Trégua

"Oi, tudo bem? Eu sei que você não me conhece, mas meu amigo me desafiou a me apresentar...."

Péssimo, conversa de balada.

"Oi, meu nome é Júlia, eu sou sua fã. Eu só queria dizer que você é muito talentoso..."

Tiete demais?

"Oi, meu nome é Júlia, não deve significar muito pra você... Na verdade nada, mas...."

ARGH.

"Oi, meu nome é Júlia e eu me odeio, tchau."

Eu sabia que ser orgulhosa, principalmente em desafios, acabaria arruinando minha vida. E claro, que o Justin Bieber também faria isso. Dei um sorrisinho forçado para sua expressão de presunção, evitando demonstrar qualquer nível do estresse que eu sentia. Ele devia estar se divertindo muito relembrando a primeira vez que nos conhecemos e minha reação patética. Se não fosse a Lara eu só ficaria encarando sua pessoa até que ele me chacoalhasse para ver se eu havia morrido e esqueceram de enterrar.

Caminhei confiante para dentro do salão embora todos os meus sentidos me alertassem para correr, minhas mãos começavam a suar, talvez eu devesse tratar minha introversão num psicólogo. De início não reparei que não havia mais ninguém se apresentando no palco, só notei o tilintar suave de talheres nos pratos em meio a música de fundo quando estava a três meses de Robert Pattinson. Paralisei e Justin quase se chocou contra minhas costas.

— Mas o quê.... — Arfou.

Uni as mãos com minha melhor expressão de pena.

— Que lástima! Ele está comendo, não seria nada elegante interrompê-lo agora. Talvez mais tarde....

Já me preparava para dar meia volta, mas ele me encarou cético e petulante.

— Ótima desculpa, Giulia, mas não vai colar.

— Você gosta de ser interrompido por fãs quando está comendo? — Perguntei retoricamente, astuta.

Ele deu um sorriso maldoso.

— Se você é tão simpática assim, ele não vai se importar.

Fechei a cara.

— Mas por que eu tenho que provar isso à você?

— Eu não sei, você quem aceitou o desafio.

Desafio, merda. Respirei fundo e marchei espumando para o meu destino, eu cumpriria aquilo na força do ódio. Só retornei ao pânico quando cheguei perto da mesa e todos seus integrantes se viraram por reflexo para me olhar. Teria que ser no improviso, percebi ao encarar os olhos azuis discretos. Ele era ainda mais perfeito de perto, com aquela barba mal aparada contra a pele pálida e os fios de cabelo castanho rebeldes. A boca rosinha era praticamente uma linha, e estava em movimento no momento enquanto ele mastigava. Engoli em seco e falei a primeira coisa que se passou em minha mente, infelizmente antes de parar no filtro da decência:

— Oi... Robert, você... não brilha na luz artificial. — Suas sobrancelhas se vincaram de incompreensão — Digo... como no sol. Você sabe. Crepúsculo.

Pela visão periférica eu vi Justin colocando a mão na boca disfarçadamente enquanto o peito estufava. Robert abriu um sorrisinho e assentiu, do tipo "péssima piada, mas eu sou gente boa". Ele engoliu antes de falar, e eu agradeci aos Céus porque se não me respondesse eu não saberia como sair daquela.

— Fã de crepúsculo? — Muito simpático.

— Sim. — Respondi com energia demais, aliviada pela interação recíproca e despertando o surto abafado — Você foi espetacular no papel de Edward, não consigo imaginar alguém melhor. — Despejei.

Agora ele sorriu com mais facilidade.

— Eu agradeço.

Então eu tive outro instante de pânico por não saber como continuar a conversa, mas tive uma ideia espontânea. Inclinei-me para o lado e apontei para Justin.

— Esse é o Justin. — Como se ninguém soubesse e ele não houvesse se apresentado esta noite — Ele disse que gostaria de te ouvir cantar.

Depois de um disfarçado olhar acusador para mim, Justin se voltou para trocar um sorriso simpático com Robert e o cumprimento comum de "Oi, tudo bem?".

— Você vai cantar aqui mais tarde? — Justin indagou, educado.

— Ah não — Robert descartou com uma mão —, é apenas um hobby.

— Entendo. Eu atuo um pouco por hobby também.

— Se você puder repensar com carinho em se apresentar, ficaríamos gratos. — Eu insisti, imaginando meus surtos ao presenciá-lo cantar ao vivo "Never Think" ou qualquer outra coisa.

— Posso pensar. — Concordou, evasivo. Ele não pensaria nada. Mas a esperança é a última que morre.

Todos assentiram naquele limbo de conversa, eu tinha tantas perguntas e tantas coisas a dizer, mas é claro que todas as palavras me fugiam da cabeça, e mesmo se eu tivesse acesso a elas duvidava de que fosse capaz de pronunciá-las através do meu muro de vergonha. Então Justin olhou de mim para ele, apontando.

— Importa-se de tirar uma foto com ela? Eu ficaria te devendo essa.

Olhei pra ele de rabo de olho feito animal selvagem desconfiado com a aproximação humana. Mas no caso, ele era o animal selvagem e eu o humano perdido em seu habitat.

— Claro. — Robert concordou, limpando a boca no guardanapo e levantando-se.

Corei violentamente por interrompê-lo no meio da refeição e fazê-lo se levantar para suprir minhas vontades. Em minha defesa, eu não havia dado nenhuma das ideias. Mas se incomodado, Robert foi bem diplomático, sem esboçar caretas ou suspiros. De qualquer forma eu tinha certeza de que quando lhe dessemos as costas ele teceria ofensas à nossa pessoa. Tudo bem, eu nunca mais o veria mesmo.

