Capítulo Seis

Theodoro Vinro:

Tentei dormir como de costume, mas era muito desconfortante com todos os fantasmas ao redor, gritando e gemendo, mesmo que eu tentasse meu melhor para ignorá-los. A única hora em que não há esses ataques é quando estou dormindo, meio que uma trégua entre eles e eu. No entanto, mesmo durante esse período, consigo ouvir seus gemidos e maldições contra minha pessoa, como se estivessem esperando pacientemente pelo momento em que eu estivesse mais vulnerável.

A noite arrastou-se com sua sinfonia perturbadora de vozes sussurrantes e murmúrios. Tentativas inúteis de me afastar da cacofonia de lamentos ecoavam no quarto, enquanto a escuridão parecia pulsar com as presenças inquietas. Cada som, cada lamento, era como um eco persistente de vidas passadas, clamando por atenção.

Meu refúgio noturno era apenas um breve alívio, uma trégua efêmera em meio ao caos. Mesmo quando mergulhado no sono, os gemidos e maldições ecoavam como um eco distante, infiltrando-se em meus sonhos e transformando a paz temporária em um campo de batalha onírico.

Quando consegui dormir, estava completamente calmo, e o banho do sonho veio com tudo.

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No meio das sombras que me consumiam, formava-se a figura de um palácio emergindo de um cenário onírico. O palácio revelava-se majestoso, suas torres altas perfuravam o céu noturno como agulhas escuras. As muralhas, adornadas com detalhes intrincados, pareciam esculpidas em ébano, destacando-se contra o céu estrelado. As janelas emitiam uma luz suave e misteriosa, revelando um interior digno de contos de fadas.

O pátio estava ladeado por árvores imponentes, cujas folhas escuras sussurravam segredos ao vento noturno. Um jardim exuberante se estendia diante do palácio, suas flores brilhando com uma luminosidade etérea. Uma fonte no centro do pátio jorrava água cristalina que parecia refletir as estrelas do céu.

Ao longo dos corredores sombrios, sombras dançavam como espectros antigos. Havia uma atmosfera de encantamento e mistério, como se o próprio palácio estivesse impregnado de segredos ancestrais e poderes ocultos. O ambiente transmitia uma sensação de beleza sombria, um lugar onde a realidade e a fantasia se entrelaçavam de maneira intrigante.

Então, tudo mudou, e eu estava em um quarto digno de um rei. Na cama, repousava um homem. Ao me aproximar com passos hesitantes, ele abriu os olhos roxos, e eu dei um salto de surpresa quando ele tentou pegar minha mão. O quarto parecia pulsar com uma energia estranha, e a atmosfera tornou-se densa de repente. Os olhos roxos do homem brilhavam com uma intensidade sobrenatural, refletindo uma profundidade sombria que enviava calafrios pela minha espinha.

— Finalmente, você chegou e está despertando — sussurrou ele com uma voz que ecoava como um murmúrio soturno. Sua mão estendida na minha direção tinha uma palidez fantasmagórica, e os dedos finos tremiam como se carregassem uma energia sinistra.

Recuei, sentindo a ansiedade crescer dentro de mim. O ambiente do quarto parecia distorcido, como se a realidade estivesse se desfazendo diante dos meus olhos. O homem na cama sorriu de maneira enigmática, revelando dentes afiados que brilhavam na penumbra.

— Você é a chave para libertar este lugar da sua eterna escuridão — disse ele, e sua voz assumiu um tom inquietante. — Mas tudo tem um preço, não é, Theodoro?

Uma sensação de pavor se apoderou de mim, enquanto o misterioso homem continuava a me encarar com olhos roxos, parecendo saber mais sobre mim do que eu mesmo sabia. Então, ouvi um grito agudo, e o homem caiu na cama novamente. As imagens ao redor começaram a desfazer-se, dissolvendo-se como sombras fugazes. Uma pressão intensa pesou sobre o peito, como se algo tentasse me sufocar.

A respiração ficou difícil, e o quarto pareceu se contrair em volta de mim. Tentei me mover, mas estava preso em um lugar invisível. O ambiente tornou-se opressivo, como se as paredes do quarto estivessem se aproximando, ameaçando esmagar-me.

