema é que para mim, os uniformes eram todos iguais. Eles poderiam ser do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, das Forças Especiais... E eu não saberia a diferença.

O título da foto que eu estava espiando, dizia: @BlackJack_2001 e @IceCream_maker em Jalalabad, março de 2015. As fotos tinham tarjas pretas cobrindo seus rostos. Isso era um forte indício de que eles pertenciam às Forças Especiais.

Eu já tinha reparado, por exemplo, que os rostos dos soldados das Forças Especiais que aparecem, é porque faleceram em combate. Ou deram baixa do serviço. No mais, os soldados que continuavam na ativa mantinham o anonimato. Uma questão de segurança.

"Sinistros S/A" postou uma foto engraçada de um soldado com o rosto descoberto ao lado de um cão de assalto com a tarja cobrindo o bico e os olhos. O título era: "Protecting the dog's identity".@BlackJack_2001 e @Badass_trouble comentaram e curtiram. Eu apenas curti, porque não sabia o que dizer sobre aquilo. Li todo o tipo de gozação entre os militares. Quase me rachei de rir. Mas não saberia comentar sem parecer uma idiota completa.

Voltei para o post que eu tinha comentado. Alguns usuários já tinham curtido o meu comentário. Olhei o perfil de um por um e vi que eles se seguiam mutuamente. Pareciam pertencer ao mesmo grupo.

Só pode ser.

@BlackJack_2001; @Lord_of_war_26; @Badass_trouble; @Gorgeous_machine; @God_of_sex; @IceCream_maker; @Military323; @Combat_Military2000; @ST_SeekByrne_04837; @Camoface23; @Fk.Bullet. Meu Deus, quem usava nomes de usuários como estes? Malucos fugidos do hospício.

Eu estava começando a descobrir que aqueles militares eram um pouco doidões, no tocante à forma como se expressavam. Eram francamente enérgicos, loucamente chocantes, diabolicamente masculinos e escancaradamente divertidos.

De repente, reparei numa solicitação para me seguir. Da parte de @BlackJack_2001. Ora, ora... Depois de todos os nossos bates e voltas, aquela era sua primeira tentativa de aproximação. Até agora, nenhum de nós se mexeu para seguir um ao outro. Acho que cada um estava esperando o outro tomar a iniciativa.

Ele tomou.

Engoli em seco... Deveria aceitar sua solicitação? Afinal, eu não era americana, não estava interessada em fazer amizade com "máquinas de matar americanas", nem nada do tipo. Meu inglês dava pro gasto, mas... Quer saber? Decidi aceitar! O cara ia ver que só tenho fotos de paisagens, bichinhos, ou coisas relativas aos meus projetos de escritora, tudo em português, ainda por cima... Ele acabaria desistindo rapidinho. Afinal, eles devem querer ver coisas relacionadas a tiroteios, treinamento tático, e até as fotos das gostosas que seguem os rapazes das forças armadas. Algumas delas publicavam selfies bastante sexies; e postavam comentários entusiasmados, poluídos com fileiras e mais fileiras de coraçõezinhos e bandeiras americanas. Sempre ávidas em demonstrar admiração e, quem sabe, conquistar o seu "herói americano". Palavras delas, não minhas.

Eu só ficava olhando... E me divertindo horrores com as tentativas óbvias de xavecar os caras na internet.

Bem, era fato. BJ estava me seguindo. E eu não era nenhuma gostosa em busca do meu herói americano. Eu não acreditava em "heróis", pra começo de conversa. Mesmo assim, algo me compeliu a equilibrar a balança.

Decidi segui-lo também, acho que só para descobrir como o cara iria reagir... Afinal, eu conhecia os seus posts na comunidade militar, mas a conta pessoal era tão privada quanto a minha. Ele teria que permitir o meu acesso. Eu imaginava que, depois de ver as fotos entediantes da minha conta, ele jamais permitiria que eu o seguisse. Nem me daria bola! Fiz a solicitação e esperei... Como imaginava, ele não permitiu. Terminei de jantar e fui resolver a situação da minha hóspede inesperada.