Ele se postou ao meu lado e colocou a mão de leve em meu ombro.

Não me atentei a necessidade de passar meu celular ao Justin, chocada com a irrealidade de que Robert Pattinson estava me tocando. Eu sentia que podia explodir de alegria. Então nosso fotógrafo amador usou o próprio celular para tirar a foto. Esforcei-me bastante para não chorar, sentindo-o tão perto a ponto do seu calor emanar para mim e o aroma fresco que me lembrava muito a campina de Edward (que eu nunca havia visto pessoalmente, mas quando via o filme podia imaginar o cheiro) — podia muito bem ser fruto da minha imaginação.

Cedo demais, ele me soltou, esticou um sorriso bem paciente para mim junto com a mão longa e branca.

— Prazer em conhecê-la....

— Julia. — Justin disse, pronunciando meu nome da melhor maneira que pode, quando percebeu que eu estava momentaneamente incapaz de falar.

Quase ri da coincidência de que suas mãos estavam de fato um pouco gélidas e o cumprimentei com fervor. Forcei as próximas palavras:

— O prazer foi todo meu, Robert. Desculpa por... te atrapalhar.

Ele abanou a mão para descartar qualquer aborrecimento e acenou para Justin.

— Tenham uma boa noite.

Aquilo era com certeza uma dispensa e, obedientes, nos afastamos. Eu estava praticamente saltitante de alegria até perceber que Justin deixava escapar algumas risadinhas.

— Você é, sim, muito simpática. — Zombou.

Ignorei o sarcasmo, ele não seria capaz de abalar meu humor radiante depois de conhecer um dos meus atores favoritos. Mesmo que eu não tivesse tornado a situação tão boa quanto poderia, ele fora muito gentil e ainda me concedera uma foto.

— Devo concordar, claro que o interlocutor ajuda.

— Hmmm, eu achei que eu fosse seu cantor favorito. Mas, ao que parece ele também canta, não é? — Questionou.

— Ah sim, você estaria encrencado se ele levasse isso como uma carreira. — Concordei energeticamente, tomando meu lugar à mesa. Acenei com a cabeça para nossos colegas que desviaram o foco de sua refeição por um momento com a nossa chegada. — Ele é muito simpático, e não parece a fim de me processar. — Cutuquei e olhei na direção da mesa que estivéramos apenas segundos atrás, mas Robert ainda parecia com um humor estável, comendo e conversando cheio de sorrisinhos — magníficos .

Justin se sentou ao meu lado e ergueu a mão para solicitar um dos garçons.

— Claro, mas não é sobre ele que você escreveu um livro. — Concluiu triunfante.

Revirei os olhos, indisponível para nossa discussão sem fim e mudei de assunto.

— Você pode me passar a foto que tirou? — Pedi, ainda desfrutando dos resquícios de empolgação em meu sangue e ansiosa para ver o registro que teria daquele momento.

Ao pensar naquilo direito, de imediato fiquei tensa. E se eu não gostasse? E se tivesse saído vesga? E se minha postura parecesse corcunda demais? E se...?

— Claro, passe seu número.

Precisei consultar na minha agenda para passar o número do chip que eu comprara para usar ali, e enquanto ele anotava, percebi numa onda de incredulidade que eu teria seu contato e ele o meu. Bom, provavelmente ele o trocaria no dia seguinte. Como me achava uma criatura sem caráter, pensaria que eu venderia seu número para fãs ou usaria de outra forma para me beneficiar. Fiquei aguardando alguma dessas acusações, mas quando me dei conta meu celular vibrou com a notificação. Se eu agisse naturalmente não haveria razões para dissipar nossa estranha trégua.

Preparei-me para olhar a foto e o número. Muitas novidades para um segundo.

— Com um fotógrafo como eu não tem como ter saído ruim, pode olhar. — Ele se gabou percebendo meu espírito tenso.

— Há. — Desdenhei, mas sem conseguir mais me conter, abri a notificação.

Bom....

— E aí? — Perguntou curioso, olhando sobre meu ombro como se meu celular pudesse ter reproduzido uma imagem diferente do seu.

Com um ganido baixo, abracei o celular, mantendo-o junto ao peito. Eu tenho uma foto com Robert Pattinson! Ele repuxara o lábio no sorriso torto perfeito de Edward Cullen, e eu parecia toda iluminada como se abraçasse o próprio sol. Minha mão estava apoiada um pouco desajeitada nas costas dele, embora eu não me lembrasse de ter feito aquilo. E minha produção para aquela noite ajudara muito em não me deixar tão ridícula. Se olhasse demais começaria a encontrar alguns defeitos em mim, mas, por enquanto, estava perfeita.

E eu preferia não comentar nada sobre o número que, de fato, estava ali.

— De nada. — Justin disse, humorado.

Fomos interrompidos assim que o garçom chegou na mesa, pronto para nos oferecer o cardápio das entradas.

Espiei os nomes incomuns no papel de seda, procurando quase em desespero alguma coisa que reconhecesse. Carnitas de pato, tacos de milho azul, molho de romã, pico de gallo de pera? Tartare de atum picante em cones de missô de gergelim? Minha nossa! Nada agradável aos olhos, aliás.

— Eu vou querer rolinho de papel de arroz com vegetais. — Justin disse.

Os dois se viraram para me olhar. Imaginei a essência de três dos pratos reconhecendo alguns dos termos, nutrida de curiosidade, e pensei se Justin se importaria de comer o que eu não gostasse.

