Capítulo Vinte e Um

Theodoro Vinro:

Ash passou a mão pelo ar com um gesto fluido, e imediatamente, uma passagem oculta se abriu à nossa frente. Aproveitei o momento em que os espíritos retornaram ao seu tamanho pequeno e os coloquei de volta na mochila, ajustando-a rapidamente antes de seguir Ash pela abertura. Assim que atravessamos, a passagem atrás de nós desapareceu como se nunca tivesse existido, deixando-nos em um corredor sombrio e estreito. O silêncio era palpável, e seguimos adiante sem trocar palavras.

— Se meu irmão pegou seus amigos, ele provavelmente os trouxe para cá antes de mandá-los para Scrapbooks — Ash murmurou, sua voz ecoando levemente no corredor.

Cada passo que dávamos parecia mais pesado. De repente, ouvi o som de passos à frente. Instintivamente, me pressionei contra a parede, o coração acelerado. Mesmo com Ash ao meu lado, ele ainda era um cavaleiro desse reino, e qualquer guarda ou sentinela que encontrássemos aqui seria um inimigo. Havia uma tensão crescente no ar, e além do perigo iminente, eu podia sentir algo mais profundo, uma presença mística que parecia vibrar com magia espiritual ao nosso redor.

Em um instante, algo inusitado aconteceu. Uma sensação estranha percorreu minha mente, como se algo estivesse moldando minha percepção. Olhei para baixo e vi que um brilho pálido emanava pelo corredor, envolvendo meu corpo. Minhas roupas começaram a mudar diante dos meus olhos, transformando-se em uma vestimenta que um cavaleiro espiritual usaria — uma armadura leve, de tom etéreo, ajustada perfeitamente ao meu corpo. Era como se o próprio lugar estivesse tentando disfarçar minha presença, me moldando para parecer alguém pertencente a esse mundo.

Ash olhou de relance para mim e esboçou um sorriso fraco.

— A magia desse lugar está te protegendo... por enquanto — ele disse em um tom baixo. — Não confie muito nisso, mas pode ser útil para passar despercebido.

Assenti, ainda tentando processar a transformação repentina. A presença crepitante da magia ao meu redor agora parecia mais próxima, quase como se estivesse me guiando. Com a nova armadura, me senti estranhamente mais confiante, mas sabia que isso não mudava o fato de que estávamos em território perigoso.

— Vamos, antes que sejamos descobertos — falei, minha voz firme. Estava pronto para o que viesse a seguir.

Continuamos pelo corredor, a fortaleza à nossa frente cheia de segredos, e a tensão crescente indicando que o momento de confronto estava cada vez mais próximo.

Entramos em um longo corredor de pedra, onde raízes pálidas formavam uma espécie de treliça no teto, criando uma atmosfera estranha e opressora. Pequenos cristais brilhantes iluminavam o caminho, mas a luz que emanavam era fria, quase fantasmagórica. Cada passo que dávamos aumentava meu desconforto. A energia espiritual parecia crescer ao nosso redor, expandindo-se com uma intensidade sufocante. Era como se o ar estivesse impregnado de veneno, queimando minha garganta e pele, igual àquela sensação terrível que já havia experimentado antes. Mordendo o lábio com força, continuei a seguir Ash, lutando contra a vontade de gritar de dor e desconforto.

Finalmente, o corredor se abriu para uma sala ampla, de teto alto, cujas paredes eram cobertas por mica reluzente que refletia a pouca luz dos cristais. O espaço tinha uma aura imponente, quase mágica, mas o que chamou minha atenção imediatamente foi a figura imponente parada no centro da sala. Uma troll de pele verde, seus piercings brilhando nas bochechas e dois conjuntos de chifres pretos saindo de sua cabeça, olhava diretamente para nós. Sabres pesados pendiam de bainhas em seus quadris, e ela usava uma armadura prateada que parecia robusta e ameaçadora.

Assim que nos viu, ela franziu o cenho, seu olhar desconfiado se fixando em Ash.

— O que faz aqui? — sua voz era grave e áspera, reverberando pelas paredes da sala.

Ash, mantendo a compostura, respondeu rapidamente: — Vim mostrar as masmorras ao novo guarda.

