03

Assim que acordou no dia seguinte, por mais que Karyn ainda sentisse seu corpo inteiro doer, e que tivesse ganhado duas longas semanas de folga de seu sensei, ela não conseguia mais ficar na cama. Precisava de um longo banho e ver como estava sua fisionomia, apesar de achar que ela deveria estar parecendo a coisa mais grotesca do mundo.

Depois de muito esforço, conseguiu se levantar, caminhou até o pequeno banheiro que tinha no quarto. Acendeu a luz e arrastou seus pés até a pia, erguendo a cabeça para observar sua fisionomia.

Ela não era bem o tipo de pessoa que se assustava fácil. Mas seu único olho bom se arregalou no instante em que ela encarou seu reflexo. Estava mil vezes pior do que tinha imaginado.

O olho direito estava inchado, ou o inchaço era da sua bochecha do mesmo lado, porque realmente parecia que ela havia colocado uma bola de golfe na boca devido ao tamanho daquele círculo do lado de seu rosto. Havia uma enorme mancha preta sobre seu olho, que subia do centro da bochecha até a sobrancelha, nas bordas já possuindo um tom mais esverdeado. Seu lábio inferior tinha um corte no canto esquerdo, fora os diversos arranhões e um corte mais profundo no supercílio esquerdo, onde tinha um curativo. Os machucados dela haviam sido tão profundos, que mesmo tendo sido cuidada por um curandeiro, ela ainda demoraria dias para se recuperar totalmente.

E essa constatação fez com que a garota pressionasse fortemente as bordas da pia, desejando do fundo de sua alma matar o alto escalão.

— Velhos malditos. — Sussurrou num tom rouco carregado de ódio.

Se Satoru não desse conta deles, ela tinha certeza de que daria. Não importava o que precisasse fazer para alcançar esse objetivo. Até porque, ela sabia bem que os feiticeiros por de trás daquelas sombras, não passavam de pessoas fracas que tinham contatos. Eles não eram poderosos. Se fossem, não mandariam alunos para um cenário suicida, já que poderiam matá-los com as próprias mãos.

Mas ela sabia bem que eles deveriam ser mais fracos que alguém do nível quatro.

Abriu a boca com um pouco de dificuldade, tentando checar se ainda tinha todos os seus dentes na boca e sentiu um certo alívio com isso. Já não bastasse sua expressão horripilante, ela não queria ter uma janela em seu sorriso. Por mais que ela não fosse nem de longe a pessoa que mais sorria ali.

Depois de constatar que poderia voltar ao normal em alguns dias, retirou suas roupas, as deixando cair no chão e entrou no box. Ela não tinha conseguido tomar banho no dia anterior, porque desmaiou nos braços de Yuta poucos minutos depois de ter levantado. E essa lembrança a fez fechar os olhos e encostar a testa no azulejo frio, enquanto se amaldiçoava por seus atos involuntários.

Abriu o registro e gemeu de forma dolorosa ao sentir o contato da água quente contra seus músculos machucados. A vontade de chorar se apossou de todo o seu ser. Mas o ódio que sentia era muito maior do que as humilhações que estava se prestando nas últimas vinte e quatro horas.

O banho foi uma tarefa extremamente difícil, mesmo tendo cuidado, ela ainda sentia muita dor e isso só a irritava ainda mais e lhe deixava frustrada. Sentiu vontade de sentar ali embaixo do chuveiro e só deixar a água cair por seu corpo, mas tinha quase certeza de que não conseguiria se levantar depois. E seria ainda mais humilhante saber que dependeria de alguém até mesmo no banho.

Mais uma vez naquela manhã amaldiçoou os anciãos.

Terminou seu banho e voltou pro quarto com a toalha enrolada no corpo. Não era muito fã de vestidos, mas ela precisava de algo que não apertasse seu corpo e que fosse fácil de vestir e retirar depois. Por isso, colocou um vestido preto, de mangas longas, com a saia rodada e o busto mais justo. Ela devia ter comprado ele há uns dois anos atrás, mas nunca tinha usado, achava que ficava com uma expressão mais delicada. E essa era a última impressão que queria passar pra alguém.

