Tonta

Arfei quando entramos, dentro do salão em meia lua era ainda mais impressionante, a iluminação oscilava entre o roxo e o azul, mesas retangulares e redondas se espalhavam a minha volta, parcialmente cheias, toalhas pesadas em cor lilás as recobriam, um arranjo de flores bem elaborado no centro, taças e talheres refinados ocupando seus lugares. Do teto pendiam alguns lustres e refletores igual eu vira no Access Hollywood, e o chão ostentava carpete de veludo escuro com flores variadas, artesanais e enormes desenhadas. Notei que o espaço se dividia em três, divisórias de cor preta na altura das mesas para ressaltar, dois lances de escada levavam a mais duas disposições de chão, cada uma ligeiramente mais embaixo do que a outra. A intenção claramente era dar uma melhor visão do palco em formato de V invertido, dois telões recobriam as paredes atrás. Altos padrões para o que eu estava acostumada, minha vida toda pertencemos a classe média, e melhorávamos agora com minha carreira.

Achei que não podia ficar mais chocada, mas então notei os convidados. Lá embaixo, o sorriso de ninguém mais, ninguém menos do que Miley Cyrus se destacava brilhante e aberto sob as luzes — eu sempre achei que ela tinha uma risada muito contagiante. Senti meu queixo caindo conforme varria o salão com os olhos, Kevin Hart... Mick Jagger... Jessie J.. alguns atores e cantores que eu me lembrava dos rostos, mas não dos nomes.... Claro, por uma obra imprevisível do destino, o sujeito que era capaz de me abalar mais — agora tanto para o bem quanto para o mal — estava ao meu lado segurando meu braço por pura cortesia

— Bem vindo, Justin! — A voz animada distraiu minha atenção. A mulher baixinha de cabelos ruivos domados num coque sorriu alegremente para mim — Senhorita! — E novamente para ele — Sua mesa é a de sempre, lá embaixo, no meio. — Gesticulou com familiaridade, confiando de que ele lhe entenderia.

Justin abriu um sorriso estonteante para ela e deu uma piscadela.

— Obrigado, Emily.

As bochechas dela coraram e ela se apressou em desviar os olhos, o que eu compreendia totalmente. Sabia muito bem que ele tinha uma espécie de poder sobrenatural de sedução e não tinha vergonha de usá-lo. Deixei que me conduzisse (com seus acenos e sorrisos) e tive surtos internos — saudades absolutas de Lara — enquanto descíamos as escadas, agora eu podia confirmar que era Jennifer Lopez quem eu havia visto lá fora, sim. E a mulher deslumbrante no vestido azul tomara que caia se parecia muito a Lily Collins, ao mesmo tempo que fiquei empolgada senti pena de mim mesma por ousar colocar minha cara vergonhosa perto de um esplendor daquele. Mariah Carey acabava de se sentar a minha direita, e eu me contive para não me ajoelhar aos seus pés e pedir que cantasse qualquer coisa com aquela sua voz espetacular. E então, quando já estávamos na última plataforma e eu pensei que haviam acabado os reconhecimentos fascinantes estagnei e prendi a respiração.

Meu. Deus.

Justin me olhou confuso e curioso.

— Está tudo bem?

— Aquele é o Robert Pattinson? — Consegui perguntar através de um arquejar estrangulado.

Ele seguiu meu olhar, apertando os olhos.

— O homem do cabelo arrepiado que fez o filme do vampiro que brilha? Hm, creio que sim.

Coloquei a mão no coração, tendo certeza de que ele rasgara minha caixa torácica e faria o mesmo com minha pele se eu não o segurasse. Eu não me lembrava de como se respirava enquanto examinava o homem no terno azul, os fios de cabelo bagunçados com cuidado, como o penteado de Edward, e àquela distância, três mesas a direita de onde eu estava, eu podia ver o brilho de seus olhos azuis.

— Agora você vai chorar? — Perguntou em tom de diversão meio ácido — Você gosta do filme do vampiro ou simplesmente do ator?

Me virei pra ele de olhos arregalados com grande esforço, não queria tirar os olhos de Robert com medo de que desaparecesse — Bella Swan eu te entendo.

— Eu sei que você não gosta de mim e não queria que eu estivesse aqui, mas qual é a probabilidade de me apresentar a ele? Eu faria qualquer coisa! — Implorei.

