Oxigênio
— Hã... — tentei escolher as palavras com cuidado, me perguntando se havia de fato a necessidade de dar alguma explicação. Aliás, não queria abrir margem para interpretações errôneas. Ou certeiras demais para ser martirizada. Cocei a nuca, nervosa.
— Você o beijou — Lara afirmou, os olhos atentos na minha reação às suas palavras. Estava convencida, mas buscava a confirmação para fins de humilhação alheia.
Danilo também pode ler minha culpa nos olhos e colocou a mão na testa.
— E ela ainda está sorrindo diante das palavras — Franziu o cenho para Lara, feito um psiquiatra dando o diagnóstico.
Por via das dúvidas, endureci meu queixo. Abri a boca para me defender, entretanto, não achava a maneira de fazê-lo.
— Ai, Ju — Lara apoiou a cabeça na mão e o cotovelo no joelho. Parecia mais preocupada do que decepcionada.
— Não foi minha intenção — respondi numa voz fraca, na defensiva. Os dois me olharam sérios.
— Com certeza você tropeçou e caiu com a boca colada na dele — Danilo respondeu com ironia, deu uma risadinha de nervoso.
Revirei os olhos.
— Eu não estava falando sério sobre tirar casquinha, você não tem o mesmo dom que eu. Se pudesse me garantir que não significou nada, todos poderíamos descansar em paz essa noite — nem a própria Lara acreditava em tal teoria.
Danilo descartou a ideia com a mão.
— Ele tentou te persuadir a alguma coisa?
O som baixo do carro em movimento preencheu o silêncio enquanto eu tentava pensar. Só então me lembrei do motorista e dei uma olhadinha alarmada para ele, preocupada que estivesse prestando atenção na fofoca. Além de ser uma coisa privada, que naturalmente eu não gostaria que pessoas estranhas ficassem sabendo, havia a parte da notícia que as revistas estavam atrás.
Lembrei-me então que conversávamos em português. E ao mesmo tempo, quase sem desfrutar do alívio, ponderei que não sabíamos quem era o cidadão de barba média. Talvez fosse brasileiro ou soubesse português. Ele mantinha os olhos escuros e parcialmente puxados para a frente. Ainda assim, não me sentia segura.
— Conversamos em casa — respondi apenas e me voltei para a janela, encerrando o assunto.
Apesar dos suspiros impacientes, mantive minha decisão.
Momentos depois, preferi ter continuado falando. Minha mente me abstraiu do presente, me levando ao passado próximo e prazeroso com Justin. As luzes dos postes mal se comparavam a intensidade do brilho dos seus olhos dentro do seu veículo, e, me concentrando um pouco mais, eu podia sentir o calor de sua mão segurando meu queixo, minha nuca, descendo para minha perna, abraçando minha cintura; sentia sua respiração em meu rosto e a maciez dos seus lábios nos meus. A recordação tão vívida afetou minhas batidas cardíacas.
Então chegamos em casa e eu me lembrei que nem havia perguntado o que eles haviam feito de interessante naqueles dez minutos que pude desfrutar da companhia de Justin.
— Nem pensar, não te contaremos antes de nos descrever tudinho — Lara negou, abrindo a porta de casa.
Nossos pais estavam no quarto, pelo barulho que podíamos ouvir da televisão no andar de cima, portanto me joguei sentada no sofá da sala, a cabeça apoiada no encosto me permitindo olhar para cima em rendição e vergonha. A luz acesa no teto me lembrou episódios investigativos na TV em que colocam o suspeito embaixo de um holofote desnorteante.
— O que eu posso dizer? ... Aconteceu.
— Mais de uma vez? — Lara emendou a pergunta. Os dois permaneceram em pé, olhando para mim. Minhas bochechas queimaram.
Quantas vezes? Me constrangia mais ainda não poder contabilizar sem precisar de fato pensar.
— Hm... Sim? — Respondi, hesitante, tornando a afirmação numa pergunta.