Outro grito ecoou, mais alto desta vez, ressoando como um lamento desesperado. A pressão no peito intensificou-se, e uma sensação de desespero envolveu-me completamente. Estava preso em um pesadelo do qual não conseguia escapar.

Então, senti uma mão negra elevando-se do chão, e percebi que era formada por fantasmas em desespero. Suas formas etéreas contorciam-se e se entrelaçavam, criando a aparência de uma mão sombria e disforme. Os rostos dos fantasmas expressavam angústia e sofrimento, suas vozes ecoando em lamentos assombrosos.

A mão negra começou a envolver-me lentamente, como se fosse um espectro de desespero querendo me arrastar para um abismo desconhecido. Tentei resistir, mas a força era avassaladora, como se as almas aflitas estivessem clamando por algo que eu não compreendia.

Os lamentos ecoavam cada vez mais alto, ecoando em minha mente, enquanto a mão negra continuava sua ascensão. Estava envolto em uma aura de agonia e escuridão, sem vislumbre de escapar do pesadelo que se desenrolava ao meu redor.

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Acordei assustado, o coração acelerado martelando no peito. O quarto ao meu redor estava tranquilo, mergulhado na serenidade da noite. Tentei desfazer as imagens sombrias que ainda ecoavam na minha mente.

A respiração entrecortada começou a se acalmar, e meus olhos se ajustaram à escuridão do quarto. A sensação de alívio ao perceber que estava de volta à realidade era palpável, mas resquícios do horror onírico ainda persistiam, como sombras fugazes na penumbra.

Cautelosamente, observei os arredores, buscando dissipar os vestígios do sonho perturbador que havia dominado minha mente. A noite continuava silenciosa, mas a lembrança do pesadelo permanecia fresca, deixando-me com uma sensação incômoda de que algo sinistro ainda pairava no ar.

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A manhã finalmente trouxe consigo um alívio, dissipando as sombras e os murmúrios do meu pesadelo. Levantei-me exausto, com a sensação de ter travado uma guerra invisível durante toda a noite. Os fantasmas, temporariamente afastados, aguardavam pacientemente pelo crepúsculo, quando retornariam com sua sinfonia sobrenatural. Enfrentar mais um dia significava estar preparado para outra batalha contra as sombras do mundo invisível.

Levantei e me arrumei o mais rápido possível, dirigindo-me para a escola. Ao passar pelo parque, notei a ausência de Fred, que geralmente estava lá como de costume. Ainda mais intrigante era o fato de Simon não estar presente, o que era incomum, já que, por alguma razão, ele costumava me seguir de manhã antes de eventualmente desistir e buscar outra atividade para um fantasma fazer.

A falta dessas figuras habituais acrescentou um elemento estranho à minha rotina matinal, aumentando a sensação de que algo estava fora do lugar. Apesar disso, continuei em frente, tentando afastar os pensamentos sombrios e focar no dia que se desenrolava diante de mim.

Cheguei na escola na hora certa e desviei dos outros alunos o mais discretamente possível, avistando Manu do outro lado com seu grupinho. Não queria retomar a discussão que ela iniciou ontem no meu quarto. Tinha o hábito de sempre andar na corda bamba, ficando no limite das coisas com as outras pessoas. Raimoy notou minha presença, balançou a cabeça e fez sinal para que Manu olhasse para os amigos dele. Fiquei grato por isso.

Bem, eu prometi que iria vê-los para fazer um esforço, mas foi uma promessa da boca para fora. Estava tentando ignorar um fantasma que percebeu que eu podia vê-lo, e ainda tinha que lidar com isso durante o meu horário de aula, além de manter as notas altas. O equilíbrio delicado entre a vida escolar e o sobrenatural parecia mais desafiador do que nunca.

