CHAPTER III

Quando Annabeth disse que poderiam conseguir respostas sobre suas memórias, Jason não esperava que envolvesse um cochilo.

Ela o guiou pelo acampamento, mas não fez questão de entrar nos detalhes de apresentações típicas de um tour. Na verdade, aquele não era um tour, ela levava-o para um lugar certo, apressada, sem tempo para falar sobre a parede de lava, o anfiteatro ou como se inscrever para um time de vôlei — aquela quadra chamou a atenção dele, parecia divertido.

Eles foram para a área onde haviam vários chalés, todos muito diferentes entre si. Um era feito de pedras negras, outro era totalmente cor de rosa, outro com cercas de arame farpado e uma cabeça de javali… Decorações bastante peculiares.

Aquelas construções juntas ao mesmo tempo que traziam uma sensação de familiaridade pareciam completamente estranhas para Jason.

— Esses são os alojamentos?

— Sim, os chalés. Cada deus tem seu chalé.

— Mas são muitos deuses.

— Bem, não temos para todos, apenas para os que têm filhos reclamados. 

— Então são divididos entre irmãos? 

— Sim.

— Mas se um deus só tiver um filho no acampamento, como parece ser o meu caso já que aparentemente eu nem deveria ter nascido e minha meia-irmã não está por aqui… Ficamos sozinhos?

Jason não gostava muito da ideia de estar sozinho.

Annabeth diminuiu o passo, caminhando mais devagar e voltando os olhos para ele de modo compreensivo. Ela apenas assentiu com a cabeça, e a expressão de Jason deve ter entregado seu descontentamento com a situação.

— Você não é o único nessa situação. Percy também era… Ele é o único que reside no chalé dele.

Jason comprimiu os lábios com a pequena confusão dela, a forma como rapidamente mudou a frase do passado para o presente. Obviamente, era sua forma de manter a esperança de que o namorado estava vivo e logo retornaria.

Ele pensava se haveria alguém em algum lugar buscando por ele como Annabeth. Em algum lugar ele poderia também estar desaparecido e uma pessoa estaria com esperanças de encontrá-lo.

Darya seria essa pessoa?

— Você acredita que minhas memórias podem ajudar a encontrar Percy. Por quê?

— Porque o sonho que tive me levou até você — ela respondeu calmamente. — O que o anemoi disse…

— Eu não tinha mais uma cria de Netuno para me ajudar. É o nome romano para Poseidon.

— O pai de Percy. Não sei porque ele se referiu pelo nome romano, mas Percy é o único filho de Poseidon.

— Acha que eu o conheci em algum lugar?

— É bastante plausível. Vocês podem ter enfrentado os anemoi juntos recentemente. Não seria o primeiro semideus que Percy encontra sendo atacado e decide ajudar.

Era uma boa teoria, mas algo dizia a Jason que Dylan não estava se referindo a Percy. A única pessoa que vinha a sua mente era a mesma de sempre, essa garota de quem ele sequer recorda o rosto, apenas um nome sempre surgindo. 

Ele tinha uma espada e uma tatuagem com o símbolo de seu pai. Quem quer que aquela garota fosse, não deveria ser uma pessoa qualquer. Talvez estivesse fugindo com ele, ambos fugitivos, como Mikhail sugeriu.

Semideuses que sabem o que são e tentam sobreviver sozinhos pelo mundo. 

Contudo, não pontuou a possibilidade de não ser Percy. Não queria acabar com as esperanças de Annabeth daquela forma, talvez em outro momento pudessem conversar sobre isso.

Eles chegaram em um chalé modesto comparado a outros. Parecia uma simples cabana no campo com ramos de papoulas vermelhas. Dentro era extremamente aconchegante, Jason podia sentir os olhos quase se fechando pela exaustão daquele dia, com uma imensa vontade de deitar em uma daquelas camas.

Annabeth deu-lhe um beliscão no momento que seus olhos fecharam por tempo demais para uma simples piscada.

— Ai!

— Tente ficar acordado. O chalé de Hipnos faz isso com todo mundo.

— Estou tentando, mas essa lareira e o violino não ajudam.

Um som de violino ecoava pelo chalé, uma música calma como uma canção de ninar. Aquele lugar era uma verdadeira armadilha para pobres jovens cansados que passaram o dia lutando contra espíritos do vento e descobrindo que sua madrasta maluca possivelmente deu-lhe uma pancada na cabeça para apagar suas memórias.

Annabeth acordou um dos garotos que estava dormindo, um menino loiro com o rosto que parecia um bebê. Ela puxou o travesseiro da cama dele, e ele resmungou descontente.

— Primeiro nos ajude, Clóvis, depois você pode dormir.

O garoto bocejou e assentiu. Jason não conseguiu resistir e bocejou também. Ao menos, ouvir sobre a história de Jason deixou-o animado o bastante para ficar de pé.

— Amnésia, então.

— Sim. Tudo o que tenho são impressões de saber algo, coisas que me vêm à mente do nada, e também um nome.

— Isso é interessante. Vamos lá, feche os olhos.

Jason hesitou, mas ele não tinha muito o que fazer. Precisava recuperar suas memórias, saber quem ele é.

Ao fechar os olhos, sentiu o corpo pesado, atingido pela exaustão de repente. E então, ele não estava mais naquele chalé.

Jason estava no meio de uma tempestade. Ele sentia-se encharcado da cabeça aos pés e sua respiração estava acelerada, o coração batendo rápido. Trovões ecoavam e os ventos estavam muito fortes, a água caindo sobre ele.

Ele não estava sozinho.

Havia alguém ali, uma garota. Ela usava uma camisa roxa sob um casaco azul fechado até onde o impedia de ver os dizeres em dourado da roupa, os cabelos escuros na altura dos ombros. Diferente dele, estava completamente seca, como se somente Jason estivesse passando pela tempestade.

Era difícil dizer se ela estava se apoiando nele ou ele nela, ambos mancando e sangrando caminhando depressa e sem rumo até encontrar uma caverna.

— Acho que seu pai não gostou do meu pequeno terremoto.

— Pequeno? Seu terremoto fez o Monte Santa Helena entrar em erupção!

