Capítulo Oito

Theodoro  Vinro:

O caminho à frente se desdobrava em uma trilha de incertezas, com Madara liderando o caminho e olhando para trás para garantir que não fôssemos seguidos. De repente, percebi as luzes de carros da polícia, bombeiros e vans de jornais passando pela rua na direção oposta à nossa. O ar estava carregado com a energia da noite, e eu podia sentir a presença dos espíritos com força.

Curioso, estendi a mão para tocar uma das auras espirituais e fui subitamente tomado por uma sensação estranha. Simon tentou me puxar de volta, e quando ele atravessou meu ombro, voltei a mim. Era como se eu estivesse sendo libertado de alguma corrente e me sentisse incrivelmente leve. O livro brilhava em meus braços, então decidi guardá-lo com cuidado na mochila, certificando-me de fechá-la bem.

— Por que você está seguindo esse cara? — Simon sussurrou, preocupado. Isso fez Madara virar-se para ele, seus olhos brilhando perigosamente. — Ele pode estar te enganando.

— Eu posso ouvir você perfeitamente, meio-fantasma — Madara retrucou, e Simon o encarou com raiva antes de responder. Isso me deixou curioso, por que ele o chamou de meio-fantasma?

— Eu apenas sinto que ele é confiável, e sei que não vai me machucar. É como uma sensação de nostalgia — expliquei, tentando acalmá-lo. — Temos que continuar, não quero encontrar outros espíritos, ou pior, acabar no noticiário da cidade e ser preso. — Ambos se olharam com raiva. — Eu entendo sua preocupação, Simon, mas acho que precisamos confiar nele por enquanto — acrescentei, tentando dissipar a tensão no ar.

Simon olhou para mim com dúvida, mas acabou assentindo, parecendo concordar com a minha avaliação da situação.

— Tudo bem, Theo. Mas vamos ficar de olho nele — respondeu, ainda mantendo um tom cauteloso.

Assenti em concordância e continuamos seguindo Madara.

— Devo dizer que sabe usar as palavras ao seu favor. Até parece... — Madara disse, balançando a cabeça com um ar misterioso, o que me deixou ainda mais atento. Seus olhos verdes brilhavam com uma intensidade enigmática. — Esqueça, vamos. O tempo não vai ficar do nosso lado. Está quase na hora do restante deles voltarem para o reino dos vivos.

A maneira como Madara falou aquelas palavras, carregadas de significado oculto, fez meu coração disparar. Ainda mais quando ele ficou sem reação no restante do caminho.

Madara nos conduziu por vielas escuras e ruas desertas, afastando-nos do olhar curioso das pessoas. Devo dizer que ele era surpreendentemente ágil, seus passos silenciosos ecoando como os de um felino na noite.

À medida que avançávamos, o cenário ao nosso redor começou a se transformar. O ar estava impregnado com uma energia espiritual, e eu sabia que estávamos nos aproximando do território dos espíritos. A sensação de estar em um lugar entre dois mundos era palpável, e minha inquietação crescia a cada passo que dávamos.

— Madara, o que aconteceu na escola? Por que o diretor se transformou daquela forma? — perguntei, a ansiedade me consumindo. — Sei que espíritos podem possuir as pessoas, mas ele foi transformado por completo.

Madara lançou-me um olhar penetrante, seus olhos verdes felinos pareciam ler minha alma.

— Aquele espírito foi consumido pela própria ira e, sem o nome que deveria ter, fez um péssimo acordo, quebrou sua relação com o contratante anterior. É como se fosse uma casca vazia para as trevas. O livro que você possui, Theo, é onde estava originalmente o nome daquele espírito, assim como de vários outros. — Madara disse com calma, apontando para minha mochila. — Meu nome estava no livro dentro dela, pois fiz um contrato com sua avó, assim como aquele espírito, mas, diferente dele, mantive minha palavra.

— Minha avó... — Falei, as palavras saindo em um sussurro incrédulo.

— Sua avó via espíritos e os enfrentava. Você não se lembra porque ela fez um feitiço para proteger e apagar suas memórias. Imagino que quando tenta se lembrar, dê uma dor de cabeça. Fiquei nas sombras todos esses anos te observando para cumprir minha promessa de sempre te proteger — Madara explicou. — Mas as coisas mudaram quando você viu o seu amiguinho fantasma, e os outros vieram. Então o feitiço que ela fez em você começou a se desfazer como vento, e a energia espiritual encontrou você.

— Sabia que eu era uma coisa incrível na vida do Theo e ainda quebrei um feitiço — Simon disse, com um toque de sarcasmo.

Madara lançou um olhar sério para Simon, como se aquelas palavras carregassem um peso maior do que podíamos compreender naquele momento.