Peguei-a no colo; ela ficou meio assustada no começo, mas logo estava ronronando com os carinhos.

-Aqui teremos algumas regras básicas, se quiser viver comigo – eu a encarei nos olhos.

-Miau!

-Muito bem, em primeiro lugar, nada de sair pra rua. Os veterinários sempre dizem que é um engano deixar o gato viver livremente. Os gatos vivem menos, porque ingerem porcarias na rua; caçam ratos que, ou estão contaminados com doenças, ou estão envenenados; além disso, podem ser mortos por humanos desequilibrados e retardados, que usam animais para seus rituais e oferendas, entre outras coisas... Sendo assim, a senhora não sai mais pra rua! – fiquei balançando a gata no ar, como uma gangorra. Ela gostou, porque ficou me encarando com aqueles olhinhos sonolentos.

Tenho quase certeza de que foi castrada, por causa da cicatriz em sua barriga. No entanto, o veterinário poderia me dizer com certeza. Isso me levou a uma conclusão:

-Então, alguém teve você por um tempo e depois te abandonou por aí. – Esse tipo de atitude me revoltava. – Pois aqui não vai ser assim. Você agora é minha família. E eu vou te chamar de Bernadete.

A gata me encarou, horrorizada.

-Não, né?

Aqueles olhos expressivos me fitaram de um jeito duvidoso...

-Jocasta?

Ainda não.

-Libby?

De jeito nenhum.

-Lisk?

Ela ergueu a cabeça, interessada.

-Isso... – eu sorri. – Então, vai ser Lisk.

A gatinha deitou no meio da minha cama, ignorando acintosamente a almofada que coloquei para ela, no chão. Tá bom... Fazer o quê?

Fui para o banho e me esqueci da vida. Estava me enxaguando quando escutei o som de mensagem chegando no celular. Terminei de me secar no meu cubículo improvisado – porém, funcional - e fui pra cama. Lá estava, o inesperado: @BlackJack_2001 não só continuava me seguindo, como permitiu que eu o seguisse também.

Ué?

Fiquei sem saber o que fazer.

A conta privada dele se abriu como as portas de um cassino todo iluminado, um oásis no deserto, a caixa-cofre de um banco, enfim, vocês entenderam as metáforas. Era como se um grande segredo se descortinasse diante dos meus olhos curiosos. Eu estava tão empolgada, que olhei postagem por postagem.

Foi aí que tive a certeza absoluta de que ele era um militar da Marinha. E com um corpo de fazer qualquer mulher ficar babando. Na verdade, o cara publicava poucas fotos de si mesmo e várias de um cão akita americano, enorme, de nome Mister Bear. Bem apropriado, já que ele era realmente grande como um urso.

@BlackJack_2001 era o codinome de Derek Nahas. Gostei de como o nome dele soava... Reparei que nas raras aparições - ora se exercitando ou participando de manobras com seus companheiros (eu imaginava que eles deviam ser fuzileiros) – havia uma tarja preta sobre o rosto, ou um emoji com a cara de um sapo sorridente. Todas as fotos postadas que envolviam militares, tinham a porcaria da tarja preta sobre os olhos, sofreram desfiguração digital, ou tinham a cara do sapo.

Fiquei rindo sozinha diante daquele sapo.

Comecei a fuçar e a curtir as postagens. Ele tinha um jeito divertido de apresentar as situações. De responder aos comentários das pessoas. Para cada um, ele se adaptava... Isso dizia muito a seu respeito, Derek nem tinha ideia do quanto. Decidi comentar a foto do Mister Bear, que era o que me interessava para o momento. Achei o cão supercarismático e à vontade com as filmagens e fotos tiradas pelo dono.

De repente, ele respondeu o meu comentário. Não entendi direito... As gírias americanas estão muito longe do inglês que a gente aprende na escola. Entrei no Google e perguntei: como traduzir as abreviações para o português.

