Inacreditável
(((Autora: Playlist muito necessária nesse capítulo, está no link externo, começando com Dive do Edzinho, boa leitura!!!)))
— Então você já fez muitas festas privadas aqui? — Fani seguiu em seu interrogatório exaustivo para Justin, muito direta para parecer totalmente educada. Por ora nenhum de nós havia conseguido tomar a palavra.
Justin estava sentado confortavelmente no sofá grande de couro marrom no formato de um retângulo sem um dos lados, o único tipo de assento do local. Ele havia conseguido o mais distante, atrás das grades na altura de nossa cintura. O local todo parecia uma espécie de imitação profana de templo, colunas em cor chumbo se espalhavam do piso ao teto, os móveis e carpete tinham o mesmo tom de marrom escuro, e a única parede divisória tomava o formato de quatro janelas seguidas de igreja do teto ao chão com abertura suficiente para as pessoas passarem entre elas. De fato, eu jurava que podia ver a imagem de Nossa Senhora acima de uma delas. Nas paredes, círculos com desenho de cruz com as pontas arredondas. Grandes holofotes de luz no teto moldavam-se como mosaicos. E eu supunha que quando a noite avançasse, eles apagariam as luzes claras e comuns para sua iluminação dançante em azul, amarelo, verde e derivados. Uma decoração questionável. A parede oposta possuía um palco razoável portando a aparelhagem de Dj's. Justin havia nos informado que o jantar prosseguia até 9 horas e então o ambiente se transformava numa balada.
Até o momento, havia somente uma música aleatória de fundo, e conseguíamos nos ouvir bem. De qualquer forma, eu e as meninas estávamos de costas para a parede, já Ryan e Justin ficaram com a ponta na nossa diagonal a direita. A mesa de centro pouco conveniente para um jantar brasileiro decente, ostentava petiscos e pequenos lanches a nosso dispor, bem como um balde de bebida. Eu engoli meu refrigerante com energia ao passo que joguei um olhar de clemência para minha empresária. Ela me ignorou.
— Ah, não. Você gostaria de fazer alguma festa aqui?
Fani forçou um sorrisinho, "engraçadinho".
— Mas imagino que já tenha frequentado muito o lugar — e virando-se para mim, crítica — Inclusive Júlia deve saber disso, para ter escolhido justamente aqui. Que coincidência, hein?
Ryan enfiou um punhado de batata na boca, ainda intercalando, com seus impressionantes olhos azuis de oceano, entre os dois como se assistisse uma novela. Eu ainda apreendia o fato de que ele era mesmo real. Lara sugou com muita força o canudinho de seu refrigerante, fazendo o famigerado ruído de sucção. E eu, culpada até os cabelos, mordi meu mini lanche de frango para não ter que responder, levantando as sobrancelhas como um sinal simpático de quem ouvia.
— Recentemente não muito, mas nos meus dezoito/dezenove anos vim bastante, sim — Justin se antecipou a responder antes de comer mais batata.
— Agora prefere mais visitas na praia, então? — Ela nem tomou um segundo para pensar, balançando a bebida em seu copo em movimentos circulares.
Engoli a comida com ruído, quase engasguei e precisei tomar um gole de refrigerante para aplacar o desconforto. Tudo ao mesmo tempo em que beliscava a perna de Fani. Até quando ela seguiria com aquilo?
Não deveria ter me surpreendido, mas arregalei os olhos quando Justin abriu seu melhor sorriso travesso e respondeu:
— Depende na companhia de quem — provocou, sem o menor pudor.
Ryan engasgou com a batata e Fani semicerrou os olhos. Ela abriu a boca para retrucar e eu pensei rápido para interromper, apesar da queimação em meu rosto:
— Lara também foi a praia hoje, não é, Lara? Vocês já visitaram Black's Beach em La Jolla, meninos? — Olhei para minha irmã, sentada do outro lado de Fani, implorando por ajuda.
A descarada mordia a boca tentando conter uma risada.