— As coisas mudaram, Theo, ela quis que tivesse uma vida normal antes de... não sei ao certo o que ela queria com isso, sinto muito — Madara disse. — Mas o livro que você tem em mãos é mais do que um simples registro de nomes. Ainda mais agora que estou sentindo a energia espiritual vindo de você, mas diferente dos outros que veem espíritos ou fantasmas, é algo que eu nunca vi.

Senti um arrepio percorrer minha espinha enquanto absorvia a gravidade das palavras de Madara. Tudo ao meu redor parecia confuso; estava surpreso pelo que minha avó fazia e, ao mesmo tempo, querendo brigar com ela e dizer para ter minhas memórias de volta. Havia uma parte de mim agradecendo por ela ter feito isso.

— Então, o que isso significa para mim? — perguntei, lutando para processar a revelação.

Madara respirou fundo antes de responder.

— Não posso dar essa resposta, infelizmente. Está disposto a descobrir a verdade, mesmo que isso signifique abrir mão da vida que conhecia até agora? Podendo até nunca mais ver seus amigos?

Não respondi, apenas o segui em silêncio, enquanto ele continuava a explicar. Caminhávamos por vielas escuras e corredores sombrios que pareciam existir em uma dimensão à parte. Madara compartilhava detalhes sobre o mundo sobrenatural, contratos feitos e quebrados, e a delicada dança entre seres como ele e forças que habitavam além do entendimento humano. Cada passo que dávamos aprofundava minha compreensão sobre a intricada teia do sobrenatural que permeava a realidade que eu achava conhecer.

— Os nomes são o cerne dos contratos — Madara explicou. — É por isso que aquele espírito estava tão desesperado para ter um ou recuperar o dele, assim como o que te atacou ontem. Sem o nome, ele é uma entidade à deriva, sujeita às sombras que o consomem.

— E o que você quer comigo? — perguntei, sentindo um peso crescente em meus ombros.

Madara parou e me encarou, seus olhos de gato brilhando com uma seriedade profunda.

— Theo, você é um mediador, um ponto de equilíbrio entre a energia espiritual, podendo senti-la e tocá-la ao mesmo tempo, o que pode atrair os espíritos, mas com esse livro em suas mãos, você se tornou um alvo mais desejado do que tudo. — Madara disse calmamente.

Simon levantou a mão.

— Se o livro é do Theo, onde ele esteve nos últimos anos, desde que a avó dele morreu? — Simon perguntou. — Ele chegou às mãos dele nos últimos dias.

— Ele estava com uma amiga da avó do Theo, que o manteve escondido por todos esses anos, até que ele simplesmente se recusou a ficar na casa dela, querendo vir para cá com tudo, e ela o enviou para cá — Madara disse calmamente. — Esse livro tem vontade própria e sabia que esse era o momento de vir para os seus braços.

Enquanto as palavras de Madara pairavam no ar, chegamos a um prédio e notei uma porta velha, adornada com símbolos dos espíritos que, ao menos eu entendia.

Agachando-se, Madara inspirou e soprou contra a porta, murmurando algo. Instantaneamente, uma nuvem de poeira subiu, envolvendo-o e brilhando como uma aura laranja, e a energia espiritual ao nosso redor foi sugada com tudo.

Quando Madara se endireitou, vi uma maçaneta dourada, e o contorno da porta mudou por segundos, luz pálida brilhando através da fenda inferior.

— Vamos lá. — Madara disse, virando-se e acenando para que eu fosse na frente. Seus olhos brilhavam na escuridão. — Esse é o nosso caminho. Nosso único bilhete para o mundo espiritual.

Parei, olhando para a porta.

— Como saber se não há algo ali atrás nos esperando para nos pegar? — Simon disse.

— Não existe. Eu sei disso perfeitamente. — Falei, em uníssono com Madara, que sorriu para mim. — Eu sei disso perfeitamente. — Continuei, enquanto Simon deu de ombros.

— Estou ao seu lado. — Madara disse, olhando nos meus olhos, trazendo um sentimento de nostalgia por alguma razão.

Respirei fundo, tomando coragem, e coloquei a mão na maçaneta dourada. O metal estava frio, mas pulsava com uma energia desconhecida. Girei a maçaneta, abrindo a porta para o desconhecido, para um mundo espiritual.

********************

Na escuridão empoeirada do outro lado, pressionei uma mão contra a parede e aguardei, meu coração batendo com força contra o peito. A escuridão era opressiva, exceto pelo tênue retângulo de luz delineado contra a parede distante. Mesmo sem vê-lo, sentia a presença de Madara perto de mim, sua respiração silenciosa ecoando em meus ouvidos.

