o7| VAI ACONTECER DE NOVO

"Eu juro que é verdade, o passado não está morto. Ele está vivo, está acontecendo na parte de trás da minha cabeça. Sem futuro, sem passado. Não há leis do tempo que possa desfazer o que está acontecendo... está acontecendo de novo." — Is happening again (Agnes Obel)


 Starfish, 2025.

— Então, foi isso — Billie murmurou, após contar tudo para a amiga.

Alice a olhava como se fosse um extraterrestre. A história inteira parecia absurda, mas vinda dos Jean, o absurdo era eufemismo. A corredora passou o restante da noite com Dandy, abraçados dentro do carro e observando o céu estrelado através do teto aberto. Ela adormeceu recostada no peito do ex-corredor, enquanto ele dedilhava seus cabelos. 

Quando amanheceu, ele já não estava mais lá. A garota acordou assustada, com batidas no vidro. Ao amanhecer, ela franziu o cenho por causa da claridade, e piscou diversas vezes para enfim ajustar a visão. Um policial a observava desconfiado do lado de fora, e ela viu pelo reflexo dos óculos escuros dele, que estava com uma aparência terrível.

— Bom dia, não pode dormir aqui — ele disse.

— Se fosse com você, aposto que poderia.

O policial balançou a cabeça em negativa e bateu no vidro mais uma vez para que ela o baixasse. Billie revirou os olhos e sentiu o vento quente bater em seu rosto quando o baixou.

— Os documentos do carro.

Ela os alcançou no porta-luvas e entregou. Após analisá-los, o oficial ainda não parecia satisfeito. Era muito comum encontrar jovens bebendo, se drogando ou vendendo entorpecentes naquela região, por isso mandou que ela saísse do carro e começou a revistar o veículo. Não encontrando nada suspeito, ele entregou os documentos e a observou. Ele sabia quem Billie era apenas pelo sobrenome, e não se impressionou ao notar que o motor do carrro era claramente ajustado para apostas de corrida.

— A neta de Amélia Jean, suponho.

— Nossa, já dá até para jogar na mega-sena!

O policial riu e acendeu um cigarro.

— Eu acompanhei de perto o acidente nessa pista em mil novecentos e oitenta.

Billie engasgou e tossiu com a fumaça do cigarro ao ficar boquiaberta.

— Não brinca!

— Foram meses conturbados, ao final de tudo tivemos que arquivar o caso.

Dênis Cash era um pouco mais velho do que os integrantes da Pluma quando tudo aconteceu. Ele entrou na corporação aos vinte anos, e tinha vinte e sete na época do destroço de 1980. Ele já exercia a função de policial há sete anos, mas nunca tinha visto algo tão terrível quanto aquele acidente. O rapaz não teve salvação, as pernas foram esmagadas, ferros retorcidos perfuraram seus pulmões, e a mandíbula quebrada não o deixaria respirar pela boca mesmo que ele tentasse. 

A garota escapou por muito pouco, era um milagre que ainda estivesse viva. O policial tinha algumas lembranças nebulosas sobre aquela noite, mas se recordava muito bem do episódio estranho que teve com um dos integrantes, Falke Truelsen. Ele esbarrou com o rapaz, que saiu correndo em direção ao seu carro, dando partida em seguida. Logo depois, quando andou até a barraca da Pluma, ele o viu novamente, com Zuri o ajudando a levantar. Era como se o encontrão não tivesse existido. Dênis lembra de ter olhado para trás e se perguntado se estava louco. Era como se existissem dois Falkes, ou então, eram muitos parecidos um com o outro.

— Ainda bem que chegamos a tempo. As pessoas estavam todas aglomeradas ao redor daquele carro que mais parecia uma lata de sardinha amassada. Todos ficaram com medo de retirá-la dali sem que a machucassem, o rapaz já estava morto. Graças a Deus conseguimos salvá-la, ela e o bebê.

— O bebê?

— Sim, sua avó estava grávida de três semanas ou mais, eu acho.

— Espera, não... — Billie sabia que a avó engravidou anos depois do acidente. — Você deve estar enganado, ela engravidou anos depois.

— Se estamos falando da mesma pessoa, ela já estava grávida quando o carro capotou.

Os neurônios de Billie estavam evaporando, ela não conseguia ver lógica naquilo. Amélia estaria escondendo coisas dela? Ao notar a expressão confusa da menina, Dênis achou melhor liberá-la, já que não encontrou nenhum tipo de entorpecente. Ele retirou um cartão do bolso que continha seu endereço de e-mail e número de telefone.

