13. Há estrelas no céu e no mar, mas as mais bonitas estão em seus olhos

Curiosidade: uma vez, o ex-ditador romano Júlio César foi capturado por piratas. Mesmo com a boa fama de manter-se honesto até durante a guerra, uma tripulação de piratas o raptou e, comicamente, sequer sabiam quem ele era. Por isso, cobraram “barato” pela sua soltura, segundo o próprio imperador, mesmo que tenham cobrado cerca de 20 talentos (o equivalente a 600 mil dólares hoje em dia).

      Louis sentia o calor do sol arder em seu torso nu, fazendo com que o suor escorresse por seus braços, pernas e costas; dava para sentir o cheiro azedo de seu corpo. Ainda assim, ele não achava ruim. O dia estava calmo naquela hora da manhã, já que os marujos haviam decidido adiantar boa parte dos afazeres no dia anterior, e agora todos estavam aproveitando o marasmo bebendo, tocando algumas músicas humanas desconhecidas pelo tritão, inventando jogos ou, simplesmente, dormindo.

      Ter tempo livre num navio pirata significava poder fazer qualquer coisa até que mais trabalho surgisse, e tendo em vista que os criados-de-bordo estavam cuidando das tarefas básicas, Louis pensou ser uma boa ideia pedir a Harry para que eles treinassem tiro ao alvo. O capitão aceitou, e com um pedido — ordem — feito a Todrick, eles logo tinham seis tripés de aparadores no tombadilho, prontos para serem usados.

      A movimentação de ambos lá em cima chamou a atenção de seu grupinho usual e, reorganizando os alvos para que ninguém acabasse com uma bala perdida no meio da cabeça, foi fácil acomodar os seis. Niall e Gina jogavam cartas, Louis e Harry seguiam atirando nos alvos de palha e Liam e Zayn conversavam sobre magia, navegação e o quão interessante seria desenvolver um sistema único de navegação através das habilidades de bruxaria. Aqueles dois demonstravam uma proximidade muito mais íntima do que meros amigos nos últimos tempos, mas ninguém diria nada até que algum relacionamento fosse assumido. Era falta de respeito.

      — Vocês são tão barulhentos. — Zayn murmurou, olhando para Harry e Louis com o lábio superior arqueado.

      Capitão Styles sorriu ladino, sem desviar sua atenção da mira da pistola.

      — Cada um tem a atividade de casal que gosta, Malik. Você é quem gosta das mesmas coisas que as mulherzinhas londrinas, como chá e bolo.

      A risada escandalosa de Niall foi curta, mas alta. O cozinheiro estava sentado no chão, em frente a Gina, encarando as cartas dispostas entre ambos. Seu sorriso era grande.

      — Se cada um está em atividade de casal, então quer dizer que você e Louis subiram alguns degraus? — Niall zombou, jogando uma carta.

      Harry arregalou os olhos e levantou o braço quando sentiu um tremelique, acabando por dar um tiro para o alto. Os marujos afastados não se importaram, achando que era parte do treino do capitão, mas os quatro que estavam no tombadilho o encararam com humor. Louis não havia entendido o que subir alguns degraus significava. Nunca tinha ouvido aquela expressão.

      — Que porra?

      Gina deu uma risadinha pela reação do irmão, negando com a cabeça. Porém, ela virou-se para as cartas novamente e jogou uma Rainha de Copas, o que fez Niall bufar em derrota e mostrar sua mão perdedora.

      — É só piada, Harry. Ninguém está falando sobre se apressar, já conversamos sobre isso noutro dia. As coisas são como são.

      O pirata acenou, suspirando em seguida para ir até a garrafa de rum sobre um barril e tomar um longo gole. Noutro dia?, Louis pensou, querendo saber o que aquela conversa entre os irmãos Styles tinha a ver com a relação do capitão consigo. Porém, antes que pudesse perguntar, o humano disse que era melhor eles voltarem a treinar. Louis entendeu que aquele era um dos momentos “vamos falar sobre isso depois, não é uma boa hora”. Harry era cheio daqueles.

