Capítulo Dez

Theodoro Vinro:

Parte de mim ansiava por recordar as conversas entre Dália e Madara sobre nosso passado, ou ao menos interrogá-lo, mas ele partiu e ainda não retornou. A inquietação dentro de mim crescia, uma mescla de curiosidade e preocupação. No entanto, sabia que precisava seguir o conselho de Dália e descansar. As revelações e os eventos do dia começavam a pesar sobre mim, e eu precisava estar preparado para o que viesse a seguir.

Relutantemente, decidi me deitar e tentar dormir, embora minha mente fosse um turbilhão de perguntas sem resposta. Cada vez que fechava os olhos, imagens do que havia ocorrido até então dançavam atrás das pálpebras, inquietando-me ainda mais. Finalmente, depois de muito me revirar, consegui mergulhar em um sono leve e perturbado.

Fui despertado por um som suave, como o sussurro das folhas ao vento. Abri os olhos e deparei-me com Dália ao meu lado, com uma expressão gentil, porém firme.

— Theo, preciso te mostrar algo — disse ela, estendendo a mão para me ajudar a levantar. — É importante.

Ainda sonolento, aceitei sua mão e pus-me de pé. Ela me conduziu por corredores sinuosos até alcançarmos uma pequena sala iluminada apenas por uma luz tênue e dourada. No centro da sala, repousava um espelho antigo, adornado com uma moldura intricada. Dália parou diante dele e fitou-me com seriedade.

— Este espelho é especial. Ele pode revelar fragmentos do passado, do presente e, às vezes, do futuro. Quero que veja algo.

Hesitei, sentindo um arrepio percorrer minha espinha.

— O que verei?

— Algo que talvez te ajude a compreender melhor tua avó, Ophelia, e quem sabe, a esclarecer algumas de suas decisões.

Ela tocou levemente a superfície do espelho, e uma névoa começou a se formar, clareando gradualmente até revelar uma cena. Vi uma mulher majestosa, com cabelos castanhos e pontas brancas, que reluziam como a lua, e reconheci-a imediatamente. Uma saudade invadiu meu coração.

Eu a reconheceria sempre, minha avó, mesmo em sua juventude, pelas madeixas e pelos olhos repletos de vitalidade, uma imagem distinta da última vez que a vi.

— Ela era tão bela — murmurei, com a voz embargada pela emoção.

— Sim, era — concordou Dália, com um sorriso nostálgico. — Continue a assistir — encorajou, entregando-me o espelho.

Segurei o artefato com cautela, sentindo sua superfície gélida contra meus dedos. A névoa no espelho começou a se mover novamente, desvelando mais fragmentos do passado. Vi minha avó, Ophelia, imersa em rituais complexos, suas mãos ágeis manejando ingredientes mágicos com uma destreza impressionante. Havia uma determinação em seus olhos que jamais havia notado antes.

Ophelia estava em um amplo salão, cercada por outras figuras imponentes. Parecia envolvida em uma discussão acalorada, gesticulando vigorosamente, e pelas reações dos demais, suas palavras transbordavam emoção. A cena mudou, mostrando-a mais tarde, sozinha em um jardim, com uma expressão de tristeza profunda.

— Sua avó era mais do que uma bruxa poderosa, Theo. Ela carregava um fardo pesado e fez grandes sacrifícios para proteger aqueles que amava, mesmo sabendo que seu dom poderia ser tanto específico quanto direto — explicou Dália. — Aquela foi a reunião que precedeu sua abdicação da imortalidade como discípula da deusa da lua.

As imagens começaram a se dissipar, e eu permaneci ali, absorvendo o que havia testemunhado.

— Eu quero ver mais — declarei, segurando firme o espelho e tocando sua superfície, mas nada aconteceu. — Eu quero vê-la novamente.

Dália permaneceu em silêncio, observando enquanto eu continuava a tentar, mas nada acontecia. Eu apertei as pontas dos dedos com mais força contra a superfície do espelho, desesperadamente, mas nada. As lágrimas já começavam a escorrer pelo meu rosto.

— Eu quero vê-la, quero entender por que ela selou minhas memórias. Eu sei que foi obra dela — murmurei, a voz embargada pela intensidade da emoção.

Dália estava prestes a falar quando, de repente, o espelho brilhou intensamente. Era diferente da névoa que havia se formado antes; agora, as imagens surgiram com clareza. Ali estava minha avó, com sua aparência anterior, ao lado de um rapaz que a observava com ternura. Ele olhava alternadamente para ela e para algo atrás de sua figura. Percebi que havia uma criança ali, escondida atrás dela, e imediatamente me reconheci.

Eu estava adormecido, tranquilo, enquanto minha avó colocava a mão sobre minha cabeça, que reluzia suavemente. Ela então abriu a boca e dirigiu seu olhar para o rapaz.

Deveria ter imaginado que ele estava ocultando sua amizade de mim — disse ela, suas palavras me assombrando, pois parecia que eu estava ouvindo perfeitamente, e até Dália pareceu surpresa. — Ele realmente achou que poderia me enganar.