— Não esperava que fosse tão longe. Os mortais até acham que tiveram dois epicentros… Ai.

Ela levou uma mão à cabeça e outra à perna, que sangrava muito. Jason colocou-a sentada contra a parede da caverna e então mancou para fora com um cantil vazio, enchendo com água da chuva. Ao retornar, derramou parte da água sobre a perna dela.

A garota gemeu de dor, mas esticou a mão sobre o ferimento, sua expressão aliviando-se aos poucos e seus olhos quase se fecharam. Ela retirou a aljava de flechas e o arco de suas costas e deixou-o de lado, recostando-se logo novamente contra a parede.

— Não se esforce demais. Essa luta já exigiu muito de você, está terrível.

— Você não está melhor que eu. Posso te curar.

— Eu vou ficar bem, você precisa descansar.

— Posso nem te secar?

— No seu estado, provavelmente te faria desmaiar.

O sangramento na perna havia parado, mas seu pé ainda estava virado em um ângulo que não deveria ser possível. 

— Você vai ter que colocar no lugar. Lembra como faz?

— Lembro. Sinto muito por isso.

Jason posicionou as mãos no pé dela, e ela cobriu a boca com o braço, mordendo o tecido do casaco. Seus olhares se encontraram por alguns segundos, ela assentiu com a cabeça, dizendo estar pronta.

Ele contou até três antes de usar sua força para realocar o pé no lugar. Ela fechou os olhos, seu grito sendo abafado pelo braço.

Jason rapidamente pegou algumas flechas da aljava e conseguiu encontrar ataduras escondidas ali. Enrolou uma parte na ponta das flechas e depois usou-as como uma tala improvisada.

— Caralho… Isso dói.

— Eu sei. 

Jason sentou-se ao lado dela e olhou para si próprio. Seu braço e sua perna sangrava por cortes feitos por garras, e algo escorria por sua testa, provavelmente sangue também.

Seus olhos focaram na tempestade do lado de fora. Algo estava mudando, algo que fazia Jason sentir medo.

— Vamos ficar aqui até passar, depois iremos embora voando.

Barco — a garota murmurou.

— Darya, um barco logo depois de uma tempestade não é uma boa ideia.

— Não vamos voar. Podemos tentar um ônibus se preferir, mas não pretendo estar a mais de um metro do chão por um bom tempo.

— Eu não vou te deixar cair de novo.

— Você disse isso da última vez.

Jason olhou para ela. Mesmo não estando encharcada, ainda parecia tão ruim quanto Jason. As roupas rasgadas e manchadas de sangue, os cabelos bagunçados, olheiras sob os olhos. Estava exausta.

Mesmo assim, ela estava linda.

— Não está com raiva, está?

— Infelizmente, para sua sorte, não consigo ficar com raiva de você por muito tempo.

— Me desculpe, Delphi.

— De todo jeito, tinha monstros por toda parte.

— Eu nunca mais vou te deixar cair. Estou falando sério dessa vez.

Ela riu baixo.

— Vou acreditar.

— Você nos salvou hoje.

— E condenei alguns mortais no caminho. Apenas um dia qualquer.

Jason respirou fundo e segurou a mão dela.

— Ficará tudo bem. Você precisa descansar agora.

— Você também.

— Alguém precisa ficar de vigia. Não fui eu quem acabou de invocar um terremoto.

Ela cedeu com um longo suspiro e fechou os olhos, deitando a cabeça sobre o ombro de Jason. Com o coração acelerado, ele abraçou-a cuidadosamente. O silêncio se instalou entre eles, mas não de maneira desconfortável.

A tempestade ainda caía com trovões e raios em plena tarde, o aroma de terra molhada invadindo suas narinas. Aquele foi um pequeno momento de calmaria, ele sabia. A calmaria durante a tempestade.

Era quase irônico.

— Darya…

— Pensei que eu precisasse descansar.

— Eu sei, desculpa.

— Você se desculpa demais.

Jason suspirou, não poderia negar.

— Eu realmente pensei que poderia te perder hoje — ele sussurrou e deitou a cabeça sobre a dela.

— Você não vai se livrar de mim tão fácil.

— Só… Não exija demais de você mesma. Isso quase te exauriu completamente.

— Eu poderia te dizer o mesmo. 

— Eu enfrentaria um titã com minhas próprias mãos para te proteger, você sabe.

— E eu por você. Somos bons em proteger um ao outro.

— É… Nós somos. — Ele riu baixo. — Mas estou falando sério. Você nunca criou um terremoto tão forte antes, isso poderia ter te matado.

— Sempre tão preocupado — ela suspirou.

Ela ergueu levemente o rosto, o que deixou-o muito próximo do de Jason. Seus narizes se tocavam e as respirações se misturavam.

Algo lhe dizia que não era a primeira vez.

Ele encarou aqueles olhos, de um azul esverdeado com as águas caribenhas, quase turquesa. Uniu sua testa a dela e suspirou pesadamente.

Jason queria dizer uma coisa, mas não tinha coragem. 

— Sempre vou me preocupar com você.

— Não precisa.

— Mas me preocupo… Não posso te perder.

Ele voltou a segurar sua mão e entrelaçou seus dedos, ambas as mãos com suas pulseiras de ouro. A dele tinha golfinhos, a dela tinha raios. Para sempre lembrar um do outro.

Sequer percebeu que seus olhos marejaram e as lágrimas começaram a cair.

Eu preciso de você.

Jason então acordou de volta ao chalé de Hipnos. Ele estava sentado em uma poltrona em frente a lareira, sua cabeça latejava e seu rosto estava molhado por lágrimas. Olhou confuso para Clóvis e Annabeth ajoelhados ao seu lado e tocou os rastros molhados por sua pele.

Alguns pequenos flashes passavam por sua cabeça, nada que fosse tão concreto quanto aquele sonho, mas coisas sobre ela

Ele precisava encontrá-la.

— Está tudo bem, você só dormiu — Clóvis explicou.

— Apenas alguns minutos, mas foi tenso…

— Memórias são perdidas por um bom motivo. Ficam logo abaixo da superfície, como sonhos, e com um bom sono posso trazê-las de volta. Mas isso…

— Lete? — Annabeth perguntou.

