Capítulo Doze
Theodoro Vinro:
Naquela noite, o sono foi um adversário impossível de vencer. Cada vez que meus olhos finalmente se fechavam, eu era brutalmente arrastado de volta àquele palácio sombrio e opressor. Era como se meu próprio espírito estivesse acorrentado a um lugar onde duas vozes eternamente em confronto dilaceravam o silêncio, preenchendo o ambiente com uma tensão sufocante. A atmosfera era pesada, impregnada de uma malevolência que tornava o ar quase irrespirável, denso como uma névoa de pesadelo.
Uma das vozes, grave e autoritária, reverberava com uma força antiga, como se estivesse enraizada na própria essência daquele lugar. Cada palavra que ela proferia parecia capaz de partir pedras, carregada de uma autoridade inabalável e perigosa. A outra, porém, era uma voz aguda e angustiada, que transbordava de desespero e dor. Era um grito constante, desesperado, que parecia vir de alguém à beira do abismo, lutando contra a inevitável queda. Elas se confrontavam em um embate implacável, e de cada colisão surgia uma onda de poder tão avassaladora que atravessava minha pele, infiltrando-se em minha alma como correntes invisíveis e implacáveis. A cada pulsar desse poder, eu sentia como se estivesse sendo puxado para mais fundo em um redemoinho de medo e desespero, prestes a ser consumido por uma escuridão infinita.
O palácio em si era uma visão profundamente perturbadora. Suas paredes imponentes, cobertas por ornamentos antigos e símbolos há muito esquecidos, pulsavam com uma energia misteriosa, quase viva. Os corredores se estendiam como labirintos intermináveis, cada um ocultando segredos indizíveis nas sombras, que pareciam ganhar vida ao meu redor. Eu sentia os olhos invisíveis das paredes me observando, seguindo cada movimento meu com uma atenção insidiosa. A sensação de estar constantemente vigiado fazia o ambiente ainda mais sufocante, como se o próprio palácio estivesse vivo e me mantendo prisioneiro em seu interior. Cada passo que eu dava no sonho reverberava de maneira sombria, ampliando a tensão que permeava o lugar. Não havia descanso para minha mente; o tormento do sonho me mantinha preso em um ciclo incessante de exaustão e terror.
Na manhã seguinte, partimos em direção ao templo da minha avó. O céu acima de nós brilhava com um estranho crepúsculo cinza, quase metálico, onde o sol, pálido e distante, parecia uma sombra de si mesmo, perdido no vazio. O ar estava pesado, denso, como se o próprio mundo tivesse cessado de respirar, aprisionado em um estado de suspensão. A quietude da floresta espiritual em que nos aventurávamos era perturbadora. As árvores, altas e esguias, erguiam-se como sentinelas ancestrais, suas folhas prateadas sussurrando segredos esquecidos enquanto o vento passava por elas, suave e quase imperceptível.
Simon, sempre inquieto, corria pelo lugar como um animal selvagem, distraído em seus próprios pensamentos. Ele logo se envolveu em alguma brincadeira tola, jogando-se entre as árvores com uma alegria descompromissada, como se não sentisse a escuridão que nos rodeava. Eu o observava com uma irritação crescente, sentindo meu humor escurecer a cada olhar provocativo que ele me lançava, como se quisesse me puxar para sua tolice. Mas eu não tinha forças nem paciência para isso. O medo e a inquietação que emanavam de cada canto daquela floresta apertavam meu peito, deixando-me em alerta, cada passo adiante nos levando mais fundo em um território onde o espiritual e o real se entrelaçavam de forma perturbadora, como se estivéssemos nos aproximando de algo perigoso e desconhecido.
De repente, Mandara congelou no lugar, os músculos tensos como os de um felino prestes a atacar, e me puxou para trás de si. Simon, percebendo a mudança na atmosfera, rapidamente se juntou a nós, sua expressão refletindo a mesma cautela. Olhei ao redor, e foi então que os vi: espíritos selvagens começaram a surgir das sombras. Eram criaturas grotescas, uma mistura de formas e tamanhos diversos, suas presenças distorcendo a realidade ao redor. Apesar de sua aparência ameaçadora, havia algo nos olhos dessas criaturas que me deixou inquieto—medo. Eles não estavam ali para nos atacar, mas fugiam de algo ainda mais terrível.