Ele levantou a sobrancelha com petulância, lembrando-me de que eu sabia muito bem o que ele podia querer de mim.

Argh.

— Menos isso.

Ele estalou a língua e fingiu uma expressão de pena.

— Trágico, então lamento não poder fazer esse favor.

Fechei a cara pra ele, tentando me contentar em não lhe dar um safanão.

— Parece que eu estava errada em uma coisa sobre você, pensei que não tinha faculdade, mas certamente é graduado em chatice.

Como confirmação, ele só me puxou de volta para andar alguns passos até a mesa de frente com o palco mais para a esquerda, uma plaquinha pousada na toalha estrategicamente em frente as cadeiras anunciava o lugar de cada um, e mesmo que fosse previsível, me irritei de ter que sentar ao seu lado. Disparei os olhos para Robert tão longe mas tão perto de mim, maldizendo minha tendência antissocial. Eu não sabia como chegar nele, mas não podia não chegar. Se Lara estivesse aqui com certeza me ajudaria. Só de me imaginar me aproximando da mesa sozinha com minha cara lavada, quase passava mal. O que eu poderia dizer?

Justin suspirou satisfeito ao meu lado e se recostou na cadeira.

— Fique tranquila, temos a noite toda para que repense a proposta. Um sonho de fã não pode ser ignorado assim.

Cruzei os braços na mesa depois de afastar a taça cuidadosamente e o encarei carrancuda.

Nossa troca de olhar faiscou por segundos, mas uma movimentação a nossa frente chamou sua atenção, olhei também. O entusiasmo extasiado inicial cedeu lugar a cautela quando vi Selena Gomez desfilar em seu vestido pastel de seda com toda uma comitiva atrás dela. Justin de repente se interessara demasiadamente na taça que segurava entre as mãos e ela mal parecia notá-lo, mas eu sentia certa tensão emanar do corpo ao meu lado.

Eu gostava dela.

A maldade que habitava nas profundezas do meu cérebro maquinou uma provocação cruel, mas me refreei. Notei que ela se sentaria duas mesas à nossa esquerda antes que ele finalmente respirasse fundo. Uma verdade: eu já havia sido Jelena shipper, mas meus sonhos haviam sido enterrados depois de tanta toxidade. Tentei interpretar em sua expressão se só lhe restara desconforto ou outro sentimento diante da presença dela.

Não entendi. Peguei algumas plaquinhas para ler os nomes e ver se identificava alguém interessante ao mesmo tempo em que formulava uma apresentação muito bem elaborada para Robert e evitava de encará-lo como a maníaca que era. Não reconheci nenhuma das pessoas nos papéis e comecei a ficar verdadeiramente inquieta.

— Hm... Se importa? — Justin colocou a mão em cima da minha que batucava ritmadamente a mesa. Eu levei um susto, como se um choque tivesse me eletrocutado, e a recolhi de imediato. Ele fingiu não notar.

— O que você costuma fazer agora? E aliás o que é que se faz nesses eventos? — Perguntei rápido para distraí-lo do meu constrangimento.

Ele deu de ombros.

— Converso com alguém, mas agora estou meio impossibilitado. — Acusou-me com um gesto de cabeça.

— Não estou te impedindo de fazer nada. Na verdade, acho que você adoraria uma conversa franca com Robert Pattinson. Sabia que ele também é músico?

Os cantos de sua boca se contorceram.

— Boa tentativa. E bom, nesses eventos nós geralmente conversamos, comemos, doamos, cantamos... Depende do tipo.

Assenti, refletindo. Era um evento beneficente, certo? Mas por que ao invés de gastarem tanto dinheiro investindo num jantar chique eles simplesmente não doavam o dinheiro? Ou compensava todo o gasto se reunissem os caras da grana em um ambiente mais favorável à generosidade?

— E que tipo é esse? Vai haver cantoria?

Ele achou algo divertido no modo como eu falei, mas segurou a risada. Eu não duvidava que houvesse conjugado alguma coisa errado.

— Algo assim.