— Pronto? — Ele sussurrou, sua respiração quente roçando em minha pele. Antes que pudesse responder, ele empurrou a porta para trás com um estalo, revelando uma pálida luz prateada que inundava o túnel. A clareira além da porta estava envolta por enormes árvores, tão densas e entrelaçadas que o céu era invisível através dos ramos. Uma névoa ondulante serpenteava pelo chão, e o bosque estava imerso em um silêncio sepulcral, como se estivesse preso em um crepúsculo eterno. Aqui e ali, destaquei salpicos de cores vibrantes entre os tons acinzentados. Um canteiro de flores, suas pétalas em um azul-elétrico deslumbrante, balançava suavemente na névoa. Uma videira serpenteava em torno do tronco de um carvalho sem folhas, seus espinhos vermelhos faziam um contraste sombrio com a árvore que estava se asfixiando.

Uma brisa quente varreu em minha direção, carregando consigo uma miscelânea desconcertante de aromas, fragrâncias que não pertenciam ao mesmo lugar. Folhas pisoteadas e canela, fumaça e maçãs, terra úmida e lavanda, além de um odor fraco e perturbador de decomposição e decadência, misturado a um cheiro estranho e indescritível que revirava meu estômago. Era como se todos os cheiros do mundo estivessem concentrados naquele bosque misterioso.

Nuvens de insetos giravam acima de nossas cabeças, e se eu me concentrasse, quase poderia imaginar ouvir cantos distantes. A floresta permanecia em silêncio a princípio, mas logo percebi movimentos nas sombras e ouvi o sussurro das folhas ao nosso redor. Olhos invisíveis pareciam nos vigiar de todos os ângulos, perfurando nossa pele com sua atenção intensa.

Madara atravessou a porta, seus olhos percorrendo o ambiente com uma mistura de nostalgia e encantamento, até que um sorriso amplo iluminou seu rosto.

— Lar. — Ele murmurou, estendendo os braços como se estivesse prestes a abraçar tudo ao seu redor. — Finalmente estou de volta. — Então, girou, uma risada contagiante escapando de seus lábios enquanto se deixava cair para trás na névoa, como se estivesse fazendo um anjo na neve. E então, como se fosse parte da própria névoa, ele se dissolveu, desaparecendo diante dos nossos olhos.

Eu engoli em seco e dei um cauteloso passo para frente. A névoa rodou em volta do meu calcanhar como se fosse uma coisa viva, acariciando minha pele com dedos úmidos. Olhei para o lado e notei que Simon também havia desaparecido.

— Simon? Madara?

— Boo. — Simon apareceu atrás de mim, emergindo da névoa. Levei um susto e dei um soco nele. Para minha surpresa, meu punho acertou em cheio e isso o deixou chocado. Em seguida, Madara estava ao lado, observando o soco como se isso o tivesse deixado orgulhoso.

Simon esfregou o lugar onde eu o acertei, ainda parecendo surpreso com a eficácia do meu soco.

— O que foi isso, cara? Bem, isso foi inesperado. Você realmente me pegou de surpresa aí.

— Eu não sabia se você era você ou algum espírito maluco, mas meu punho parece ter acertado em cheio — retruquei, ainda surpreso que meu soco tivesse sido tão eficaz.

— Bem, você acertou com força — Simon esfregou o queixo.

Madara riu suavemente e se aproximou.

— Ele é um meio-fantasma, o que significa que era filho de um espírito com um mortal. Seu corpo humano deve ter morrido, mas sua alma permaneceu. — Madara explicou e pegou minha mão com delicadeza, passando a dele por cima para aliviar a dor. — Isso o prendia no mundo dos vivos; ele não pode ser ceifado nem seguir adiante para o pós-vida dos mortais até que sua vida como espírito também chegue ao fim. Geralmente antes disso eles já ativaram seus poderes espirituais e conseguiram coexistir sendo mestiços, mas tem uns que não conseguem e ficam nesse estado.

Simon assentiu, parecendo aceitar a explicação de Madara, embora ainda estivesse processando a nova compreensão de sua própria existência.

— Então, estou preso como um fantasma meio vivo e meio morto? Isso é estranho. — Simon murmurou, sua expressão misturando perplexidade e resignação.

Madara assentiu.

— Como você sabia disso? — Perguntei, surpreso com a sensação de sua mão sobre a minha.

Madara assentiu, expressando calma resignação.

— Tenho anos lidando com espíritos assim. — Ele soltou minha mão, e seguimos caminhando entre as árvores.

— Acho que deveria moderar suas investidas, Theo? — disse Simon sussurrando ao meu ouvido, rindo, enquanto se lançava para fora do meu alcance antes que eu pudesse pegá-lo. — Hora de mudar para o café descafeinado, meu amigo. Mas consigo ver que isso está te deixando interessado.

Notei que ele tinha mudado. Seus jeans e camisa velha estavam mais visíveis, assim como os tênis. Então, toquei nele e o belisquei com força, ouvindo-o xingar.

— Qual é o problema e por que fez isso, Theo? — perguntou Simon, bocejando e esticando suas longas pernas.

— Só quis te dar um beliscão, meu maior desejo desde que nos conhecemos era fazer isso ou te dar um tapa  — falei com um sorriso.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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