      Sendo assim, eles continuaram a praticar suas habilidades de tiro. Uma coisa, porém, começou a irritar Louis: toda vez que ele tentava tocar o braço de Harry para perguntar algo, ou quando seus corpos se esbarravam acidentalmente, o pirata se afastava. Louis tentou ignorar aquilo, mas na quinta vez em que tentou perguntar sobre uma posição e foi afastado de novo, o tritão bufou e virou-se para Harry.

      — Qual é o seu problema? — Exclamou.

      — Do que está falando? — O capitão respondeu, parecendo confuso.

      Louis esticou a mão em direção ao ombro do humano, que rapidamente deu um passo para trás.

      — É disso que estou falando. — Respondeu em tom acusativo. — Eu comecei a dar choque que nem uma água-viva, por acaso?

      — Está sendo idiota. — Harry disse. — Não há nada de errado.

      — Então, deixe-me tocá-lo. — O tritão cruzou os braços em frente ao peito, arqueando as sobrancelhas.

      Capitão Styles olhou-o atônito, abrindo e fechando a boca algumas vezes antes de morder o lábio inferior e negar com um aceno. Harry largou a pistola que estava usando sobre um dos alvos deixados no chão e suspirou.

      — Só estou cansado. Vou para a cabine.

      Sem mais nem menos, o humano se retirou, deixando Louis sozinho com um enorme ponto de interrogação em sua mente. O tritão queria saber o porquê de, às vezes, o pirata de cabelos compridos ter momentos onde ambos ficavam próximos como verdadeiros consortes mas, em outros dias, Harry apenas se afastava, parecendo com medo de Louis machucá-lo. Nunca aconteceria, os dois sabiam; ainda assim, parecia impossível se aproximar completamente do humano.

      — Não fique com essa cara. — Uma voz grossa soou atrás de si, e quando Louis virou-se, viu Tyson Beckford sorrindo. — Você é um homem bonito. Não deixe Harry saber que eu falei isso. — Acrescentou rapidamente, com uma expressão brincalhona de falso desespero.

      Louis deu uma risada curta, apreciando a quebra de tensão. Tyson era alguém gentil e altruísta; era difícil vê-lo fora de seu quarto ou mesmo no navio, porém, já que depois de Harry, Tyson era o homem mais ocupado da tripulação. Virava e mexia, Louis só descobria que o imediato havia saído para alguma espécie de expedição com outros marujos quando eles voltavam, após alguns dias.

      O haitiano acenou com a cabeça em direção ao espaço vazio mais próximo do tritão, como num pedido para que pudesse se aproximar. Louis gesticulou com a mão, afastando-se um pouco para pegar a garrafa de rum em cima de um dos barris. Tyson foi até a balaustrada para escorar seu corpo, e suspirou pesadamente. Se Louis tivesse o visto apenas depois de algumas semanas entendendo os humanos dentro do Octavius Medan, ele definitivamente teria medo do imediato.

      Tyson era um homem grande e com um semblante sério ao falar com os outros, sobretudo no trabalho, mas a verdade era que um enorme coração se escondia atrás daquela máscara. Com certeza uma das suas pessoas preferidas ali, ainda que fossem raras as vezes que se encontravam.

      — O capitão saiu daqui com uma cara de merda. — Tyson riu, aceitando quando Louis ofereceu a bebida. — Precisa de alguma ajuda?

      — Não, eu acho. — O tritão sorriu meio constrangido, percebendo que alguém havia ouvido a mini discussão entre e Harry. — Ele sempre é um cabeça-dura.

      O imediato riu alto, concordando com um aceno. Ele entregou a garrafa de rum a Louis.

      — Pode apostar que é. Mas, sabe, Harry parece muito melhor agora.

      A arabela macho franziu o cenho, olhando curioso para o homenzarrão.

      — O que quer dizer?

      — Harry é um garoto complicado. — Tyson disse, tirando o sorriso de seus lábios pela primeira vez na conversa. — Muitas coisas ruins aconteceram na vida dele desde sua infância, e isso mexeu com ele. Só que é mais provável que o homem consiga voar do que Harry se abrir com alguém.