— Nem Lete.

— Lete? — Jason franziu o cenho.

Clovis apontou para o ramo de árvore derramando gotas brancas como leite sobre a lareira.

— O Rio Lete do Mundo Inferior. Limpa completamente suas memórias. Este galho é de um álamo do Mundo Inferior, mergulhado no Lete, um dos símbolos do meu pai. 

— Percy foi lá uma vez. Ele me disse que é poderoso o bastante para limpar a mente de um titã.

— Mas acho que não nadei nesse rio…

— Não — Clovis concordou. — Suas memórias não foram apagadas. Elas foram roubadas.

— Roubadas?

— Mas não completamente. Ainda restou algo que consegui trazer de volta, mesmo que não tudo. Com o tempo você vai conseguir assimilar elas.

Darya Lancaster.

Ele conseguiu se lembrar do nome completo e de seu rosto. Ela era tudo de que ele se lembrava, pequenos flashes de momentos juntos, deles fugindo de monstros.

— Sua namorada.

— Não — negou imediatamente.

— Parecia sua namorada. Eu vi seu sonho, cara.

— Ela é só… Minha amiga, eu acho.

Clóvis arqueou a sobrancelha. Annabeth também não parecia acreditar muito nisso.

— Conheço duas pessoas que também diziam isso — ele riu, e Annabeth deu-lhe uma cotovelada. — Quem quer que seja, foi a única coisa que não conseguiram roubar da sua mente.

— Mas como se rouba a memória de alguém? — Annabeth perguntou.

— Só um deus teria esse tipo de poder.

— Foi Juno, minha madrasta. Acho que talvez mais um jeito de se vingar do meu pai por ter traído ela…

— Juno?

— Ele quer dizer Hera — Annabeth disse. — Por algum motivo, Jason gosta dos nomes romanos.

— Pode ser importante.

— Mas eles são os mesmos deuses, apenas com nomes diferentes.

— Não exatamente.

Jason ajeitou-se na poltrona.

— O que você quer dizer com “não exatamente”?

— Bem... — Clovis bocejou. — Alguns deuses são apenas romanos, como Jano ou Pomona. 

— Ou Belona.

— Sim, exatamente. Mas até os maiores deuses gregos... Não foi apenas o nome deles que mudou quando se mudaram para Roma. Suas aparências mudaram, suas personalidades.

— As pessoas os viam diferentes através dos tempos, mas isso não muda quem são — Annabeth disse.

— Com certeza sim — Clovis começou a adormecer, e Jason estalou os dedos sob seu nariz. — Hm… Sim, eles mudam. Nós mantemos os deuses vivos através da nossa crença e o que conhecemos deles. Quando Apolo e Ártemis começaram a ser mais cultuados como deuses do Sol e da Lua do que Helio e Selene e voilá, eles assumiram esse posto oficialmente com todos os seus atributos.

— Isso é verdade…

— Foi o mesmo nos tempos romanos, e os deuses eram romanos tanto quanto eles eram gregos. Era um grande império, conservado por séculos com resquícios até os dias atuais. Então naturalmente os seus aspectos romanos ainda são uma grande parte de seu caráter.

— Faz sentido — Jason disse.

Annabeth balançou a cabeça, confusa.

— Mas como você sabe isso tudo, Clovis?

— Ah, eu gasto muito tempo sonhando. Eu vejo deuses neles o tempo todo... Sempre mudando de forma. Sonhos são flúidos, você sabe. Você pode estar em lugares diferentes de uma só vez, sempre mudando identidades. É como ser um deus, na verdade. Como recentemente, eu sonhei que estava assistindo uma apresentação do Michael Jackson, e então eu estava no palco com Michael Jackson, e estávamos cantando essa música, e eu não conseguia lembrar as palavras para ‘The Girl Is Mine.’ Ah, gente, foi tão constrangedor eu…

— Clovis, de volta a Roma.

— Certo, Roma. Nós chamamos os deuses pelos seus nomes gregos porque são as suas formas originais, mas dizer que seus aspectos romanos são exatamente os mesmos... Isso não é verdade. Em Roma, eles se tornaram mais militares, não se misturavam muito com mortais. Eram severos, mais poderosos... Os deuses de um império. Eles erguiam-se para a disciplina, honra, força…

— Coisas boas, então. Disciplina é importante, certo? Foi o que fez Roma continuar por tanto tempo.

Clovis olhou-o curioso.

— É verdade. Mas os deuses romanos não eram muito amigáveis. Por exemplo, meu pai, Hipnos... Ele não fazia muito a não ser dormir nos tempos gregos. Nos tempos romanos, eles o chamavam de Somno. Ele gostava de matar as pessoas que não ficavam alertas aos seus trabalhos. Se eles adormecessem na hora errada…BOOM! Eles nunca acordariam. Ele matou o capitão de Eneias quando eles estavam saindo a barco de Troia.

— Eu ainda não entendo o que isso tem a ver com Jason.

— Nem eu — Clovis disse e deu de ombros. — Mas se Hera pegou suas memórias, só ela pode devolvê-las. E se eu tivesse que encontrar a rainha dos deuses, eu esperaria que ela estivesse mais Hera do que Juno. Posso voltar a dormir agora?

Annabeth respirou fundo e assentiu.

— Obrigada, Clóvis. Ao menos, alguma memória Jason conseguiu recuperar.

— Me acordem na hora do jantar.

O garoto desabou deitado de volta na cama com a cara no travesseiro. Jason e Annabeth deixaram o chalé pensativos, refletindo sobre as novas informações.

Agora Jason tinha certeza. Hera roubou suas memórias.

Ela não poderia só enviar uma cobra para picá-lo no berço como nos tempos antigos? Precisava torturá-lo com a frustração de não saber quem ele é? Não lembrar da sua própria vida? Isso era um castigo muito pior.

Annabeth parou a sua frente e estendeu um lenço que tirou do bolso. Jason aceitou e secou as lágrimas que molharam o rosto.

— Obrigado. — Estendeu o lenço de volta.

— Pode ficar. Eu tenho outras bandanas. — Ela deu de ombros. Então o olhou com cuidado e certa preocupação. — O que você sonhou?

