Capítulo Vinte e Três

Theodoro Vinro:

Saímos da barreira como um raio, mergulhando na cidade do reino em uma corrida desesperada. O som dos nossos passos ecoava pelas ruas vazias enquanto Ash segurava minha mão com força, seus dedos se cravando nos meus, como se temesse que eu fosse escapar.

— Estamos sendo caçados por um dos reis — ele sussurrou, com os olhos fixos nos meus, a intensidade em seu olhar me enviando uma onda de ansiedade pelo corpo. — Fique perto — acrescentou em voz baixa, fazendo um gesto rápido com a mão. Imediatamente, senti um arrepio percorrer minha pele, uma energia espiritual invisível se moldando ao meu redor como um manto de proteção. — Não fale com ninguém. Não faça contato visual. E, pelo amor dos deuses, não atraia atenção. Com esse feitiço, ninguém vai notar você, mas ele se quebrará se fizer barulho ou cruzar olhares com alguém. Mantenha a cabeça baixa e apenas me siga.

Minha mente estava a mil, mas tentei me focar. Por mais estranho que fosse estar escondido sob esse feitiço, havia algo ainda mais estranho: o fato de que, apesar de todo o perigo ao nosso redor, aquele lugar parecia... familiar. Lembranças nebulosas se misturavam com a realidade, e eu tinha certeza de que já tinha visto aquelas torres em espiral de gelo e pedra, os cristais polidos nas casas de madeira e até o aroma das tendas vendendo guloseimas tentadoras. Tudo ali parecia ter saído diretamente dos meus sonhos.

— Você costumava explorar aqui? — perguntei, sem conseguir conter a curiosidade.

Ash não respondeu de imediato. Sua expressão endureceu, e seus olhos evitaram os meus, como se estivesse decidindo se deveria ou não compartilhar algo.

— Eu... tinha uma namorada que morava aqui — ele disse finalmente, sua voz um sussurro quase inaudível, mas carregada de uma tristeza que eu não havia visto antes. Fiquei em silêncio, respeitando o momento, enquanto ele apertava sua mandíbula e continuava a me guiar pelas ruas sinuosas.

Eu me esforcei ao máximo para não olhar ao redor, mas era impossível ignorar as maravilhas da cidade. As torres se erguiam como sentinelas antigas, as casas eram incrivelmente detalhadas, e até as tendas, com suas cores vibrantes, exibiam roupas tão belas que eu senti um impulso de parar e comprar algo, mesmo que aquelas cores não fossem exatamente o meu estilo.

Seguimos por becos estreitos, onde sombras se escondiam sob pedras e olhos curiosos espreitavam do escuro. Passamos por túneis cintilantes, suas paredes forradas de pequenos cristais que lançavam reflexos suaves à medida que avançávamos. A estrada que percorríamos era ladeada por árvores de tronco branco como ossos, suas folhas brilhando com uma luminosidade etérea. Quando uma delas se acendeu de repente com uma luz intensa ao meu lado, me sobressaltei, recuando com tanta força que bati no ombro de Ash.

Ele se virou, irritado.

— O que foi agora? — perguntou com um olhar severo.

— Nada — murmurei, meu coração ainda disparado.

A verdade era que algo me incomodava, mas não era apenas o susto. Havia uma estranha sensação de déjà vu, uma impressão inquietante de que, de algum modo, eu já pertencia àquele lugar. Mas agora, com a tensão no ar e a perseguição iminente, não era o momento de descobrir o porquê.

Será que era a parte da alma do rei de Scrapbooks dentro de mim que reconhecia este lugar como seu lar?

Enquanto vagávamos pelas ruas, me peguei imerso em pensamentos. Elas eram como as de uma cidade humana — estreitas, sinuosas — e, no entanto, havia algo profundamente diferente. As lojas, com suas fachadas de madeira escura e pedra lisa, exalavam uma mistura de elegância e rusticidade. Os vidros coloridos refletiam a luz com um brilho suave, e os detalhes de metal brilhante adicionavam um toque de nobreza. Tudo parecia ao mesmo tempo robusto e delicado, como se a cidade fosse construída para resistir ao tempo, mas também para encantar os olhos de quem a visse.

Havia uma energia no ar que não conseguia ignorar. Algo que se movia pelas ruas, passando por mim e por Ash, como se a própria cidade estivesse viva, respirando. A sensação me consumia, e sem perceber, me afastei dele por um momento, atraído por uma agitação que crescia à nossa volta.

