Capítulo Onze
Theodoro Vinro:
Senti uma pontada de dor latejando em minha cabeça, como se cada lembrança tivesse deixado uma marca profunda. Uma sensação de peso e exaustão se instalou em meu corpo enquanto eu tentava processar tudo o que havia revivido.
— Isso está doendo meu cérebro — murmurei, esfregando as têmporas com os dedos.
Dália assentiu compreensivamente, oferecendo-me um olhar solidário. Ela entendia a intensidade da experiência que acabáramos de compartilhar.
Respirei fundo, tentando afastar a dor e o cansaço. Mesmo que as lembranças fossem dolorosas, agora elas faziam parte de mim, e com elas, uma nova compreensão de quem eu era e do caminho que percorri.
Com um último suspiro, coloquei o espelho de volta em seu lugar, decidido a deixar o passado onde pertencia, enquanto seguia em frente com um novo sentido de clareza e determinação.
— Você vai se acostumar com o tempo, mas tente dormir agora — disse ela suavemente. — Melhor tentar dormir. Amanhã teremos uma longa caminhada — disse ela.
Assenti e me deitei, olhando para o espelho. Dália o pegou e saiu do quarto. Fechei os olhos e, finalmente, adormeci.
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Tive um sonho vívido sobre a minha antiga casa, da época em que morava com minha avó. O ambiente estava escuro e vazio, com a sala de estar envolta em sombras e uma energia assustadora pairando no ar. Um breve olhar para o relógio na parede indicava que eram 3:19 da madrugada.
Flutuei através da sala de estar, passei pela cozinha e subi as escadas. A porta do meu antigo quarto estava fechada; ao me virar, percebi que a porta do quarto da minha avó estava entreaberta. Caminhei pelo corredor e olhei através da fresta. Havia alguém parado ao lado da cama, uma figura alta e magra vestida em tons de cinza e preto. Era um homem, talvez um pouco mais velho que eu, embora fosse impossível determinar sua idade exata. Seu corpo emanava juventude, mas havia uma serenidade nele que indicava uma maturidade perigosa.
Cabelos espessos caíam até os ombros, sem cobrir as orelhas, e observei um medalhão em seu pescoço. Ele não era humano; era um deles, um espírito. Um arrepio percorreu meu corpo, e comecei a recuar.
Então, ele se virou, fixando seus olhos diretamente nos meus. Eu teria arfado se fosse capaz de respirar naquele momento. Seu olhar era gélido, dirigido a mim ou a algo atrás de mim, o que me deixou inquieto. Desviei o olhar para o medalhão e notei uma pequena foto nele.
Decidi me aproximar, mas fui surpreendido quando a figura, que examinava o ambiente, ergueu seus dedos longos e realizou um movimento suave. De repente, uma porta materializou-se diante dele. Com um gesto, ele abriu a porta e adentrou. A porta se fechou suavemente atrás dele, emitindo um discreto estalo, e ele desapareceu.
As imagens mudaram, e as sombras assumiram o controle dos meus sonhos. No entanto, desta vez, as sombras pareciam mais densas e maleáveis, revelando uma intenção de me mostrar algo. Subitamente, me vi diante de uma porta perfeitamente decorada. Enquanto eu tentava abri-la, ouvi murmúrios seguidos de um xingamento, como se alguém estivesse protestando e batendo contra a madeira. Tentei abrir a porta, mas sem sucesso; então, algo agarrou meu pulso com firmeza.
— Dê-me a coroa! — bradou a voz de um homem, cujo tom ecoava pela escuridão. Senti meu pulso sendo submetido a um aperto ainda mais doloroso. — Ela pertence a mim!
A insistência na sua demanda reverberava no ambiente onírico, criando uma tensão palpável enquanto eu tentava compreender a natureza da coroa e a razão por trás dessa disputa obscura.
Enquanto a voz continuava a ecoar, a pressão no meu pulso aumentava, como se a própria escuridão conspirasse contra mim. A porta à minha frente parecia conter respostas, mas permanecia impenetrável, desafiando minha tentativa de abri-la.