Por um momento, o silêncio pesou no ar. A troll nos avaliou, sua desconfiança evidente, enquanto seus olhos corriam entre mim e Ash. Ela finalmente balançou a cabeça, cruzando os braços.

— Não me foi dito nada sobre isso. — Sua voz soava como um aviso. — Mas de qualquer forma, não encontrarão ninguém nas masmorras.

Meu coração congelou com suas palavras, um arrepio percorrendo minha espinha.

— Acabaram de levar todos os prisioneiros... junto com o rei.

Essas últimas palavras bateram como um soco. Fred e Simon tinham sido levados. O peso da situação parecia desabar sobre mim, e um pânico silencioso começou a se formar. Olhei para Ash, procurando uma resposta, mas ele também parecia abalado, talvez não esperando que as coisas tivessem avançado tão rapidamente.

Eu não podia perder mais tempo. Cada segundo contava agora.

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O pânico subia como um nó apertado em minha garganta, mas eu sabia que hesitar agora seria fatal. Fred e Simon estavam prestes a serem levados, e se não agíssemos rápido, eles estariam fora do nosso alcance para sempre.

Olhei para Ash, esperando que ele tomasse uma atitude, mas ele também parecia pego de surpresa. Seu rosto, geralmente calmo e calculado, exibia uma incerteza que eu não esperava ver.

— Para onde os levaram? — minha voz saiu mais firme do que eu esperava, uma tentativa desesperada de mascarar o medo crescente.

A troll nos encarou com olhos estreitos, sua mão batendo levemente contra o cabo de um dos sabres, ponderando se deveria ou não nos responder. Após um momento tenso, ela finalmente cedeu, dando um sorriso irônico que fez meu estômago se revirar.

— Estão sendo levados ao salão do rei — disse ela, sua voz pesada com satisfação maldosa. — Mas se ninguém atrasar o cronograma, logo estarão a caminho de Scrapbooks. O rei quer lidar com eles pessoalmente antes de mandá-los embora.

Ash, percebendo a urgência da situação, interrompeu com uma pergunta que soou mais como uma súplica. — Como chegamos ao salão antes que eles entrem na carruagem?

A troll hesitou, os olhos avaliando Ash e, talvez, a armadura espiritual que eu vestia. Finalmente, suspirou, rendendo-se ao pedido.

— Sigam pelo corredor à esquerda. O salão fica do outro lado da fortaleza — ela apontou com desdém. — Mas saibam disso: a guarda está reforçada, e ninguém entra sem ser notado.

Ela me lançou um olhar penetrante, como se tentasse medir o que eu realmente era capaz de fazer. — Mesmo para um "novo guarda", o caminho não será fácil. Se o rei pegar vocês... não esperem clemência.

Eu assenti, a gravidade de suas palavras pesando sobre mim como uma âncora. Não havia espaço para erros.

— Vamos, Ash — sussurrei com urgência, e nos movemos rapidamente em direção ao corredor indicado. O som de nossos passos ecoava pelos corredores de pedra, como uma contagem regressiva silenciosa.

À medida que avançávamos, a energia espiritual do lugar começava a se intensificar de novo, como se o próprio ar estivesse se tornando mais pesado e venenoso. Cada respiração queimava minha garganta, e meu corpo começava a protestar contra a pressão sufocante, mas eu não podia ceder. Estávamos correndo contra o tempo.

Cada sombra parecia se mover, cada som ressoava como uma ameaça iminente. Estávamos no coração do território inimigo, e a presença do rei de Staruitopia, com todo seu poder, parecia se aproximar a cada passo que dávamos. A batalha final estava à nossa frente, e a única coisa que sabia era que não havia mais volta.

Ao longe, comecei a ouvir vozes e o som de armaduras se movendo. O salão do rei estava perto.

Desesperado, arrombei a porta com toda a força, meu coração batendo violentamente no peito. O som reverberou pelo salão no exato momento em que vi a carruagem com os prisioneiros — Fred e Simon — e o rei deste reino flutuando para longe. Em segundos, ela desapareceu no horizonte, sumindo em uma nuvem de magia, e tudo que restava era o eco de sua partida.

Minha respiração ficou presa na garganta. Tudo que havíamos feito até ali parecia ser em vão.