Notei que até Ash, que sempre parecia tão atento e reservado, seguia o som da comoção. Andávamos em direção à multidão, que crescia a cada esquina. Quando finalmente viramos a última, a visão à nossa frente me deixou sem fôlego. Milhares de pessoas estavam aglomeradas ao longo da rua principal, seus corpos inquietos, movendo-se de um lado para o outro, à espera de algo grande.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi o modo como se vestiam. As roupas eram de uma sofisticação que eu nunca havia visto antes. Os homens trajavam casacos elegantes com golas altas que quase chegavam aos seus queixos, enquanto as mulheres vestiam lindos vestidos ajustados na cintura, complementados por capas que os envolviam como um abraço de seda. O estilo em si não era estranho — até poderia ter sido visto em algum evento nobre do mundo humano —, mas os materiais eram algo completamente fora do comum. As roupas fluíam como metal derretido, reluzindo em cada movimento, e fios de ouro corriam como rios pelos cabelos, chapéus e até pelos punhos das camisas.

Aquela visão me deixou hipnotizado. A riqueza e a magia estavam impregnadas em cada detalhe. Senti um arrepio percorrer minha espinha, uma parte de mim reagindo de forma instintiva. Algo dentro de mim parecia reconhecer aquelas pessoas, aquela cidade, como se tudo aquilo pertencesse a um passado distante, enterrado em algum canto da minha alma. Eu mal conseguia processar o que via, enquanto o peso daquela sensação de familiaridade me puxava cada vez mais para o fundo.

De repente, uma carruagem imponente surgiu no horizonte, avançando lentamente pela rua. O som dos cascos dos cavalos ecoava pelo chão de pedra, e a multidão ao nosso redor ficou em silêncio. Ash parou bruscamente ao meu lado, seu corpo enrijecendo, como se estivesse preso entre o impulso de correr e a necessidade de ficar imóvel.

Meus olhos foram atraídos para a figura que se destacava dentro da carruagem. Lá, sentada com uma postura graciosa e imponente, estava uma mulher de cabelos ruivos como fogo, que caíam em ondas suaves sobre seus ombros. Ela acenava lentamente para a multidão, seus movimentos elegantes e calculados, como se cada gesto fosse cuidadosamente coreografado. Mas o que realmente me chamou a atenção foi a coroa em sua cabeça. Feita de ouro puro, ela brilhava como se contivesse as estrelas do céu, refletindo a luz de maneira quase sobrenatural. As vestes da mulher eram deslumbrantes, tão incrivelmente detalhadas e cintilantes que pareciam vivas, cada movimento seu fazendo o tecido brilhar com um toque mágico.

Eu mal conseguia desviar o olhar. Aquela presença era magnética, imponente. Algo sobre ela parecia dominar o espaço ao nosso redor, e o ar ficou pesado com a reverência silenciosa da multidão.

— É... a rainha — Ash murmurou ao meu lado, sua voz carregada de uma mistura de respeito e tensão.

Ele mal piscava, os olhos fixos na figura dentro da carruagem, e pude perceber o leve tremor em seus dedos, como se a presença dela mexesse com algo profundamente enraizado em sua alma. Fiquei ali, sem saber o que pensar, com o coração disparado e uma sensação inquietante de que essa rainha, de algum modo, estava ligada ao mistério que envolvia todo aquele reino — e talvez, de algum modo, a mim também.

A rainha interrompeu seu gesto, seus olhos escaneando a multidão de maneira lenta e calculada. Meu coração quase parou quando senti seu olhar se aproximar perigosamente de mim. Instintivamente, me encolhi entre as pessoas ao redor, tentando me fundir à multidão, como se isso pudesse me tornar invisível. Ao meu lado, Ash estava paralisado, sua expressão petrificada. Por mais que tentasse puxá-lo de volta à realidade, ele parecia preso em um estado de choque, seus olhos vidrados, como se a presença da rainha fosse algo insuportável para ele.

De repente, o som estridente de uma trombeta cortou o ar, e uma fileira de homens marchou em nossa direção em formação perfeita. Eles usavam faixas de tecido escuro que envolviam seus corpos, fazendo com que seus membros parecessem carretéis em movimento. Cada um deles segurava chamas ardentes na palma de suas mãos, e à medida que dançavam e giravam, o fogo formava arcos brilhantes ao seu redor, seguindo seus passos com uma graça letal, deixando um rastro de luz no ar.