      Louis abaixou os olhos, sentindo-se súbita e levemente triste. As florestas que o humano carregava nunca se abririam para si? Nunca existiria uma chance onde os oceanos de Louis conseguissem abrir caminho por elas? Isso o deixou cabisbaixo.

      — Mas, você sabe, Harry tem sido mais próximo de você do que ele jamais foi com outra pessoa. — Tyson adicionou, fechando suas pálpebras quando uma lufada de ar fresco passou pelo navio.

      — O quê? — Louis riu, desacreditado. — Já viu o quão teimoso ele é? E tem outras pessoas aqui que o conhecem há muito mais tempo.

      Tyson virou seu corpo, olhando diretamente para os olhos meio apagados de Louis. O imediato estava sério, porém tinha certa compaixão por trás de sua expressão.

       — Sabe quanto tempo levei para saber sobre Gina? — O humano disse, retoricamente. — Cinco anos. Você está aqui há menos de um, e ainda assim sabe muito mais sobre a vida de Harry. Não tenha dúvidas toscas por causa da maneira que ele é com os outros, Louis. Você é você, e há algo de muito especial sobre isso para fazê-lo querer estar perto.

      O tritão mordeu o lábio inferior para não deixar com que um sorriso escapasse. Tyson tinha razão, parando para pensar; Harry era tão fechado com os outros marujos, ainda que estivessem juntos há mais de anos, porém dava para notar que havia algo de especial na maneira com que o capitão tratava de Louis. Isso o fez sentir calor por dentro.

      — É, eu acredito que você está certo. — O tritão deu de ombros, suspirando feliz. — Mas, é estranho pensar, ainda, que ele é tão gentil comigo, mesmo sendo um brutamonte.

      — Como assim? — O imediato indagou, parecendo curioso.

      — Ah, os primeiros humanos com quem tive contato foram horríveis. Me machucaram, nunca me davam comida… Eu fiquei extremamente assustado quando vocês me pegaram. Não sabia o que esperar. — Louis deu um sorriso amarelo. — Mas, depois de um tempo, notei que por mais que alguns de você sejam rígidos, não são maus. Bom, não comigo. — Ele deu um risinho, lembrando de como Harry matara a sangue frio aqueles homens no navio onde Liam estava.

      — Entendo… — Tyson assentiu. — Aqui, somos uma família, Louis. E, às vezes, as famílias brigam, então eu acho que é normal ver alguns de nós se desentendendo. Harry, acima de todos, e mesmo que ele ainda tenha algumas brigas com você, espero que saiba que entre todos aqui, o capitão com certeza se desculpará antes que você pense em fazer isso. Ele se importa demais para simplesmente deixá-lo magoado.

      Louis não segurou mais, acabando por desviar os olhos para o mar e sorrir.

      “Da vossa vida, em meio da jornada, achei-me numa selva tenebrosa, tendo perdido a verdadeira estrada. Dizer qual era cousa tão penosa…”

      Louis suspirou, pensando um pouco. O que era aquela verdadeira estrada, ele não sabia, mas lhe parecia algo dramático. Ele não marcou a página, era praticamente a primeira, e fechou o livro. A capa era escura, de couro tingido de azul, e as letras douradas gastas pelo uso excessivo formavam o título A Divina Comédia. Aquele era o livro que Harry mais lia, com certeza, pois era o mais puído.

      O tritão pensou que, logo, deveria ser bom. Seria o próximo que leria, já que parecia ter algumas palavras novas — isso o ajudaria a evoluir seu vocabulário. Louis abriu a boca para perguntar se Harry poderia ajudá-lo quando começasse a leitura, entretanto um movimento chamou sua atenção, pela janela. Ao invés de falar sobre o livro, a arabela macho disse:

      — O que é aquilo?

      Harry levantou os olhos dos documentos que lia, encarando a imagem de Louis sendo iluminada pelo sol do fim da tarde. Seus orbes oceânicos pareciam extremamente mais brilhosos naquela luz. Ele poderia ter afastado o pensamento sobre o quão lindo o outro era, contudo decidiu mantê-lo para si, como um segredo promíscuo.

      — O quê?