— Eu já fui uma vez, as pessoas lá têm o costume interessante de praticarem nudismo — Ryan respondeu, sorrindo para mim quando o olhei grata. Depois dos cumprimentos, ele não tivera oportunidade de dizer mais nada.
Emocionei-me com nossa pequena interação, mas vinquei a testa, identificando alguma frase não dita no canto de seus olhos.
— Você é uma dessas pessoas, Ryan? — Questionei, desconfiada.
— Sou um grande admirador da arte e da liberdade individual, Julia — ele piscou e eu seria hipócrita se não reconhecesse que Ryan Butler de fato tem um charme inegável.
Justin revirou os olhos ao seu lado.
— Suponho que queira dizer que sim — conjecturei, reprimindo o riso e tentando não imaginar a situação. Mentes férteis são um castigo as vezes.
— Vou deixar a sua interpretação. Reforçando que eu sou um fotógrafo. Se quiser ser uma das minhas modelos, entre em contato — seus dentes faiscaram.
Aquela repuxada de lábio só podia ser maliciosa. Ryan Butler estava sendo malicioso comigo? Sufoquei uma risadinha histérica diante do pigarro repreensivo de Fani. Justin deu um tapinha no ombro do amigo.
— E você, Stefani, está gostando da ensolarada California? — Ryan pegou uma garrafa de cerveja oferecendo-se para encher o copo dela.
Fani afastou o copo de imediato.
— Não estou tomando bebida alcoólica, o volante é meu — negou, inflexível.
Ryan fez um muxoxo.
— Não se preocupe, o garanhão aqui tem motorista particular pra isso — ele colocou a mão no ombro de Justin com impacto — Imagino que seu dia tenha sido estressante, você merece um descanso — incentivou, muito persuasivo em sua voz repentinamente suave, aproximando-se mais.
Fani suspirou.
— Não posso. Eu sou a responsável por essas crianças — apontou para Lara e eu com a cabeça. Nós duas fizemos uma careta.
Ryan assentiu, compreensivo, e trocou por uma garrafa de refrigerante. Esse ela aceitou.
— Imagino que não deva ser muito fácil — murmurou em solidariedade.
— Você não faz ideia — ela expirou.
— Ei! — Eu protestei.
Ryan riu e Fani quase esboçou um sorriso. Enfim uma demonstração de bom humor! Ele também parecia estar com o mesmo pensamento e olhou para mim em camaradagem, dando mais uma piscadela.
Nunca duvidei que Ryan fosse um grande conquistador. Que injustiça — ou privilégio? — das pessoas que tinham que conviver com ele e Justin juntos. Se um já era demais, os dois no mesmo ambiente eram um grande atentado a segurança pública. Uma olhadinha em Justin pelo canto do olho me fez confirmar o incontestável: ele sozinho já valia por mil Ryan's. O dito cujo me fitava, e arqueou a sobrancelha para mim como quem diz "ele é uma peça, não?". Aquiesci antes de Ryan prosseguir em sua missão de amansar a Fara (Fani + fera):
— Como você iniciou seu trabalho de empresária? Sempre almejou essa profissão? E acha que vale a pena? Nós, empreendedores, devemos ter muita determinação, não concorda?
E aqui ele pegou o ponto certo. Fani adorava divagar sobre sua vida profissional. Ela pareceu se esquecer por um momento do propósito de criticar e alfinetar Justin, empenhada em discorrer o início de sua carreira, que não, não era sua ideia inicial de como se sustentar. E Ryan, como um bom ouvinte, a manteve falando com comentários certeiros. Justin ocasionalmente me olhava, comentando com o olhar a história. Ele não seria atrevido a ponto de arruinar todo o progresso de Ryan com Fani fazendo-a ouvir sua voz melodiosa.
Comecei a ficar extremamente inquieta no banco. Nunca achei entediante a história de Fani — como largou a faculdade de medicina contra o desejo dos seus pais para fazer administração e encontrou nos estudos a vontade de montar o próprio negócio —, mas naquele momento eu lutava contra o impulso de me levantar. Demorei a perceber a origem do desejo: aproximar-me mais de Justin.