— Hmmm, eu quero salmão defumado no pão matzá; Macaron de beterraba, queijo de cabra com ervas, frutas cítricas e... essa pizza do chefe pode sair alguma coisa segura, como, pepperoni?

O garçom realmente deu um sorrisinho e afirmou.

— Claro, senhorita.

Justin estava me encarando com uma expressão divertida fixa no rosto.

— Desculpe, eu não havia percebido que você estava com fome ou pediria para trazerem alguma coisa antes.

— Sei. E agora, o que vai acontecer? Vamos comer e acabou? — Perguntei curiosa, espiando os lados. As pessoas pareciam bem entretidas com seus pratos e conversas.

— Está pensando em interromper mais alguém? — Ele estava tirando onda com a minha cara.

— Para a sua sorte já conheci as pessoas mais interessantes do recinto, então não penso, não. — Menti antes que ele me desafiasse a flagrar Mariah no meio de uma garfada. Claramente sobre a Selena Gomez eu estaria segura, mas eu não me atreveria a mencionar o nome dela.

— Muito obrigado pela parte que me toca, Giulia. — Ele passou a mão no seu projeto de topete, muito satisfeito consigo mesmo por ser tão irresistível.

Revirei os olhos.

— Seu ego é incalculável, Justchin.

— Saúde. — Ele fez uma careta para mim.

Eu ri e levantei a sobrancelha.

— Não sei qual é o motivo de você se estressar tanto com pessoas te chamando de Justchin, é praticamente xenofobia.

— Você também não gosta que eu te chame de Giulia. — Contra-atacou.

Assenti, era quase justo, a não ser pelo surto que ele dava com todos e eu só encrencava com ele porque fazia de propósito para me estressar.

— Vamos fazer um combinado então, se você pronunciar meu nome corretamente, eu retribuirei o favor.

Nossos pratos chegaram no exato momento, antes que pudesse me responder. Recostamos na cadeira. O garçom necessitou de um malabarismo para trazer meus três pratos, e depois os baixou graciosamente em minha frente. Justin coçou o queixo para esconder uma risada, já segurando um rolinho dos cinco que vieram em seu prato, parecia bem saudável, de fato me fez sentir bem gulosa.

— Bom apetite. — E se retirou.

Examinei as coisas comestíveis a minha frente, para ser totalmente sincera, o que parecia mais apetitoso era, obviamente, o pedaço de pizza de pepperoni — e de alguma forma até nisso eles conseguiram dar uma gourmetizada. O pão de matzá com salmão se assemelhava ao pão sírio com um patê em cima e o macaron rosa me lembrava mais as comidinhas de mentira das minhas bonecas. Fitei desconfiada os pratos, escolhendo onde me aventurar primeiro.

— Posso te chamar de Lia? Acho mais fácil. — Ele continuou o assunto.

O olhei chocada — e secretamente satisfeita —, mensurando o avanço de querer me chamar por um apelido. Uma escolha um tanto curiosa também. Ninguém nunca me chamara de Lia, na verdade, só outros derivados de Júlia. Jú, Julinha, Juzinha e etc.

— Hmm, claro. Você quer que eu te chame do quê?

Ele sorriu em resposta a ideias que provinham de sua mente nebulosa, imaginei.

— "Razão do meu viver" estaria ótimo para mim — piscou na sua melhor expressão sugestiva.

Bufei, balançando a cabeça.

— Eu tenho uma teoria.

Justin mordiscou o segundo rolinho e apertou os olhos com diversão para mim.

— De quê?

— Você simplesmente não consegue evitar de jogar charme para todo o sexo feminino. Ainda que tenha uma aversão ou ódio por algumas delas. Ódio infundado, no caso.

Ele negou, entendendo minhas entrelinhas.

— Eu não te odeio, Lia.

Ouvi-lo dizer que pretendia me chamar por um apelido e ouvi-lo me chamar por um apelido eram duas coisas completamente diferentes. Bem como foi completamente inadequada a sensação de prazer que me tomou. Repreendi-me por isto.

— Misericórdia para os que odeia então.

Justin ficou me olhando com expectativa, a espera de alguma coisa. Entendi.

— E eu não vou te chamar de razão do meu viver.

Ele riu, o som leve e infantil que tilintava.

— Isso é uma questão de tempo. Mas tenho certeza de que já chamou também.

Fiz careta para seu rostinho convencido. Era injusto que me considerasse sua fã somente quando lhe era conveniente. Ele adorava jogar comigo.

— Não vai comer? — Apontou para o meu prato. Ou pratos.

— Estou pensando na melhor estratégia. — Sondei minhas opções, reflexiva.

A segurança — quase segura — da pizza gourmetizada deveria ser usada como introdução ou salvação depois de uma experiência ruim com os outros pratos? Bem, talvez salvação para tirar o gosto ruim.

— Não é como se eles fossem te morder. — Ele fechou a boca antes de completar a frase e tive a impressão de que escondia um sorrisinho sob o copo que ergueu até os lábios.

Aproveitando um momento de inspiração, peguei o que mais parecia arriscado, o macaron. Engoli em seco e mordi a pontinha. Combinação estranha. Laranja, abacaxi e acerola acrescidos do gostinho de beterraba em farelos do macaron e o queijo de cabra, chulé que se desfazia molengo em minha língua. Detestei. Tomei o refrigerante com pressa.

Justin riu.

— Viva ao desperdício.