As quatro pessoas restantes encaixadas em nossa mesa logo chegaram, eu não conhecia ninguém, e Justin também não parecia conhecê-los — a recíproca não era verdadeira, contudo. Dois homens bem arrumados, um de cabelos crespos e pele escura e o outro branquelo de cabelo preto contido no gel; duas mulheres, louras e esbeltas — esteriótipo inconfundível — de sorrisos fixos e vestidos provocativos. Os homens tomaram o cuidado de deixá-las o mais distante possível de Justin, embora se mostrassem dispostos a conversar com ele.

Bem a tempo, um pinguim tomou o microfone no palco e saudou sua plateia num tom de voz forte radialista.

— Bem vindos ao Beverly Hilton Hotel em prol da Los Angeles Free Clinic! Que prazer ver tantos rostos amigos entre nós! Antes de chamar nossa primeira convidada de honra ao palco quero lembrá-los que no decorrer do evento poderão levantar essa plaquinha vermelha que está na frente de cada um para fazer uma doação, um de nossos colaboradores irá até vocês para recolhê-la. Quem quiser também pode se dirigir diretamente a uma dessas pessoas nas extremidades do salão para fazê-lo. — Ele gesticulou e eu observei os indivíduos espalhados e encostados na parede com sorrisos estimulantes, pensei que estavam com uma máquina de cartão na mão — Por favor, Mariah Carey se puder nos agraciar aqui por um momento.

Em meio a palmas, bem energéticas da minha parte, Mariah se dirigiu ao mesmo, e depois de dar um beijinho no rosto do apresentador virou-se ternamente para nós. Ela pegou o microfone e forjou uma careta de incompreensão.

— Eu estava tipo: Por que você é tão obcecado por mim?

E começou o playback pelas caixas de som. Não me aguentei:

— Eu me pergunto exatamente a mesma coisa. — Segredei para Justin.

— A recíproca é verdadeira, como esperado.

Franzi a testa.

— Por que será que Kit Hoover achou que seria prazeroso me fazer vir a essa festa com você?

— Não me surpreenderia se eles estivessem tentando me irritar para noticiarem mais alguma indelicadeza minha. Não duvido que você esteja mancomunada com eles. — Apertou os olhos.

Eu coloquei a mão na boca para rir.

— Minha nossa, você realmente tem mania de perseguição.

— Não tenho mania, eu sou, de fato, perseguido.

Abri a boca para contestar, mas tinha que confessar que ele estava certo. Eu bem sabia que sim. Então reformulei:

— Por mim não. — E me virei para frente, encerrando a discussão.

Ele resmungou alguma coisa, mas eu fingi não ouvir, percebendo Mariah finalizar a música e receber aplausos.

— Acho que vocês conhecem essa também: Love Takes Time. — E iniciou a música lenta.

A letra se referia a deixar uma pessoa ir e se arrepender disso num geral e eu me perguntei se ele estaria pensando na Selena. Olhei-o de rabo de olho no momento em que levantou a plaquinha vermelha, a expressão não demonstrava sofrimento ou ressentimento. Eu estava me coçando para perguntar, mas sabia que ele nem responderia se eu o fizesse, então tentei abafar a curiosidade.

Dois homens apareceram ao mesmo tempo, um deles oferecia água ou refrigerante e o outro com a máquina de cartão para receber a doação. Eu aceitei a água e não consegui não bisbilhotar para ver o valor que Justin digitava na máquina para a doação: 560 mil dólares. Eu engasguei com a água e todos os olhos na mesa pararam em mim, sinalizei com a mão de que estava bem, sentindo meu pescoço esquentar.

O valor não era nem um quinto do que ele me processava, eu era mesmo sortuda por ser então tão "baixo". Deixava claro que o importante pra ele não era o dinheiro (claro), e sim a publicação, de fato.

Me repreendi por não ter feito uma doação antes que ele porque me senti humilhada quando digitei 500 dólares com bastante discrição. E eu nem poderia gastar tanto assim.

— Não precisava ter feito isso. — Ele me disse a meia voz assim que os funcionários se retiraram.

Olhei pra ele, mas seu rosto estava parcialmente escondido pela taça de refrigerante que tomava.

— Não se preocupe. Não é como se eu tivesse uma indenização para pagar.

O canto da sua boca se ergueu quando baixou a taça, mas não houve tréplica. Fomos surpreendidos quando o pinguim apareceu de novo no palco, agradeceu Mariah com real reconhecimento e continuou:

— Senhor Bieber, se puder nos dar a honra de ser o próximo.