O homem insistia, suas palavras se tornando mais urgentes e impregnadas de uma determinação feroz. A coroa, objeto misterioso e desejado, parecia ser o epicentro de uma batalha invisível. No entanto, a escuridão ao redor começou a moldar imagens indecifráveis, como sombras dançantes que revelavam fragmentos de uma narrativa mais ampla.
De repente, a atmosfera mudou. Um sussurro suave permeou o ambiente, desafiando a cacofonia do homem.
— A coroa não pertence a nenhum de vocês — murmurou uma presença etérea, desenhando um arrepio pela minha espinha. A força que segurava meu pulso pareceu relaxar por um instante, permitindo-me respirar aliviado.
Percebi que a fonte da voz vinha do outro lado da porta trancada. A voz masculina expressava frustração, e, de repente, uma onda poderosa de energia emanou da porta em minha direção. Era como se uma força invisível tentasse romper as barreiras entre nós, desafiando a própria natureza dos sonhos.
O impacto da onda de poder me atingiu como uma explosão de cores e sensações, turvando temporariamente minha visão. Tentei resistir à força que se desencadeava, mas estava completamente à mercê desse fenômeno surreal. A voz irritada persistia, ecoando através da intensidade do momento, como se a própria escuridão estivesse clamando por algo inatingível.
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Despertei abruptamente, dando um salto na cama. Por um momento, meu olhar percorreu freneticamente o quarto, sem reconhecer imediatamente o ambiente ao meu redor. Meu coração pulsava acelerado, e uma película de suor frio cobria minha testa, tornando-a úmida e escorregadia. Uma sensação fria percorria minhas costas enquanto eu tentava me orientar.
A respiração ofegante e o som do meu próprio coração batendo nos ouvidos criavam uma cacofonia interna que dificultava ainda mais o processo de raciocínio. As imagens do sonho ainda estavam vívidas na minha mente, como se tivessem sido impressas na realidade.
O quarto lentamente começou a fazer sentido, cada detalhe familiar retornando aos poucos à minha consciência. A mesinha de cabeceira com o abajur, a cortina balançando levemente com a brisa da noite, e a porta fechada — tudo finalmente se encaixava. Mas a sensação de inquietação persistia, como se algo do sonho ainda estivesse ali, escondido nas sombras do meu quarto.
Fechei os olhos por um instante, tentando desacelerar minha respiração e encontrar um resquício de calma. Mas a lembrança daquela voz exigindo a coroa, a presença etérea, e a força invisível que quase me esmagou, tudo parecia tão real, tão palpável. O medo continuava a me envolver, um lembrete constante do que eu havia enfrentado em meu subconsciente.
Um ronco robusto ecoava pela sala, e ao me virar, deparei-me com Simon esparramado no sofá à minha frente.
Ele estava debruçado sobre o móvel, um braço jogado descuidadamente sobre os olhos, e seu torso estava envolto em um cobertor. Uma observação curiosa capturou minha atenção: ele parecia, de alguma forma, atravessar o sofá em segundos. Recordando suas palavras sobre sua capacidade limitada de dormir, percebi que talvez a influência deste lugar o afetasse de maneira única, proporcionando-lhe a experiência de um corpo semifísico.
Tentei retomar o sono, mas a agitação persistia, fazendo com que eu apenas estremecesse na cama. Finalmente, decidi abandonar a tentativa e levantei-me. Peguei minha mochila e, impulsionado por uma força desconhecida, dirigi-me à sala. Ao me aproximar, um brilho misterioso surgiu acima da minha cabeça.
Com curiosidade, percebi que estava segurando o livro da minha avó. Sentei-me no sofá, folheando suas páginas amareladas pelo tempo. Desde que usei o livro com o Madara e devolvi seu nome, notei que alguns outros nomes começaram a ressurgir.
— Deveria dormir um pouco — ouvi uma voz dizer atrás de mim. Olhei para cima, surpreendido, e encontrei Madara observando-me com calma.
— Onde você estava? — perguntei.
— Estava preocupado comigo? — ele disse com um sorriso.