Aquele espetáculo hipnotizante capturou a atenção de todos. Seus lábios se moviam em um cântico sincronizado, mas as palavras eram abafadas pelos sons grandiosos da parada, misturadas ao crepitar das chamas. Eu quase me perdi naquela visão deslumbrante, quando, de repente, Lila – ou quem quer que fosse, naquele breve momento de confusão mental – penetrou na aglomeração em busca de uma visão mais clara, como se fosse incapaz de resistir.

Então, um brilho intenso surgiu, como uma explosão de luz no centro dos cavaleiros. E lá, no meio de todo o espetáculo, apareceu o rei de Staruitopia. Ele marchava com uma força imponente, seus músculos à mostra, orgulhosamente exibidos sob as vestes parciais que cobriam seu corpo. O ar ao redor dele parecia vibrar com poder, e cada passo seu fazia o chão tremer levemente. Ele era uma força da natureza, e seus olhos perigosamente ameaçavam varrer a multidão.

Foi nesse momento que a tensão me atingiu com força. O rei estava prestes a olhar diretamente para Ash, que ainda estava preso no seu próprio transe. Sem pensar, agi por puro instinto. Com toda a força que consegui reunir, dei um soco em Ash. O impacto foi o suficiente para tirá-lo de seu estado de choque. Ele piscou rapidamente, como se despertasse de um pesadelo, justo a tempo de perceber a ameaça.

— Vamos! — sussurrei desesperado, puxando-o para baixo enquanto o rei virava a cabeça, prestes a nos notar.

Sem perder mais tempo, começamos a rastejar no chão, tentando nos mover o mais rápido possível na direção oposta à parada. Cada movimento parecia uma eternidade. O som da multidão, do fogo, e do rei marchando atrás de nós ecoava em meus ouvidos, misturado ao bater acelerado do meu coração. Sabia que, se fôssemos notados, não haveria escapatória.

Uma música se elevou atras da gente, forte comotambores porém doce como um instrumento de cordas, atingindo notas que jamais havia escutado. continue meu caminho e Ash congelou novamente atrás de mim e olhie para trás.

Então, mais cavaleiros apareceram em suas imponentes montarias, as capas vermelhas vibrando ao vento enquanto eles cavalgavam em perfeita sincronia. As cores vivas das capas criavam um contraste nítido contra o céu, dando a impressão de que o próprio tecido estava impregnado de magia. Logo atrás deles, uma carruagem de aparência majestosa se aproximava. Era puxada por um conjunto de cavalos brancos, cujos cascos ecoavam com um som firme no chão de pedra. A carruagem, imponente, era flanqueada por guardas, todos usando armaduras brilhantes que refletiam o ambiente ao redor, como espelhos de prata.

Os estandartes que a carruagem ostentava eram ainda mais elaborados que os anteriores. Ricamente ornamentados, cada detalhe parecia ter sido confeccionado com fios de ouro. No centro de um deles, um cálice era desenhado com perfeição, um símbolo poderoso que irradiava autoridade e mistério. O brilho dos fios de ouro quase cegava, e mesmo à distância, a carruagem exalava uma aura de poder e reverência.

Então, meus olhos foram atraídos para o homem que estava de pé dentro da carruagem. Sua capa cor de carmim caía de seus ombros em uma cascata de tecido luxuoso, acumulando-se no chão da carruagem. O peso da capa, tão longa e grandiosa, reforçava a ideia de que ele carregava consigo uma responsabilidade imensa. Meu coração deu um salto no peito quando percebi quem ele era. Eu o conhecia, mesmo antes de Ash sussurrar seu nome. Já o havia visto antes, em meus sonhos... e a semelhança com Madara, de minhas visões, era inegável.

— O Conselheiro Drengsus — murmurou Ash, sua voz quase engolida pelo murmúrio da multidão, que repetiu o nome ao nosso redor como um eco reverente.

As palavras flutuaram no ar, pesadas de significado, e o nome de Drengsus carregava consigo uma carga que eu sentia profundamente, como se algo sombrio e inevitável estivesse prestes a acontecer. Ele era uma figura de poder absoluto, e, naquele momento, me dei conta de que o perigo ao nosso redor era muito maior do que imaginávamos.