Fui assaltada por sentimentos contraditórios. Apesar de tudo, eu nunca poderia negar que ele era talentoso e presenciar uma apresentação sua ao vivo era uma das melhores experiências que eu tivera na vida. Ele deu um abraço em Mariah antes de tomar seu lugar e eu só consegui lembrar das milhões de vezes que ouvi All I Want for Christmas is You.

— Boa noite. — Ele lançou seu olhar mais brilhante para o público e passou a língua nos lábios antes de assentir para soltarem o playback.

Eu tenho certeza de que começara a enfartar ao reconhecer a batida de Hold Tight. Golpe baixo. Eu sempre quisera vê-lo apresentando-a ao vivo, a música por si só era inteiramente sensual, e seus vocais manhosos nela, os falsetes, eram de tirar o fôlego. A carcaça de cobra agarrou o pedestal do microfone com firmeza, o trouxe para si como se fosse o corpo de uma amante e fechou os olhos ao cantar os melismas iniciais. Eu coloquei a mão na boca ao sentir a exclamação de aprovação se debater na garganta.

Foi extremamente torturante assistir a performance imóvel, cruzei as pernas e com o braço livre abracei minha barriga, contendo um colapso de fã surtada, e no momento, incubada. Cretino, como ele ousava ser tão majestoso se estava prestes a acabar com a minha carreira?

Mas cada vez que ele abusava de seus tons agudos e usava o falsete era um tapa na minha cara. Suspirei, eu devia me manter firme e forte embora ele usasse e abusasse de tudo o que tinha, as piscadas longas, os sorrisos marotos, como encolhia os ombros e acariciava o pedestal (sim?) com tamanha delicadeza que qualquer um invejaria o objeto. E então olhou diretamente para mim, fiquei irritada, ele fizera a mesma coisa quando estava tirando as fotos. Não era como se ele precisasse da minha aprovação para tanto, mas eu tinha certeza de que era muito engraçado me assistir em conflitos internos. Confirmando meu veredito, abriu um sorrisinho de lado maldoso.

Só consegui respirar quando ele terminou a apresentação e me libertou da força do seu olhar, de modo mecânico bati palmas, mas balancei imperceptivelmente a cabeça, desfiando ofensas à sua pessoa pela mente.

— A próxima música escrevi com um amigo meu, é nova e vou lançá-la com meu próximo álbum. Gostaria de dedicá-la a uma fã muito especial que está comigo essa noite, Júlia. — Ele apontou para mim, se esforçando na pronúncia do meu nome.

Meu coração, pobre despreparado para o golpe, deu um salto até parar nos dentes e eu não consegui montar uma expressão que não pura surpresa quando todos estavam olhando para mim. Ah, ele era bom. Um excelente manipulador para passar a imagem de anjo que não faria nada de mal contra mim. Tão bom que senti a espécie de prazer letárgico e alarmante correr em minha corrente sanguínea. Se controle, Júlia!

Achei a curiosidade totalmente justificável quando apurei meus ouvidos para ouvir a nova faixa. E a medida que o violão gravado transcorria e ele entoava a melodia melosa, ficou claro que a mensagem não era muito bem para mim, por mais que ele me usasse de muleta e fixasse os olhos em mim quando não estavam fechados ou em qualquer ponto aleatório. "Se você acha que ainda estou apegado a algo, você deveria começar a amar a si mesma".

Era sobre um antigo amor, sim. Que estava obrigada a assistir a apresentação. Precisei de muito autocontrole para não dar uma espiada em Selena Gomez e descobrir o que ela estava achando daquilo. Mas num geral, a música era boa.

Ele agradeceu quando terminou, mantendo os olhos meticulosamente longe das mesas do lado esquerdo e voltou para se sentar ao meu lado. Secou o copo de refrigerante e antes mesmo que levantasse os olhos para procurar alguém que o servisse, o mesmo funcionário de outrora aparecia com uma garrafa de champanhe.

— Gostaria, senhor?

— Por favor. — Depois que foi servido, se dirigiu a mim — Você quer, Giulia?

Ele havia se esquecido de que eu não tinha idade para beber em seu país?

— Talvez mais refrigerante, por favor.

O homem assentiu e saiu para buscar.