Percebi o silêncio carregado antes de sentir Lara colocar as mãos em meus joelhos, se agachara na minha frente e olhava-me atentamente, mas ao contrário da censura que eu esperava encontrar, vi compreensão.
— Pode dizer, Ju. Nós vamos te ouvir. Acho que você precisa falar.
Pisquei e as palavras correram para a ponta da minha língua, invocadas. De qualquer forma, Lara já parecia saber. Preocupei-me. Estava tão claro assim? Engoli em seco e passei a mão no rosto, estressada. Já era ruim o bastante ter a frase em minha mente, externá-la seria o meu fim.
Mas não havia mais volta. Eu sabia. Suspirei.
— Eu gosto dele — admiti, quase praguejando.
— Desde que era uma adolescente aparelhada, Juli. Só notou agora? — Danilo descontraiu, sorrindo para mim.
Não soube dizer se ele realmente estava brincando ou não entendera até que franziu o cenho.
— A diferença é que agora você pode se ferrar muito mais por isso.
Nós três emitimos risadinhas de nervoso e Lara apertou meus joelhos.
— Tanto assim?
Fingi pensar. Eu já sabia a resposta. Ela enxergou a verdade em meus olhos e contorceu o lábio. Torci verdadeiramente para que eu parecesse tão transparente assim apenas para ela que havia convivido comigo minha vida inteira.
Mas... O que eu esperava? Depois de tanto sucumbir naquela noite na frente dele, não podia achar que dominava a arte do disfarce e que ele não percebesse o quanto estava volúvel à sua presença. Havia dado todos os sinais para que deduzisse os fatos. Para que visse o quanto eu estava apaixonada por ele a ponto de superar os seus defeitos, de torná-los insignificantes diante dos meus sentimentos. Sentimentos que ele provocava. Sentimentos que eu não sabia se estava disposto a se responsabilizar. Muito menos retribuir.
Por outro lado, ele havia dito que... não parava de pensar em mim, sonhar comigo, que eu o desconcentrava e atrapalhava seu sono, que não queria ficar longe de mim...
Grunhi e deixei a cabeça cair nas mãos apoiada nos joelhos, retorcendo minha expressão. Relembrar suas palavras cavoucava meu coração de vara curta.
— Ele meio que disse que deixou minha publicação cair porque... não queria que eu fosse embora — disse, tentando equilibrar a ternura que me tirava os pés do chão.
Mais silêncio no recinto até Danilo estalar a língua.
— Esse cara é meio desequilibrado, né?
O modo como ele falou me fez rir e Lara resmungou.
— Isso não foi... legal — falou com cuidado, provavelmente tinha palavras muito mais agressivas para expressar o que queria — Ele precisa corrigir alguns comportamentos, sim.
— Ele disse que pesquisava sobre os pontos turísticos para poder passar tempo comigo — acrescentei, sem perceber que o faria. Eu mesma estava tentava limpar a barra dele? Ah, misericórdia — E havia me dado um buquê de rosas. Que eu deixei no restaurante quando tentei ir embora.
Os dois franziam a testa para mim, confrontados com as informações. Lara levantou as palmas das mãos, pedindo calma.
— Acho que você vai ter que contar do começo — Lara se sentou com as pernas cruzadas na minha frente e gesticulou para que eu iniciasse.
O mais grave foi que eu senti a pitada crescente de satisfação por ter que reviver a história. Lara ouvia atentamente em silêncio, Danilo interrompia para esclarecer algum ponto e eu fui bem mais simplista quando chegamos a parte de entrar no carro. Neste ponto do relato, percebi o sorriso de canto malicioso do meu amigo — ele claramente já previa onde ocorrera o desastre — e o fuzilei com os olhos sem me interromper. Ao fim, Lara arqueou as sobrancelhas uma vez.
— Vou admitir que até eu cairia nessa. Esse daí é jogador caro.
— Ele tem as técnicas todas — Danilo concordou.