— Darya.

— Isso eu sei. Do que você se lembrou?

Jason respirou fundo, pensando naquele sonho e os flashes que vinham à sua mente. Ele foi atingido pela saudade, a falta que a garota estava fazendo, a distância chegando com um grande baque. Mais lágrimas caíram.

Ele viu um flash em sua mente, Darya sangrando em seus braços e não respondendo aos seus chamados. Não saberia dizer o que veio antes e o que veio depois entre aquelas lembranças.

Secou as novas lágrimas com o lenço. Algo lhe dizia que ela estava bem, somente precisava encontrá-la.

Poderia ser uma esperança tola, mas precisava se agarrar a isso.

Jason não percebeu quando Annabeth começou a puxá-lo pelo braço de volta em direção ao lago, que já estava vazio e sem toda aquela movimentação. As lágrimas continuavam a cair, por mais que ele secasse cada uma delas.

Não poderia ficar chorando. Precisava ser forte, continuar firme.

— Está tudo bem.

Annabeth tocou seu ombro para confortá-lo e deu a ele o tempo necessário para se recompor e respirar.

Jason chorou de exaustão. Aquela foi uma manhã caótica, ele precisava descansar. Ele não sabia onde estava, o que estava acontecendo, porque estava ali, como recuperaria suas memórias, como encontraria Darya.

Ele não sabia de nada.

Foi um alívio, como se precisasse fazer isso há muito tempo. Depois de se recompor, ele olhou para Annabeth.

— Desculpe, eu…

— Não precisa se desculpar. Está passando por muita coisa.

Jason respirou fundo.

— Eu não entendi muito bem o meu sonho. Só sei que estava chovendo muito, uma tempestade com trovões, raios… Meu pai devia estar com raiva.

— O que não seria uma novidade.

— Nos escondemos da tempestade em algum tipo de caverna. Estávamos muito machucados, principalmente ela, lutamos contra alguma coisa. Ela estava exausta… Eu fiquei tão preocupado. Estava com medo…

Annabeth ficou em silêncio, apenas ouvindo.

— Acho que é como Mikhail disse, éramos semideuses fugitivos. Ela tinha um arco e flecha, eu usei para fazer uma tala improvisada. Ela estava muito machucada e sei que a culpa foi minha, eu… Estava com tanto medo porque… Porque eu quase perdi ela…

Jason respirou fundo mais uma vez e secou mais uma lágrima. Annabeth sorriu fraco, de modo reconfortante.

— Ela parece muito importante pra você.

— Ela é… E ela é tudo de que me lembro.

— Eu também fui uma semideusa fugitiva. Vivi sozinha nas ruas por muito tempo, depois encontrei Thalia e Luke… Nós passamos por alguns maus bocados juntos. 

Jason sorriu fraco de volta para Annabeth.

— E namoro um filho de Poseidon, sei como os monstros não deixam filhos dos Três Grandes em paz, passei por muita coisa com o Percy e Thalia… Consigo entender um pouco do que devem ter passado.

— Também falamos sobre algo de um terremoto próximo ao Monte Santa Helena… Não tão perto, eu acho. Ela causou um que chegou até lá…

Annabeth franziu o cenho.

— Não, o Percy que causou os tremores e explodiu a montanha. Estávamos numa missão e… Você estava por perto?

— Talvez? Acho que não tão perto, mas estava… Não lembro porque estávamos lá, só sei que lutamos contra alguma coisa.

— Realmente teve uma tempestade depois disso. Percy desapareceu por um tempo, até pensamos que estivesse morto, mas ele voltou. Infelizmente, ele acabou libertando o Tifão naquele dia… Os deuses não ficaram felizes por isso.

Por aquela tempestade que viu, Jason imaginava que realmente não estivessem.

— Nós quase nos encontramos, então.

— Realmente… Por muito pouco. Você teria vindo mais cedo para o acampamento se eu tivesse te encontrado quando estava voltando — Annabeth comentou, genuinamente surpresa pela coincidência. — E a Darya também. Dois filhos dos três grandes tão perto… Eu não sei como não nos encontramos.

Ou três filhos, Jason pensou, mas não disse. Darya falava sobre usar um barco e causar um terremoto. Annabeth diz que foi Percy quem causou, porque ele é capaz disso. Se Darya também é capaz…

Quem realmente causou? Talvez os dois curiosamente ao mesmo tempo?

— Você se lembrou de mais alguma coisa?

— Alguns flashes, momentos com a Darya. Nós realmente lutamos contra muitas coisas… Estou um pouco confuso ainda. Clóvis trouxe muitas coisas de volta.

— Eu não quero te forçar a nada, mas posso te mostrar só uma coisa?

Jason assentiu com a cabeça. Annabeth tirou uma fotografia do bolso e entregou para Jason.

Ali estava um garoto alto, forte, bronzeado, cabelos loiros cacheados e sorriso radiante vestindo a camiseta laranja com quatro contas no colar. Ele segurava uma espada de bronze apoiada no ombro, parecia estar em algum tipo de arena.

O que mais chamou a atenção de Jason foram os olhos claros, da cor do mar límpido… Um azul com uma pequena porção de verde que tornava a coloração quase única. Lembrava os olhos dela.

— Esse é o Percy?

— Tiramos essa foto há duas semanas. Resolvemos ajudar no acampamento durante o inverno, temos mais campistas esse ano por causa dos novos chalés… Ele era o novo instrutor de esgrima.

Jason analisou o garoto em busca de mais algum detalhe que o fizesse reconhecê-lo. 

— Em alguma das coisas que se lembrou… Você viu ele?

— E-eu… Não consigo me lembrar dele.

— Pode ficar com a foto, talvez ajude. Eu tenho outras.

Jason comprimiu os lábios. Ele percebia o quanto aquilo era importante para ela, queria poder se lembrar e ajudar. 

— Talvez eu só precise de tempo para organizar as memórias que Clóvis conseguiu trazer de volta. Se me lembrar de alguma coisa, direi imediatamente.

— Obrigada…

— Talvez ele esteja com a Darya, onde quer que ela esteja — Jason murmurou. 