      Uma resposta definitiva nunca veio, porque Louis apenas levantou e saiu da cabine, e inconscientemente Harry o seguiu; a primeira coisa que o fez parar por um momento foi a falta de... Presença. Não havia vento, cheiro ou movimento. O navio ia para frente, mas era como se escorregasse por um tapete de água, liso. Ele não entendeu, a princípio, o que tinha feito Louis se apressar tanto e ficar parado na balaustrada, encarando o mar. Contudo, quando chegou mais perto e seguiu a linha de visão do tritão, se deu conta.

      Botes. Inúmeros deles. Cada um levava duas pessoas, no máximo, e mesmo que a noite ainda não tivesse caído, as lamparinas penduradas na frente dos pequenos barcos estavam acesas. Todos os rostos estavam sérios, olhando para a mesma direção.

      Os outros marujos, que só tinham percebido que algo estava errado depois que alguns homens foram às bordas do navio, exclamaram em admiração ao olhar aquelas pessoas navegando a esmo. Gina juntou-se a Harry e Louis, assim como Liam, Niall e Zayn. Ficaram observando, em silêncio, até que a voz da médica soou mais baixa do que o normal:

      — O que é isso?

      — É a passagem do mundo humano para o outro lado. — Harry respondeu, imitando o tom de voz da irmã. — São almas indo para o além-vida.

      Zayn engoliu em seco.

      — Isso… Nós…

      Harry olhou para o navegador, assentindo. Seu rosto estava sério.

      — Estamos perto do Vale Branco.

      — Isso é ruim. — O árabe suspirou, virando seu corpo para a mesa do tombadilho que usava para usar seus mapas. — Precisamos redefinir a rota, será complicado se estivermos na borda para o Vale.

      — Sim, mas essas almas são aquelas que encontraram a paz necessária para cruzar a divisa, então ainda estamos seguros e… — Subitamente, Harry parou de falar quando um barco em específico entrou em sua visão.

      Os cabelos pouco mais claros que os seus estavam curtos, na altura dos ombros dela. Os olhos, antes brilhantes e vigorosos, tinham perdido boa parte de sua essência. Ele poderia confundi-la caso houvesse muito mais pessoas, mas não naquela situação. Apesar disso, Harry queria que estivesse errado sobre o que via.

      — GEMMA! — Berrou, o que fez a maioria dos marujos se sobressaltarem. Incluindo Louis.

      A mulher respirou fundo, como se tivesse acordado de um transe. Olhou ao redor, até subir seus olhos castanho-esverdeados. Quando viu Harry, um sorriso tenro se formou em seus lábios, revelando covinhas como as do pirata.

      — Oh, Harry, como você cresceu; virou um homem tão bonito. — Gemma disse, puro carinho acompanhando cada palavra com um toque de morbidez. — Você está morto?

      As lágrimas tinham se formado no canto de seus olhos desde que ele a vira, entretanto o pirata prendeu-as, sentindo seu peito arder em pânico.

      — Não. Não estou.

      Gemma suspirou, parecendo aliviada.

      — Acho que eu estou, então. — Ela sorriu com mais ternura.

      Harry arfou quando a dor tornou-se mais forte, estalou a língua no céu da boca olhando ao redor com o desespero tomando conta de seu corpo e de sua mente, e assim correu até uma corda que estava enrolada perto de um dos canhões. Com pressa, ele desenrolou a corda e lançou-a para fora do navio, acertando o bote de Gemma.

      — Venha conosco! — Suplicou, soando rouco. Além de sua voz, apenas o silêncio mórbido pairava por todo o local. — Pegue a corda, Gemma, por favor. A CORDA!

      Gemma encarou a corda, voltando lentamente sua atenção para o irmão mais novo. Ela estendeu o braço, e abriu a palma da mão. Os dedos esguios e elegantes se abriram antes de fecharem-se em um meio punho. Harry imitou o gesto, como se segurasse a mão da irmã à distância.

      A corda deslizou para fora do bote, boiando no mar.

      — Eu estou em paz, Harry. — Gemma disse, abaixando sua mão. Ela desviou, devagar, seu rosto para frente. — Juro que estou.

