Capítulo Três
Theodoro Vinro:
Uma coisa que aprendi é que os fantasmas gostam de ficar vigiando à distância o tempo todo, inclusive quando estamos em uma situação de pedido de desculpas para uma amiga.
Na manhã seguinte, como era sábado, pedi a Manu que fosse ao shopping da cidade ou fizesse o que bem quisesse, para que eu pudesse compensá-la. Ela aceitou imediatamente e concordou em sairmos à noite, sem objeções da minha parte.
No entanto, não esperava que ela decidisse ir para o tal clube que tanto gostava de frequentar, e menos ainda que estivesse tão lotado. Agora, estamos esperando na fila há vinte minutos, que parece infinita, e só consigo ouvir o segurança lá na frente conversando com um garoto.
— Por que me deixei ser arrastado para esse lugar? — resmunguei.
— Não seja bobo — Manu disse animada, girando nos próprios calcanhares e fazendo seu vestido cinza rodopiar junto com ela. — Você disse que me deixaria escolher para onde iríamos! Nada melhor do que o clube Saxs.
— Você prometeu e deve cumprir com o que prometeu — Raimoy disse com um sorriso, arrumando sua jaqueta vermelha que destacava ao lado do vestido da namorada. — Nada está sendo tão ruim ficar esperando nessa fila com a minha querida.
Ele deu um beijo nos lábios de Manu, que sorriu animada e soltou um suspiro apaixonado.
Embora os dois fossem o sinônimo de um casal amoroso e fofo, naquele momento estávamos atraindo tantos olhares que estava me irritando.
Percebi que as atenções indesejadas estavam começando a afetar o clima da noite. Respirei fundo, tentando ignorar os olhares curiosos que nos rodeavam, e decidi me concentrar apenas na companhia de Manu e do Raymon. Afinal, era isso que importava naquela noite: estarmos juntos e aproveitarmos o momento, independentemente do que os outros pensassem ou dos fantasmas que estava ao redor olhando e murmurando.
Olhei para o outro lado e vi um gato cinza passando entre os fantasmas. Ele lançou um olhar para mim antes de deslizar rapidamente por entre eles, ágil como um raio. Admirei o movimento gracioso dele, a forma como se movia entre os fantasmas, mostrando que ele era quem mandava ali.
Animais são capazes de ver fantasmas nitidamente, mas os gatos pareciam ignorá-los e não se importavam.
Às vezes, desejava ser assim também.
— Então acho que posso te ajudar com alguém lá dentro! — Manu disse, trazendo-me de volta para a realidade. — Tem um amigo do Raimoy que...
— Não, obrigado — interrompi.
Ambos me olharam com uma expressão de completo desinteresse, como se estivessem observando uma paisagem monótona.
Manu soltou um suspiro dramático e rolou os olhos, enquanto Raimoy apenas balançou a cabeça com um sorriso irônico no rosto.
— Você está perdendo uma grande oportunidade, meu caro — Manu disse, exagerando no tom teatral. — Mas, se é assim que quer, quem somos nós para te forçar, não é mesmo?
— Exatamente — concordou Raimoy, com um leve tom de sarcasmo na voz. — Mas não diga que não avisamos quando se arrepender depois.
Revirei os olhos e soltei uma risada. Mesmo quando tentavam me arrastar para situações desconfortáveis, eles sempre encontravam uma maneira de tornar tudo engraçado.
— Mas se visse esse amigo, iria achá-lo um bonitão — provocou Manu, o que me fez mostrar a língua para ela brincando.
Manu riu e fez uma careta, fingindo estar ofendida.
— Hey, não subestime o meu bom gosto! — ela retrucou, dando um tapinha de leve no meu braço.
Raimoy apenas observava a interação com um sorriso divertido no rosto, sabendo que estávamos apenas brincando. Era reconfortante estar com amigos que entendiam o valor do humor, mesmo em situações um pouco desconfortáveis.
O segurança deixou o imprevisto passar e a fila voltou a andar.
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Lá dentro, o clube parecia mais uma boate, inundada pela fumaça de gelo seco. Luzes coloridas adornavam a pista de dança, transformando-a em um reino multicolorido de azul, verde, rosa-choque e dourado. O som pulsante da música reverberava pelas paredes, criando uma atmosfera eletrizante que nos envolveu assim que entramos.
— E aí — disse Manu — a música é boa, não é?