Prendeu os longos cabelos cor de rosa em um rabo de cavalo no alto da cabeça e calçou seus coturnos. Em todo esse processo, ela sentiu vontade de voltar para cama e não levantar de lá até a próxima semana. Mas sua barriga roncou e ela tinha certeza de que demoraria uma hora ainda para que alguém lhe levasse algo pra comer. Uma sopa como na noite anterior, era fácil de ingerir, mas ela queria muito provar algo que lhe desse a sensação de encher a barriga.

Ao se olhar no espelho mais uma vez, tentando ignorar seu rosto praticamente desfigurado, ela esboçou um mínimo sorriso de satisfação. Caminhou até a porta e abriu, se assustando com a figura masculina parada do outro lado, com o punho elevado como se o mesmo estivesse pronto para bater.

— Karyn? Ah... Bom dia! — Ele sorriu um pouco sem graça, usando a mesma mão erguida para levar até a nuca. — Como está se sentindo? Não imaginei que fosse vê-la de pé hoje, achei que ainda pudesse ficar descansando.

A feiticeira ainda tentava absorver o fato de Yuta estar parado na sua frente, ela mal sequer havia prestado atenção nas palavras do moreno, desviando os olhos dele para encarar os dois lados opostos do corredor e ver se havia mais alguém ali. Infelizmente constatamos que ele era o único. E isso a fez suspirar de forma cansada.

— O que faz aqui, Okkotsu? — Ela nem se deu o trabalho de forçar um tom mais amigável, soando mais ríspida do que de costume.

Mas isso não pareceu abalar nem um pouco o outro rapaz. Que sorriu gentilmente para ela. Novamente soando como se nada no mundo ou nenhuma ofensa o abalassem.

E isso a irritou.

Pela primeira vez Karyn começou a cogitar matar Yuta primeiro, antes de fazer uma chacina no alto escalão.

— Vim ver como você estava.

— Dá pra ver que nada bem, né. Agora da licença. — Ela fechou a porta atrás de si e saiu acertando o ombro contra o braço do moreno, se arrependendo no mesmo instante do gesto, já que seu braço inteiro doeu. — Droga! — Rosnou tentando acelerar seus passos, mesmo sabendo que o Okkotsu estava logo atrás dela como uma sombra.

— Olha, eu me ofereci para te fazer companhia e cuidar de você enquanto não se recupera. O Sensei Gojo acha que é uma ótima ideia. — O mesmo falou de forma animada, assim que a alcançou e passou a andar ao seu lado.

Outro que entraria para sua lista de assassinatos com certeza era o albino. Porque ele mais do que ninguém sabia o quanto ela odiava Yuta e fazia de propósito, os colocando em missões juntos, ou elaborando estrategicamente cenários onde ambos sempre terminassem sozinhos.

— Obrigada, mas não preciso de babá.

— Não seria babá, tá mais pra um ajudante. — Ele sacudiu os ombros de forma despojada.

Karyn fechou os punhos com força, sentindo cada célula de seu corpo começar a ferver. Não era possível que ela ia passar suas próximas semanas com aquele maldito. Preferia ter morrido naquele metrô, seria menos doloroso do que aquilo.

Yuta tentou puxar assunto com ela, falando sobre o clima e que tinha previsão de chuva no fim da tarde, provavelmente uma tempestade, já que o verão estava chegando. E logo as temperaturas iriam se elevar absurdamente.

Karyn o ignorou o tempo inteiro. Mas isso não foi o suficiente para que o mesmo se calasse. E ela começou a elaborar em sua mente, mil e uma formas de matar Yuta Okkotsu e fazer parecer um acidente.

Assim que ambos chegaram no refeitório, os poucos alunos que haviam ali direcionaram seus olhares para os dois. Alguns curiosos e outros apenas queriam saber quem havia chegado, antes de voltarem a suas refeições.