A presença daquele sorriso em seu rosto trouxe consigo uma sensação de familiaridade reconfortante. Era como se Madara estivesse enraizado em algum canto secreto do meu passado, uma figura que transcendia a barreira imposta pelos eventos que minha avó tinha apagado da minha memória, cobrindo minha infância e parte da adolescência.
— Eu ouvi sua conversa com a Dália. Você me conheceu na infância, e ela me mostrou um espelho onde eu vi você conversando com minha avó e comigo, pequeno ao lado — falei, buscando esclarecimentos sobre a conexão que compartilhávamos e as razões por trás do véu que obscurecia minha lembrança. O olhar sereno nos olhos de Madara permanecia, aguardando minha compreensão se desdobrar como um livro ainda por ser lido.
Madara assentiu levemente, como se esperasse esse momento de revelação. Seu olhar penetrante indicava que estava ciente da complexidade dos fios temporais que nos entrelaçavam.
— Sim, nos conhecemos na sua infância. Éramos amigos, explorando juntos os mistérios daqueles dias. No entanto, sua avó, com a intenção de protegê-lo, alterou as linhas do tempo, fazendo com que essas lembranças se desvanecessem. Eu ajudei para ficar ao seu lado, mesmo que não pudesse interagir — explicou Madara, com uma mistura de serenidade e melancolia. — Você sabia muita coisa e, todas as vezes que eu ia embora, tentava me seguir, mesmo dizendo que não faria.
A confirmação despertou uma série de emoções e questionamentos em mim. A sensação de vazio causada pela ausência dessas memórias começava a ser preenchida, mas o entendimento completo ainda estava longe.
— Por quê? Por que preferiu ser desse jeito, ficando ao meu lado e sendo invisível para mim? — indaguei, minha voz carregada de curiosidade e uma pitada de angústia.
Madara suspirou suavemente, como se revisitasse um passado doloroso.
— Sua avó acreditava que ocultar certos eventos de sua vida era a única maneira de protegê-lo. O que você está destinado a enfrentar, e já começou a enfrentar quando me conheceu, é muito perigoso. Além disso, ela sabia que eu estava me escondendo do meu pai e da minha família. Ela queria preservar sua inocência e prepará-lo para o que está por vir. Eu queria proteger você desse mundo, mesmo que tivesse que ser alguém que você nunca veria.
Madara se aproximou, seu olhar ainda carregava uma certa dor. Ele tocou suavemente meu ombro, transmitindo uma empatia silenciosa diante do peso das revelações.
— Por que fazer tudo isso, Madara? Eu quero minhas lembranças de volta — falei, sentindo uma mistura de frustração e anseio pelo que fora oculto por tanto tempo. — Quero me lembrar de você e do que vivemos.
Ele me olhou com calma, mas seus olhos brilhavam com uma certa indecisão.
— Vamos até onde é seguro, e talvez possam te ajudar. Sua avó era muito habilidosa com os encantamentos — sugeriu Madara, apontando para um caminho que prometia respostas e, possivelmente, a recuperação das memórias perdidas.
Olhei para ele, que sorriu, e pegou minha mão, apertando-a com firmeza. O livro irradiava um brilho sobre nós, revelando mais alguns nomes que emergiam como estrelas cadentes nas páginas. Madara dirigiu-me um olhar sereno antes de voltar sua atenção para as delicadas folhas do livro, que pareciam capturar segredos entrelaçados na própria essência do tempo.
Queria compartilhar meus sonhos e as emoções que transbordavam em meu peito, buscando em Madara uma compreensão que transcendesse os véus do desconhecido.
— Por que você foi exilado do mundo espiritual? — perguntei, buscando entender a origem das sombras que envolviam seu passado.
Madara pausou por um momento, seus olhos transmitindo um lampejo de memórias dolorosas.
— Eu cometi um erro anos atrás e fui exilado dessas terras, mas não é algo com que deva se preocupar. Apenas confie em mim — ele disse, dissipando a inquietação que poderia ter se instalado em minha mente.
O brilho do livro intensificou-se por um instante, como se corroborasse a confiança proposta por Madara. Eu abracei a incerteza, impelido pela confiança depositada na mão que segurava a minha e pela esperança de descobertas que mudariam o curso da minha existência.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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