Mal tinha ideia de que esse se tornaria um costume frequente, entre nós dois. Toda a vez que eu queria me comunicar com ele, dava uma conferida no Google Tradutor. E logo eu fiquei craque no inglês. Foi um desafio entender o que era um badass! Eles escreviam muito isso. Era badass pra cá e badass pra lá. Como eu disse antes: um festival de bundas.

Muitas pessoas que seguiam Derek começaram a me seguir também. Eu aceitei e os segui de volta, mas fiquei meio perdida com as suas postagens. Eram interessantes, excitantes, com imagens de pára-quedismo radical, e viagens que eu nunca iria fazer - para lugares que eu nem sabia que existiam... Sem dúvida, muito mais interessantes do que as postagens que as garotas costumavam publicar (uma variedade infinita de selfies com biquinho, mostrando roupa e maquiagem; eu não queria nada daquilo, queria a aventura que eu via nos posts dos garotos).

Mas como eu não era "safa" em publicar coisas interessantes no Instagram, imaginei que, a qualquer momento, eles deixariam de me seguir por acharem as minhas postagens medíocres ou entediantes. Milagrosamente, não foi o que aconteceu. Todos eles apareciam pra curtir, quando eu batia foto da Lisk, ou da vista do mar, perto do moinho. Alguns se encantaram com o próprio moinho; que dependendo do ângulo tinha um charme todo especial. Os caras comentavam, elogiando e colocando vários emojis gentis...

Será que perceberam que estavam lidando com uma garota, e meio atrapalhada, ainda por cima?

Do meu lado, eu nem sabia como comentar as postagens dos caras. Além de americanos, eram rapazes. Se é que me entende... Eles tinham algo na cultura masculina que era só deles. Divertida de olhar, de um jeito bizarro... Mas, também, era complicado de comentar, sem parecer piegas, repetitiva, ou superficial.

Ou tola.

Eu vi um dos caras usando uma tarja sobre os olhos, com um osso de costela na boca – pelo amor de Deus! - como se estivesse fumando um charuto. Avistei outro atravessando uma piscina de um lado a outro, debaixo da água (era uma postagem de incentivo aos calouros do BUD/S¹). E teve um deles que publicou uma foto de um bando de caras musculosos, sem camisa, fazendo piquete na porta de uma pizzaria. No título da postagem, ele comunicava aos seus seguidores que era um "viciado em massa".

Agora me diz: O que eu poderia comentar a respeito dessas publicações doidas? Pois é, eu me limitava a curtir e a me divertir.

Alguns deles era muito religiosos e gostavam de publicar trechos da bíblia, com mensagens positivas - de incentivo e motivação. Eles costumavam postar cenas de guerra, citando os Salmos. Esses eram os militares que tinham Deus como comandante em chefe; e Jesus Cristo, nosso senhor, como general de suas tropas.

Em suas mensagens, eles mencionavam e exaltavam sempre a questão do coleguismo, da camaradagem, da união, e da persistência... Diziam que as pessoas deveriam se cercar de pessoas positivas, que as ajudasse a evoluir, não regredir ou estagnar.

Era bonito de ver como eles não deixavam a peteca cair. Só reforçava que o patriotismo americano, mesmo que eventualmente deturpado e intransigente, era o primeiro passo para uma forte identidade nacional. E se havia uma coisa que os americanos tinham de sobra, era o amor pelo seu país.

Eu só lamentava que, aqui, onde eu vivia, quase não ocorressem manifestações tão amplas e esplendorosas de amor à pátria.

---

Um belo dia, Derek postou uma foto antiga, em preto e branco, falando sobre o ataque à Pearl Harbor, no final da Segunda Guerra Mundial.

Era uma data histórica para os americanos. Eles costumam relembrar os eventos que marcaram ou mudaram o país; conheciam bem a história de seu país. Seu lema era "nunca esquecer".