— Vá para casa. Seja lá o que você fez a noite toda, precisa descansar — ela pegou o cartão. — Pode me ligar se quiser conversar mais a respeito, minha esposa irá fazer uma pequena feira de adoção no nosso jardim, neste sábado. Nossa cadela vira-lata teve nove filhotes desta vez.

— Eu irei — ela engoliu em seco e o encarou. — Você está falando a verdade?

— E a sua avó está?

— Eu estou confusa.

—É como eu disse, vá para casa e descanse. Você terá bastante tempo para pensar e conversar com a sua avó, se quiser. Houveram algumas lacunas que ficaram abertas naquele caso, no meu ponto de vista, é claro. Nos vemos no sábado?

— Sim, oficial.

— Meu nome é Dênis Cash.

Eles apertaram as mãos, e Billie sentiu energias boas vindas dele.

— Billie Jean.

Ela agradeceu e dirigiu direto para a casa de Alice, onde desabafou sobre o seu delírio até a conversa com o policial Cash. A garota preferiu não ir para casa naquele momento, pois sabia que iria despejar todas as suas dúvidas e inseguranças na avó. Billie queria ter algum norte primeiro, antes de sair por aí dizendo asneiras e teorias da conspiração aos quatro ventos.

— Olha, amiga, eu sempre achei que você era meio maluca, mas essa história está passando dos limites — Alice disse. — Eu digo isso porque me parece assustadora demais, são muitas coincidências que fazem sentido.

— Late.

A cantora se ajeitou no colchão e deitou de frente para Billie.

— Primeiro, você vem de uma geração de médium...

— Mas eu nunca vi nada!

— Deixa eu terminar, caralho.

— Okay — resmungou, dando-se por vencida.

— Amélia é a médium mais respeitada de Starfish, então as dúvidas sobre os dons delas são zero, certo? — a outra assentiu. — Você também é sensitiva, só não percebeu ainda, Já me ajudou a não cair em muitas enrascadas somente pela sua intuição. Lembra de quando você implorou para que eu não saísse com aquele professor de matemática do ginásio? Eu não fui, porque você chorou para que eu não fosse. No dia seguinte soubemos que ele assediou a Bessie Pye. Amiga, eu sempre soube que você tinha esse dom, só não percebeu ainda.

Billie engoliu em seco e aguardou.

— Segundo, não é estranho que somente você tenha visto o tal Dandy Spring?

— O que ele tem a ver com isso?

— Amiga, liga os pontos. Eu não vi ninguém entrando no seu carro naquele dia.

— Tinha muita luz, não tinha como você enxergá-lo.

— Ah, é? — Alice pegou seu celular e procurou o contato do rapaz que anunciou a corrida naquele dia. — Vamos ver o que Freddie Quincey tem a dizer então.

— Você pegou o contato desse cara?

— E daí? Ele até que é bonitinho. Agora silêncio, vou ligar para ele.

Freddie atendeu no terceiro toque.

"Hey, Alice. O que você manda? "

— Oi, Freddie! Pode só me tirar uma dúvida sobre a corrida de estréia da minha amiga em Starfish?

"Claro."

— Ela estava acompanhada ou sozinha quando você foi falar com ela antes de dar a largada?

"A sua amiga sabichona estava sozinha."

— Obrigada, Freddie! Nos vemos depois!

"De nada."

Alice desligou e encarou o semblante assustado de Billie. Ela não queria acreditar nas teorias da cantora, tudo parecia muito irreal.

— Terceiro — Alice continuou. — Quem não tem Instagram ou qualquer outra rede social hoje em dia? Quarto, o cara só aparece durante a noite e quinto... quem em sã consciência iria aparecer naquela pista em plena madrugada, e ainda vestindo uniforme de corrida? Você não lembra do que Amélia disse? As jaquetas da Pluma eram únicas.

— Alice, fala logo a sua teoria.

— Dandy Spring está morto e é o amigo que estava no carro com a sua avó.

Billie lutava com todas as forças para ir contra a teoria de Alice, mas sabia que não tinha para onde correr. Ou continuava em negação, ou aceitava. A cantora abraçou a amiga quando a viu desmoronar em lágrimas. Billie se apaixonou poucas vezes, mas ninguém a tinha deixado daquela maneira. A corredora deixou que soluços desenfreados escapassem de sua garganta, e pareceu chorar por uma eternidade. Ela não queria acreditar que Dandy estava morto, ou até que Carl não fosse seu avô, já que Amélia estava grávida bem antes dele.