— Sabe quando foi a última vez que a viu?

— Não… E ainda não faço ideia de como fui parar naquele ônibus e porque Piper, Leo e Penelope pensam que me conhecem. O Treinador disse que nunca tinha me visto até entrar naquele ônibus.

Annabeth suspirou pesadamente.

Névoa. Ela nos protege dos olhos mortais, também funciona com os semideuses até certo ponto… Consegue convencer alguém de muitas coisas.

— As memórias que eles dizem ter de mim são falsas...

— Exatamente. Eu vou conversar com eles sobre isso. Está pronto para ir e conhecer o acampamento devidamente?

Jason hesitou. Ele precisou respirar fundo e organizar seus pensamentos. Muita coisa estava acontecendo em pouco tempo, mas ele precisava seguir em frente. Ir com calma para entender o que estava acontecendo.

Não poderia resolver nada agora, então faria o que estava ao seu alcance. No momento, ele pode conhecer aquele lugar e sua rotina.

Ele assentiu e forçou um sorriso.

— Obrigado por… Toda a ajuda.

— Está tudo bem, nós estamos todos no mesmo barco. Vem, vamos para a enfermaria.

***

Leo nunca foi tão bem tratado em uma enfermaria.

As enfermeiras e médicos não costumavam gostar de atendê-lo. Diziam que ele era muito agitado, irritante. Aqueles caras ali eram muito mais simpáticos.

Eles riam das suas piadas!

Ele usava muito do humor quando estava nervoso. Estar em um lugar desconhecido depois de descobrir que seu pai é aparentemente um deus grego o deixava muito nervoso, mas aquelas pessoas não se importavam. Na verdade, pareciam entender pelo que estava passando.

Piper e Penny ainda pareciam confusas e perdidas, mas Leo estava aceitando até que bem. Sua vida sempre foi uma loucura, isso explicaria muitas coisas.

— Ei, ele tá bem? — Apontou para a maca onde o garoto loiro cuidava de Mikhail.

Não sabia porque ele chamou sua atenção. Talvez fosse a pose inicial de bad boy mal humorado, Leo costumava fazer graça para ficar amigo desses caras. Ser o carinha engraçado podia livrá-lo de levar umas pancadas, alguns gostavam de defender seus bobos da corte para ter quem os fizesse rir.

Mas ele também ficou um pouco preocupado. O garoto surtou quando caíram no lago, apavorado com alguma coisa.

Leo pensou nas primeiras semanas após a morte da mãe. Ele não conseguia ver um fósforo aceso sem sentir a vontade de chorar.

— Ele vai ficar — respondeu o garoto que colocou a tipóia nele.

Ele era um cara legal. Se chamava Austin. Kayla, estava cuidando das meninas, enquanto Will estava com Mikhail, conversando em língua de sinais.

Leo entendia código morse, mas quase nada de língua de sinais. Só sabia o básico porque conheceu um garoto surdo em um de seus lares adotivos, mas não ficou lá tempo o bastante para ficar fluente. Ele era curioso, então adoraria saber o que estavam conversando.

— O que aconteceu para ele ter medo de água?

— Ele não tem medo de água, tem de cair nela — Austin respondeu num tom mais baixo. — Há alguns meses, ele estava em um navio que explodiu. A força o empurrou para a água… Ele perdeu a irmã naquele dia.

— Ah…

Leo se compadeceu mais do garoto. Ele entendia perfeitamente como era ter péssimas lembranças de momentos em que se perde entes queridos.

— Como o navio explodiu?

— Essa é uma longa história para depois. Você agora precisa descansar.

— Descansar? Sério? 

— Pelo menos por algumas horas. Você pode ir para o seu chalé se preparar para o jantar mais tarde.

— Posso comer mais daquela coisa com gosto de tacos?

— Se comer demais, você que irá explodir.

— Okay, sem comidas que me fazem explodir. 

Leo até tentou descansar, mas ele estava enérgico demais para isso. Ele acabou de descobrir que é filho de um deus e querem que descanse? Sua mente não irá descansar tão cedo. São tantas dúvidas, tantas perguntas.

Piper e Penelope vieram até ele. Elas pareciam bem, nenhuma delas estava com alguma tipóia, sem cortes, apenas um pouco cansadas.

— Como é descobrir que foi adotada, Penny?

— Eu não sou adotada.

— Bom, algum dos seus pais pulou a cerca.

— Você parece estar lidando bem demais com isso — Piper comentou.

— Ah, não, por dentro eu estou surtando, posso garantir. Mas o que podemos fazer? Tudo isso parece bem real. — Deu de ombros e logo resmungou de dor, tocando o ombro ferido. — Isso explica muitas coisas. 

— Tipo…?

— Acredito que o trabalho de ser um deus tenha deixado meu pai bastante ocupado para me tirar do sistema de adoção. Explica porque a sua mãe foi embora, porque a mãe da Penelope odeia ela.

— Minha mãe não me odeia! Ela só… É complicada.

— Ou não é sua mãe biológica.

Penelope ficou calada e cruzou os braços, pensativa. Foi uma longa manhã para todos eles, muitas revelações, entende ela estar em negação. Leo tentava pular essa parte, geralmente ela não dava em nada e o melhor é aceitar o desastre que sua vida é.

Piper também tinha muitas questões familiares complicadas. No fim, todos tinham. Uma parte de seus pais serem deuses explica muitos problemas.

Explica o problema de Leo com fogo, principalmente.

— Eu esqueci de perguntar aliás, você é filho de quem? — perguntou para Austin, que estava organizando alguns materiais.

— Apolo, deus do Sol, da música, cura, profecia, poesia, arquearia… E muitas outras coisas.

— E eu também — Kayla completou. — Nós três somos.

— Vocês três não se parecem nem um pouco.

—  Por causa dos nossos pais mortais. Compartilhamos mais algumas habilidades e traços de personalidade. Eu tenho treino de arco e flecha agora, então, até mais tarde.

Kayla foi embora. Austin não demorou muito para ir embora também para outras atividades do acampamento. Pen e Piper não saíram do lado de Leo, e ele ficou agradecido por isso.

Will aproximou-se deles depois, enquanto Mikhail permaneceu deitado encolhido em sua maca.