Os cavaleiros ao redor do salão viraram-se rapidamente em minha direção, seus olhos duros e desconfiados. Antes que eu pudesse reagir, senti Ash surgir atrás de mim, seu rosto uma máscara de surpresa e pânico. Seus olhos arregalados indicavam que ele também não esperava que as coisas fossem tão longe, tão rápido.

Foi então que percebi — a magia que havia me disfarçado e me protegido até aquele momento havia desaparecido. Não havia mais armadura espiritual ou qualquer vestígio de energia me camuflando. Eu estava vulnerável. E os cavaleiros notaram isso.

Eles não hesitaram. Espadas foram erguidas, as lâminas frias e afiadas apontadas diretamente para mim e para Ash. A tensão no ar era palpável, e o silêncio mortal que se seguiu era sufocante. Cada cavaleiro ao redor estava preparado para atacar, e sabíamos que não haveria misericórdia.

— Vocês estão cercados — um dos cavaleiros rosnou, sua voz cheia de autoridade. — Rendam-se ou enfrentem as consequências.

Olhei para Ash, meu coração martelando no peito. Nós dois sabíamos que não havia muito tempo. A carruagem já estava longe, mas ainda havia uma chance — por menor que fosse.

— Gente, eu.... — Ash murmurou, a voz tremendo um pouco. Mas se calou com meu olhar.

Meus olhos correram pelo salão, buscando qualquer saída, qualquer plano que nos desse uma vantagem. Eu não podia perder Fred e Simon. Não agora.

Concentrei-me profundamente, buscando dentro de mim a energia espiritual que sentia pulsar. Em questão de segundos, a magia respondeu ao meu chamado, fluindo com uma força avassaladora. Antes que os cavaleiros tivessem chance de reagir, eles foram arremessados para longe, como folhas ao vento. O impacto os lançou contra as paredes, e seus gritos de surpresa ecoaram pelo salão. Ao meu lado, Ash estava paralisado de espanto, os olhos arregalados, sem acreditar no que acabara de testemunhar.

A mochila que carregava se abriu subitamente, e o falcão espiritual saiu voando para fora, crescendo rapidamente até assumir sua forma imensa, suas asas enormes batendo com força enquanto ele se preparava para nos levar para longe daquele lugar.

Sem perder tempo, agarrei a mão de Ash e corri em direção ao falcão, enquanto os cavaleiros que ainda estavam conscientes xingavam e tentavam se recompor. Podia ouvir Ash murmurando freneticamente, oferecendo desculpas aos seus companheiros, mas não havia tempo para qualquer hesitação ou remorso.

— Vamos! — gritei, puxando Ash comigo enquanto pulávamos sobre o dorso do falcão.

No instante em que nos acomodamos, o falcão bateu suas asas com força, levantando voo e nos tirando do salão. O vento chicoteava meu rosto enquanto ganhávamos altura, o som dos cavaleiros furiosos diminuindo à medida que nos afastávamos.

Olhei para frente, o coração acelerado, mas determinado. A carruagem ainda estava à nossa frente, se movendo rápido, mas o falcão era mais veloz. Seguimos em sua direção, cortando o céu com velocidade, enquanto o peso da urgência pulsava em meu peito.

Estávamos tão perto que meus dedos quase tocaram a carruagem, o vento cortando nossos rostos enquanto o falcão acelerava. Mas, de repente, algo invisível bloqueou nosso caminho. O falcão deu um solavanco brutal, batendo de frente contra uma barreira que mal conseguíamos ver. Percebi imediatamente o que era: um espírito das trevas, sua forma obscurecida, quase imperceptível, mas letal. Um brilho estranho vinha da mochila atrás de mim, o que apenas confirmava minhas suspeitas.

— Segura firme! — gritei para Ash, o coração disparado enquanto o falcão se debatia no ar, tentando recuperar o equilíbrio. Sem hesitar, fiz o falcão desviar, forçando-o a acelerar ainda mais para escapar das garras do monstro que se formava ao nosso redor, como sombras ganhando vida.

O espírito das trevas nos cercava, sua presença sufocante, mas eu sabia que não podíamos nos dar ao luxo de parar. Precisávamos continuar, a carruagem ainda estava à nossa frente, tão perto que podíamos sentir a magia que emanava dela.