— E se o Dandy for o meu avô?

— Puta merda!

***

"Billie Jean, por onde você esteve?" Amélia perguntou através da chamada de vídeo, do outro lado da tela do notebook. "Não me venha com mentirinhas, eu vou saber!"

Amélia estava blefando para a neta falar a verdade, ela só sentiria se tocasse nela.

— Fui a uma festa, vovó. Fiquei bêbada e Alice me trouxe para dormir na casa dela.

Alice acenou para a idosa, enquanto aplicava a tinta verde em mais uma mecha de cabelo da corredora. Billie resolveu dizer uma mentira escandalosa, pois parecia ser algo a querer encobrir.

"Da próxima vez vai ficar de castigo, ouviu?" a neta assentiu. "Estarei fora por dois dias, em um congresso em Denver. Preciso confiar em você para que fique tudo em ordem, mas pelo jeito está muito difícil!"

— Foi só uma vez, vovó!

"Essas vezes sempre se repetem, vou mesmo ter que cancelar o meu congresso por causa da sua irresponsabilidade?"

— Não, Amélia! Pode ficar tranquila, você sabe que ela está segura comigo — Alice disse.

Amélia massageou as têmporas e suspirou.

"Vou confiar em vocês. Os serviços da funerária estarão suspensos, a não ser que você queira gerenciar."

— Passo!

"Covarde" Amélia riu. "Preciso ir, meninas. Meu voo é daqui algumas horas, vou arrumar as malas. Tenham juízo, amo vocês."

— Também te amamos, vovó. Se cuida!

A chamada de vídeo foi encarada, e um minuto tenso de silêncio pairou entre elas. Bastou trocarem um olhar para cada uma entender o significado do espaço de tempo de dois dias: investigação. Alice queria pesquisar o nome de Dandy e o ano, mas Billie não deixou. A corredora não estava pronta para encarar a verdade, queria adiar o máximo possível. Elas então marcaram uma visita ao cemitério, onde teriam a certeza refletida através de uma lápide.

***

— Não me venha como essa! Acha mesmo que ele vai confessar? "Desculpa, Billie Jean, mas eu estou morto!" — Alice resmungou, irritada com a relutância da outra.

— Eu quero tentar conversar com ele antes de irmos adiante com essa palhaçada, e se tudo não passar de coincidência?

— Queridinha, os sonhos — Alice fez aspas. — Não foram sonhos, pode ter certeza. Você viu meu pai, e ele ainda tem aquele kimono amarelo fedorento, sem falar que ele vez ou outra me diz que sempre tenta se lembrar de onde já viu você na juventude dele. E outra, o Falke. Você se sentiu muito mal quando tocou nele, e ainda teve todas aquelas lembranças com o Dandy.

— Vamos logo com isso — Billie disse, cansada de procurar brechas. — Eu estou apaixonada por ele, Alice. Por isso tenho medo da verdade. E nem me pergunte se não é cedo demais, eu só sei que estou muito apaixonada por ele. Foi algo que não consegui controlar, pois já começou desgovernado.

Alice a abraçou e afagou seus cabelos recém-retocados.

— Vai dar tudo certo, se ele realmente for um fantasminha, vocês estão se reencontrando por algum motivo, okay?

— Hurum.

Ela assentiu e afastou as lágrimas que ameaçavam escapar. Alice dispensou os meninos do ensaio que estava marcado para aquela tarde e Billie cancelou a corrida do dia seguinte. Ela estava mentalmente exausta, parecia ter passado dias fora e vivido uma eternidade em outra vida. As duas foram para a casa de Amélia, onde prepararam um almoço e cochilaram durante um pedaço da tarde. A médium não estava mais lá. Alice deixou que a amiga descansasse o máximo que podia, e quando a noite finalmente caiu, elas partiram em direção ao cemitério da cidade.

— Sou muito cagona, era para a gente ter vindo à tarde — Billie resmungou dentro do carro. — Já estou com medo.

— Eu preferi deixar você dormir, dava para sentir o cheiro da sua exaustão — Alice apagou a luz do teto quando dobrou o veículo na esquina. — E outra, você sabe que eu sou marcada nesse cemitério, né? O coveiro não iria me deixar entrar, então vamos invadir pelos fundos.