Não quis responder. Estávamos dançando, ou fingindo que estávamos — muito balanço para frente e para trás, e investidas ocasionais em direção ao chão como se tivéssemos derrubado algo — em um espaço entre um grupo de meninos adolescentes trajando espartilhos metálicos e um jovem casal que se beijava apaixonadamente, com apliques coloridos se enrolando como vinhas. Um menino com piercing labial e uma mochila de ursinho de pelúcia estava distribuindo tabletes gratuitos de êxtase de ervas, sua calça de paraquedista balançando com a brisa da máquina de vento. Entre eles estavam os fantasmas, passando e rindo divertidos com os humanos, sem que estes soubessem.
— Eu estou tentando — falei, mas ignorei quando notei o mesmo gato cinza que estava passando pela multidão como se estivesse procurando alguma coisa. Havia algo familiar na maneira como ele se movia... minha cabeça doeu ao tentar lembrar.
— Você deveria aproveitar — continuou Manu. — Olha ali o Raimoy e o amigo dele.
Olhei para ver e ali estava Raimoy vindo com as bebidas que pedimos e junto dele, um rapaz ruivo que parecia nervoso, ainda mais ao me ver.
— Já disse que não — falei, com um tom firme.
Raimoy e seu amigo se aproximaram, carregando as bebidas em bandejas brilhantes. O rapaz ruivo lançou-me um olhar nervoso, e eu podia sentir a tensão no ar enquanto ele se aproximava.
— Você tem certeza? O Luke aqui estava ansioso para conhecê-lo — disse Raimoy, tentando parecer casual, mas havia uma pitada de expectativa em sua voz.
— Sim, tenho certeza — respondi, mantendo minha decisão.
O rapaz ruivo, Luke, parecia aliviar-se um pouco com minha resposta, mas ainda parecia desconfortável. Eu me perguntava o que estava acontecendo, mas não queria mergulhar em um cenário desconfortável naquele momento. Ainda mais quando notei que um fantasma de uma mulher percebeu minha existência e estava flutuando na minha direção. Sem hesitar, decidi sair de perto, preferindo evitar qualquer interação sobrenatural naquela noite.
Luke me seguiu abismado para a pista de dança, e ficamos dançando lado a lado.
— Cara, não vai acontecer nada — falei, tentando tranquilizá-lo, mas minha atenção foi desviada quando percebi que a fantasma estava ao meu lado.
— Você pode me ver — ela disse, e ignorei, mantendo meu olhar fixo em Luke. A situação estava ficando cada vez mais estranha, e eu preferia evitar qualquer contato com o sobrenatural naquele momento.
A música pulsante preenchia o ambiente enquanto dançávamos, mas a presença da fantasma ao meu lado me deixava desconfortável. Ignorando-a, tentei manter a conversa com Luke, esperando desviar o foco da situação sobrenatural.
No entanto, a fantasma persistiu.
— Você pode realmente me ver — ela insistiu, sua voz ecoando suavemente em meus ouvidos.
Senti um arrepio percorrer minha espinha, mas me forcei a manter a calma.
— Não sei do que está falando — respondi, mantendo meus olhos fixos em Luke, esperando que ele não notasse nada de estranho.
Mas, no fundo, sabia que não conseguiria ignorar por muito tempo a presença daquela entidade sobrenatural ao meu lado.
O sussurro gelado da fantasma contra meu ouvido fez meu coração acelerar.
— Tem que sair daqui — ela insistiu, sua voz carregada de urgência. — Eles estão aqui.
O medo começou a se instalar em mim enquanto eu lutava para manter a compostura diante da situação cada vez mais surreal. O que ela queria dizer com "eles estão aqui"? Quem eram "eles"?
Uma sensação de desconforto se espalhou pelo meu corpo enquanto eu tentava processar as palavras da fantasma. Será que ela estava se referindo a outros fantasmas? Ou havia algo mais sinistro acontecendo ali?
Antes que eu pudesse fazer mais perguntas, uma onda de ar gelado pareceu passar pela pista de dança, fazendo as luzes piscarem e os sons da música ficarem distorcidos por um momento. Olhei ao redor, percebendo que alguns dos outros frequentadores do clube também pareciam sentir a estranha mudança no ambiente.
Sem hesitar, tomei a decisão de sair dali. Agarrei o braço de Luke e comecei a me afastar da pista de dança, ignorando as perguntas confusas dele. A sensação de que algo estava muito errado só aumentava a cada passo que dávamos em direção à uma outra porta que estavam com um placa de proibido.
— Eu não.... — Luke começou, mas se calou.
As palavras de Luke morreram antes mesmo de começarem, seu olhar confuso refletindo a incerteza que também tomava conta de mim. Eu sabia que ele estava prestes a perguntar o que estava acontecendo, mas algo em seu semblante indicava que ele também sentia a presença inexplicável no ar.