Revirei os olhos, um pouco incomodada pela sugestão indireta de ter sido manipulada. Abri a boca para retrucar e ao mesmo tempo senti o telefone vibrar em meu bolso. Imediatamente resgatei o aparelho e olhei no visor, repreensivelmente ansiosa.
Era uma mensagem dele:
"Vai me deixar sair com você amanhã?"
O canto da minha boca se esticou involuntariamente ao tempo em que minhas tripas se retorceram. Eu mal havia comido, então não podia ser dor de barriga. Fome?
— Hm... — Danilo murmurou, mas eu estava concentrada pensando numa resposta. Talvez fosse melhor esperar um pouco para responder. O imediatismo denunciaria meu nível de apego.
— O que ele quer? — Lara questionou, ansiosa.
Bloqueei o celular e virei-o com a tela contra minha coxa, respirando fundo.
— Saber se podemos nos encontrar amanhã.
Lara arregalou os olhos e Danilo suspirou.
— Bom, é meu primeiro final de semana nos Estados Unidos, depois que atravessei o oceano para te ver, mas se você quiser passar o dia fora tenho certeza de que Lara pode arrumar alguma coisa pra gente fazer.
Dei uma risadinha de sua expressão esnobe e com indiferença notoriamente falsa.
— E espero que não estejam esquecendo de que a noite combinamos de ir ao restaurante mexicano do qual falei — Lara acrescentou.
Alguma coisa pequena se partiu dentro de mim.
Mas eles estavam certos, seria bom para manter a sanidade também. Lara se levantou e alongou as costas, os olhos atentos em minha expressão.
— Não estou dizendo que não pode convidar ele o Ryan para a noite, aposto que Ryan vai adorar a programação.
Identifiquei a sutileza reservada no fundo dos seus olhos. Eu também tinha a habilidade de interpretá-la.
— Você já havia mencionado isso pra ele, não é?
O sorrisinho de culpa foi imediato e eu abafei a risada com a mão.
— Não foi exatamente um convite, mas, se ele pudesse ir seria divertido. E aposto que você está morrendo de vontade de ver o Justin de novo.
Nós não estávamos justamente conversando sobre como era arriscado nutrir meus sentimentos por ele?
Coloquei a mão no queixo, avaliando minha irmã.
— Está acontecendo algo entre vocês, Lara?
Sua careta de negação apareceu antes mesmo que eu terminasse a frase.
— Não viaja, Ju. Mas você sabe que eu aprecio a boa vista — o esgar de seus lábios foi sugestivo.
Eu gargalhei e me inclinei para a frente, interessada.
— Já o beijou? Ou você quer?
Ela revirou os olhos. Como se não tivesse provocado aquilo!
— Não. Mas não me importaria se acontecesse — levantou um ombro.
— Aqui jaz os sentimentos do Matheus — balancei a cabeça, fingindo pesar. Ela me fitou entediada.
— Aqui jaz a minha vontade de comparecer a esse evento, vou ficar de vela. Prefiro ficar junto dos seus pais — queixou-se Danilo.
Eu joguei uma almofada em sua direção. Ele só precisou dar um passo para trás, rindo, e o objeto caiu aos seus pés. A rapidez não me ajudara na força e mira.
— Deixa de ser doido, menino. Ficar com nossos pais não é ficar de vela, não? — Lara resmungou.
— O amor maduro é bem mais fácil de suportar do que amor juvenil — debochou.
— Amor! — Bufei.
Os dois me olharam com uma descrença petulante.
— Irmãzinha, eu posso fazer esse comentário, você não.
— Há há há, eu vou dormir. — Levantei-me abruptamente e os dois vieram no meu encalço.
— Sei, dormir. Vai convidar ele para amanhã à noite ou não? Vou chamar o Ryan — Lara subiu os degraus no meu ritmo.
— Eu juro que se vocês me deixarem de vela...
— Danilo, você se deu super bem com o Ryan hoje, sabe que não tem vela nenhuma.
— Vai que vocês se sentem incentivados pelo clima entre o casal do ano?