Empurrei o prato de macaron para ele, como uma criança enojada e passei para o próximo experimento. O pão com salmão foi mais ou menos o que eu esperava, um pãozinho de farinha com patê de salmão. Não era ruim. Como eu estava com fome, achei propício terminá-lo. Mas minha parte preferida com certeza foi a pizza.

Justin não pareceu ter nenhum problema em terminar seu próprio prato e dar conta do meu, o paladar já acostumado com aquelas esquisitices gourmet.

— Você não pode estar achando isso gostoso — desacreditei ao vê-lo terminar o último macaron, o que eu havia mordido, aliás.

Ele deu de ombros.

— Não é ruim.

Estremeci. Um segundo depois ele levantava novamente a mão para o garçom, pronto para mais pedidos.

— Então o que você come no seu país além de pau de queijo?

Eu não pude conter a gargalhada que irrompeu do meu peito e segurei a boca para diminuir os danos. Nossos colegas de mesa nos olharam curiosos, com sorrisos simpáticos.

— O que foi? — Justin ficou confuso, mas já achando graça pela minha reação — Eu falei errado, não é?

— Sim. — Controlei-me o suficiente para respirar e conseguir formular uma frase, mas ainda estava risonha — É pão. — Exagerei na lentidão, formando um bico no fim da palavra.

— Páum. — Tentou reproduzir, atento na movimentação dos meus lábios.

— Quase. PÃo. — Repeti, por algum motivo achando inquietante que ele estivesse encarando minha boca.

— Paum.

— Podemos aceitar isso. — Fui benevolente.

O garçom repareceu e sem muita paciência para olhar o cardápio ou inovar em meu paladar, escolhi algo conhecido que encontrei mais rápido: torta de frango com trufa preta. Não que eu conhecesse trufa preta, mas torta de frango era um clássico em minhas preferências. Justin também não se demorou e se voltou para mim a fim de continuarmos o assunto linguístico.

— O que significa pau?

Em um instante fiquei vermelha.

— Hmm, depende, mas... Não sei se o significado que automaticamente nos remete é algo adequado para se dizer assim, no meio de uma mesa num jantar de gala.... — Cochichei.

Ele esperou, irredutível.

Suspirei e inclinei ligeiramente a cabeça, como se apontasse com ela para o seu colo, sem olhar. Justin traçou com o olhar o arco invisível que minha indicação sem graça fazia e chutou:

— Você quer dizer pênis?

Quatro pares de olhos arregalados nos fitaram. Eu esmoreci na cadeira, escondendo o rosto na mão. Justin deu uma risadinha, muito a vontade.

— Ela é brasileira. — Esclareceu — Estava me ensinando algumas coisas.

Ouvi murmúrios educados em resposta. Ah que ótimo, eu podia muito bem adivinhar que tipo de ensinamentos eles estavam imaginando. Fuzilei-o pelo olhar entre os dedos e lhe dei um chutinho nos pés por baixo da mesa.

Justin afastou minha mão do meu rosto, baixando-a em meu colo. Novamente, percebi como sua textura era macia e foi como se eu tivesse consciência de cada traço de suas digitais sendo impressas em minha pele, o calor transmitido pela ponta dos dedos afastando o ar gelado do ar condicionado. Talvez eu tenha reparado em tudo aquilo porque ele esqueceu que estava me tocando (ou estava tentando impedir que eu me escondesse de novo) ao deixar a mão sobre a minha por tempo demais.

— Vocês já foram ao Brasil? — Ele perguntou tranquilamente aos nossos colegas.

— Ah, eu não, mas Tom sim. — O de pele escura apontou com a cabeça para o branquelo.

Aquilo já estava estranho e desconfortável então me remexi e Justin me libertou de imediato, apoiando os cotovelos na mesa. Provavelmente esquecera mesmo. De qualquer forma, a diferença de temperatura foi perceptível. Abracei minha barriga para expulsar a sensação.

— Eu já fui algumas vezes...

— Duas — emendei.

Recebi um sorriso presunçoso dele, do tipo "ah sim, você me adora mesmo". Mordi a língua para não mostrá-la como uma criança e ao mesmo tempo de punição por ter quase vontade própria.

Tom sorriu, esticando a pele das maçãs e fez um floreio com a mão que não segurava a taça.

— O Rio de Janeiro é simplesmente impressionante....

Então ouvi sábias palavras de um estrangeiro sobre meu próprio país, de praias lindas, sol sufocante, pessoas perfeitas bronzeadas, samba e muito futebol. Uau, realmente impressionante. Assenti com muita educação durante a palestra e a comida chegou nesse ínterim.

— ... é, magnífico! — Concluiu Tom antes de enfiar uma garfada de carne salpicada com ingredientes coloridos suspeitos.

— Você gosta de morar lá, minha cara? — o colega de Tom, que eu descobrir chamar Remi, indagou.

Eu engoli um pedaço de torta antes de responder.

— Ah sim, é interessante. Gosto da cultura e tudo mais, o mais difícil é de fato a desigualdade e o desenvolvimento meio precário do país, mas creio que estamos no progresso.

Ordem e progresso ou ordem e regresso? Fica aí o questionamento.

— Você se mudaria para cá, Lia? — Justin questionou.

Houve uma época (cof cof dias atrás) em que eu daria tudo para morar no mesmo lugar que ele apenas para ter a oportunidade de esbarrar com sua pessoa na rua, tive um vislumbre do sentimento ao ver seus olhos claros concentrados.

— Hm, talvez, depende.

