Capítulo Vinte e Cinco

Theodoro Vinro:

O nível inferior do castelo era sufocante, o ar impregnado com o cheiro úmido de mofo e minerais. O chão de pedra sob meus pés parecia quase vivo, ressoando com os sons abafados dos guardas à frente. O ambiente era sombrio, e cada passo parecia arrastar uma carga de tensão junto com ele. Eu me aproximei da curva do corredor, onde a luz das tochas lançava sombras trêmulas, e me esgueirei cuidadosamente, espiando ao redor da esquina.

Meus olhos imediatamente focaram na enorme porta à frente, reforçada com barras de cobre que brilhavam sob a fraca iluminação. Sem dúvidas, aquela era a entrada para as masmorras. E, como esperado, dois guardas montavam vigilância ao lado dela. Ambos pareciam atentos, suas armaduras reluzindo com uma leve camada de poeira. O guarda à esquerda carregava uma longa espada pendurada no quadril, enquanto o outro tinha uma espada curvada amarrada às costas, como se estivesse sempre preparado para sacá-la em um movimento rápido.

Olhando para eles, sabia que tentar me infiltrar furtivamente seria um grande desafio. Diferente das florestas onde eu estava acostumado a me mover sem ser visto, aqui, a arquitetura do castelo trabalhava contra mim. As paredes de pedra sólida ecoavam até o menor dos ruídos, e o ambiente estreito não me oferecia muitas opções de esconderijo. Aquele local não perdoava erros, e estava claro que passar despercebido seria quase impossível.

Eu poderia tentar a furtividade, mas a realidade era implacável: esses guardas estavam treinados para detectar até o mais leve movimento. Meus pensamentos corriam a mil. Tinha que encontrar uma brecha, uma distração, ou algum artifício que me permitisse chegar àquela porta sem ser percebido. Contudo, o tempo estava contra mim, e cada segundo gasto ali aumentava o risco de ser descoberto.

A mente de Dalia ecoou em minha cabeça, suas palavras sobre lutar em vez de fugir reverberando em meio à tensão. Mas eu não estava pronto para uma luta direta. Não contra guardas como aqueles. Precisava de algo mais... criativo.

Peguei o livro, sentindo seu peso nas mãos. Suas páginas antigas pareciam pulsar levemente, como se contivessem um poder adormecido, esperando ser invocado. Desejei algo — uma ajuda, uma saída — e, como resposta, um nome começou a se formar lentamente em uma das páginas. As letras surgiram como se fossem escritas por uma mão invisível, até que o nome apareceu, brilhando com uma luz suave.

Passei a ponta dos dedos pelo nome que brilhava intensamente, sentindo a conexão se fortalecer, como se o espírito por trás daquele nome estivesse despertando, ansioso por ser libertado.

— Quer sua liberdade? — perguntei em um sussurro, quase como se estivesse conversando diretamente com o espírito.

O nome brilhou ainda mais forte, como uma resposta afirmativa. Um arrepio percorreu minha espinha, e senti o ar ao meu redor mudar. O espírito estava pronto para agir.

— Engane os guardas, para que eu possa passar... e você poderá ir atrás do seu corpo perdido. — minha voz soava mais confiante agora, à medida que o poder do espírito se conectava ao meu desejo.

Em segundos, senti uma energia estranha fluir do livro, como uma brisa invisível que parecia atravessar as paredes e chegar aos guardas à frente. O ambiente ao redor deles começou a mudar levemente, como se uma névoa imperceptível estivesse os envolvendo. Vi os guardas piscarem, seus olhares perdidos por um momento, como se estivessem sob algum tipo de ilusão. Um deles virou para o outro, trocando palavras baixas, parecendo confusos. Era minha chance.

O espírito havia feito sua parte. Com um último olhar para o nome que agora brilhava de forma mais suave, fechei o livro e avancei em direção à porta. O coração batia forte no peito, mas sabia que o espírito havia cumprido o pacto. Enquanto os guardas permaneciam distraídos, passei silenciosamente por eles, atravessando a enorme porta de cobre e entrando nas masmorras.

Agora, a parte mais difícil estava por vir.

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Corri o mais rápido que pude, enquanto o espírito arremessava os cavaleiros para longe, seus corpos sendo jogados contra as paredes de pedra. O caos ao meu redor me deu a oportunidade perfeita. Cheguei à porta, escancarando-a com rapidez, e me deslizei para dentro antes que qualquer um pudesse perceber. As escadas à minha frente, feitas de rocha cinzenta, se curvavam ao redor da entrada, cravejadas de cristais que brilhavam como estrelas contra a pedra fosca. A luz suave iluminava o caminho, mas o silêncio ali era opressor, como se o próprio ar estivesse pesado com o sofrimento dos prisioneiros.