Parei no topo da escada e Lara quase trombou comigo. Me voltei para os dois.
— Não tem casal, nenhum — insisti, rígida — Vou passar o dia com você e pode ser que eu o convide para se juntar a nós à noite, agora, boa noite para vocês.
— Espera! — Danilo chamou quando virei as costas — Você sabe que Ísis vai querer saber o que aconteceu, não quer ser a primeira a contar suas aventuras pra ela?
— Vou mandar uma mensagem. Boa noite, Lara, boa noite, Dani. Amanhã vocês me contam sobre o que fizeram hoje — os dispensei com um aceno, já fechando a porta do meu quarto.
Danilo apertou os olhos e Lara fez uma careta, reconhecendo minha fuga. Não havia dado tempo de que me aconselhassem ou opinassem sobre o que ocorrera.
— Se precisar pode nos chamar — Lara disse, quase esperançosa.
Aquiesci, sabendo que não o faria. Quando fechei a porta, enfim pude respirar. Encostei-me na madeira e apoiei a cabeça. Havia tanto a ser pensado e reavaliado, eu não conseguiria fazer isso conversando com eles. Ao mesmo tempo que eu só precisava de um tempo de paz para digestão natural do meu corpo. Joguei-me no colchão sem cerimônias, os pés deixados para fora da cama a fim de que não precisasse tirar o calçado.
Sentia-me viva e exausta ao mesmo tempo. Fechei os olhos, já havia imagens o suficiente passando atrás deles. Memórias sobrepostas e ilusões detalhadas. Imaginei o que aconteceria no dia seguinte se eu, de fato, convidasse Justin para ir ao restaurante. Mais uma aparição pública. Desgastaria minha imagem? Eu deveria consultar Fani?
De qualquer forma, Lara já devia estar convidando Ryan...
Sendo totalmente racional, eu já havia deixado com que ele me prejudicasse o suficiente. Não sabia quais seriam as consequências de aparecer em público com ele duas vezes seguidas, e seria melhor não arriscar, tendo em vista toda a repercussão que aquilo estava tendo. Coisa que ainda me parecia surreal. De que interessava ao restante do mundo com quem eu saía? Só ajudava a reforçar a sensação de estar vivendo uma realidade paralela.
Olhei para a mensagem no meu celular e respirei fundo, sentindo a pontada de tristeza e dependência por ter que fazer o certo. Os efeitos dele ainda repercutiam sobre mim, de forma que não conseguia acessar toda a raiva rancorosa que me auxiliaria naquele momento.
Contrariada, digitei:
"Não posso. Já tenho planos com o pessoal de casa."
Imediatamente, pulei da cama e corri para o quarto de Lara. A porta estava aberta e ela revirava seu guarda-roupa. Olhou pra mim surpresa ao me ouvir chegar.
— Não convide o Ryan, por favor. Acho que provavelmente não vai ser bom pra mim — olhei para trás e falei mais baixo — Fani já vai me matar se sair alguma coisa de hoje.
Lara franziu o nariz.
— Eu meio que já convidei.
— Então desconvide. Essa sou eu sendo responsável. Ryan está ligado ao Justin, ainda que o dito cujo não vá, a presença de Ryan já é capaz de gerar especulações — cruzei os braços. Eu estava tão desgostosa quanto ela por ser obrigada a decidir daquela forma.
E se me pressionasse um pouco o surto de responsabilidade poderia desaparecer.
Lara jogou de volta a roupa que segurava e torceu o canto da boca.
— Tá, esse negócio de figura pública está ficando sério demais já. Não gostei — então abriu um sorrisinho — Mas estou orgulhosa de você.
Eu ri e levantei um ombro.
— Provavelmente isso acabe daqui a pouco, quando a gente voltar ao Brasil — meu humor foi se esvaindo conforme eu percebia o que dizia. Nada tinha a ver com ser uma figura pública ou não. Pensar em ir embora contorcia as pontinhas do meu coração.