      Tudo ficou mergulhado em um silêncio fúnebre. Harry não deixou que nenhuma lágrima caísse, como sempre. Alguns segundos se passaram sem que alguém tivesse uma ideia do que fazer, ou se existia algo a fazer. Era dolorosamente desconfortável ver o capitão Styles tão quieto e ferido.

      O pirata tornou-se para Gina, a princípio procurando algum tipo de conforto e empatia vindo da irmã mais velha, mas a única coisa que encontrou foi algo parecido com nervosismo. E culpa. Com uma tranquilidade perigosa, a ira tomou conta de Harry.

      — Como pode estar tão calma? — Indagou, seu tom saindo grave.

      Assim que a tensão do momento tinha ficado óbvia, todos os marujos se retiraram do convés para os cômodos de dormir; alguns até mesmo optaram por garantir uma segurança a mais no porão. Somente Liam, Louis, Niall e Zayn ficaram ali com os dois irmãos, não sabendo exatamente o que poderia acontecer entre ambos. Além do mais, eles estavam curiosos sobre a reação de Gina.

      — Quando eu ainda morava com sua mãe… — A médica suspirou, abraçando o próprio tronco ao olhar, enfim, para Harry. — Gemma tinha alguma doença não contagiosa. Eu cuidei dela no primeiro ano, e até houve uma melhora significativa, mas nos últimos meses antes de eu ir embora, ela tinha piorado.

      Harry apertou as mãos em punho. A Styles mais nova engoliu em seco, mas nada aconteceu. Sendo assim, continuou:

      — Você sabe o quão admirada Gemma era por ser um oráculo. Ela nunca foi uma fraude. Ela viu que a doença não possuía cura, e… — Gina suspirou, passando as mãos pelo rosto antes de voltar a se abraçar e recuar dois passos. — Eu queria sair daquela casa logo. Queria não ter mais que lidar com as merdas de Anne ou qualquer outra pessoa naquela cidade. Eu me acovardei, sei disso, mas eu precisava fugir. Foi o que eu fiz.

      Os olhos de Harry estavam esbugalhados, transbordando a fúria que ele sentia. Suas palmas estavam sendo feridas por suas unhas relativamente compridas e sujas, mas aquela ínfima dor não o aborreceu em nada, assim como o incômodo em sua arcada dentária pela tensão em sua mandíbula. As veias em seu pescoço vermelho saltaram, ficando tão visíveis que era assustador pensar que aquela quantidade de sangue estava sendo bombeada tão rápido.

      Louis nunca tinha o visto daquela maneira, mas achava que era uma consequência normal depois de saber daquela história. Existiam dois lados, o tritão sabia, mas era justificável que o pirata ficasse irado depois de tantos anos sem saber da doença que tinha acometido sua irmã mais velha.

      Ele vai socá-la?, Louis perguntou-se mentalmente, não estranhando a falta de empatia que sentiu por aquela situação hipotética. Ele gostava bastante da médica, claro, porém o senso de justiça que sua espécie tinha era maior. Gina havia ocultado algo muito sério de Harry, e para uma arabela, era justo que as coisas fossem acertadas da maneira com que a parte machucada decidisse. Se o pirata acabasse brigando com sua irmã, não seria nada mais do que natural.

      Contudo, de um jeito fortuito, Harry apenas girou em seus calcanhares e andou apressadamente para sua cabine, batendo a porta com tanta força que o barulho ecoou pelo vazio do oceano.













      Quando a lua já tinha subido ao céu, Louis entrou na cabine.

      Ele tinha passado o resto do lusco-fusco com Zayn e Liam, que tinham acabado de terem relações sexuais. Transado, como diria Niall. Apenas o bruxo ficou envergonhado por ainda estar nu quando o tritão entrou, mas Zayn estava tão acostumado com a nudez que sequer deu atenção ao drama do parceiro, decidindo que era mais proveitoso embarcar numa conversa sobre o que tinha acontecido mais cedo entre os dois Styles.

      — Ninguém esperava por aquela porra. — O navegador disse, seu sotaque saindo mais arrastado devido às ervas que tinha fumado. Aquele tipo de erva Louis não podia fumar, ele sabia. — Não sei o que fazer, pra ser honesto. Talvez, ele só precise de um tempo sozinho, eu sei lá.