— Tem algo muito errado — Mandara murmurou, mais para si mesmo do que para nós, mas o peso de suas palavras caiu sobre mim como uma pedra, amplificando a sensação de perigo iminente.
— O que está acontecendo? — perguntei, sentindo a tensão aumentar a cada segundo. Mandara balançou a cabeça, os olhos fixos em algo invisível à frente.
— Nada... Vamos continuar — ele disse, a voz firme, mas havia um tremor quase imperceptível em suas palavras.
— Não me engana, Mandara. Algo está realmente acontecendo aqui — Simon sussurrou contra meu ouvido, sua voz carregada de uma preocupação que fez o arrepio em minha espinha se intensificar.
*************
Não tínhamos andado muito quando nos deparamos com uma zona de morte no coração da floresta. O contraste era perturbador: as árvores ao redor ainda eram antigas e imponentes, suas copas se estendendo ao céu como guardiãs de um tempo esquecido. As plantas floresciam em meio a manchas de cores vibrantes que salpicavam o cinza da floresta, indicando a persistência da vida. Podíamos ver animais deslizando furtivamente entre as árvores, e estranhas criaturas se moviam nas sombras, sempre à beira de nossa visão. Eu não conseguia vê-las claramente, mas sua presença era inegável; estavam lá, nos observando, mas, estranhamente, sem malícia, como se esperassem por algo maior.
Então, de repente, as árvores começaram a diminuir, seus troncos robustos dando lugar a vegetação esparsa e solo ressecado. Nos encontramos à beira de um deserto claro, uma visão desoladora que cortou o fôlego. A pouca grama que restava estava amarelada, morrendo lentamente sob o peso do tempo. Aqui e ali, algumas árvores resistiam, mas estavam murchas, torcidas, sem folhas, e enegrecidas como se tivessem sido queimadas por dentro. À distância, os ramos se destacavam contra o céu com um brilho áspero e afiado, como pedras negras que mudavam de cor para um tom azulado sombrio. O vento quente que soprava carregava o cheiro da morte e da poeira, fazendo meus olhos lacrimejarem. Senti como se algo estivesse gritando diretamente contra meus ouvidos, um som fantasmagórico que ecoava na minha mente.
— Theo, você está bem? — Simon perguntou, colocando a mão no meu ombro. O toque dele deveria ser reconfortante, mas me afastei bruscamente. A energia espiritual que emanava de seu corpo estava tão fria e morta que quase queimava minha pele.
— A energia espiritual daqui está violentamente distorcida, até a que passa por seu corpo — falei, tentando processar o que estava acontecendo.
Mandara olhou fixamente para a floresta morta, seus olhos escuros refletindo o desespero e a confusão que todos sentíamos. Ele então olhou para mim, sua expressão dura.
— O mundo dos espíritos está se tornando letal para tudo — murmurou, seus olhos fixando-se em uma árvore seca próxima. Ele estendeu a mão para tocar um dos galhos retorcidos, mas recuou com um arrepio que percorreu seu corpo. — Isso não é normal. Algo está envenenando a floresta... e talvez até esse mundo.
Sem pensar, estendi a mão para tocar um dos ramos brilhantes, uma curiosidade sombria me impulsionando. No entanto, no instante em que minha pele tocou a superfície áspera, uma dor aguda percorreu minha palma.
— Ai! — exclamei, puxando a mão rapidamente.
Madara se aproximou e segurou minha mão, examinando um pequeno corte que havia surgido na minha palma. Quando olhei para os ramos mortos, vi algo que me gelou até os ossos: por um breve momento, eles pareceram voltar à vida, pulsando com uma energia doentia, mas quase instantaneamente voltaram ao estado de morte, ressecados e sem vida.
— Isto... — comecei, mas minha voz falhou ao perceber a gravidade da situação. O que quer que estivesse corrompendo aquele lugar, era algo além de nossa compreensão, algo que ameaçava não apenas aquela floresta, mas talvez toda a essência do mundo espiritual.
— Isso é novo — disse Mandara, sua voz carregada de uma estranha mistura de fascínio e preocupação. Seus olhos estavam fixos nos ramos que por um breve momento haviam pulsado com vida antes de sucumbirem novamente à morte. Ele parecia estar tentando compreender a magnitude do que estávamos testemunhando.