Rejeitei essa linha de pensamentos e me foquei no ânimo contestador da minha irmã. Ela colocou as mãos na cintura.
— Não se iluda. Você vai virar uma escritora internacional famosíssima. Isso só vai piorar. E ainda vai ter um filme sobre o seu livro. Escreva o que estou dizendo.
Viajei um pouco nessa ideia. Caso o mundo saísse mais um pouquinho do lugar e eu conseguisse um filme para o meu livro, como poderia visualizar um ator para ser o personagem principal que não minha inspiração?! Ninguém chegava aos pés dele.
E falando no cão...
"Hm... Isso não é você tentando fugir de mim, certo?".
— Obrigada, Lara. E desconvide — pontuei e rastejei de volta ao meu quarto antes que ela pudesse dizer outra coisa, atenta no aparelho maldito.
"Não é. Prometo."
Abri a porta do guarda-roupa, escolhendo um pijama mecanicamente, meus pensamentos presos no loopping de tê-lo tão perto de mim, do sorriso quente, as mãos firmes puxando minha cintura para perto, a voz macia e baixa soprando seu hálito em minha boca, o tempo paralisado nas faíscas que ele emanava e a sensação mais arrebatadora dos seus lábios nos meus.
Meu estômago se revoltou à memória e eu expirei para manter a calma.
A notificação do celular me deixou o oposto.
"Ainda assim é deprimente".
Esbocei um sorriso tristonho. Estava comovida com a sugestão de que sentiria minha falta. E triste pelo fato de que eu também sentiria a sua. Já sentia. No fundo, desejei que ele se esforçasse para fizéssemos planos para o domingo pelo menos. Embora não devesse querer. Ugh.
Respirei fundo de novo, reconhecendo a sensação de mergulhar no oceano sem a máscara de oxigênio. E ainda nos poucos momentos de lucidez, o cilindro parecia preso ao meu pé, puxando-me cada vez mais para o fundo...
"Eu sei. Boa noite, Justin."
Levei o pijama para o banheiro e o coloquei na pia. Me olhei no espelho. Os olhos grandes reluziam com tamanha ingenuidade e intensidade que me encolhi. As bochechas coradas e o lábio inferior entre meus dentes eram o reconhecimento da iminente catástrofe se eu não tivesse capacidade de refrear aquilo. E não me referia a publicação do livro. Ainda que desse tudo certo na minha empreitada profissional, eu corria riscos bem graves de me perder completamente no processo.
"Boa noite, Lia. Já estou te esperando nos seus sonhos :b".
O sorriso imbecil denunciado pelo reflexo me fez balançar a cabeça em negativa.
Já estava perdida.
— Se um dia fui pobre eu realmente não me lembro — Danilo brincou saindo da loja da Adidas com uma sacola na mão, unindo-a a sacola da Calvin Klein. Eu e Lara demos risadinhas — Tem algo diferente em gastar em dólar, parece que é de mentira então o bolso nem dói tanto.
— Quando voltarmos ao Brasil você vai ver o resultado desse dinheiro de mentira — Lara avisou, deixando-me escorar em seu braço.
Ele fingiu estremecer e olhou dentro da sacola da Calvin outra vez.
— Será que a Ísis vai gostar mesmo dessa camiseta? Eu não sei dar presentes sentimentais. O que ela poderia querer daqui? Uma bandana escrita "estive em San Diego e lembrei de você"?
Sorri de sua testa vincada em preocupação.
— Tenho certeza de que vai amar. Qualquer souvenir que fale San Diego já dá o acréscimo especial ao presente. Olha, aquela banca ali.
Nos direcionamos a próxima esquina, uma banquinha simples com artigos para turistas, camisetas, broches, pequenas esculturas, faixas, bandanas que pendiam do teto, laços, arquinhos, todos fazendo menção a San Diego. A mulher de meia idade atrás do pequeno balcão nos recepcionou com um sorriso de pequenas rugas e Danilo se apressou em fazer o primeiro contato. Ele estava aproveitando cada uma das oportunidades de aprimorar o seu inglês.
