Capítulo Vinte e Quatro

Theodoro Vinro:

Olhei para Dalia, ainda tentando processar a situação, e então meus olhos se desviaram para o ambiente atrás dela. A loja em que estávamos era um local peculiar, cheio de materiais de decoração — tecidos finos, cortinas elaboradas e tapeçarias penduradas nas paredes, criando uma sensação de aconchego que contrastava com o caos lá fora. As luzes suaves e o perfume de madeira polida tornavam o lugar quase surreal, como se estivéssemos em um refúgio temporário, longe de tudo o que nos perseguia.

— Estou aqui para ajudar uma amiga — Dalia disse com uma calma desconcertante, como se a situação fosse a coisa mais comum do mundo. Seus olhos encontraram os meus com uma serenidade que não correspondia à intensidade do que eu estava sentindo. — Só aceitei porque recebi uma mensagem... uma mensagem de fogo, vinda de alguém que me instruiu a encontrar você. E o mais curioso? Essa pessoa tinha acabado de receber a visita de uma garota chamada Manuela Mason.

Meu corpo congelou no mesmo instante. "Manuela Mason?" O nome ecoou na minha mente como um sino, e senti o chão debaixo de mim quase se desvanecer. O choque tomou conta de mim, e meus pensamentos se embaralharam numa corrida frenética. Manuela. Ela estava envolvida nisso? Como? E por quê?

Antes que eu pudesse formular uma pergunta, Dalia enfiou a mão no bolso da calça e, com um gesto despreocupado, retirou um pedaço de papel dobrado. Ela o estendeu em minha direção, e o reconheci imediatamente. A caligrafia inconfundível de Manuela, com suas letras cuidadosamente desenhadas, estava ali, diante dos meus olhos.

— Isso é dela — murmurei, quase sem acreditar. Meus dedos tremiam levemente ao pegar o papel. O toque dele parecia mais pesado do que qualquer coisa que eu já tivesse segurado. Olhei para Dalia, que me observava em silêncio, como se esperasse que eu conectasse os pontos.

Minha mente fervilhava de perguntas sem resposta, mas uma coisa era clara: Manuela estava envolvida em algo muito maior do que eu poderia ter imaginado, e se Dalia estava aqui, isso significava que o perigo era real e cada vez mais próximo.

— Sua amiga deve ter cruzado o caminho com alguém do submundo e descoberto verdades que estavam ocultas para ela — Dalia comentou, sua voz baixa e tranquila, mas carregada de uma gravidade que me fez estremecer. — Mas, agora, o que importa é o que você vai fazer a seguir.

— Eu vou invadir a masmorra do castelo e libertar Madara, Fred e Simon — falei, tentando soar determinado, mas a incerteza no fundo da minha voz era perceptível.

Dessa vez, Dalia riu, um som suave e irônico que reverberou pelo ambiente.

— E o que pretende fazer depois disso? — ela perguntou, arqueando uma sobrancelha. — Um dos monarcas já te viu. Eles te querem, Theo. E não se engane, há cavaleiros cercando o castelo. Entrar pode até ser possível, mas sair será outra história. Acha que pode simplesmente libertá-los e fugir? Você deveria lutar e vencer, não fugir.

Ash, que estava em silêncio até aquele momento, engasgou, a surpresa estampada em seu rosto.

— Está maluca? — ele disse, sua voz carregada de incredulidade. — Lutar contra os monarcas e seus cavaleiros seria suicídio, Theo. Você não tem ideia do que está enfrentando!

Dalia virou-se para ele com uma expressão séria, os olhos brilhando com uma mistura de desafio e certeza.

— Suicídio seria permitir que eles colocassem a coroa na cabeça de Drengsus. Todos sabem que, se ele ou um de seus irmãos usarem a coroa, será o fim de tudo no reino espiritual. — Sua voz era firme, sem deixar espaço para dúvidas. — Eles acreditam que a coroa pode retirar uma maldição que nunca existiu. Mas estão completamente enganados. A única maldição da coroa é o destino que ela impõe... e esse destino não pode ser mudado.

Ash ficou em silêncio, suas palavras presas na garganta. Eu também me sentia dividido. Sabia que libertar Madara, Fred e Simon era a prioridade, mas Dalia estava certa. O verdadeiro perigo não estava apenas nos cavaleiros ou nos monarcas... estava na coroa e no poder que ela representava.