— Pode nos ensinar alguma coisa em português? Uma frase básica de sobrevivência? — Tom se inclinou na mesa, ansioso.

Foi resposta pronta:

— Será que pego o ônibus ou compro uma goiaba? — Eu ri com a mão na boca, achando muito mais engraçado a piada interna com a expressão de incompreensão gringa à língua. Nem se eles falassem português entenderiam. Abanei para descartar as preocupações e reformulei — Olá, tudo bem?

Eu não era professora de português — nem de nada, para ser honesta, mas imaginei que a frase mais comum seria um bom início. Eles pareceram encantados e dispostos a aprender pelos próximos minutos, até que os pratos estavam vazios e todos pareciam satisfeitos com seus progressos. Tom então lembrou-se de alguma viagem e se virou para compartilhar a memória com Remi.

— Eu não havia notado antes. — Justin chamou minha atenção, reflexivo.

— O quê?

— Português é uma língua melodiosa. — Acariciou a própria mandíbula, bem concentrado na sonoridade em sua memória.

— Com certeza é minha pronúncia, você sabe. — Gabei-me, brincando.

Ele sorriu e me lançou um olhar breve.

— Com certeza. — Concordou no mesmo tom.

E rápido demais já era hora da sobremesa, eu escolhi quase todas as opções com chocolate no cardápio, já imaginando o tempo de rainha que teria horas depois ou no dia seguinte. Mas eu simplesmente não podia evitar minha obsessão, e já havia dado uma prévia da minha predisposição em comer muito na entrada, então já estava mais desinibida.

— Elas nunca falam? — Inclinei-me para cochichar para Justin, intrigada com as acompanhantes de Tom e Remi, mudas de sorrisos fixos no rosto. Remi apoiava o braço com intimidade no perna de uma e Tom abraçava os ombros da outra.

Justin olhou ao que eu me referia e virou-se ligeiramente para mim a fim de isolar mais a conversa.

— Bem, não se não quiserem e eles não pedirem. Acho que você já percebeu... são damas de luxo. Da pra dizer só pela postura dos quatro.

Não, eu não havia notado. Apoiei o queixo no punho para que não caísse, o cotovelo equilibrado em minhas pernas cruzadas.

— Ah.... Sim. Na verdade, não.... — Então analisei a situação e arregalei os olhos para ele — Acha que me confundiram com uma também?

Quase caí da cadeira com o sorriso de covinha que lhe provoquei. Ele franziu as sobrancelhas, jocoso.

— Não há dúvidas, Lia, você tem o porte para tanto.

Abri a boca para perguntar, mas enxerguei no fundo de seus olhos o gracejo sútil e o encarei ao fechá-la com um estalo.

— Alguém já te disse que você cora muito fácil? — Ele mordeu o lábio distraído ao olhar minhas bochechas. — O quê? Não estou dizendo que é uma coisa ruim. Pelo menos para mim está sendo uma experiência prazerosa.

Empurrei seu ombro para longe de mim. Ele riu, arteiro, enquanto o corpo dava um tranco.

— Você é muito inconveniente mesmo.

Quase como para provar meu argumento, ele furtou uma das minhas bolachas de chocolate com creme de baunilha e discos de chocolate, e mastigou olhando em meus olhos para me desafiar a fazer algo sobre. Tudo bem, precisamos ser completamente honestos agora: eu tenho um fetiche terrível em ver homens mastigando. Algo no encaixe dos movimentos da mandíbula, maxilar e queixo é absurdamente tentador.

Fiquei levemente sem ar e fui obrigada a desviar os olhos.

— Lara adora roubar comida do meu prato também. — Falei a primeira coisa que me veio a cabeça antes que ele percebesse o quanto eu havia ficado sem graça.

— Quem é Lara?

Agarrei rapidamente a oportunidade de nos distrair de qualquer outra provocação que ele pudesse fazer, sem saber se eu aguentaria muito mais e discorri alegremente sobre minha irmã, melhor amiga e parceira de aventuras. Ele se mostrou educadamente atento, fazendo pequenas contribuições murmuradas para que eu prosseguisse. Contei de alguns de nossos passatempos preferidos, como estávamos loucas para ir ao parque de San Diego desde que havíamos chegado e que provavelmente iríamos no dia seguinte. Justin se animou à menção do parque, me contando que já havia frequentado o lugar duas vezes, recebi de bom grado suas dicas de melhores brinquedos e a maneira de se portar em cada um.

Mordi a parte interna dos lábios para reprimir a vontade de convidá-lo para ir junto. Claro, o impulso fora despertado por pura educação exemplar recebida da minha família. E depois de uma descrição do frio na barriga na descida da montanha russa, ele olhou o relógio no pulso e arregalou os olhos.

— Bem, acho que temos que ir embora.

O fitei, perplexa.

— Mas já?

— Seu pai disse que se eu não a devolvesse até meia noite haveria helicópteros a minha procura em um minuto. — Respondeu, e parecia bem tentado a apostar para ver — A viagem de volta é longa então ele provavelmente enviará mesmo. Já estamos atrasados. Se quiser enviar uma mensagem a ele dizendo que estamos a caminho é bom.

Consultei a hora no celular enquanto ele fazia menção de se levantar.

— Eu não sou a Cinderela — resmunguei, eram onze horas somente — Quanto tempo de volta?

Ele colocou as mãos no bolso da frente da calça, me esperando, certo de que eu não criaria caso por muito tempo.

— Duas horas e meia.

Dei um salto.