Mexi nos objetos espalhados no balcão, pensando na lista de pessoas que eu devia levar presentes e se já não havia comprado para todos. Eu estava me sentindo um pouco mais a vontade de estar ao ar livre, apesar de sentir na nuca um ponto de tensão de ser abordada por curiosos e receber cliques indesejados – quem diria. Ainda mais considerando minhas aventuras do dia anterior.
— Olha, Dani, achei o presente que vou comprar pra você! — Segurei o chaveiro na mão e o estendi sorridente em sua direção.
Danilo sorriu antes mesmo de olhar o sol de biscuit entalhado com as palavras "San Diego" no meio, ocupava pouco mais do que o centro da palma de sua mão. Apanhou o objeto, repuxando o lábio em comoção. Eu o dizia que ele parecia meu próprio sol, e ele afirmava que estar sem mim era como tirar seus raios.
— Ow. Gostei. Pode comprar — me devolveu o objeto, presunçoso.
Entretanto, olhando a pequenina figura, me veio outra recordação. Justin havia dito que se apaixonava por pessoas que sorriam como o próprio sol. E eu não queria ser prepotente, mas poderia jurar que sugerira encontrar tal qualidade no meu sorriso.
Balancei a cabeça, retornando ao centro. Ele estava o dia inteiro aproveitando pequenas oportunidades para serpentear entre meus pensamentos, recusando-se a ser esquecido por um minuto que fosse. Era extremamente frustrante o tempero de saudade que aquilo trazia.
Danilo pediu minha opinião sobre o broche que segurava e eu me voltei para o lado esquerdo a fim de incluir Lara na votação. Ao não a encontrar onde estava, semicerrei os olhos até identificá-la do outro lado da rua, espiando a vitrine de uma loja de calçados.
— Então vai ser isso mesmo — ele entregou o broche com mais alguns artigos na mão da vendedora e eu esperei para pagar o meu sem que visse, compraria dois chaveiros de sol, para cada um de nós guardar como recordação daquela viagem.
Terminados os negócios, lhe estendi o saquinho de papel que continha o seu e ele arqueou as sobrancelhas, parcialmente surpreso.
— Pra mim? — Apanhou seu presente e espiou sem suspense, uma vez que já imaginava qual era o conteúdo.
Chacoalhei o meu chaveiro.
— Pra gente se lembrar que até em San Diego faz sol.
Ele abriu seu grande sorriso pra mim e me puxou para um abraço.
— Você tem as melhores ideias, Juli. Obrigado. Amo você.
Descansei por alguns segundos a cabeça em seu peito, feliz e segura. Danilo tinha o abraço que acolhia cada parte do nosso ser e nos fazia esquecer momentaneamente questões frívolas de existir.
— Eu amo você.
Suspirei e me afastei, de volta a bagunça que era viver em minha cabeça, tornando-me outra vez consciente do sol tímido de fim de tarde que nos tocava, as conversas paralelas a nossa volta e o som dos carros nas ruas. Era sábado, a Gaslamp estava um tanto quanto apinhada de turistas. Já havíamos andado praticamente o espaço todo, pulando de loja em loja sem pressa de ir embora. Havíamos chegado às dez e almoçado sanduíches no quarteirão debaixo.
Olhar ao redor me despertou a paranoia de estar sendo encarada por algumas pessoas. Na verdade, não podia ser tão fora da realidade assim, já que meu olhar realmente se cruzava com algumas delas. Podia ser por motivos aleatórios, se fosse para pensar positivo...
— Prontos?! Já chamei o Uber para a Old Town! — Lara de repente estava na minha frente, agitando o celular em frente aos nossos olhos.
Eu ri.
— Se não estivéssemos, teríamos que estar agora.
Ela me deu a língua.
— Eu não quero perder nada. Hablas español, Danilito?