— Seu ombro vai ficar bem, só precisa descansar por um tempo para estabilizar.

— Você conseguiu descansar quando chegou aqui?

— Na verdade, não — riu. — Mas você precisa. Até o jantar, pelo menos.

Leo bufou. Ele não queria descansar, por mais que estivesse cansado. Queria conhecer esse acampamento, saber mais sobre o seu pai, poder falar com ele.

Quando Jason chegou com a garota Annabeth, Leo suspirou aliviado.

— Cara, por um momento pensei que tivessem te levado para algum calabouço ou algo do tipo.

Jason riu e negou com a cabeça. Percebeu que os olhos dele estavam um pouco vermelho, como se tivesse chorado, o que o preocupou. Não se lembrava de nenhuma vez que viu o melhor amigo desabar em lágrimas.

Na verdade, ele não confiava mais tanto em suas memórias. Elas pareciam muito mais bagunçadas agora. Aquele Jason não parecia o mesmo que ele conheceu, no fundo sabia que provavelmente não era. As memórias perdidas do dia para noite mudaram ele de algum jeito.

Ele estava parado ereto com as mãos nas costas como um soldado aguardando uma ordem, ou um general analisando seu batalhão, não largado como um adolescente normal. 

— Vocês estão bem?

— Vai precisar de mais que uma queda num lago e um ombro deslocado para me derrubar, Jay.

Você está bem? — Piper perguntou preocupada e se aproximou, tocando o braço dele.

Jason deu um passo para trás, se afastando. Ele desviou o olhar e tossiu, uma tossida mais falsa que uma nota de 2 dólares. Isso foi realmente estranho, porque ele não desgrudou de Piper um segundo desde que começaram a namorar.

— Sim, estou. Acabei de descobrir que meu pai é o Rei do Olimpo e que minha madrasta roubou minha memória, mas estou bem. Apenas um dia comum.

— Espera! Então você é tipo um príncipe divino? 

— Não exatamente — Annabeth quem respondeu. — Como o Mikhail está, Will?

— Ele só precisa de repouso. 

— Mais um para o clube — Leo riu.

Annabeth respirou fundo. Ela foi verificar o garoto rapidamente, mas voltou logo, depois de uma rápida conversa em sinais.

— Eles estão liberados?

— Elas, sim. Leo precisa ficar mais um pouco.

— Certo. Vamos deixar ele e Mikhail descansarem. Você pode fazer um tour com o Jason pelo acampamento e mostrar o chalé 1?

— Tudo bem.

— Vocês duas vêm comigo. 

— Fique bem, pendejo. — Penelope deu um peteleco na testa de Leo.

— Ai! Eu estou hospitalizado, mais cuidado, por favor.

— Voltamos depois. — Piper forçou um franco sorriso antes de sair.

Leo suspirou pesadamente com o silêncio que se instaurou com a saída dos outros. Ele não percebeu o quão exausto estava até cochilar e acordar um tempo depois.

Infelizmente, ninguém havia retornado quando ele acordou, então voltou a inquietude de não ter nada para fazer. Não tinha nada para tentar mexer e criar algo para se distrair, não confiava em pegar qualquer bisturi ou coisa parecida. Nem sabia quanto tempo se passou.

Seu ombro parecia melhor, não doía mais tanto. Ele olhou para o lado, onde estava Mikhail. O garoto permanecia, mas estava acordado.

— Ei! — chamou. 

O garoto não respondeu.

— Ei, cara! Vingador divino ou sei lá o quê, ei! 

Sem resposta. Então Leo lembrou de Will conversando com ele em língua de sinais e de ver o aparelho retirado de seus ouvidos.

— Ah, você não está ouvindo — suspirou e pegou o esparadrapo numa bandeja próxima, jogando no garoto.

Mikhail olhou para ele franzindo o cenho.

— O que foi? 

— Acha que demora para alguém voltar? — perguntou devagar, gesticulando com a mão livre da melhor forma que conseguiu.

— Primeiramente, se isso foi uma tentativa de língua de sinais, foi péssimo — respondeu falando com cuidado para não enrolar ou trocar as palavras, mas seu sotaque parecia ainda mais forte.  — Eu sei fazer leitura labial. 

— Ei! Eu só sei o básico, tá legal? 

— Will vai voltar logo. 

Ele voltou a olhar para o teto. Leo bufou impaciente. Passados alguns instantes, jogou outro esparadrapo no garoto.

— Pare com isso!

— Como faço para falar com meu pai?

— O quê?

— Meu pai. — Abriu a palma da mão e tocou na têmpora com o polegar. Esse sinal ele lembrava. — Vocês disseram que isso é um tipo de acampamento para filhos de deuses e meu pai é o tal Hefesto. Quero falar com ele.

— Reze.

— Rezar… Literalmente? Er… Como é o sinal para “literalmente”? Isso existe?

— Você fala rápido demais. Não consigo ler assim.

— Eu realmente tenho que rezar? 

Mikhail bufou e enfim sentou-se na maca.

— Sim, porque os deuses não falam conosco a menos que precisem da nossa ajuda. Você pode rezar para o seu pai, mas não há garantia de resposta

— Eu tenho algumas coisas para conversar com ele.

— Todos temos, mas é assim que funciona. Os deuses não se importam, bem vindo ao nosso mundo.

Mikhail falava com mágoa, era um assunto delicado. Sua expressão fechada já dizia que ele estava falando sério, mesmo que não gostasse. Aquela era a verdade.

— Eu estou teoricamente aqui por causa do meu pai… E não posso falar com ele?

— Você entende rápido.

— Mas é o meu pai! Depois de quinze anos, acho que mereço algumas explicações.

— Assim como seus muitos meios-irmãos. Quanto antes aceitar, melhor. Questionar isso não costuma dar certo, acredite em mim. 

Leo grunhiu frustrado. Ele queria poder falar com seu pai. Quinze anos sem sequer saber o nome dele, ele precisava ter alguma conversa, perguntar porque nunca apareceu antes, porque deixou aquilo acontecer com a sua mãe.

Não era justo não poder falar com ele.

— Ei! — Leo acenou tentando chamar a atenção.