Alice estacionou o carro na esquina dos fundos do cemitério e elas saíram. A cantora comemorou o aniversário de vinte anos, com direito a muita farra, no cemitério, dando muito trabalho ao coveiro. Ele jurou que só a deixaria entrar se fosse estritamente necessário, e ela entendeu o que ele quis dizer. Quando alcançaram o muro, não foi nada difícil atravessá-lo. Ambas escalaram a figueira e usaram seus galhos para pular para dentro. O cheiro de enxofre a deixou enjoada, e saber que estava ao redor de milhares de lápides era desesperador.

Alice percebeu que a amiga estava com princípio de pânico, então tratou de retirar o mapa que tinha imprimido do cemitério.

— Clareia aqui — pediu, desdobrando o papel.

— Por onde vamos começar?

— O cemitério é como uma cidadela, vê? — ela apontou para as diversas camadas que formavam a planta do lugar. — As lápides geralmente são separadas por décadas, as mais antigas ficam aos fundos. Dei uma checada no google maps enquanto você dormia. O ano do acidente foi na década de oitenta, certo? Anotei a data, com esse esquema de lápides organizadas por décadas e anos, acharemos fácil.

— Eu não seria nada sem você — Billie disse, tentando disfarçar o nervosismo.

— Eu sei.

A cada passo que davam, a corredora sentia o coração saltar. Seu estômago se revirava e ela só queria correr para longe da verdade. A falta de iluminação deixava o ambiente mais funesto, e o chilrear de algumas corujas lhe dava calafrios. Alice as guiava através do GPS, e não demoraram para chegar na fatídica camada. Billie prendeu a respiração ao escutar alguns murmúrios próximo ao seu ouvido, tão próximos que ela sentiu o bafo quente. 

Desesperada, ela andou para trás e se desequilibrou, caindo das lápides altas onde estava. Ela queria gritar de pavor, mas Alice logo a alcançou e implorou com o olhar para que não abrisse o berro. A corredora chorou baixinho, entendendo porque o pai era tão histérico e escandaloso. Ela segurou a mão estendida de Alice e se levantou, batendo o jeans para afastar a terra.

— Amiga, segura a minha mão e aperta com força — Alice murmurou. — Anda.

Billie fez o que ela pediu, e acompanhou o olhar assustado. Seu coração apertou como nunca antes e a boca secou. Por alguns instantes ela sentiu as pernas fraquejarem, o sentimento de perda se equiparava com a morte de seu avô. Ela cobriu a boca com as duas mãos para abafar o choro e caiu de joelhos, com Alice a mantendo ao redor dos braços.

Billie havia caído em cima da cova de Dandy.

— Isso não pode ser verdade, Alice — murmurou, entre soluços desenfreados. — Não, por favor, não...

A lápide deixava claro o que ambas suspeitavam. Alice apenas abraçou a corredora contra seu peito, e deixou que chorasse. Seus olhos castanhos voltaram a fitar a lápide com o nome de Dandy, e ela se perguntou que tipo de loucura o universo estava aprontando com a sua melhor amiga. A cantora pensou em pedir ajuda ao pai, já que ele entendia muito bem sobre as voltas que a vida costumava dar no vasto universo. 

Lágrimas invadiram seus olhos e ela chorou de tristeza por Billie, pois nunca a viu daquela forma desde a perda Carl Ardor. E pensando nele, Alice soube que apenas a ponta do iceberg daquela história tinha se descortinado. Elas precisavam ter a certeza de quem realmente era o avô de Billie. Seria muito estranho se Dandy fosse, afinal, eles estavam apaixonados. Porém, o ex-corredor vinha de outra época, como poderia imaginar que ela era sua neta? Mas ainda não fazia sentido para Alice, o universo seria tão sacana assim com sua amiga?

***

Billie queria morrer.

Ela saiu do cemitério devastada, com o sentimento de vazio que a corroía. As meninas permaneceram em silêncio, chegaram em casa e tomaram um banho para retirar aquele odor fétido. Alice esfregou as costas de Billie e lavou seus cabelos. A corredora observava os resquícios de tinta verde que desciam pelo ralo quando Alice a tirou dos devaneios ao desligar o chuveiro. Apesar de terem pedido pizza, ambas estavam sem fome. 

Elas sabiam que a próxima camada do iceberg as aguardava lá em cima. Amélia não estava em casa, e a neta sabia exatamente onde ela guardava aquela caixa de recordações. Elas subiram até o quarto da médium, abriram o closet e Billie se apoiou na gaveta para pegar a caixa vermelha.

— Amiga, eu quero que saiba que independente do que descobrimos aí dentro, você não tem culpa de nada, certo?