— Então, o que eu faço? — perguntei, sentindo o peso da escolha que estava prestes a fazer. A sensação de estar em uma encruzilhada, onde cada caminho levava a consequências terríveis, me sufocava.

Dalia deu um passo à frente, sua expressão se suavizando levemente, mas ainda cheia de determinação.

— Você decide se será apenas um fugitivo... ou alguém que mudará o curso do destino.

Fiquei em silêncio, deixando as palavras de Dalia reverberarem dentro de mim, cada sílaba impregnada de peso e destino. O tempo parecia desacelerar, enquanto minha mente lutava com a gravidade do que ela acabara de dizer. As memórias vieram em uma torrente silenciosa, e, em meio a elas, uma lembrança enterrada há muito tempo ressurgiu, como um sussurro esquecido que finalmente encontrava sua voz.

— Minha avó... — comecei, minha voz baixa, quase como um lamento. — Ela previu isso. Ela sabia que o destino deste lugar estava selado. E... ela viu que eu seria aquele destinado a usar a coroa.

Por um breve instante, o rosto de Dalia se transformou. Surpresa. Era raro ver Dalia reagir dessa forma, sempre tão controlada, mas agora seus olhos me examinavam com uma mistura de espanto e gravidade. Ash, ao meu lado, ficou paralisado, como se o ar tivesse sido arrancado de seus pulmões. O choque em sua expressão era inconfundível, seus olhos arregalados, incapaz de processar o que acabara de ouvir.

— O quê? — Ash sussurrou, sua voz entrecortada pela incredulidade. — Isso não pode ser verdade... Ele é mortal! Usar a coroa? Isso... é uma sentença de morte!

Ele estava certo. Todos sabiam disso. A coroa não era um objeto de poder glorioso, mas uma maldição. Qualquer um que ousasse usá-la seria consumido, aniquilado pela força que ela guardava. Mas, de algum modo, desde que me entendia por gente, eu sabia que essa sombra pairava sobre mim, que esse destino havia sido traçado muito antes do meu nascimento. E agora, ele se aproximava como uma onda inevitável.

— Minha avó sabia — continuei, minha voz se tornando um pouco mais forte à medida que as palavras ganhavam forma. — Ela previu que meu futuro seria grandioso, mas doloroso. Ela nunca me escondeu que esse momento chegaria. Não importa o quanto eu tenha tentado fugir, o destino sempre esteve à minha espera.

Dalia deu um passo à frente, e algo em sua expressão mudou. Havia uma suavidade agora, quase um toque de empatia. Seus olhos, sempre calculistas e frios, pareciam conter uma tristeza silenciosa, como se ela soubesse o peso que eu estava carregando.

— Então você entende o que isso significa? — Dalia perguntou, sua voz envolta em seriedade. — Usar a coroa significa que não há volta. Mas, ao mesmo tempo, pode ser a única maneira de impedir que Drengsus de condenar este reino... e os três territórios.

O peso de suas palavras caiu sobre mim como uma avalanche. O sacrifício era claro, e a responsabilidade era esmagadora. Usar a coroa significava perder minha essência, me consumir no processo. Mas se eu não fizesse isso, tudo — o reino espiritual, os territórios, e as pessoas que dependiam de mim — estaria condenado à destruição.

— Eu sei o que significa — murmurei, a aceitação finalmente se instalando em meu coração. — Eu usarei a coroa. Farei o que for necessário para impedir Drengsus de destruir tudo.

O silêncio que se seguiu foi denso, como se o próprio ar ao nosso redor tivesse parado. A atmosfera parecia mais pesada, impregnada com a enormidade da decisão que acabara de tomar. Ash permaneceu em silêncio, absorvendo tudo o que acabara de ouvir. Dalia, por outro lado, me observava com um olhar que misturava respeito e tristeza. Ela sabia o que isso significava. Sabia que, ao aceitar a coroa, eu estava aceitando também o meu fim.

E, no entanto, era a única escolha possível. O destino, finalmente, tinha me alcançado.

— Isso é loucura! — Ash exclamou, o desespero claro em sua voz, enquanto ele me olhava incrédulo.

— Não é loucura, é destino — Dalia respondeu com calma, embora um brilho de determinação iluminasse seus olhos. — Mas agora, temos uma missão. Invadir um castelo e suas masmorras. — Ela estalou a língua e os dedos, como se estivesse se preparando para o que viria a seguir. — Deixe isso comigo e com os espíritos que estão te seguindo. Eu cuidarei deles.