No final da escada, um longo corredor se estendia diante de mim, lembrando o interior de uma caverna com enormes estalagmites e estalactites que substituíam grades de ferro. Era uma visão surreal e ao mesmo tempo assustadora. Cada cela parecia um pesadelo cristalizado, com as formações naturais moldando-se ao redor dos prisioneiros.

Conforme me aproximava, figuras nas sombras começaram a se mover, seus olhares escuros seguindo meus passos. Senti a presença deles, prisioneiros condenados à escuridão, mas não era por eles que eu estava aqui. Uma garra surgiu de uma das celas, agarrando meu braço com força. Eu me soltei de seu alcance, sentindo o tecido da minha roupa rasgar enquanto me afastava rapidamente.

A maioria das câmaras estava ocupada por prisioneiros que pareciam à beira do surto, seus rostos marcados pelo desespero. Mas em uma cela, uma figura familiar se destacava: Madara, em sua forma felina. Me ajoelhei ao lado da cela, o coração acelerado. Seus olhos se abriram lentamente, e uma expressão de surpresa tomou conta de seu rosto ao me ver ali.

Antes que eu pudesse falar, uma risada leve ecoou da cela ao lado. Virei-me, e ali estava Simon, sua cabeça surgindo das sombras com um sorriso divertido.

— Eu disse que ele viria nos resgatar — ele comentou, o sorriso dançando em seus lábios como se tudo aquilo fosse apenas mais uma aventura.

— Onde está Fred? — perguntei rapidamente, meu olhar preocupado. Simon apontou para a cela ao lado, onde vi Fred, exausto em sua forma humana, encostado contra a parede. Sua pele estava pálida, seus olhos semicerrados, visivelmente drenado de energia.

— Ele está sugando nossas energias... de todos aqui — Fred murmurou, sua voz fraca, mas clara o suficiente para me alertar.

Aproximei-me da cela e passei meus dedos pelas barras. Fred olhou para mim com uma expressão de choque, como se esperasse que algo terrível acontecesse. No entanto, ao invés disso, senti minha energia espiritual fluir de mim para ele, uma onda quente e reconfortante. Aos poucos, sua aparência melhorou, o brilho de vida retornando aos seus olhos.

Fiz o mesmo com Simon, transferindo parte da minha energia para ele, e vi o alívio tomar conta de seu rosto. Então, voltei-me para Madara. Me ajoelhei ao seu lado, e sua forma felina começou a brilhar suavemente. Em questão de segundos, ele se transformou em sua forma humana: um rapaz de cabelos negros presos em um rabo de cavalo, usando uma regata simples e jeans. No antebraço dele, uma tatuagem detalhada de uma coroa e um livro se destacava, lembrando o poder e o mistério que ele carregava.

— Você veio — Madara disse, sua voz rouca, mas grata, enquanto se levantava lentamente, ainda recuperando as forças.

O alívio era palpável, mas a sensação de perigo ainda pairava sobre nós. Eu sabia que tínhamos que sair dali rapidamente, antes que as forças do castelo se reorganizassem.

— Vou tirar vocês daqui — declarei com determinação, mas Madara balançou a cabeça lentamente, seu olhar sombrio.

— Não pode — Fred foi quem respondeu, sua voz soando fraca, mas cheia de convicção. Virei-me para ele, confuso, tentando entender o que ele estava querendo dizer. — Drengsus planejou tudo. Ele encontrou um jeito de nos manter presos até o evento principal... até que seja tarde demais.

As palavras de Fred eram como um soco no estômago. O peso de sua afirmação começou a afundar em mim, mas antes que eu pudesse responder, Madara continuou, sua voz carregada de amargura.

— Ele vai drenar toda a energia dos prisioneiros, usando cada um de nós como uma fonte para alimentar seu plano... e me executar no processo. — O tom sombrio em sua voz fez meu sangue gelar. — Tudo isso para colocar a coroa do nosso pai na cabeça dele. Esse é o verdadeiro objetivo. E você, Theo... precisa sair daqui. Agora.

— Você está louco? Nem ferrando! — rebati, a raiva e a frustração borbulhando dentro de mim. O pensamento de abandoná-los era inconcebível. Eu não poderia simplesmente fugir, sabendo que eles ficariam presos ali, esperando o pior. — Não vou deixar vocês aqui para morrer. Eu... nós temos que encontrar um jeito!

Madara me olhou profundamente, seus olhos refletindo uma mistura de tristeza e resignação. Ele sabia do risco. Todos nós sabíamos. Mas a realidade era brutal. Drengsus estava à frente de nós, manipulando cada movimento, e o tempo estava correndo.