      Naquele momento, Louis parou de prestar atenção no falatório chapado de Zayn e saiu, deixando que os dois voltassem a transar à vontade. Encarando o horizonte, iluminado pela enorme lua, o tritão decidiu que pararia de pensar tanto sobre o que fazer. Na maioria das vezes, ele tinha agido de forma impulsiva com Harry, de acordo com o que quisesse fazer e achasse melhor para resolver as coisas. Daquela vez, não seria diferente.

      Justamente, quando adentrou a cabine mergulhada em uma escuridão quase total, seus olhos se adaptaram de forma rápida para buscar pelo capitão. A lua estava realmente forte, então as coisas estavam nítidas sob a luz azul prateada; foi fácil enxergar Harry sentado em sua cadeira chique, que sempre ficava atrás de sua escrivaninha. Ele tinha puxado o móvel para perto da enorme janela do fundo, observando o mar por onde os barcos das almas tinham desaparecido, algumas horas atrás.

      — Harry? — Chamou, sua voz sendo cuidadosa.

      O humano não respondeu. Louis até poderia ter pensado que ele estava dormindo, mas sua respiração alta e constante disse o contrário.

      A arabela mordeu o interior de sua boca, andando suavemente até a outra cadeira que tinha sido dada a ele para posicioná-la mais próxima de onde Harry estava. O tritão, sentado, apoiou seu braço na mesa para poder suspender a cabeça em sua mão.

      — Eu nunca disse isso para ninguém, nem mesmo para o meu bando, porque eu provavelmente seria expulso. Mas eu confio em você, portanto eu espero que me escute.

      Alguns segundos em silêncio. Então, um leve movimento vindo do humano. Uma inclinação de cabeça para o lado, atento. Louis soltou um suspiro, moldando seus pensamentos.

      — Conheci um tubarão-martelo certa vez, onde havia muitos navios afundados. No começo, nossa convivência foi um pouco estranha; eles são tímidos demais, até medrosos. — O tritão sorriu, nostálgico. — Conseguir que ele se aproximasse de mim foi algo bem legal. Iniciamos uma relação muito boa, sempre nos encontrando às escondidas porque, bem… Não era permitido que alguém do meu cardume se misturasse com outra espécie.

      “Eu não entendia o que estava sentindo. Você sabe, só descobri uma definição para sentimentos quando cheguei aqui. Bom, eu acho que posso dizer que amava aquele tubarão. A coisa que mais fazíamos era caçar alguns peixes por diversão, mas sem matá-los. Só nadar atrás deles era o bastante para que passássemos o tempo, mas também íamos até alguns rochedos profundos para descansar. Dormir juntos é algo muito íntimo para as espécies marinhas, não sei se é algo importante aqui, também; para nós, é uma enorme demonstração de confiança em outra criatura, já que ficamos completamente indefesos.

      “Eu confiava naquele tubarão-martelo com todo o meu coração. Até pensamos em desfazer-nos de nossos cardumes para ficarmos sozinhos e sem preocupações, porém nunca chegamos a fazer isso de fato. Éramos medrosos, possivelmente, ou só imaturos demais. Não tenho certeza. De toda forma, a melhor parte do meu dia era acordar e vê-lo ao meu lado, ou ir encontrá-lo no nosso lugar especial. Era uma caverna que havia se formado numa rocha. Meu coração esquentava toda vez.

      “Mas, um dia, quando cheguei à caverna, ele não estava lá. Eu esperei o dia todo, o que me arranjou uma enorme briga com o líder do meu cardume, porém eu nem dei muita importância àquilo. Eu queria saber dele. Esperei mais alguns dias na caverna, me aproximei de onde seu cardume costumava ficar, e não consegui encontrá-lo. Quando a primeira semana sem vê-lo se completou, decidi perguntar a um dos outros tubarões. Era uma fêmea, surpreendentemente simpática, que disse o que tinha acontecido.”

      Louis puxou um longo fôlego. Aquilo não o machucava como antes, mas ainda havia uma cicatriz meio sensível sobre aquele assunto.