Continuamos a avançar, nos mantendo nas sombras, contornando cuidadosamente as bordas dos grupos de pessoas. A multidão ao nosso redor parecia hipnotizada pelo espetáculo à sua frente, permitindo que nos esgueirássemos quase despercebidos. Cada passo era calculado, cada movimento cauteloso, enquanto o perigo de sermos notados pairava no ar como uma espada prestes a cair.

O som dos tambores ressoava em nossos ouvidos, grave e ameaçador, enquanto o vento rodopiava ao nosso redor, carregando consigo fragmentos de vozes distantes e gritos de excitação. A música que ecoava pela praça era sombria e sedutora, envolvendo a todos como uma teia invisível. Seus ritmos pulsavam em nossos corpos, quase como se estivesse nos puxando para dentro daquele frenesi.

Ash estava tenso, seus olhos varrendo o ambiente à procura de qualquer sinal de perigo. Eu podia sentir o tremor sutil de seus dedos, como se estivesse lutando contra algo que não podia controlar. A plebe, ao nosso redor, estava completamente absorvida pela música, seus corpos movendo-se com um fervor quase insano, como se cada nota penetrasse em suas almas, agitando seus corações em um frenesi incontrolável.

O fogo dos cavaleiros girava em espirais brilhantes, criando arcos de luz que dançavam à nossa volta, pintando o céu com tons de laranja e vermelho. O brilho das chamas refletia nos rostos da multidão, destacando expressões de admiração, devoção e... algo mais sombrio. Havia uma loucura crescente no ar, uma energia que parecia consumir tudo ao redor, e eu sabia que, se não saíssemos dali logo, seríamos arrastados para o turbilhão.

Enquanto tentávamos nos manter ocultos, senti a tensão aumentar a cada segundo. O medo de sermos descobertos estava me sufocando, mas havia algo ainda mais inquietante: a sensação de que aquela música, aquela dança hipnótica, estava despertando algo dentro de mim. Algo que eu não compreendia, mas que temia profundamente.

— Precisamos sair daqui — sussurrei para Ash, minha voz quase inaudível no meio da cacofonia.

Ele assentiu, seus olhos fixos à frente, mas eu podia ver a preocupação em seu rosto. Sabíamos que o tempo estava se esgotando, e que cada segundo ali nos colocava mais perto do perigo iminente.
Passamos apressadamente por uma loja, tentando manter nosso ritmo e escapar das garras do caos lá fora, quando, de repente, as portas se abriram bruscamente à nossa frente. Fomos puxados para dentro com uma força inesperada, e no susto, meu instinto quase me fez usar magia para me defender. Meu corpo se debatia enquanto lutava para me soltar, os dedos já formigando com a energia que ameaçava explodir de dentro de mim.

— Eu não faria isso, se fosse você — disse uma voz feminina familiar, interrompendo minha reação impulsiva. Virei rapidamente para encará-la e, para minha surpresa, o rosto de Dalia surgiu diante de mim, com aquele sorriso enigmático que eu jamais esqueceria.

— Dalia? — Minha voz saiu rouca de incredulidade.

Ela riu suavemente, seus olhos brilhando com malícia e mistério.

— É muito bom ver você, Theo — disse ela, cruzando os braços e inclinando a cabeça levemente, como se estivesse estudando minhas reações. Havia algo em sua postura, uma confiança despreocupada, que me fez questionar imediatamente o que ela sabia e por que estava ali.

Meu coração ainda disparado começou a desacelerar, mas o alívio não veio por completo. Havia muitas perguntas, muitas incógnitas. O que Dalia fazia ali? E por que nos puxou daquele jeito, como se já soubesse exatamente onde estávamos?

Ash, ainda recuperando o fôlego, olhou de Dalia para mim, claramente confuso, mas mantendo-se em silêncio. Sabíamos que, com ela, as palavras precisavam ser escolhidas com cuidado. Cada gesto e cada olhar seu carregavam significados escondidos, e qualquer passo em falso poderia nos colocar em um caminho sem volta.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei finalmente, tentando manter minha voz firme, apesar da tensão crescente.

Dalia estreitou os olhos e deu um passo à frente, seu sorriso permanecendo, mas agora carregando um tom mais sério.

— Protegendo você, é claro. Agora me diga, Theo... o que exatamente você acha que está acontecendo lá fora?

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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