O dito cujo deixou um pequeno espaço entre o polegar e o indicador posicionados paralelamente.
— Un poquito.
Eu e ele trocamos olhares e começamos a cantar entre sorrisos a balada de um de nossos filmes preferidos:
— E eu fico un poco loco
Un poqui-ti-ti-ti-to loco
Eu fico tão confuso
Eu entro em parafuso
Me alegro e deduzo
Que sou mesmo un poco loco!
O uber chegou em cinco minutos e entramos no carro conversando em português mesmo. A presença de Danilo nos deixava mais seguras. O medo de duas turistas serem sequestradas e vendidas no mercado quase esquecido.
— O Matheus me mandou mensagem, gente. Perguntando quando vamos voltar — minha irmã anunciou.
Ela e Danilo já passavam a nutrir uma amizade suficiente para dividir assuntos como esse. E, sendo uma pessoa um pouquinho ciumenta, deveria admitir para mim mesma que isso me incomodava ligeiramente. Não que eu fosse admitir a alguém ou fazer alguma coisa sobre. Era até benéfico que ele se introduzisse de tal forma na minha família. Mas a parte mesquinha de mim, fortemente combatida, se preocupava em ser deixada de lado.
Infantil e desnecessário, Júlia.
Tendo nossa atenção, ela continuou:
— Eu disse que não sabia. E ele ficou todo impressionado por Danilo ter vindo para cá.
— Acha que ele faria o mesmo? — Perguntei, dispensando um sorrisinho a Danilo.
— Não sei — franziu o cenho — E não quero — uma pausa para nossas risadas — Mas acho que não. Entre vocês dois existe amor. Entre ele e eu só existe uma anomalia — ela retorceu os dedos, trazendo a explicação ao mundo físico.
— Até um de vocês dois perder o medo e definir o que sentem. É perceptível que não são mais só "ficantes". Tem sentimento mais robusto aí. Vai ter coragem, Larinha? — Opinou Danilo.
Ela fez uma careta, desconfortável com a verdade. O que sentia por Matheus podia ser tão forte a ponto de abrir mão de sua regalia de ser livre para estar com outras pessoas também?
Pensar no seu aspecto mais desapegado e versátil me vi em situação quase semelhante. Não no que se referia a mim. Eu não gostava e não conseguia "me envolver" com várias pessoas ao mesmo tempo. Contudo, meu atual interesse sim. Esta era uma coisa que o mundo inteiro sabia. E como ele estava enxergando essa aproximação? Não que eu já estivesse pensando em vestidos de casamento, buffet e decoração — puf, claro que não —, mas eu conseguiria não me aprofundar muito? E como me sentiria vendo-o com outras? E quando eu fosse embora?
Reconheci a inutilidade desta linha desorganizada de pensamentos no momento. Não me traria nenhum progresso além de uma ansiedade sem fim.
Uma coisa era certa, ferrada eu já estava.
Descemos na Old Town no meio da história de Danilo sobre seu último affair. Um que arrepiava a nuca da minha cabeça de raiva só de lembrar. Ele era praticamente o cachorrinho dela — correndo de mercado em mercado quando a mesma comentara que estava com vontade de uma fruta fora de época — e não fora tratado com o devido respeito e valor — substituído por opções alternativas quando já haviam marcado algum encontro. Danilo sempre foi corajoso o suficiente para expor seus sentimentos e isso, segundo ele, o poupara de um sofrimento futuro maior.
— Ísis e eu quase ficamos loucas — murmurei entredentes quando ele terminou o assunto na Tienda de Reyes, uma loja que ostentava caveiras coloridas e flores, vestidos de estampas, colares e brincos.
A Old Town em si me lembrava o Wild West do Hopi Hari, mais abarrotado de artigos. Alguns lugares se enfeitavam de bandeirinhas acima de nossas cabeças. Plantas para todos os cantos, principalmente cactos. Estruturas em madeiras e tijolos, um barril espalhado a cada dois metros, banquinhas com roupas e objetos estampados pelas ruas. As caixinhas de som penduradas em alguns postes ou coqueiros reproduziam as músicas típicas.