— Deixe as perguntas para o idiota que for te levar pro seu chalé.

— Okay, sem conversa, então.

Por mais incrível que pareça, Leo sabe a hora de ficar calado. Ele ficou em silêncio, embora tenha se levantado da maca para andar ao redor da enfermaria e analisar o lugar. Por vezes erguia o olhar para Mikhail, que voltou a se deitar. 

Ele parecia bem. Mal humorado, mas bem. Se não estivesse, sabia fingir muito bem, o que o tornaria ainda mais intrigante. Leo também era muito bom em fingir estar bem quando obviamente não estava. 

Felizmente, Will voltou. Ele não estava sozinho, vinha arrastando outro garoto que parecia prestes a desmaiar segurando-o pela cintura enquanto tinha o braço sobre seu ombro. Parecia ser um pouco mais novo que Leo e ainda mais magro — o que era preocupante —, tão pálido que daria inveja ao Gasparzinho.

Santa Madre, esse menino precisa tomar um sol.

— Eu vivo dizendo isso a ele — Will resmungou e levou o garoto até uma maca.

Mikhail sentou-se outra vez e ficou apenas encarando em silêncio com uma expressão tão neutra que poderia dar medo. Leo olhou outra vez para os recém chegados, o garoto em roupas escuras parecia que iria desaparecer, quase transparente.

— Conhece esse cara? — perguntou murmurando para Mikhail e fazendo sinais. Ele se sentiu muito orgulhoso de lembrar como se dizia isso.

— Sim.

E não disse mais nada. Um cara de pouca palavras, Leo entendeu.

— Você atravessou o país pelas sombras de novo? Sério? — Will resmungava com o garoto. — E o que foi aquilo com o Jason, hein? 

— Eu não conheço aquele cara — o garoto murmurou. Ele tinha um sotaque italiano.

— Você não me engana, Nico.

— Eu…

O garoto não terminou de falar, pois desmaiou logo em seguida. Will o segurou para não cair e o deitou com cuidado na maca, suspirando. Ele pegou um cobertor e cobriu Nico antes de se voltar para Leo e Mikhail.

— Vocês parecem bem. Descansaram?

— Sim. Posso ir conhecer meus irmãos, agora? 

— Me diga que ele trouxe boas notícias

— Percy não está morto, isso é certeza.

Mikhail bufou.

— Essa não é uma boa notícia.

— Você já pode ir, Leo. Só me deixe verificar seu ombro. — Will ignorou Mikhail.

Leo sentou-se outra vez na cama enquanto era examinado. Seu ombro estava se movendo melhor, mas ainda um pouco dolorido.

— Okay. Posso ir agora? Não gosto de enfermarias.

— Pode. Espere um minuto. — Will virou-se para Mikhail. — Você está bem?

— Estou.

— Você vai ter que falar com o Quíron se sair daqui. Sabe que só posso te manter longe do trabalho enquanto estiver na enfermaria.

— Eu sei. Prefiro cumprir essa maldita sentença que ficar vegetando nessa maca.

— Se sentir qualquer coisa, alguma confusão, ver algo… Volte pra cá.

Da, doktor — resmungou impaciente.

— Acompanhe o Leo até o chalé 9, por favor. Eu vou ficar aqui e cuidar do Nico. 

Mikhail bufou descontente, mas saiu da maca e balançou a cabeça. Ele não esperou Leo para sair, e Valdez correu para alcançá-lo. 

Inicialmente nenhum deles falou nada, mas então Leo ficou a frente dele e começou a andar de costas com seu melhor sorriso.

— Então, já que você será meu guia, hora das perguntas.

— Não vou poder guiar se estiver na minha frente.

— E você não vai poder entender as palavras que saem da minha boca sem olhar para mim. De onde você é? Você não é daqui.

— Moscow.

— Isso explica muita coisa… Como surgiu esse lugar?

— Os deuses precisavam de um lugar para treinar seus filhos para serem seus capangas.

— E por que Estados Unidos?

— Alguma bobagem de chama ocidental, também não entendo. Eu não ficaria mais um único dia nesse maldito país se não precisasse.

— E por que está? 

— Porque eu tenho que estar ou vou morrer.

Leo tropeçou e caiu no chão. Ele resmungou dolorido, enquanto Mikhail permaneceu parado apenas olhando.

— Falar menos, andar mais… Olhando para frente, de preferência.

— Uma ajudinha, por favor?

Mikhail revirou os olhos e estendeu a mão para ajudar Leo. Valdez ficou de pé e limpou a poeira das roupas enquanto seguia o garoto que não esperou muito para continuar.

Ele olhou ao redor, vendo os vários jovens andando de um lado para o outro em camisetas laranja com espadas, adagas ou arco e flechas. Por onde passavam, notou o olhar sobre eles, em sua maioria não muito amigáveis.

Não sabia se estavam olhando para ele ou para Mikhail. Qualquer opção o deixava curioso e apreensivo.

Leo cutucou o ombro de Mikhail, que soltou um grande suspiro antes de olhar para ele.

— O que foi?

— Estão olhando pra mim ou pra você? 

— O que você acha?

— Eu sou latino e você é comunista. Qualquer opção é válida.

Leo pensou ter visto o que quase foi uma risada quando o garoto balançou a cabeça, mas logo sumiu. Considerou uma grande vitória.

Mikhail não respondeu sua pergunta.

— Vou considerar que é pra você para me sentir um pouco melhor.

Eles continuaram a caminhar em direção a área com vários chalés, um mais inusitado que o outro. Alguns pareciam casas de campo normais, outros tinham arco íris, arame farpado ou era todo cor de rosa como a casa da Barbie.

Leo parou de andar ao avistar a senhora de preto parada em frente a um chalé branco ao longe. Ele conhecia ela.

O vestido de linho, o xale sobre a cabeça, ainda igualmente velha. Não poderia ser possível. A última vez que a viu tinha cinco anos, sua velha babá. O que fazia ali?

Tía Callida? 

Leo começou a caminhar em sua direção, mas Mikhail segurou seu braço, puxando-o para outra direção.

— Seu chalé está ali.

— Aquela velhinha…

— Hã?