Eu estava escrevendo o rascunho de um trabalho da aula de inglês durante a aula de espanhol quando fui chamado à diretoria. Pessoas como eu deveriam ser invisíveis para qualquer outra pessoa. Não éramos convidadas para reuniões com o diretor. Costumávamos causar tanto problema quanto podíamos, o que, no meu caso, era nenhum, afinal, eu passava despercebido e fazia as mesmas coisas que os fantasmas. Só causava confusão quando era necessário.

Lembro-me da vez em que um espírito raivoso quis atacar um dos meus professores. Criei a melhor estratégia, que foi acionar o alarme de incêndio e conversar com o espírito. Ele simplesmente me olhou antes de desaparecer da minha frente, causando uma confusão por ter soado o alarme. Afinal, aqui, eu era ignorado e só tomava medidas quando realmente era preciso.

— Theodoro — o diretor me cumprimentou de uma forma que não poderia ser chamada de calorosa. — Sente-se. — Me sentei à sua frente com um sorriso e o mesmo entrelaçou as mãos sobre a escrivaninha entre nós. — Eu imagino que você saiba por que está aqui.

A menos que fosse por causa de uma briga que arrumei com um dos garotos populares, ou no caso, minha discussão com o professor de história sobre um trabalho que ele afirmou estar historicamente errado, segundo ele. Contudo, o trabalho tratava da cidade há cem anos, e um dos fantasmas me ajudou a corrigir as informações. Isso deixou o professor em descrença, e por uma semana, um fantasma assombrou meu professor, o que proporcionou uma espécie de alívio para minha alma.

Além disso, eu não tinha ideia do que havia feito para chamar a atenção da diretoria. Em um lugar onde eu era praticamente invisível, ser chamado à diretoria era algo fora do comum e me deixava inquieta quanto ao que poderia ter despertado tal interesse.

— Desculpe — respondi, tentando soar submisso o suficiente — mas não sei.

O diretor Altman deixou minha resposta pairar no ar por um momento e, em seguida, apresentou-me a um calhamaço de papéis grampeados.

— Theo, temos um problema sério aqui — disse o diretor Altman, com uma expressão grave enquanto folheava os papéis. — Parece que houve uma série de incidentes nos últimos meses, todos relacionados a você, e não sei o que fazer sobre isso.

Arregalei os olhos, surpreso, tentando processar a informação.

— Incidentes? — perguntei, meu tom soando mais defensivo do que eu pretendia.

O diretor continuou, apontando para os relatórios.

— Briga com colegas, discussões com professores, eventos estranhos no colégio que o senhor causou... A lista é extensa, Theo. O que está acontecendo? Um dos seus professores ainda disse que depois que brigou com você, coisas estranhas aconteceram com ele.

Engoli em seco, percebendo que minhas ações não passaram despercebidas como eu desejava. Ter fantasmas como aliados nem sempre resultava em eventos tranquilos, e se alguém me atacasse, eles poderiam se vingar com força.

— Eu... eu não posso falar algo que iria soar certo ao senhor — Falei e senti um calafrio subir pela espinha.

O diretor me encarou com um olhar inquisitivo, como se estivesse tentando decifrar a verdade por trás das minhas palavras. Enquanto isso, o calafrio se tornou ainda mais forte.

— Theo, eu sempre soube que você era uma presença única aqui na escola, mas esses incidentes estão ultrapassando os limites do que podemos ignorar ou até mesmo seriam considerados criminais — disse o diretor Altman, recostando-se na cadeira. — Não estamos apenas lidando com brigas comuns ou mal-entendidos. Há coisas acontecendo que não podemos explicar, e um professor está querendo dizer para a polícia que você tentou matá-lo.

Engoli em seco novamente, sentindo-me desconfortável sob o olhar atento do diretor.

— Eu não quero causar problemas. Acredite, eu só estou tentando lidar com... circunstâncias especiais e além do mais, todas as vezes só tive o azar de estar presente no lugar — expliquei vagamente, sem entrar em detalhes ou simplesmente dizer que sou um grande azarado.

O diretor suspirou e pareceu ponderar minhas palavras por um momento, enquanto o calafrio aumentava com força, quase doloroso.