— Como assim? Não levamos tudo isso para chegar! — Agarrei minha bolsa pequena contra o peito e investiguei o lugar em que estava sentada para ver se eu havia esquecido alguma coisa ali, embora tivesse certeza de que não levara nada além dela.

— Eu sei, o tempo passa indistinto ao meu lado.

Eu nunca conhecera alguém com tanta autoestima dessa forma, e para não lhe dar palco, me virei diretamente aos nossos convivas.

— Tchau, pessoal. Foi um prazer conhecer vocês.

Os quatro se viraram com despedidas breves mas muito corteses, Justin os imitou e colocou a mão na base das minhas costas para me direcionar à saída. Talvez ele estivesse me apressando, não era como se eu não conseguisse ver e me direcionar à escada sozinha. Por outro lado, não consegui ficar irritada com isso e não reclamei, muito pelo contrário, o toque parecia estranhamente reconfortante.

Passei pelo corredor estreito olhando de modo discreto os presentes, tentando guardar na minha memória os detalhes das pessoas que eu admirava e provavelmente nunca mais voltaria a ver. A maioria do tempo, contudo, mantive minha atenção na mesa de Robert Pattinson, tentando atraí-lo com a força do olhar para que me despedisse. Ah, ele é ainda mais lindo do que as telas pintam, uma obra de arte estupenda e exagerada.

— Lia, mais um pouco e você vai começar a babar. — Justin debochou e lhe direcionei uma carranca — Se você não olhar o caminho vai cair, só estou dizendo.

— Obrigada pela dica.

Joguei um último olhar cheio de poder em Robert, triste quando finalmente o perdi de vista e não recebi nem um sorrisinho de adeus.

— Muito obrigada pela presença, senhor Bieber. Se quiser comparecer à After Party, o endereço está aí dentro. — Disse a mesma moça ruiva que nos recepcionara ao lhe entregar uma caixinha retangular branca, depois percebi que havia um envelope da mesma cor pequenino junto — É um grupo seleto, como sabe. — Levantou um ombro, sorrindo timidamente.

Prestei um pouco mais de atenção ao olhar significativo que ela lhe direcionou antes de desviar os olhos daquele mesmo jeito sem graça. Ele se limitou a sorrir de canto e assentir uma vez.

— Obrigado. — A voz dele havia ficado mais grave ou era impressão?

Caminhamos em silêncio para a saída enquanto várias teorias da conspiração ilustravam minha mente. Não tinha como não pensar nada. Inicialmente, eu havia identificado o comportamento da recepcionista (?) como pura tensão à beleza e charme natural que Justin dispensava, mas com um olhar mais atento, algo me dizia que se passava disso. Não seria novidade, também. Ele não só adorava seduzir as mulheres. Tinha que partir para os finalmentes.

Devido à minha distração, Justin precisou me chamar duas vezes antes que eu percebesse que me estendia a caixinha retangular — sem o envelope, diga-se de passagem.

— Percebi que você gosta de chocolate. — Ele observou enquanto eu descobria o conteúdo, confirmando que era um estreito hospital comestível.

O ar da noite passou fresco em meu rosto assim que saímos do hotel e a ponta do meu nariz resfriou instantaneamente.

— Percebi que gosta de festas. Não quero te atrapalhar então pode deixar que eu pego um Uber para casa.

Era bem capaz de que eu decidisse pedir para o meu pai me buscar, na verdade, ou Fani, já que eu não conseguia me imaginar entrando no carro de um estranho estrangeiro para uma viagem de duas horas e meia àquela hora da noite, mas ele logo descartou a possibilidade:

— Lia, eu te trouxe, eu te levo. Jimmy já está ali, vamos.

E estava mesmo, o carro estacionado no meio fio nos esperava, imaginei que Justin houvesse o contatado quando eu não estava olhando, mas não movi um passo.

— Não acho que você vá querer decepcionar a Emily. Pode deixar, eu me viro mesmo. — Lembrei-me do nome que ele usara antes para a funcionária um pouco prestativa demais. Longe de mim ficar no caminho de sua paquera, ele já tinha razões demais para me odiar.

Sua testou se vincou, contudo, ele não fez qualquer manifestação verbal, agarrando meu cotovelo e me puxando para andar.

— Ei! — Protestei.

— Avise seu pai que estamos no caminho, não esqueça.

Ah, então ele não queria mesmo falar sobre Emily? Abafaria o assunto a todo custo.

Jimmy desceu do carro e abriu a porta com um sorriso agradável.

— Olá! Como foi a festa?

— Sensacional — eu suspirei ao entrar, notando que os dois me esperavam. Jimmy deu uma risadinha nas minhas costas.

Dada minha experiência com a entrada no veículo, ambos pareciam atentos a qualquer passo em falso que eu desse, e a lembrança me fez corar. Tratei de controlar o rubor antes que o fato divertisse ainda mais Justin. Assim que ele se acomodou ao meu lado, eu estava neutra — ou assim esperava, e nos preparamos para a longa viagem de volta.

Jimmy fechou a porta e o ambiente escureceu por um momento. Entrelacei as mãos no colo, sentido-me inclinada a fazer voto de silêncio, levemente abatida sem razão. Provavelmente era o fato de não ter conseguido falar com todas as pessoas que eu queria ou pelo convívio com elas ter sido tão breve.

— E então, o que achou, de fato? — A quentura da voz dele atingiu meus ouvidos e, sem aviso prévio, eu tive um insight, daqueles de escritora. Aquele momento em que estamos vivendo a vida naturalmente e de repente cada milésimo é percebido, o sentido se aguça e todo detalhe é importante para uma possível descrição fictícia futura.