— Não se trata apenas de nós, Theo. Se você ficar aqui e tentar nos libertar, pode estar condenando o reino inteiro. Drengsus só precisa de uma distração para concluir o ritual e colocar a coroa. — Fred falou com uma urgência que eu nunca tinha visto antes, seus olhos me encarando com seriedade. — Se você morrer aqui, ele vence. E todos nós perderemos.

As palavras pairaram no ar, pesadas e dolorosas. Eu queria lutar contra isso, queria encontrar uma solução para salvar todos eles, mas o que Fred e Madara diziam fazia sentido. Se eu me deixasse ser pego por essa armadilha, todo o reino espiritual estaria condenado.

— Mas... e vocês? — minha voz quase falhou, o desespero crescendo dentro de mim.

— Nós daremos um jeito. Vamos resistir o máximo que pudermos. Mas você precisa ir atrás de Drengsus, impedir o ritual e... salvar o reino. — Madara deu um passo à frente, sua mão descansando em meu ombro. — Essa é a única maneira. Se ele conseguir a coroa... será o fim de tudo.

Eu engoli em seco, sentindo a pressão se intensificar. Cada fibra do meu ser gritava para ficar e lutar ao lado deles, mas, ao mesmo tempo, sabia que se falhasse ali, tudo seria perdido.

— Não — falei com firmeza, minha voz carregada de uma emoção que não consegui mais conter. — Estou cansado de fugir de tudo.

Antes que Madara pudesse responder, peguei seus dedos com delicadeza, entrelaçando-os aos meus. A pele dele era quente, e o toque enviou uma onda de calor pelo meu corpo, contrastando com o frio que nos cercava nas masmorras. Nossos olhares se encontraram, e por um breve momento, o mundo ao nosso redor pareceu parar. Os ruídos das celas, os ecos distantes dos guardas... tudo desapareceu.

— Não posso abandonar ninguém. Não posso abandonar você, — murmurei, a verdade de minhas palavras pendendo no ar entre nós.

Madara me olhou, a surpresa dançando em seus olhos escuros, e em vez de afastar-se, ele se aproximou ainda mais. O espaço entre nós quase desapareceu, e o calor de seu corpo era uma presença tranquilizadora. Sua respiração era lenta, controlada, mas eu podia sentir a tensão em cada movimento dele. Madara sempre fora uma rocha para mim, alguém que eu podia contar, mas naquele instante, eu o via de maneira diferente. Havia algo mais entre nós, algo que eu talvez não tivesse admitido até agora.

— Eu fiz uma promessa... para sua avó, — disse ele, sua voz mais suave do que de costume, quase hesitante. — De que te protegeria, Theo. E é isso que eu tenho que fazer. Mesmo que isso signifique te ver indo embora daqui.

Madara inclinou a cabeça, seu olhar preso ao meu, como se estivesse tentando transmitir algo que as palavras não podiam. Ele sabia o quanto isso estava me dilacerando. — Você deve ir. — A mão dele apertou a minha com mais força, como se quisesse que eu entendesse a gravidade do que ele estava dizendo. — Você sabe o suficiente sobre o livro agora. Vai poder se proteger. Mas eu... eu preciso que você fique seguro.

Eu podia sentir o conflito dentro dele. Ele não queria que eu fosse, mas sabia que era a única chance de impedir Drengsus. O peso da decisão estava sobre nós dois, e a proximidade de Madara tornava tudo mais intenso. Eu queria gritar, argumentar, dizer que ficaria ao lado dele, mas a profundidade de seus olhos me impediu. Ele não estava apenas pedindo que eu fosse embora. Ele estava pedindo que eu confiasse nele... e no que havia entre nós.

— Madara... — sussurrei, o som quase engolido pela proximidade. Eu queria dizer mais, queria confessar o que sentia, mas antes que eu pudesse continuar, Madara inclinou-se ainda mais perto, sua testa roçando a minha.

— Por favor, Theo... não me faça quebrar a promessa que fiz. — A voz dele era um murmúrio contra minha pele, quente e vulnerável, carregada de um sentimento que não precisou ser dito em palavras. O toque suave de seus dedos em minha mão, o jeito como ele se inclinava em minha direção, me mostrava tudo o que ele não conseguia expressar em voz alta.

A proximidade dele me fez respirar fundo, o coração batendo mais rápido do que eu gostaria de admitir. Estávamos tão perto agora que eu podia sentir cada detalhe de sua presença, e o peso da promessa que ele havia feito por mim. Madara queria me proteger, mas eu queria lutar ao lado dele, enfrentar tudo isso juntos.