      — Ele tinha sido levado por humanos. — O tritão concluiu. — Eu não tive reação quando aquela tubarão me contou, não tinha como eu saber o que aquilo significava. Mas, ela explicou, e a dor só tornou-se pior. Eu meio que entendo o que você está sentindo, com as respectivas ressalvas; ele não era meu irmão, então…

      Por um momento, Louis pensou que nada aconteceria. Poderia, até mesmo, ter cometido um erro ao falar tanto. Entretanto, um ruído meio abafado surgiu e Harry olhou-o diretamente.

      Existia tanto sofrimento em seus olhos brilhantes pelas lágrimas que caíam em peso sobre suas bochechas que Louis sentiu seu coração falhar. Era como encarar a dor em pessoa.

      O humano abriu a boca, revelando uma voz extremamente quebrada e penosa.

      — Se você prometer segredar isso, não teremos problemas.

      Louis assentiu, entendendo que ele falava sobre seu choro, e tentou passar o máximo de confiança possível para o pirata. Como resultado, Harry levantou-se e foi até o tritão, cambaleando, caindo de joelhos à sua frente. Louis congelou, sem saber o que fazer, mas quando os braços fortes e tatuados do humano enrolaram-se sem seus quadris, sua única reação foi acariciar seus cabelos e descansar seu outro braço sobre as costas nuas dele. O pranto de Harry aumentou, o que fez Louis inclinar-se para abraçá-lo em um ângulo estranho.

      O tritão, por fim, começou a cantar. Era uma canção antiga de sua espécie, usada para acalmar uns aos outros em momentos de dor; também era uma coisa tão íntima que somente parceiros podiam cantar entre si, longe da presença dos outros indivíduos do cardume. Louis achou que aquela era uma boa hora para cantá-la. Seu coração estava rasgado por ver Harry daquele jeito.

      Depois de algum tempo, os soluços eram os únicos a permanecer ressoando pelo cômodo. Suas pernas estavam molhadas, Louis tinha notado, mas não ligava. Era bom saber que o capitão Styles havia deixado seu coração em carne viva para revelar aquela lástima que tinha guardado por tanto tempo. Com um ruído alto ao que Harry engoliu o muco, antes de olhar para cima.

      Mesmo inchado, vermelho e molhado, seu rosto continuava lindo e másculo. Apenas mais vulnerável. Quando os dedos cheios de anéis do pirata encostaram de modo afável em sua pele, Louis sobressaltou-se, mas inclinou seu rosto ao toque. Harry arfou ao notar que haviam estrelas dentro dos oceanos de Louis. Naquele momento, o humano soube.

      Ele sempre adoraria e seria devoto ao tritão. Sempre.

      — Louis. — Suspirou, acariciando suas orelhas e bochechas. — Ah, Louis. Seus olhos… Há estrelas no céu e no mar, mas as suas… As dos seus oceanos são as mais bonitas.

      O tempo pareceu parar e o ar ficou rarefeito. Louis sentiu seu pescoço e seu rosto esquentarem, tendo consciência de que estava corado ali. Pela primeira vez, seu choro teve um bom motivo. Um motivo maravilhoso.

      — Beije-me. — Ele pediu, soando convicto o bastante ainda que em meio às lágrimas. — Beije-me, Harry.

      O pirata assentiu com um movimento curto, e sem pressa aproximou seus rostos até que o calor de seus lábios se chocasse. Foi um selar tímido, a princípio, e não demorou para que Harry pressionasse mais suas bocas antes dele para, respeitosamente, aprofundar o beijo. Louis estranhou um pouco que a língua do humano tivesse entrado em cena, porém aquilo se tornou bom, ainda mais quando ele conseguiu entender como se movimentar.

      Os dois só se afastaram quando o ar se fez necessário. Eles estavam ofegantes, mas o aperto que sentiam era tão bom que apenas voltaram a se beijar, ansiando por mais um momento em que precisassem de mais fôlego.

Ahoy, marujos!

Não se esqueça de VOTAR e COMENTAR para que eu possa saber o que você está achando da história :) Isso me ajuda muito.

Até o próximo capítulo, amo vocês. ♥

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