Sem trocar mais uma palavra, continuamos a nos afastar da pista de dança, cada passo aumentando a distância entre nós e o desconhecido que assombrava aquele lugar. O silêncio tenso que pairava sobre nós era interrompido apenas pelo som abafado da música e pelos murmúrios preocupados dos outros frequentadores.
Adentrei o depósito, buscando desesperadamente uma rota de fuga daquele ambiente opressivo. Por um momento, pensei que estivesse vazio, e um silêncio sepulcral tomou conta do lugar. As únicas fontes de luz eram as janelas altas, com grades, através das quais um som abafado da rua penetrava, o ruído constante de carros buzinando e freando.
O odor de tinta velha invadia minhas narinas enquanto eu avançava pela sala, a pesada camada de poeira no chão indicando que o lugar não via uso há muito tempo. Marcas de pegadas salpicavam o chão, sugerindo que não era tão abandonado quanto parecia à primeira vista.
O som sinistro de uma risada ecoou pelo depósito, fazendo meu sangue gelar. Uma sombra sinistra se ergueu atrás de nós, fazendo Luke soltar um grito em choque. A fantasma, tremendo de medo, voltou para o meu lado em busca de proteção.
Antes que eu pudesse reagir, algo bateu violentamente contra meu corpo, me lançando para longe com força. O impacto foi tão intenso que por um momento tudo ao meu redor se tornou um borrão de dor e confusão. Tentando recuperar o fôlego, lutei para me levantar e avaliar a situação. O que quer que estivesse no depósito conosco não era humano, e eu sabia que precisávamos sair dali o mais rápido possível.
Com o coração batendo descontroladamente, percebi Luke caído ao meu lado, atordoado pela violência do ataque. A fantasma tremia de medo, enquanto o monstro se erguia sobre minha cabeça, revelando sua verdadeira forma.
— Quem está aí? — perguntei, minha voz ecoando pelo depósito enquanto encarava a figura sinistra que emergia das sombras. Uma mulher, mas não como qualquer outra que eu já tinha visto. Seu vestido preto ondulava como serpentes, e sua pele estava coberta de escamas. Uma língua de cobra serpenteava entre seus lábios, emitindo um sibilo ameaçador.
A mulher-cobra avançou lentamente em nossa direção, seus olhos injetados de ódio brilhando na escuridão do depósito. Com uma voz sinistra e ameaçadora, ela sibilou:
— Você despertou a fúria da escuridão. Agora, pagarão o preço por sua insolência.
Ela avançou em minha direção, suas presas prontas para o ataque, mas antes que pudesse me alcançar, vi-a ser violentamente lançada para longe por uma força invisível. Surpreso, virei-me para as sombras e vi apenas um rabo de gato desaparecendo rapidamente.
Percebi que não estávamos sozinhos naquele depósito. Algo ou alguém estava nos protegendo daquele ser maligno, e por um breve momento, senti uma faísca de esperança se acender dentro de mim.
Sem hesitar, ergui Luke do chão e comecei a correr em direção à saída do depósito, seguindo o caminho que esperava nos levaria para longe daquela ameaça sinistra. A adrenalina pulsava em minhas veias enquanto me esforçava para manter Luke seguro em meus braços e ao mesmo tempo fugir do perigo que nos perseguia.
Cada passo ecoava no chão empoeirado do depósito, enquanto o medo nos impulsionava para frente. A saída estava próxima, vislumbrando-se como uma luz ao fim do túnel. Conseguiríamos escapar daquele pesadelo sobrenatural, eu estava determinado a garantir isso.
Ao alcançar a porta do depósito, avistei Manu e Raimoy do lado de fora, com um dos seguranças que estavam na entrada. Manu correu em minha direção, sua expressão preocupada.
— Theo, você está bem? — ela perguntou, olhando para Luke em meus braços.
O segurança franzia o cenho, claramente confuso com a situação.
— Por que o Luke está desse jeito? — ele indagou, observando a cena com desconfiança.
Olhei para trás, onde momentos antes a mulher-cobra havia protagonizado uma batalha intensa, mas agora o depósito estava vazio, sem qualquer sinal da criatura maligna.
— Ele desmaiou — falei, tentando manter a calma diante da estranha reviravolta da situação.
O segurança e Manu trocaram olhares preocupados, mas pareciam aceitar minha explicação por enquanto. Ainda tremendo com a adrenalina da experiência sobrenatural, concentrei-me em garantir que Luke recebesse a ajuda de que precisava.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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