— A velhinha — Leo falou olhando para ele e apontando. Porém, quando voltou a olhar, a mulher sumiu.

— Não tem ninguém ali. Vamos.

Leo o seguiu franzindo o cenho confuso. Ele tinha certeza que viu ela.

Eles pararam em frente ao chalé que parecia um trailer. As paredes eram de metal reluzente e a porta parecia a do cofre de um banco que abria com várias engrenagens girando e soprando fumaça.

Ao entrar, viu os beliches de aço dobrados nas paredes com painéis digitais de LED. Um mastro vinha de algum segundo andar e uma escada circular levava a um porão. As paredes eram repletas de espadas, machados e outras armas, e havia também bancas cheias de parafusos e engrenagens. 

Leo sentiu-se quase… Em casa. Lembrava a oficina da sua mãe. O que significava que ele precisaria ir embora o mais rápido possível, antes que fosse doloroso demais.

— Novo irmão para você, Jake — Mikhail anunciou.

Uma cortina foi recolhida de um dos beliches, revelando um garoto coberto de gesso. 

— Você foi atropelado por um caminhão?

— Algo um pouco pior que isso — ele riu. — Jake Mason, Conselheiro-chefe. Seja bem vindo ao chalé 9! Sinto muito não poder apertar sua mão, mas vou ficar nessa cama pelas próximas semanas. Nem a Ambrosia e o Néctar conseguem fazer milagres por mim.

— Tudo bem. Prazer, Leo Valdez.

— Espero que não tenha problemas com fantasmas, Leo.

— Um espírito da tempestade me atirou no Grand Canyon essa manhã, mas tudo certo. Sem problema nenhum.

— Que bom, porque eu vou lhe dar a melhor cama no chalé: a de Beckendorf. Beliche 1-A, por favor.

Uma câmara se abriu no chão de onde surgiu uma cama enorme com painéis de controle. 

— Eu posso lidar com uns fantasmas por essa cama.

— Era a cama do antigo conselheiro. Ele morreu no verão.

— Contanto que não tenha morrido nessa cama, está perfeito pra mim. — Leo se aproximou da cama.

— Não, não, ele morreu no… — Jake parou de falar e olhou para Mikhail. Um silêncio constrangedor surgiu no local. — N-não importa.

Leo olhou entre eles, desconfiado. Havia alguma coisa ali.

— Pode levar ele para as forjas? A Nyssa pode cuidar de tudo a partir daqui.

— Vamos, Valdez.

Leo seguiu Mikhail pelas escadas até as forjas. Ele assobiou ao observar o lugar, impressionado. Todos olharam em sua direção, seus vários irmãos e irmãs, muito diferentes entre si e ao mesmo tempo muito parecidos: fortes e sujos de graxa.

Era estranho pensar neles como seus irmãos. Ele viveu a vida toda como filho único e nunca considerou os filhos de suas famílias adotivas como irmãos. Sempre foi apenas ele, apenas o Leo.

— E esses são os seus irmãos.

Ninguém falou algo ou ousou se aproximar, os mesmos olhares dos outros do acampamento, exceto uma garota de bandana vermelha que foi até eles.

— Nyssa.

— Leo… Er, ninguém parece muito feliz com um novo irmão.

— Ah, não, não é você. — Nyssa olhou para Mikhail, que bufou.

— Eu já vou. Meus aparelhos caíram na água, então avisa quando estiverem consertados.

— Austin trouxe eles. — Ela sinalizou o que dizia. — Verei o que posso fazer, sabe que nossos trabalhos não andam dos melhores.

— Eu sei. 

Mikhail deu-lhes as costas e foi embora, sem dizer mais nada. Nem uma despedida. Leo achou muito rude da parte dele. Talvez fosse algo dos russos.

Mas no instante em que ele saiu, foi como se todos suspirassem. Seus irmãos sorriram para ele e começaram a cumprimentá-lo e se apresentar, provando que o problema realmente não era ele.

— Por que todo mundo olha estranho para aquele cara? Só porque é russo, surdo e tem um sotaque estranho? 

Um garoto, Christopher, riu.

— Esse é o menor dos problemas. Olha, fica longe dele, para o seu próprio bem.

— Ele é só um cara mau humorado. 

— Ele é um sociopata — disse Shane.

— Shane! — Nyssa repreendeu. — Não liga pra eles, Leo. Mikhail só é...

— Ele é um traidor.

Leo olhou na direção das escadas por onde Mikhail foi embora, lembrou da sua nova cama no andar de cima e como Jake ficou ao falar do antigo dono dela.

— Ele não teria algo a ver com a morte do antigo conselheiro, né?

— Ele estava lá na explosão com Charles e Percy— Christopher respondeu. — Mikhail era um soldado de Cronos.

— Quem?

— O Rei dos Titãs. Eles tentaram voltar e destronar os deuses, tinha um exército de monstros.

— E semideuses — Shane completou. — Mikhail traiu o acampamento para se juntar a ele e destruir o Olimpo. 

— Ele não é confiável. 

— Já fazem meses. Mikhail está aqui agora — Nyssa o defendeu. — Ele está do nosso lado.

— Até surgir a oportunidade de nos trair de novo.

— A irmã dele era a general do exército, a Rainha daquele maldito navio. Cronos confiava mais nela que no próprio Luke e Mikhail continua defendendo ela.

— Escute o nosso conselho, Leo. Se não quiser problemas, fique longe de Mikhail Kuznetsov.

A grande questão é que Leo sempre era atraído para os problemas.

———————————

Olá, semideuses!
Tudo bem?

Estamos de volta! Sinto muito a demora, muitas coisas ano passado encheram minha cabeça e não me deixavam escrever.

Nem Hera consegue fazer Jason esquecer sua querida Darya. O que acharam desse sonho? Hehe 🤭🤭

Leo e Mikhail... Temos muito pela frente. Leo sempre indo atrás de problemas. Ainda veremos mais do passado do Mikhail no exército de Cronos.

Nico fazendo uma breve participação. Teremos muito dele ainda!

Espero que tenham gostado! Ansiosos para o que está por vir?

Até o próximo capítulo!

Beijinhos,
Bye bye 😚 👋🏻

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