Billie sabia do que ela estava falando... de que não tinha culpa de ter se apaixonado pelo o seu avô. Ela engoliu em seco e não hesitou mais. O primeiro objeto era o quadro com a fotografia. Ela só a tinha visto uma vez, mas nunca parou para prestar atenção de verdade. Estavam os seis, Dandy, Amélia, Falke, Zuri, Simon e Ana. 

Seu olhar se fixou em Falke e ela recordou de suas lembranças que teve como ele, mas pareciam sonhos, como se não fossem suas. Suas lágrimas caíram no vidro, ela chorou ao ver que Dandy estava radiante naquela foto, e que agora estava morto. Alice pegou a caixa e começou a procurar algo mais relevante. Ela encontrou uma fotografia de Phil Jean e arregalou os olhos diante da semelhança com o ex-corredor.

— Billie, olha isso!

Era o recorte de uma foto do anuário de Phil na secundária. Cabelos platinados, olhos negros e nariz adunco.

— Falke — Billie murmurou, comparando as fotos. — O meu avô é o Falke.

Ela queria gritar aos quatro cantos do universo e perguntar o que estava acontecendo. Queria gritar de felicidade por Dandy não ser seu avô, e queria gritar de tristeza por ele estar morto. Fazia todo o sentido que Falke fosse seu avô, pois além de Phil ser extremamente parecido com ele, Carl Ardor era negro. Billie desceu a escada correndo e se atirou no telefone fixo pregado na parede da cozinha. Ela discou o número de Josephine Ardor, irmã mais nova de Carl. Seu coração batia descompassado. Não era tão tarde da noite, e ela respirou aliviada quando a mulher atendeu.

"Alô?" a voz sonolenta de Josephine soou do outro lado da linha.

— Tia Josephine! — Billie berrou. — Sou eu, Billie Jean.

"Oh, oi querida, quanto tempo. Como andam as coisas?"

— Eu preciso saber se minha avó estava grávida antes ou depois do casamento com o vovô!

"Ah..." ela escutou Josephine se ajeitar na cama. "Eu sabia que essa ligação um dia chegaria."

— Estava ou não?

"Meu irmão era gay, querida."

— O que isso tem a ver?

"Se hoje já é difícil para nós, imagine na época da juventude dele. Imagine o que era ser gay e negro naquele tempo."

— Então...

"Sim, seu avô é outro, um homem de nome esquisito."

— Por que a vovó mentiu?

"Ela e Carl se conheceram na universidade, se tornaram melhores amigos. Amélia não queria que o tal pai da criança soubesse que era dele, então eles fizeram um trato. O casamento foi a fachada perfeita para os dois. Carl ficaria a salvo da sociedade, e Amélia teria um pai para seu filho."

Josephine Ardor escutou os soluços de Billie do outro lado da linha. Ela não queria dar uma de fofoqueira, mas a menina e o pai tinham o direito de saber a verdade. Ela lidaria com Amélia depois.

"Meu bem, seus avós se amavam demais. O casamento deles foi o mais lindo e sólido que eu já vi." Ela disse, tentando tranquilizar a menina. "Era um amor que ultrapassava as relações de um homem e uma mulher."

— Obrigada, tia Josephine. Eu sei, obrigada por ser sincera comigo — Billie soluçou. — Eu te amo, vou desligar.

O celular de Billie tocou assim que ela desligou o telefone. Ela não queria atender, principalmente porque era um número desconhecido. Ela colocou no viva-voz e atendeu.

— Alô?

"Eu falo com Billie Jean?" Ela reconheceu aquela voz.

— Sim...

"Sou eu, Falke Truelsen." A ligação estava ruidosa e chiava muito. "Em que ano você está?"

As meninas se encararam, assustadas.

— Dois mil e vinte e cinco — ela sentiu que a voz tremia.

"Então vai acontecer de novo..." Billie permaneceu estática, sem saber como reagir. "Estou em mil novecentos e oitenta. Amélia e Dandy tinham vinte e cinco anos. Você fará vinte e cinco no segundo equinócio do seu ano, o ano é dois mil e vinte e cinco. Não chegue perto daquela pista, ouviu? Vai acontecer de novo..."

Uma cacofonia tomou conta da ligação e ela caiu.

— Não, não, não... — Billie tentou desesperadamente ligar de volta, mas o número dava como inexistente. — Droga!

— Amiga, calma!

— Era o Falke, ele disse que vai acontecer de novo. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top