Yuta tomou a frente da garota na direção da cantina, pegou duas bandejas e as montou rapidamente. A rosada não pode deixar de observar que ele colocava exatamente os mesmos tipos de comida que ela costumava pegar pela manhã. Um pão com patê de atum, um bolinho de arroz, uma maçã e uma caixinha de suco de morango.

Sentiu vontade de perguntar como ele sabia que aquele era seu café da manhã de todos os dias. Mas sabia que qualquer tipo de interação com o moreno, seria o suficiente para que ele engatasse uma conversa nova com ela. E tentou evitar isso ao máximo.

O mesmo terminou de montar sua bandeja e carregou as duas até a mesa onde Maki e Inukami estavam terminando de comer. Karyn não queria se sentar ali, ainda mais depois de ver o olhar debochado de sua melhor amiga, por trás das lentes dos óculos.

— Você tá péssima, amiga. — A Zenin zombou, bebendo um pouco de seu chá.

— Salmão. — Ela viu Inumaki concordar e isso a fez abaixar os ombros, antes de puxar uma cadeira e se sentar.

Yuta colocou a bandeja dela logo a sua frente e se sentou do lado da mesma.

— Tá fazendo o Yuta de seu escravo pessoal, agora? Parece divertido.

— Maki, não faça eu colocar seu nome na minha lista negra também. — A rosada choramingou.

— Nossa, que mau humor. Achei que depois de quase morrer, você voltaria uma pessoa mudada. Quem sabe, evolução espiritual.

— Acredite, eu realmente tentei evoluir de carne para espírito. Mas alguém aqui não deixou. — A rosada apontou o indicador para o moreno ao seu lado.

Yuta engoliu um pedaço de seu bolinho de arroz com certa dificuldade e a encarou com as sobrancelhas arqueadas.

— Isso é um agradecimento?

— Atum. — Inumaki comentou e Maki riu logo ao lado dele.

Era óbvio que ela não estava nem um pouco agradecida pelo Okkotsu ter salvado sua vida. O problema não era mais o fato dele ter sido a pessoa a salvá-la, mas a questão do salvamento em si.

Quando alguém a deixaria finalmente deixar de existir? Ela não aguentava mais.

Pegou seu sanduíche e deu uma mordida, gemendo dolorosamente no processo. Parecia até que sua mandíbula iria sair do lugar enquanto ela lutava para mastigar. Agora entendia a questão da sopa rala que lhe levaram na noite anterior.

Acabou desistindo de comer alimentos sólidos e optou apenas por beber seu suco de morango, enquanto observava Maki conversar com Yuta sobre a próxima missão que ela iria fazer com Panda e Inumaki. O moreno ao seu lado dava bastante atenção para a amiga e ressaltava diversos comentários no meio da conversa. Ela não via necessidade de comentar tanto sobre algo simples, mas Yuta sempre parecia muito disposto a deixar claro a qualquer um, que ele estava prestando atenção no que a pessoa falava e que ele se importava com a opinião que a mesma tinha em relação aquele assunto.

Por que ele sempre tinha de ser tão gentil e atencioso com todos?

A Matsumoto começou a sentir uma sensação estranha em seu estômago, mais como se um calor estivesse se apossando de seu interior, enquanto suas íris verdes estavam fixas no Okkotsu. Na forma como ele sorria e gesticulava durante a conversa.

Ele parecia tão seguro de si, totalmente diferente do rapaz que havia aparecido na escola dois anos atrás.

E ao perceber que estava reparando demais no mesmo, a garota voltou para sua bandeja de comida. Mais uma vez se esforçando em comer pelo menos o bolinho de arroz, sem fazer muitos movimentos bruscos com sua mandíbula enquanto mastigava. Mesmo que de certa forma, ela estivesse usando a dor que afligia a si mesma para se punir.

Ela tinha coisas mais importantes para fazer, em vez de prestar atenção em um maldito aluno daquela escola. 

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