— E então, o que achou da música? — Indagou aparentando indiferença, mas um pouco demais para quem realmente não se importava, depois que tomou o líquido servido de uma vez.

— É boa. E obrigada pela dedicatória. — Um pouco de sarcasmo na última sentença não faria mal.

Ele sorriu com diversão, mas mantinha os olhos ocupados nos botões do paletó que havia acabado de soltar e já fechava de novo.

— Ela não está olhando, fique tranquilo. — Eu disse depois de conferir, numa voz um pouco mais baixa, mesmo que nossos colegas de mesa não prestassem atenção em nós, ciente da motivação pelo seu desconforto.

— Do que você está falando? — Sibilou.

— Não sou idiota, sei o que está acontecendo.

Com essa seus olhos me fitaram, antipáticos.

— Tudo bem, não sei exatamente porque nunca tive um ex namorado. — Confessei — Mas já ajudei muitos amigos com o problema.

Nos recostamos quando o garçom voltou para servir meu refrigerante, assim que ele saiu Justin se inclinava imperceptivelmente em minha direção, desconfiado.

— Você nunca teve ex namorado?

— Não. — Respondi devagar, sem entender o motivo da surpresa.

— Então está namorando?

— Não. — Dessa vez fui um pouco ríspida.

— Fica atolada em livros ou o quê? Não pode ser por causa do físico. — Ele me analisou da cabeça aos pés como um profissional para uma segunda opinião, e não pareceu mudar de ideia.

Puxei a echarpe em volta dos ombros, eu estava mesmo sentindo frio apesar do calor súbito em meu rosto.

— Hmm, obrigada? Não é todo mundo que nasceu com o talento de arrancar todos os suspiros por aí.

Ele mordeu o lábio para não sorrir.

— Mas você até que é bonitinha, Giulia.

— Bonitinha, sim, que ótimo.

Permitiu-se sorrir abertamente diante do meu ressentimento.

— Quero dizer que é agradável aos olhos, principalmente hoje. — Inclinou a cabeça para indicar meu vestido — Muito bonita.

O encarei para saber se estava me zoando, mas diante da sinceridade inocente fiquei mais envergonhada. Foi minha vez de desviar os olhos para minha taça.

— Você também não está muito mal. — Retribuí a inesperada gentileza. Aquela era a primeira coisa honestamente gentil que ele me dizia.

— Estou apostando nisso. — Ouvi o sorriso em sua voz.

Jessie J estava no palco e eu fiquei perplexa por não ter percebido que ela havia se transportado para lá e ao que parecia cantava há um tempinho.

— Ela é muito talentosa. — Eu comentei, aprovando suas técnicas vocais.

— Realmente. Mas então, por que você não namora? Não sente falta? — Insistiu. Ele devia mesmo estar precisando de alguma distração para se preocupar com minha vida amorosa.

— Você sente falta de morar no Brasil? — Perguntei mal humorada. Ele ficou confuso — Acho que não porque você nunca morou lá, não é? É a mesma coisa. Não sinto falta de algo que não experimentei. E não é anormal não namorar, não é como se fosse uma obrigação.

— Bem, mas você escreve sobre isso, romance, pelo menos acho que é sobre isso que seu livro é.

— Aham, e daí? — Desafiei carrancuda.

— Não tem como escrever sobre algo que você não viveu.

— Se você acha isso tem uma limitação criativa bem restrita.

— Por isso as pessoas tem uma ideia tão errada de amar, os escritores estão inventando coisas que nem sabem o que é. — Repreendeu.

Respirei fundo.

— Obrigada por compartilhar sua sabedoria, Platão.

No exato momento o pinguim chamava Selena Gomez para nos embalar com uma canção. Será que eles tinham pipoca? Isso seria interessante de se ver. Ela nos cumprimentou com sua voz doce e sorriso adorável, então fechou os olhos para cantar.

Senti os olhos arregalarem um pouco quando reconheci o toque de The Heart Wants What It Wants. Uma música, que deixava claro até no clipe, sobre o namorado "babaca" que retratava. Pelo rabo de olho percebi que Justin se mantinha inexpressivo, mas o maxilar estava travado. Permaneci voltada para a frente, dando-lhe a privacidade necessária para lidar com a indireta. Ambos seriam o ápice dramático do evento ao que parecia, todos permaneciam educadamente quietos, mas eu quase podia adivinhar os pensamentos a nossa volta.