Ela voltou seu olhar para o rapaz, que permanecia em silêncio, mas suas feições denotavam inquietação.

Eu sei perfeitamente quem você é, Kit, ou melhor, Madara. Reconheço quando uma das crianças do rei de Scrapbooks está por perto — disse ela, suas palavras calmas contrastando com o olhar gélido dirigido ao rapaz. Naquele momento, lembrei-me desse nome: "Kit" era o nome de um amigo imaginário da minha infância. — Acho melhor me dar um bom motivo para não te matar aqui mesmo ou banir-te da terra dos vivos de volta para tua casa.

A tensão deixou o rapaz desesperado, e ele começou a gesticular apressadamente, enquanto minha avó permanecia desinteressada.

Então te acusam de algo terrível e fugiu para cá e conheceu meu neto — minha avó disse, e então Madara segurou sua mão com firmeza, deixando-a surpresa com suas palavras. — Quer me dar seu nome? Eu acho isso uma... — O jovem Madara interrompeu, dizendo algo, e ela olhou por alguns segundos para minha versão mais jovem. — Fazer com que ele esqueça as coisas até sobre você a cada dia, esse é um preço que quer pagar para ficar ao lado dele? Ele nunca irá sentir sua presença, irá envelhecer sem saber quem você é. 

Ela fez uma expressão pensativa, porém seus olhos brilharam com uma decisão firme.

— Isso lhe proporcionaria uma vida normal quando eu partir — ela disse, dirigindo o olhar para o jovem Madara. — Sei que consigo sentir a aura das maldições dos espíritos que derrotei sobre este corpo, cada uma desejando minha morte, e isso vai me enfraquecendo lentamente, até que este corpo seja destruído e eu pereça.

Congelei no lugar, atônito. Ela sabia que iria morrer e não fez nada para impedir.

Não existe cura para isso, mesmo que eu quisesse, e já tenha procurado por outras bruxas, feiticeiros e qualquer outro imortal com magia. A resposta sempre será a mesmaminha avó disse. — Terei um tempo precioso com ele até esse dia chegar, mas me dói deixá-lo sozinho nesta vida. Ela olhou novamente para Madara. — Se o feitiço para apagar sua presença da mente dele der certo, será a melhor opção para protegê-lo. — Um sorriso doce aflorou em seus lábios. — Mesmo que me doa fazer isso, será algo benéfico para ele, e sei que encontrará uma maneira quando o feitiço se desfizer após minha morte. Seu futuro será o mais grandioso de todos, tenho certeza disso.

Minha mente girava, incapaz de processar completamente o que estava acontecendo. Minha avó, tão poderosa e sábia, estava enfrentando sua própria mortalidade de uma maneira que eu nunca imaginara. Ela estava disposta a sacrificar sua própria presença em minha vida para garantir minha segurança e felicidade.

— Vovó... — minha voz saiu em um sussurro, carregado de emoção e incredulidade.

Ela voltou-se para minha versão jovem, seus olhos ainda transbordando de ternura.

— Theo, meu querido, eu faria qualquer coisa por você. Você é meu maior tesouro, e sempre estarei com você, de uma forma ou de outra, assim como seus pais estão e como eu estarei. Lembre-se de que nunca está sozinho.

As lágrimas inundaram meus olhos enquanto a via abraçar minha versão jovem com força, sentindo uma mistura avassaladora de amor, gratidão e dor.

A imagem do espelho se desfez rapidamente, e senti uma mão em meu ombro. Olhei para Dália, que me entregava o espelho novamente.

— Se o feitiço estiver se desfazendo e sua magia estiver surgindo, pode ver todas as suas memórias através do espelho — Dalia disse calmamente.

—  Quero me lembrar de tudo —  Falei com a voz embargada e o coração ainda pesado com as emoções que acabara de vivenciar, peguei o espelho das mãos de Dália. Encarei-o por um momento, sentindo uma mistura de apreensão e curiosidade sobre o que mais poderia revelar. Respirei fundo e concentrei-me, tocando delicadamente a superfície do espelho.

Uma névoa começou a se formar, envolvendo o espelho gradualmente. As imagens começaram a emergir lentamente, como se fossem sonhos distantes tomando forma diante dos meus olhos.

Dália permaneceu ao meu lado, observando com interesse. Eu me vi refletido na superfície do espelho, mas então as imagens mudaram, revelando cenas de eventos passados e momentos significativos da minha vida.

À medida que eu mergulhava nestas lembranças, era como se estivesse revivendo cada momento intensamente. As risadas, as lágrimas, os desafios e as conquistas, tudo estava ali, diante de mim, como se fosse ontem.

Dália permaneceu em silêncio, respeitando minha jornada interior. Cada imagem que surgia no espelho parecia trazer consigo uma nova compreensão, uma nova camada de significado para minha história.

Por fim, quando as últimas imagens desapareceram na névoa, eu me vi encarando meu próprio reflexo. Uma sensação de paz e aceitação tomou conta de mim, como se finalmente eu tivesse encontrado as respostas que tanto buscava.

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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