Dalia tirou um objeto do bolso da calça e, com um gesto ágil, entregou-o para mim. Era uma caneta prateada, simples e modesta, mas senti imediatamente o poder sutil que emanava dela.

— Isso vai te ajudar a entrar no castelo — disse Dalia, com um leve sorriso. — Ela criará uma pequena brecha, uma abertura que você poderá atravessar para o lado de dentro. Mas, uma vez lá dentro, terá que lidar com o resto por conta própria.

Olhei para a caneta em minha mão, confuso e curioso, enquanto ela apontava para uma parede próxima, indicando a direção. O metal frio em meus dedos parecia pulsar com uma energia própria. Antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta, Dalia se moveu rapidamente. Com um movimento ágil, ela deu uma chave de braço em Ash, puxando-o para fora enquanto seus dedos brilhavam com uma luz intensa.

Do lado de fora, uma explosão ensurdecedora ecoou pela rua. O som reverberou no ar, sacudindo as paredes ao meu redor, e senti a pressão da explosão no peito. Meu coração disparou, mas eu sabia que não tinha tempo a perder. Segurei a caneta com firmeza e corri até a parede que Dalia havia indicado.

Com a ponta da caneta, tracei uma linha pela superfície da parede. Ao toque, uma linha prateada surgiu, como se o próprio ar estivesse respondendo ao meu comando. As linhas ganharam vida, se conectando e formando uma porta brilhante diante de mim. As bordas da abertura cintilavam com um brilho metálico, e eu sabia que não havia volta.

Sem hesitar, abri a porta prateada e entrei.

Assim que passei pela porta prateada, uma onda de energia atravessou meu corpo, como se estivesse cruzando o limite entre dois mundos. O ambiente ao meu redor mudou instantaneamente. As cores vibrantes e o calor da cidade lá fora foram substituídos por um frio úmido e escuro. Eu estava nas profundezas do castelo.

O silêncio era opressor. O corredor onde me encontrava era estreito, com paredes de pedra grossa e musgo se espalhando por todas as superfícies. Tochas acesas iluminavam apenas o suficiente para projetar sombras longas e sinuosas, dando ao lugar uma atmosfera de claustrofobia. O ar era pesado, carregado de umidade e cheiro de mofo. Estava claro que essa parte do castelo não via muito movimento.

A caneta ainda estava firme em minha mão, mas agora ela parecia diferente, mais leve, como se tivesse cumprido sua função. Dei um suspiro e a guardei no bolso, sabendo que o real desafio estava apenas começando. Precisava encontrar Madara, Fred e Simon, e, o mais importante, sair daqui com vida.

Avancei cautelosamente, com meus sentidos em alerta máximo. Cada passo fazia o chão de pedra ranger levemente, o som ecoando nas paredes. Eu sabia que os guardas estariam por perto. Mesmo que Dalia tenha me dado uma maneira de entrar, agora eu estava completamente sozinho.

Enquanto me movia, lembrei das palavras de Dalia. "Vai ter que lidar com o resto por conta própria." O que ela quis dizer exatamente com isso? Senti um arrepio percorrer minha espinha, mas segui em frente, tentando manter o foco.

De repente, ouvi um som distante — passos se aproximando. Meus músculos se enrijeceram. Eu me pressionei contra a parede, tentando me misturar às sombras. O som dos passos ficava mais alto, e meu coração disparava com o ritmo crescente.

Dois guardas surgiram no fim do corredor, suas armaduras reluzindo fracamente à luz das tochas. Segurei a respiração, me esforçando para não fazer o menor movimento. Eles conversavam entre si, mas o som era baixo demais para que eu pudesse entender. Meu corpo inteiro estava tenso, o medo de ser descoberto pulsando junto com o sangue em minhas veias.

Assim que eles passaram por mim, respirando aliviado, percebi que estava perto demais de ser descoberto. O tempo era curto, e a cada segundo que eu permanecia ali, o perigo aumentava. Continuei avançando pelos corredores sinuosos, até finalmente ouvir algo que reconheci — vozes conhecidas.

Madara. Fred. Simon.

Eles estavam perto.
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Gostaram?

Até a próxima 😘

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