Meus músculos estavam tensos quando a música acabou e ela já emendou em Love You Like a Love Song, a plateia vibrou de entusiasmo, talvez tão aliviados quanto eu me sentia por dissipar um pouco do clima sobrecarregado. Como uma boa trouxa tive o impulso de perguntar a Justin se ele estava bem, mas hesitei, imaginando que só receberia seu olhar frio mais uma vez. Então esperei ela terminar, obedientemente quieta e arrumei uma desculpa para olhar pra ele quando o pinguim convidou Miley Cyrus.

— Miley também é muito talentosa.

Ele ainda estava apático e assentiu mecanicamente.

— Fiz uma música com ela uma vez.

Twerk, não é? E cantaram juntos Overboard no Madison Square.

Recebi um olhar ligeiramente surpreso.

— Sim.

— Fã, lembra?

Pensei que ele retrucaria com algum comentário sarcástico, mas apenas balançou a cabeça. Tudo bem, a criatura realmente estava abatida. Despertou meu lado compassivo.

— O que você acha de... Tomar um ar? — Me justifiquei quando ele ficou cético — Aqui dentro está um pouco abafado. — Menti. Meus braços já se arrepiavam com o ar condicionado.

Justin claramente sabia que eu mentia, mas prontamente se levantou e eu o imitei. Talvez isso só fosse reabastecer os ânimos das alfinetadas entre o ex casal, mas ele parecia precisar de um tempinho. Eu mais senti do que vi algumas pessoas acompanharem a nossa saída, mas logo estávamos livres dos olhares curiosos. Achei que sairíamos pelas portas da frente até ele se voltar para o lado direito com tamanha familiaridade que o segui sem questionar, em silêncio. Alguns metros depois ele empurrou uma porta de vidro, me dando visão da piscina gigante ladeada por espreguiçadeiras brancas e alguns coqueiros. Refletores lançavam luzes azuis e rosas pelo ambiente, deixando-o dramático como uma cena de filme. Eu achava que haviam luzes dentro da piscina também.

Tremi, o vento ali corria livremente e parecia carregar a brisa gelada da piscina. Justin não percebeu meu estado e direcionou-se justamente para a beira da água, sentando-se em uma das espreguiçadeiras. Gemi baixinho antes de me direcionar corajosamente para a que estava ao seu lado, esticando minhas pernas e recostando no encosto sutilmente inclinado que estava gelado. Me cobri o máximo que podia com a echarpe e ajeitei o vestido para se moldar a minha pele desnuda, arrependendo-me de não ter escolhido uma blusa de frio. Turista inexperiente. Meus dedos dos pés certamente congelariam.

Observei a água límpida e azul tracejada com a iluminação rosada em alguns pontos, sem querer pressionar Justin a conversar. Eu me lembrava de quando Isis terminara um de seus relacionamentos, ela me dissera que mais importante do que qualquer palavra que eu inventasse era minha presença. Tudo bem que ele não gostava muito da minha companhia, mas deveria servir para alguma coisa.

— Eu sei o que você está pensando. — Ele suspirou, afinal — Mas eu não gosto mais dela. Não assim. — Quem era eu para dizer o contrário? — Tivemos uma história complicada. Mas passou. Estamos bem. Só é meio esquisito ainda. Não sei se algum dia deixará de ser. Mas tudo bem.

Para quem não confiava em mim ele até que dissera demais. Fiquei receosa em dizer alguma coisa que o lembrasse disso, talvez ele só precisasse ser ouvido. E o que eu poderia dizer de útil também?

Diante do meu silêncio, Justin se voltou para mim após alguns segundos, parecendo despertar de seus devaneios.

— Você está com frio. Vamos entrar.

— Não, tudo bem. — Descartei a ideia bravamente. Meu corpo tremia para arranjar calor, e poderia se contentar com isso.

Ele franziu o cenho e desabotoou os botões de seu paletó.

— Bom, ao menos me deixe te dar o casaco. Pressuponho que você subestimou o frio de Los Angeles.

— Ah, não precisa.

Mas ele já havia tirado e me estendia o tecido. Vendo minha intenção de recusar mais uma vez, se adiantou:

— Giulia, você pode colocar sozinha ou eu farei isso.