Por causa do meu livro (que ainda não tinha um título), o post de Pearl Harbor me atraiu como um imã.

Decidi comentar:

"Estou escrevendo um romance ambientado na Segunda Guerra, e o seu post tem tudo a ver com o que eu preciso, em termos de pesquisa. De onde veio a imagem?"

Levei cinco minutos para traduzir corretamente o comentário. E Derek levou mais cinco, para respondê-lo. Ele foi seco, como os militares costumam ser em suas respostas. Simplesmente, colou o link de onde a imagem foi tirada. Eu fui até o canal direto e escrevi uma mensagem. Achei que devia, já que ele me deixou conhecer as suas publicações pessoais.

"Obrigada por permitir que eu entre em suas postagens, que são muito interessantes. Adoro acompanhar as peripécias de Mister Bear. Ainda mais quando ele está na creche para cães, fazendo traquinagens. Agradeço mais ainda pelo link sobre o ataque à Pearl Harbor. Sinceramente, @Lara_de_bem_".

Para minha surpresa, ele respondeu de imediato:

"De nada".

Curto e grosso.

E eis que, inesperadamente, ele digitou:

"Você é menina ou menino?"

O quê? Que tipo de pergunta era esta?

Se eu sou menina ou menino não deveria ser da conta dele. Mas, por outro lado, acho que minha indignação se devia ao fato de que ele não reconheceu de imediato que eu sou uma menina. Bem, como ele iria reconhecer, se não podia ver a minha cara? O mesmo vale pra ele... Decidi ser sincera:

"Sou menina, e você?"

Quis sacaneá-lo com a pergunta.

Que ele era um menino, estava óbvio... E um menino muito bem constituído. Alto, musculoso, tatuado... E a cereja do bolo: bronzeado.

Derek ficava muito gato naquele uniforme de camuflagem. Porém, a cara dele podia ser a de um chimpanzé, e eu não saberia dizer... Sempre tinha o emoji de um sapo ou a famigerada tarja preta. Poderia ser um rosto de assustar, em cima daquele corpo sarado e maravilhoso.

Além do mais, poderia não ser uma foto dele, de verdade. Até onde eu sabia, Derek poderia ser uma velhinha de 80 anos, lésbica, chamada Gertrudes. Cheguei a comentar isso com ele e fiquei rindo sozinha, a espera da resposta.

Meu Deus, da onde saiu essa? Da sua imaginação doentia em sem freio, garota!

Ele simplesmente respondeu: "Engraçadinha. Ha".

Daí, eu lhe perguntei:

"Por que você quer saber se eu sou menina ou menino?"

"Por que, dependendo, vou pegar leve ou pesado".

Eu fui ficando horrorizada.

"Como assim, pegar leve ou pesado?"

Ele enviou um emoji sorridente, me olhando de lado.

"Eu vou soltar o verbo como faria com os caras, ou vou cuidar com o que falo, como faço quando minha irmãzinha Angela está por perto. Se bem que ela é duas vezes mais desbocada do que eu.Tem 18 anos, sabe como é"...

Relaxei diante da resposta descontraída, e traduzi uma resposta para ele:

"Prefiro que você pegue leve comigo. Além de menina, eu me assusto fácil. Vocês, militares, são muito agressivos".

Fiz uma careta ao perceber que eu estava fazendo doce.

"Prometo pegar leve... Mas não me venha com esse papo de masculinidade tóxica".

Que diabos... Saltei pro Tio Google, procurando o significado da expressão. Quando vi que demoraria uma eternidade para entender as explicações, resolvi lhe perguntar diretamente:

"O que significa? Não conheço a expressão".

Ele demorou tipo meio segundo. (Isso era surreal, ele tava ao vivo lá do outro lado do mundo!)

"Não conhece? De onde você é?"

"Eu sou brasileira, não entendo metade do que você fala".

"Então, vamos por partes... Tem gente que acha o nosso jeito de ser muito exagerado. Intenso. Papo de feminista".