— E parece que o jogo virou, não é mesmo? — Ele me encarou.
Eu ri, culpada, e me escondi atrás de um leque pomposo. Coloquei um chapéu na cabeça e me abanei, fingindo inocência.
Danilo balançou a cabeça, enviesando o lábio e segredou para Lara.
— Como ele poderia não se encantar por ela, não é? — Seu tom terno nada tinha a ver com sarcasmo e minha irmã cravou os olhos em mim.
Arqueei uma sobrancelha discreta pra ela. Depois de todos aqueles dias ainda não havia se acostumado com o carinho que nutríamos um pelo outro.
Lara acabou comprando um chapéu palha com flores ao redor da aba e eu comprei um grampo com uma rosa vermelha que coloquei no cabelo assim que saímos da loja, puxando uma mecha para prendê-la na transversal do lado esquerdo.
Passamos para olhar mais alguns artigos antes de nos direcionarmos ao Barra Barra, o restaurante que minha irmã estava ansiosa para ir. No meio da rua já podíamos ouvir as músicas, o guitarron mexicano, trompetes e as vozes fortes masculinas. O sorriso no rosto de Lara exalava empolgação e nos contagiou.
A parte externa do local parecia uma casa de tijolos pintada de branco, com telhas avermelhadas, enfeitada com cactos, coqueiros e plantas floridas em vasos, reproduzindo a estética que a Old Town trazia. Duas mulheres de saia longa azul, blusa branca e cabelos devidamente presos com uma fita nos receberam com lábios avermelhados moldados em boas vindas.
As mesas de madeira se espalhavam na parte externa, coberta por uma tenda firmada por estruturas de madeiras, envoltas de flores, e dentro do restaurante bem arborizado. Os músicos estavam embaixo da tenda, vestidos a caráter, usando chapéus e bigodes impressionantes. Lara quis ficar bem na frente dos mesmos, e enquanto nos dirigíamos para o local escolhido, se não sofri de uma parada cardíaca, foi algo bem semelhante.
Primeiro achei que estivesse vendo coisas — o que implicaria em grave dano cerebral ocasionado por meus sentimentos —, depois, fixei meu olhar na segunda mesa do lado esquerdo e comprovei que o brilho daqueles olhos me eram reconhecíveis a metros de distância, por pixels e através de uma multidão alucinada. As feições mais fáceis de identificar agora ou daqui setenta anos. O sorriso mais radiante que um farol que sempre me direcionaria para casa. E sua atenção vinha com o caráter perpétuo de me desnortear, o que ele fazia naquele exato segundo.
Voltei-me em pane para minha irmã assim que, ao me reconhecer, ele esboçou aprazível perplexidade.
— O que...?! — Grunhi, sufocada, o coração participando da Fórmula 1 quando vi pela visão periférica que ele havia se levantado.
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BOA TARDE. Venho através deste com a maior culpa carregada em meu coração. Gente, eu tinha planos de encaminhar muito mais essa história esse ano, mas depois do dia 02 de janeiro minha estrutura emocional foi duramente abalada ka ka ka. Não tinha condição de escrever por muito tempo, e quando eu tentava não escrevia uma palavra. Eu não acredito que já estamos em abril! Eu fiquei muito triste mesmo por não estar conseguindo escrever, mas minha vida amorosa colapsou e eu simplesmente não podia pensar em romance KKKKKKK as coisas ainda não estão perfeitas, mas estou mais firme agora.
Me perdoem, de coração inteiro. Se vocês ainda estão aqui: muito obrigada! Se não estiverem, eu entendo também. E como eu digo, não vou deixar de terminar essa história, e não minto quando digo isso. Vou voltar com mais capítulos até chegar ao fim. Acho que agora consigo voltar a ativa KAKAKKAKAEspero que vocês estejam bem! E espero retornar ainda em abril. Um abraço carinho em cada uma!
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