Revirei os olhos, ele era um galanteador, não podia evitar. Então peguei o paletó, meu corpo pareceu feliz pela promessa de um pouco de calor. Estendi a echarpe nas pernas e cobri os pés, então passei o paletó pelos braços, imediatamente assaltada por seu perfume doce. Era um cheiro agradável e o contato com seu corpo já havia deixado o tecido aquecido para iniciar seu trabalho imediato. Com um tremor final, me deixei envolver pela onda de calor.

— Obrigada. — Agradeci quase sem perceber.

Ele não respondeu, puxando as mangas da camisa para baixo, abotoou as mangas e se encostou na espreguiçadeira de braços cruzados. O silêncio reinou novamente enquanto eu me contentava em perceber meus músculos relaxando.

— Não vai dizer nada? — Questionou de repente.

— Sobre o quê? — Fiquei confusa.

— Achei que teria alguma opinião, crítica, lado, questionamentos, apontamentos... — e lá estava de volta o escárnio.

Dei de ombros, descartando a provocação.

— Não conheço vocês o bastante para nenhuma dessas coisas, então não.

Quem ficou confuso foi ele.

— Pensei que fosse minha fã, então consequentemente me acompanhava.

Ah, agora ele achava que eu era fã, hein?

— Sim, mas não sei o que aconteceu dentro da relação de vocês, posso pressupor pelo que sei de fora, apenas.

— E então? — Insistiu.

Respirei fundo. Era uma armadilha?

— Dá pra sentir que é uma coisa inacabada. Mas se você diz que estão bem, que bom.

— Não é uma coisa inacabada. Só é estranho.

— Não seria estranho se já estivesse acabado.

— Você mesma não teria como saber disso, me disse que nunca namorou.

É claro que usaria minhas palavras contra mim. Afastei do meu rosto os fios levados pela brisa.

— Ah, então ainda é estranho entre você e a Caitlin?

Esperei, triunfante enquanto ele pensava e por fim desistiu, balançando a cabeça. Arqueei as sobrancelhas, "viu?"

— Mas não sinto mais nada pela Selena nesse sentido romântico, só precisa de tempo para que as coisas sejam normais de novo.

— Quando pararem de compor um sobre o outro, também.

Ele quase riu.

— Acho que sim.

Mais uma pausa, depois virou-se para o meu lado, colocando os pés no chão no curto espaço entre as espreguiçadeiras, pouco mais de alguns incômodos centímetros. Manteve os olhos para baixo enquanto falava:

— Eu sei que não fui exatamente um bom namorado no fim, então a música é justa. — Assentiu e tive a impressão de que continuava uma conversa que tinha consigo mesmo. O cabelo muito bem penteado brilhando quase tanto quanto os brincos à luz artificial.

— Cada um tem a sua versão. — Concordei, ainda cismada de que quisesse ter aquela conversa comigo.

— Sei que magoei muita gente — começou a estalar os dedos, concentrado — e poderia colocar a culpa em muitas coisas, a fama, os hormônios, mas era só eu.

Seus olhos vagos me deram a certeza de que ele não falava mais comigo, fiquei receosa até de respirar alto demais e denunciar minha presença ali. Então esperei os nós desenrolarem de sua cabeça, fazendo eu mesma uma retrospectiva de tudo o que eu sabia que ele havia passado. Não foi uma boa época para ser sua fã, isso eu podia dizer. E não sabia como eu havia segurado firme até ali, apesar de tê-lo visto se transformar cada dia a mais em um desconhecido. Mas acreditei na sua essência e orei para que retornasse, e bom, ali estava ele, encontrando seu eixo diante dos meus olhos. Senti a garganta apertar de sentimentalismo, e agradeci a Deus mais uma vez pelo cuidado.

Justin passou a mão na nuca branca com um suspiro, mordeu a boca e olhou pra mim, reflexivo.

— Aposto que ficou difícil me defender — havia um humor distorcido em seus olhos.

— Ah, nada muito impossível de conviver, mas meus colegas de turma não facilitaram — admiti.

Ele realmente deu uma risadinha e então uma ideia brilhou em seus olhos claros.

— Você acha que eu seria que tipo de estudante no ensino médio?