— Eu não posso te perder, — finalmente disse, meu peito apertado com a mistura de medo e carinho. Eu sabia o que ele estava pedindo, mas partir deixava uma parte de mim completamente destruída.

Madara, então, fez algo que me surpreendeu. Ele inclinou-se ligeiramente, seus lábios roçando minha têmpora em um toque suave, quase um beijo, antes de se afastar só o suficiente para que seus olhos encontrassem os meus novamente.

— E eu não posso te deixar aqui, — ele respondeu, com um sorriso fraco, mas cheio de uma profundidade emocional que eu não tinha visto antes. — Agora vá. Pelo seu futuro.

A decisão era clara, mas a conexão entre nós nunca fora tão forte.

Eu estava exausto de tudo. Exausto de ter que viver com medo, de ter que encarar perdas inevitáveis. Minhas mãos tremiam de frustração, de raiva, enquanto a realidade da situação me esmagava por dentro.

— Estou cansado, — comecei, minha voz rouca, cheia de uma emoção que parecia ter ficado presa por tempo demais. — Cansado de ter que temer o pior a cada instante. Eu não quero perder o Simon... ele é meu melhor amigo. — Meus olhos se desviaram para Simon, que sempre esteve ao meu lado, sempre com aquele sorriso travesso que me fazia sentir que tudo ficaria bem.

— Eu também não quero perder o Fred, — continuei, minha voz falhando um pouco. — Desde o momento em que me conheceu, ele foi um amigo leal, alguém em quem eu podia confiar.

Meus olhos se voltaram para Madara, que continuava a me encarar com aquela mistura de preocupação e determinação. O rosto dele, que sempre foi uma constante invisível em minha vida, agora estava ali, tão próximo, tão real.

— E o Madara... — minha voz vacilou por um segundo, o peso das palavras me atingindo com força. — Ele esteve na minha vida desde a infância, invisível, protegendo-me das sombras sem que eu sequer percebesse. Ele me salvou tantas vezes, sem que eu soubesse. Como posso abandoná-lo agora? Não vou abrir mão de nenhum de vocês.

Foi nesse instante que algo mudou. Sem perceber, senti uma onda de energia percorrer meu corpo. Minha testa começou a brilhar intensamente, a luz crescendo em força até que uma marca — que sempre esteve adormecida — se tornasse visível. A marca que eu tinha herdado, mas nunca verdadeiramente compreendido, agora irradiava com um brilho que iluminava as sombras das masmorras.

Madara ficou paralisado, seus olhos arregalados de surpresa, incapaz de acreditar no que via. Simon, sempre rápido com as palavras, xingou alto, seus olhos arregalados, enquanto Fred murmurava algo, ainda tentando processar o que estava acontecendo.

Então, o chão sob nossos pés tremeu violentamente, como se o próprio castelo estivesse reagindo à energia que emanava de mim. As paredes estremeceram, poeira caindo das estalagmites e estalactites que cercavam as celas. O som era ensurdecedor, e por um momento, tudo parecia estar à beira de desmoronar.

— Theo... o que está acontecendo? — Madara perguntou, sua voz tensa, mas cheia de um toque de admiração, como se estivesse vendo algo que jamais imaginaria.

Eu também não sabia o que estava acontecendo, mas, no fundo, sentia que não podia mais fugir do meu destino.

Antes que pudesse reagir ou dizer qualquer coisa, senti uma força esmagadora me puxar para trás, com uma violência que tirou todo o ar dos meus pulmões. Meus dedos, que ainda estavam entrelaçados aos de Madara, se soltaram abruptamente. O calor do toque dele foi substituído por uma sensação fria e sufocante, como se as sombras ao nosso redor tivessem ganhado vida própria.

Madara gritou meu nome, sua voz desesperada, mas distante, como se estivesse sendo abafada pela escuridão crescente. Simon e Fred também gritaram, suas vozes se misturando ao caos ao meu redor, mas era tarde demais. As sombras me envolveram completamente, sugando-me para longe deles. Tudo o que eu conseguia ver era a figura de Madara tentando alcançar minha mão, seus olhos arregalados de pavor, enquanto o mundo ao nosso redor se desintegrava em trevas.

A escuridão era absoluta. Eu estava sendo arrastado para algum lugar profundo, desconhecido, enquanto o som dos gritos de Madara, Simon e Fred ecoavam em minha mente, ficando cada vez mais distantes. Era como se eu estivesse sendo engolido pelo próprio castelo, pelas forças que eu não conseguia compreender. Meu corpo parecia leve, mas a sensação de perda e desespero me esmagava como um peso insuportável.

Eu não queria ir. Não queria deixá-los. Mas, antes que pudesse lutar ou reagir, as sombras me consumiram por completo, e tudo se apagou.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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