— Theo, você precisa entender que a escola é um ambiente que deve ser seguro para todos. Se há algo além do nosso entendimento acontecendo, precisamos saber o que é essa coisa. Quero que você me conte tudo o que está acontecendo, sem omitir detalhes. Sou seu amigo nesse momento — o diretor disse, mas algo em sua voz fez com que o calafrio ficasse forte demais.

— Senhor, eu... — Comecei, mas ele me cortou e seus olhos estavam perigosamente calmos, como se tivesse chegado ao seu limite.

— Senhor Vinro, eu posso ajudar se você me der o livro da sua avó — A voz do diretor parecia vidro quebrando, causando uma dor aguda nos meus ouvidos.

Arqueei as sobrancelhas, surpreso e confuso, e o calafrio veio com tudo, tão intenso que cheguei a gemer.

— Como o senhor sabe sobre o livro? — perguntei, minha mente girando com especulações e ainda mais pela dor nas costas.

O diretor Altman apenas inclinou a cabeça, com um olhar severo nos olhos.

— Temos nossos meios de saber das coisas, Theo. Agora, me entregue o livro, e posso ajudar com o que você precisa em relação aos vivos — Ele disse, e seus olhos piscaram em um tom violeta. Seu sorriso se intensificou como agulhas.

O calafrio dominou todo meu corpo enquanto a mudança em seus olhos e a intensificação de seu sorriso lançaram uma sombra sobre sua aparência anteriormente séria.

— Como você... — comecei, mas ele me interrompeu.

— Não importa como. A questão é que sei mais do que você pensa, Theo Vinro. E a colaboração pode ser benéfica para ambas as partes. Bem, pelo menos para mim — disse, com um tom sinistro que ecoava pela sala.

Encarei-o, hesitante, ponderando sobre as implicações de ceder o livro em troca de sua ajuda. O diretor Altman mantinha seu olhar firme, como se lesse meus pensamentos antes mesmo de eu expressá-los. A escolha estava diante de mim, e suas palavras ecoavam na sala, pesando como uma promessa sinistra. Isso estava errado demais, e dei um passo para trás na cadeira.

— E então? — exigiu.

— Senhor, eu não...

— O seu tempo se esgotou — sibilou o diretor monstruoso.

Então, seus olhos roxos começaram a brilhar perigosamente, como se emanasse uma energia maligna. Os dedos se esticaram, transformando-se em garras afiadas, enquanto sua roupa se fundia em uma enorme sombra feita de trevas. Não era mais humano; diante de mim estava um ser espectral, um espírito distorcido e corrupto que se erguia da cadeira.

Com um rugido terrível, a criatura lançou a mesa para o lado com uma força sobrenatural. Sua forma era distorcida e enrugada, asas estendendo-se de suas costas como as de um morcego, e garras afiadas projetando-se de suas mãos. Uma boca repleta de presas amareladas se abriu, expondo um interior sombrio.

Empurrei a cadeira para trás com tudo, e a criatura saltou para onde eu estava segundos antes. A porta foi aberta com violência, e um monte de papéis saiu voando pelo corredor. Nesse momento, notei Simon surgindo na porta, puxando a cadeira para fora da sala e trancando-a atrás dele rapidamente.

O estrondo da criatura batendo contra a porta reverberou no corredor, fazendo-a tremer como se estivesse prestes a ceder. Olhei para Simon, atônito, enquanto o espírito do qual ele me protegia continuava a investir contra a barreira trêmula.

— Theo, precisamos sair daqui agora! Sai desse estado! — gritou Simon, com urgência em seus olhos.

Sem hesitar, segui Simon pelo corredor, escapando da ameaça que assolava a sala. O barulho de asas e garras ressoava atrás de nós, alimentando o pavor que se instalara em meu peito. A cada passo, a criatura persistia em sua busca implacável, e a única certeza era que estávamos longe de estar a salvo.

Quando viramos um corredor, esbarrei em Manu e Raimoy.

— O que está acontecendo? — Manu perguntou, seu rosto revelando preocupação.

— Apenas corram — falei, pegando a mão de ambos, quando ouvimos um estrondo contra os armários da sala do diretor e o chão sendo quebrado atrás de nós.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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