— Ah, com certeza o que seduz as meninas de todos os anos, tenta levar os professores na lábia, bom em esportes e o cafajeste queridinho da diretora.

Ele gargalhou e o som me fez rir mais do que da minha própria piada, era contagiante.

— Eu queria poder te contrariar. — Balançou a cabeça, pesaroso — Você já foi seduzida por um desses?

— É quase impossível não ser minimamente afetada por essa espécie. Esse é o segredo do seu sucesso, não sabia? — Brinquei.

— Eu suspeitei de que não era muito normal desmaiar pessoas só com o olhar. — Fingiu seriedade.

Eu ri alto, ele estava mais perto da verdade do que pensava.

— É um pouco injusto.

— Eu conseguiria te desmaiar com o olhar? — Concentrou intensamente suas íris de mel em meu rosto, sorrindo travesso.

Eu recuei um pouco, apertando os olhos.

— Sou mais forte do que você pensa. — Menti.

Como resposta, ele se aproximou mais, inclinando-se em minha direção enquanto passava a mão no cabelo, entreabriu os lábios vermelhinhos e franziu levemente as sobrancelhas enquanto descia os olhos num ritmo lento sobre mim, para voltarem sugestivos aos meus. Embora já estivesse aquecida, arrepiei. Escondi meu rosto com as mãos num ganido.

— Pare com isso!

Justin riu, muito contente com o triunfo.

— Desculpe, não posso evitar.

— É o que todos dizem. — Reclamei, sem conseguir me lembrar de alguém em especial. Ele estava em muita vantagem com seu cheiro me rondando através do paletó e a proximidade cativante.

Como eu suspeitava, Justin parecia ter um imã gigante escondido sob a pele para atrair suas presas desprevenidas.

— Como se você fosse tão inocente assim. — Acusou.

Arqueei uma sobrancelha inquisitiva.

— Quê?

— Não é uma boa estratégia revelar aos inimigos suas melhores armas, mas vou te dar esse desconto. Você não parece se enxergar com muita clareza, Giulia. Tem muito potencial nesse sorriso. — Elogiou em sua voz rouca complementada com um sorriso torto.

Fitei-o, cética.

— Ainda está tentando me fazer desmaiar?

— Está funcionando? — Seus dentes brilharam para mim.

Balancei a cabeça.

— Você é péssimo.

Ele deu uma risadinha infantil e depois massageou o próprio queixo, me encarando. Não durei dois segundos:

— O que foi agora?

— Não é tão difícil assim conversar com você.

Sorri, presunçosa.

— Você nunca tentou, caso contrário saberia, sou muito simpática. — Me contive para não rir, o que denunciaria totalmente a farsa.

— Ah, eu gostaria de ver isso. Você pode me provar, se apresentando ao Robert Pattinson, por exemplo.

Merda. Eu não aguentava ser desafiada. Decidida, joguei os pés para fora da espreguiçadeira, ao lado de suas pernas, derrubando a echarpe no chão. Ele pegou antes que eu me movesse e nos colocamos em pé ao mesmo tempo. Em vista do espaço apertado, quase trombei com ele e me desequilibrei, fui salva por suas mãos agarrando os meus braços, que me firmaram de frente a ele.

Mais uma vez ele estava dentro do meu espaço pessoal delimitado, sua respiração soprando em meu rosto. Talvez pelo susto, fiquei sem ar quando meu coração disparou. Assimilei suas pestanas longas piscando devagar, as bochechas ligeiramente coradas do frio e a boca contraída de um sorriso contido. Muita informação ao mesmo tempo.

— Ficou tonta. — Observou, satisfeito.

Pigarreei, perguntando-me por que era tão difícil encará-lo de tão perto.

— Vai nessa.

Mas saí cambaleante e desmoralizada sem me lembrar para onde estava indo.

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EU SEI Me perdoem, eu tive que resolver umas coisas esses dias, e esse capítulo estava complicado de ser gerado hahahah não sei o motivo. Eu planejava botar a festa toda aqui, mas começou a ficar muito grande e se eu fosse terminar demoraria mais um tanto para postar (fiz uma enquete no twitter até para saber o que vocês queriam, mas né kakaka). Olha eles interagindo igual gente, aliás.

Só lembrando que: A história se passa em 2015, por isso a trama com a Selena e tal.

Beijinhos e até a próxima!

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