Com um impulso final, o falcão mergulhou, ganhando velocidade enquanto nos afastávamos da ameaça. Cada segundo contava agora, e eu não deixaria aquele espírito das trevas nos deter. Estávamos a apenas um passo de salvar Fred e Simon.

O falcão mergulhou com toda a força, suas asas batendo contra o ar com uma intensidade renovada. O espírito das trevas tentava nos alcançar, sua forma distorcida e ameaçadora crescendo à medida que se aproximava, mas a agilidade do falcão era nossa maior vantagem. Eu sentia o poder espiritual pulsando ao nosso redor, como uma batalha invisível entre luz e escuridão, enquanto o monstro das sombras tentava nos engolir.

— Mais rápido! — gritei, com o corpo tenso, segurando com força as penas do falcão. Ash, ao meu lado, fazia o possível para se manter firme, o rosto pálido de tensão, mas seus olhos estavam fixos na carruagem à nossa frente.

O falcão deu um rasante, desviando por um triz de uma garra sombria que se estendeu em nossa direção. Eu sabia que só tínhamos uma chance. Se aquele espírito nos alcançasse, seria o fim.

Então, vi a carruagem logo abaixo de nós, ainda flutuando, mas ao alcance. Meus dedos quase podiam tocá-la de novo. Sentia o calor da magia vindo dela, e a certeza de que Fred e Simon estavam lá dentro me deu um impulso de determinação.

— Agora! — gritei para Ash, e com toda a força que consegui reunir, fiz o falcão descer bruscamente, mergulhando diretamente em direção à carruagem. O espírito das trevas rugia atrás de nós, mas estava ficando para trás.

O impacto foi brutal, mas conseguimos aterrissar no teto da carruagem, o falcão gritando enquanto mantinha seu equilíbrio. Meu coração batia descontroladamente, mas eu sabia que havíamos feito o impossível: estávamos em cima da carruagem.

— Segure firme, Ash! — gritei, me preparando para abrir caminho para o interior da carruagem. O espírito das trevas ainda nos perseguia, mas agora precisávamos agir rápido. Fred e Simon estavam a um passo de serem salvos, e eu não deixaria nada nos deter.

O falcão mergulhou em direção à carruagem com uma precisão impressionante, as asas estendidas como uma força implacável. O vento cortava nossos rostos, e eu podia sentir a carruagem logo abaixo de nós, o calor mágico irradiando de dentro dela. Estávamos tão perto, a vitória ao alcance das mãos. Meus dedos já se estendiam, prontos para abrir caminho e resgatar Fred e Simon.

— Quase lá! — gritei, a adrenalina pulsando nas veias. Ash segurava-se com todas as suas forças, o medo misturado à determinação em seus olhos.

O falcão deu um último impulso, aterrissando no teto da carruagem com um impacto que quase nos fez perder o equilíbrio. Eu senti a carruagem balançar levemente, mas mantivemos nossa posição. Olhei para Ash e, por um momento, a sensação de triunfo quase me dominou. Havíamos conseguido.

Mas antes que eu pudesse dar o próximo passo, uma força violenta, repentina, e completamente inesperada abalou tudo ao nosso redor. Algo enorme bateu com brutalidade contra o falcão, e o som do impacto reverberou pelos céus. O falcão gritou em dor e surpresa, suas asas se debatendo descontroladamente.

— Não! — gritei, mas era tarde demais.

Senti o chão desaparecer sob meus pés. O falcão, atingido por algo que eu não conseguia ver, perdeu completamente o controle. Nós despencamos, caindo em uma espiral de caos, o ar sendo arrancado dos meus pulmões enquanto o céu e a terra se misturavam ao redor.

O mundo girava em torno de nós. O falcão descia em um mergulho descontrolado, seus gritos ecoando junto aos nossos. O peso da queda me puxava para baixo, e eu sentia Ash ao meu lado, tentando se segurar, mas completamente impotente diante da força que nos derrubava.

O chão se aproximava rapidamente, a terra cada vez mais próxima, e em meio à queda, tudo o que eu podia fazer era me preparar para o impacto.

E então, o mundo ficou em silêncio por um breve e terrível segundo antes da escuridão nos engolir.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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