O ar parado dentro daquela cúpula nos isolava do mundo exterior, como se tornasse aquela realidade paralela, os sons de fora eram abafados pelo carro, nossa respiração se tornara altamente perceptível, regular como estava, bem como nossos movimentos. Eu era capaz de identificar só pela audição que suas mãos — grandes — passavam para frente e para trás em suas coxas, o atrito do tecido com as palmas era melódico, e de alguma forma, convidativo.

Bem, e como eu escrevo romance, minha imaginação começou a flutuar rápido demais para uma experiência impossível e inadequada para os sujeitos envolvidos na questão, embora propícia se levado em conta apenas o ambiente. Disfarçadamente bati a ponta dos dedos na cabeça no intuito de fazê-la parar. Era inadmissível qualquer pensamento daquele tipo, ainda que em nome da liberdade literária!

— Lia?

Jimmy abriu a porta e entrou um pouco de luminosidade, deixando a vista o olhar curioso de meu interlocutor. Respirei, como se subisse a superfície, mas logo em seguida ele já estava dentro do carro e a fechou novamente.

— Luz acesa ou apagada, Bieber? — Perguntou.

— Pode deixar apagada, Jimmy. — Sem ao menos perceber que o faria, olhei pra ele inquisidora — É perigoso deixar muita claridade dentro de um carro quando já está tarde, você sabe — justificou-se rápido.

Assenti. É claro. Me dei um beliscão no braço ao sentir a fertilidade começar a ganhar vida de novo. Ser escritora às vezes tinha suas desvantagens.

— Mas então, Lia, o que achou?

— De quê? — Perguntei desorientada.

— A festa... ? — Agora ele estava confuso, bem capaz de estar duvidando da minha capacidade cognitiva.

— Ah, sim. Eu gostei. Minha parte preferida foi ver o Robert, claro.

— Pensei que fosse a comida — brincou, risonho.

— Com certeza, o macaron estava ótimo.

Agora ele riu. Imaginei que fizesse clareamento dentário já que seu sorriso brilhava tanto. Para ser justa, meus olhos estavam se adaptando à claridade, e conforme avançávamos pelas ruas, a luz dos postes e outros veículos alcançavam sua silhueta, reluzindo também em seus brincos, no relógio e os olhos. Olhos de uma pantera caçando à noite. Pareciam mesmo ainda mais hipnotizantes à meia luz. E se antes eu já estava incomodada, fiquei imediatamente nervosa, ameaçada de extinção.

Para me distrair, desbloqueei o celular, notando as dezenas de mensagens gritadas de Isis. Pelo visto, ela esperava mesmo que eu lhe mandasse um book inteiro de fotos da noite. Como uma boa amiga, e bem presunçosa, enviei minha filha única com emojis comovidos.

— Posso te dar uma mais impressionante do que essa.

Justin estava espreitando sobre meu ombro, sem vergonha nenhuma.

— Ninguém te avisou que não é educado bisbilhotar o celular alheio? — Repreendi, cobrindo com a mão minha tela num instante repentino de pavor.

No fundo eu sabia que ele não lia português, mas tinha certeza que "Justin" era uma palavra identificável em qualquer língua. E se ele ao menos imaginasse a essência do que Isis me escrevera....

De repente, a luz cegou meus olhos vinda do teto do carro, eu só pisquei e Justin já estava ao meu lado, a mão abraçando minha cintura. Quase reclamei pela temperatura da sua mão, que resfriou toda a extensão que tocou meu corpo, até perceber — um pouco assustada — que o frio passeara somente por baixo da minha pele, entre meus músculos. Ele deitou a cabeça na minha e deu seu sorriso de covinha para a câmera do celular.

— Sorria, Lia. — Lembrou-me.

Fiz o máximo que conseguia no improviso ao mesmo tempo em que pensava o quanto seu perfume deveria ser caro. Permanecera intacto desde o começo da noite, exalava de se pescoço de forma impressionante.

— Fique parada, sim?

Parei até mesmo de respirar quando ele virou o rosto na minha direção, e sem mais delongas encostou os lábios na minha bochecha. Preciso explicar que não tenho conhecimento científico algum, mas tenho capacidade suficiente para descrever que meu coração, o órgão frágil e essencial localizado no lado esquerdo do meu peito, engasgou de forma sobrenatural, tropeçou em suas próprias veias, e voltou em uma corrida desesperada para recuperar o tempo perdido de batidas. Tudo isso em uma fração de segundos, ao passo que minha bochecha apreendia muito detalhadamente a sensação da tessitura de seus lábios contra minha pele. Em meu cérebro, os divertidamente começaram uma luta.

Justin deu uma risadinha ao ver o resultado de nossas fotos.

— O que acha?

Por um momento achei que não estava enxergando, porque eu não vi nada a minha frente, mas desenterrei um grunhido de aprovação.

— Te enviei.

Só notei que não respirava quando o ar finalmente preencheu meus pulmões sedentos.

— Está tudo bem? — Ele perguntou, preocupado.

Mas não se preocupara em me atacar do nada, não é?!

— Uhum.

Na verdade, não. Eu não sabia muito bem o que estava acontecendo e precisava que ele se afastasse um pouco para que eu conseguisse ao menos me lembrar meu nome. Fiquei esperando que acontecesse, contando os segundos e reparando no mecanismo da minha respiração para que tivesse certeza de que estava respirando, uma estratégia muito boa também para manter meus pensamentos sob controle.

Não ajudou muito com a respiração, na verdade, eu sentia que cada vez estava mais com falta de ar.