"Sério? Eu sou militante do direito das mulheres!"

"Eu sou super a favor das mulheres. Amo as mulheres. Eu as venero!"

"Engraçadinho".

"Você não tem ideia, menina".

"Taí... Gostei dessa expressão: Masculinidade tóxica. Vou usá-la num dos meus livros".

"Gostou é? A propósito, xeretei nos posts dos seus livros... As sinopses parecem interessantes. Também reparei que você não tem posts pessoais".

"Assim como você".

"Eu faço um trabalho que me coloca em risco e exige discrição. E você, qual a sua justificativa? É muito feia pra postar uma foto?"

"Hahaha", eu digitei, na sequência. "Sou horrível! Tenho um nariz adunco, com uma berruga na ponta... Meu queixo é duplo e peso 262, 67 quilos".

"Nossa, você consegue boiar no mar fácil-fácil!", ele também digitou na sequência: "Aposto que é bonita!"

Eu sorri... Bom, eu não me considero feia. Tenho o rosto e o corpo proporcionais, meus lábios são cheios (foi a qualidade que atraiu o meu primeiro namorado). Não era magrela, mas também não era gorda. Estava me cuidando...

Ao invés de entrar no mérito da questão, eu digitei:

"E eu aposto que você é feio como um cão chupando manga".

Ele sumiu alguns segundos, antes de responder:

"Não conheço a expressão".

"Peguei você! Imagine um cachorro vira-lata chupando uma manga... Uma manga bem madura e fibrosa... Que coisa suja e feia".

"Haha", ele digitou. "Que espertinha!"

"Você não tem ideia, garoto".

"Onde você está agora?"

"Eu moro numa ilha, ao sul do Brasil. Chama-se Florianópolis. Olhe no mapa."

"Pode apostar que eu vou".

Nossa, senti como uma ameaça! Uma ameaça excitante!

"Sou do Michigan. Minha família mora lá."

Ele continuou a digitar:

"Tenho um apartamento perto da base, em Virgínia Beach. É um lugar lindo. Sinto falta... No momento, estou no Afeganistão".

E aquela foi a frase mais longa que ele escreveu, desde que começamos a "nos caçar" no Instagram.

Decidi arriscar:

"Você está em missão?"

"Não posso dizer".

"Você é um ranger?"

"Vendo carros usados para os soldados".

"Tá falando sério?"

"Eu sou um cara sério".

Levei um tempinho para perceber que ele estava me zoando e desconversando, ao mesmo tempo.

"Fuzileiro?"

"Eu já disse, vendo carros usados... E camelos também."

Decidi entrar na brincadeira.

"Ah é? Quanto custa uma cáfila? Ou você vende a unidade?

"Faço qualquer negócio. Vendo um camelo, ou dez".

"Sei... Eles cagam e andam né?"

"Hahah", ele digitou. "Meu lema de vida".

Eu não respondi... Era surreal, estranho e divertido ao mesmo tempo... Ele digitou novamente:

"Aí, bela, se precisar de ajuda com a pesquisa, pode me pedir! Eu curto bastante história da guerra. Sou fissurado no assunto".

"Está bem, vou aceitar sua ajuda, obrigada!"

E foi assim que tudo começou, entre @Lara_de_bem (com a vida) e @BlackJack_2001 (o misterioso militar que não queria revelar a qual força, ele pertencia).

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Rodapé:

[1] - O Treinamento Físico Naval de Guerra Especial (PTG) é um programa de treinamento personalizado de 26 semanas projetado especificamente para ajudar o candidato a desenvolver a força e resistência para suportar os rigores da Seleção Básica de Tripulante (BCS) ou Demolição subaquática dos SEAL - SEAL Underwater Demolition / SEAL (BUD / S), bem como o Teste de Triagem física dos Navy SEAL ou SWCC Physical Screening Test. Só passam os que estão em perfeita forma física, na maioria, atletas.

Fonte: http://www.sealswcc.com/become-navy-seal.html

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