A expressão de Mandara refletia algo além da simples surpresa; havia um reconhecimento sombrio em seu olhar, como se ele tivesse encontrado algo inesperado, mas profundamente perturbador. Ele se abaixou, observando o solo árido e as árvores mortas ao nosso redor, seus dedos pairando sobre a terra sem realmente tocá-la, como se estivesse sentindo a energia fluindo sob a superfície.
— Nunca vi nada assim — ele continuou, seu tom mais grave. — É como se a própria essência da vida estivesse sendo drenada desse lugar... e ao mesmo tempo, algo está tentando reanimá-la, mas de um jeito distorcido e perigoso.
Eu podia sentir o medo crescendo em meu peito, uma sensação de que algo muito maior estava em jogo. A floresta, outrora vibrante e cheia de vida, agora estava à beira da morte, e essa tentativa de reavivamento forçado apenas intensificava a atmosfera de desespero. Era como se o mundo espiritual estivesse lutando para sobreviver, mas estivesse perdendo para uma força maligna, uma corrupção que se infiltrava nas raízes da própria existência.
— O que fazemos agora? — perguntei, tentando manter a calma, mas minha voz saiu trêmula.
Mandara se levantou lentamente, seus olhos ainda fixos na devastação ao nosso redor.
— Precisamos descobrir o que está causando isso e como podemos detê-lo — ele disse, sua voz firme, mas carregada de uma gravidade que me fez perceber a seriedade da situação. — Se essa corrupção continuar a se espalhar, não será apenas essa floresta que estará em perigo... mas todo o mundo espiritual.
Um silêncio pesado caiu sobre nós, e o vento que antes sussurrava segredos antigos agora parecia murmurar advertências sombrias. Sabíamos que o caminho à frente seria cheio de desafios, mas não havia como voltar atrás. Algo profundo e maligno estava em movimento, e a única escolha que nos restava era enfrentá-lo, não importa o que estivesse nos esperando.
— Vamos tirar o Theo desse lugar — disse Simon, a preocupação evidente em sua voz. — Precisamos chegar ao templo para que ele fique em segurança.
Eu estava prestes a responder, tentando encontrar alguma calma no meio do caos crescente, quando senti um peso estranho nas costas. Era como se algo invisível estivesse pressionando meus ombros, tentando me esmagar. Instintivamente, alcancei a mochila e a puxei para a frente, abrindo o zíper com mãos trêmulas. Meu coração disparou quando vi o brilho familiar e inquietante que emanava do interior.
O Livro dos Espíritos estava ali, em seu tom verde escuro, emitindo um brilho pulsante e sombrio que parecia absorver a pouca luz ao nosso redor. Um calafrio percorreu minha espinha, como se algo gelado tivesse se infiltrado em minha pele. Com dedos hesitantes, abri o livro, temendo o que poderia encontrar.
Quando folheei as páginas, uma delas se destacou, suas letras tremendo e se formando em um nome que parecia queimar na superfície do papel. Ao mesmo tempo, um uivo arrebatador ecoou ao nosso redor, um som primal que fez o sangue gelar em minhas veias. O som não vinha de nenhum animal que conhecíamos, era algo mais profundo, quase sobrenatural, como se a própria terra estivesse gritando em agonia.
— Não pode ser... — murmurei, sentindo o pânico crescer dentro de mim. O nome que surgia nas páginas do livro era um presságio, uma advertência de algo terrível que estava prestes a acontecer.
Simon e Mandara se aproximaram rapidamente, seus rostos refletindo a mesma apreensão que agora tomava conta de mim. Eles não precisavam perguntar o que estava acontecendo, pois o brilho do livro e o uivo ao nosso redor falavam por si. Algo havia sido desencadeado, algo antigo e poderoso, e estávamos prestes a enfrentar um mal que ia muito além do que poderíamos ter imaginado.
— Temos que nos apressar — Mandara disse, sua voz tensa. — O templo pode ser nossa única chance de proteção, mas temos que chegar lá antes que seja tarde demais.
O nome no livro continuava a brilhar, pulsando com uma energia que parecia vibrar com a própria essência do medo. Sabíamos que o caminho à frente estava repleto de perigos, mas a única escolha que tínhamos era seguir em frente, com a esperança desesperada de que ainda houvesse tempo para impedir o desastre que se aproximava.
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Até a próxima 😘
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