Justin riu de novo e eu achei que caçoava do meu estado atual, mas seus olhos se voltavam para a frente, daquele jeito vago de quem está imerso em lembranças.

— Você sabe que eu já levei o Jaxon no MuchMusic Video Awards, não é?

Jaxon, seu irmãozinho mais novo havia acabado de completar cinco anos.

— Sei sim. — eu me lembrava das fotos vagamente, já fazia algum tempo.

Ele adivinhou minha linha de pensamentos:

— Foi em 2012. Ele chorou por estar assustado com todo o barulho, lembra? — Olhou-me enigmático. Lá vem. Assenti — Quando chegamos, achei que você me daria o mesmo tipo de trabalho.

Revirei os olhos enquanto ele ria e tentei empurrá-lo para longe de novo, mas suas mãos entraram em um combate desorganizado com as minhas.

— Desculpa se frustrei suas expectativas.

— Antes, eu realmente pensei que você estaria familiarizada com o ambiente. — Franziu o cenho numa falsa reprovação.

Parei de lutar contra ele, esperando que assim se satisfizesse e se afastasse. Não aconteceu.

— Não sou tão previsível assim, desculpe.

— Não mesmo. — Me encarou com interesse, como se analisasse sua pesquisa científica. E então sorriu — Mas acho que posso sempre esperar por isso aqui — tocou minha bochecha com as costas da mão e só então percebi o calor acumulado ali.

Eu me envergonho de todas as ideias absurdas que me assaltaram naquele momento. Já devia ter passado da minha hora de dormir. Os eventos do dia foram demasiados para minha sanidade e ela começava a se despedir mais cedo. Eu precisava de uma estratégia muito eficaz para sobreviver o restante da viagem sem cometer qualquer besteira de que me arrependesse no dia seguinte.

— Foi um dia cansativo, não acha? — Comentei, me espreguiçando como podia para que o alertasse de que precisava de espaço.

— Quer que eu apague as luzes, Lia? — A voz dele só poderia estar mais rouca pela minha imaginação, mas eu suei.

Gaguejei palavras incoerentes antes que chegasse a uma conclusão.

— Pra mim tanto faz, acho que vou dormir mesmo. — Obediente às minhas próprias palavras, uni as palmas das mãos para improvisar um travesseiro recostado na janela e fechei os olhos com mais força do que o necessário para alguém com sono.

— Hmmm... Tudo bem.

Eu senti fisicamente quando ele se afastou, e mesmo que respirasse mais aliviada, havia uma pontada injustificada de pesar. Com as pálpebras bem fechadas ainda assim pude perceber quando as luzes foram apagadas e me agarrei firmemente ao meu teatro de bela adormecida para conseguir sobreviver. Não parecia justo que eu, como péssima atriz que era, tivesse que atuar tanto ultimamente. E quando eu achava que estava progredindo, chegava alguma mensagem da minha família perguntando se eu já estava chegando. Respondi com o máximo possível de discrição para não atrair a atenção in(de)sejada da pantera ao meu lado.

O tempo se arrastou com muito sadismo até que eu me visse livre do martírio. Eu não podia pensar, não podia me mexer, porque, concluí, não confiava em mim, não mais, não agora, pelo menos. Alguma coisa estava acontecendo com meus hormônios e com certeza não era nada de bom, se estava abalando minhas estruturas daquela forma. Foi exponencialmente pior quando ele ligou o som do carro e cantarolou baixinho as músicas que tocavam em som ambiente, naquela sua voz estupidamente melodiosa.

Cheguei a pensar que pediria a Jimmy para parar o carro e me deixar voltar a pé para casa, eu já estava inquieta ao extremo, até que o impossível aconteceu: o veículo parou. Para me certificar de que não era apenas mais um sinal de trânsito, esperei quieta até que Justin tocasse meu ombro com gentileza.

— Lia? Chegamos.

Eu literalmente ataquei a maçaneta do carro para pular para fora, mas Jimmy ainda não havia destrancado.

— Espere, senhorita, eu abro para você, já está tarde, também é mais seguro que não esteja na rua sozinha.

Para quem esperara horas eu poderia aguardar segundos até ele dar a volta, não?

Talvez não.

— Lia? — Justin me chamou antes que eu estivesse a salvo. Olhei pra ele na retaguarda. — Achei que fosse impossível, mas eu realmente me diverti essa noite. Obrigado pela trégua. — Ele sorriu de canto, apertando ligeiramente os olhos.

Levantei um ombro de indiferença.

— Eu te disse que sou simpática. Mas também agradeço ao seu bom comportamento. Em partes. — Ele riu — Boa noite, Justin.

A liberdade cantou, coloquei o primeiro pé para fora.

— Lia?

Seus olhos subiram cheios de malícia ao meu rosto enquanto ele umedecia os lábios com a língua. Maldito.

— Te vejo no tribunal.


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Eu sei que demorei eras, perdão! Está tudo muito corrido, mas eu não esqueço nem abandono! Como recompensa esse é o maior capítulo que escrevi nos meus nove anos de escrita, gostaro? Hhahahaha 

Para ajudar achei ele meio complicado de escrever porque eu não sei haiosjdosijdos Mas bem, tá aí e eu espero do fundo do meu coração que vocês tenham gostado. Alguém consegue explicar o que deu na Júlia agora no fim? kakakaka

Espero também conseguir postar rápido o outro. Beijão <3

Ps: adicionei a história da minha irmã no link externo, é um original sensacional, recomendo!!!

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