Ótimo.
Cruzei as pernas, balançando um pé.
Justin flagrou o movimento e arqueou a sobrancelha de novo, "o que é?". Como ele podia se expressar tanto com uma sobrancelha?
Descartei preocupações com um gesto sutil da mão, corando ao imaginá-lo descobrindo a verdade. Ele apertou os olhos e então deu um sorrisinho de satisfação enquanto passava um dedo de leve na própria bochecha.
Balancei a cabeça e abri a mão livre, indignada. E como raios ele podia perceber tanto meu rubor com facilidade? E precisava ficar comentando disso sempre?!
Seu sorriso se ampliou.
— ... Hã, Julia? — Ryan chamou minha atenção.
Todos eles me fitavam.
— O quê?
Lara cobriu a boca e Fani comprimiu os lábios de desaprovação para mim. Ela estava muito carrancuda hoje. Eu devia mesmo tê-la tirado do sério.
— Eu perguntei se você também sempre quis escrever livros. É isso que você faz, certo?
— Ah! Sim... Não... Depende — atrapalhei-me, efeitos do sorriso do homem que agora abafava um risada tossindo — No começo da minha adolescência, quero dizer, foi quando me apaixonei pela escrita — e pelo meu personagem principal de todas as histórias, acrescentei mentalmente.
— E por agora ela está indo muito bem, se nenhum inconveniente atrapalhar seus sonhos — Fani disse, olhando fixamente para Justin com uma falsa animação.
E lá vamos nós de novo.
— Jb?
Todos nos viramos para ver quem chegara. Mulher, alta, cabelo liso preto um pouco abaixo dos ombros, rosto pequeno e tamanho de olhos e nariz proporcionais. Os lábios mais carnudos do que aparentemente deveriam, pele lisa e branca.
Kendall Jenner.
Ela era mesmo mais bonita pessoalmente. Mas não fazia diferença para mim. Nunca vi nada de tão interessante nas Kardashians para ficar emocionada e isso não mudaria agora.
— Ei, Ken! — Ele se levantou no ato, todo sorridente. Quase no mesmo momento abraçou sua cintura fina coberta por um blusão creme largo.
Curiosa — e temerosa —, analisei discretamente o restante de seu figurino, ela era modelo, devia mesmo saber da moda. Não havia nada de muito extraordinário, calça preta colada, bota de salto de couro, uma gargantilha e boné de beisebol. Suspirei de alívio por não estar inadequada ao lado dela. Não sei por que duvidei da habilidade estilista de Lara.
— Que surpresa agradável! — Ela disse antes de soltá-lo e quando o fez apontou para trás de si, a outra mesa isolada das demais — O pessoal está todo ali, se quiser dar um oi. E olá, vocês! — Acenou para nós com simpatia, inclinando-se atrás dele.
Respondemos quase em uníssono. Ryan também se levantou para cumprimentá-la com um abraço mais superficial e depois Kendall segurou a mão de Justin. Claro, eu tinha visto algumas fotos sobre essa amizade ano passado, o gesto não deveria ter me parecido inadequado.
— Kylie vai adorar te ver! Vamos? Ry, se quiser ir também.
Olhei para a mesa que ela indicava, localizando sua irmã sentada no canto do sofá, mas não me interessei em continuar bisbilhotando para identificar as outras pessoas. Provavelmente mais supermodelos.
— Claro, já voltamos — Justin nos assegurou bem a tempo de ser arrastado pela modelo socialite queridinha da América. Ryan os seguiu.
Ignorei o leve incômodo por Justin não se dar ao trabalho de nos apresentar. Por um acaso não valíamos a pena a menção?
— Melhor se não voltar — Fani falou baixo quando eles já estavam alguns passos distantes.
— Uau, as Kardashians — Lara esticou o pescoço, concentrada nas celebridades — É isso, Jú, chegamos ao topo da cadeia alimentar — disse, deslumbrada.
Dei de ombros.
— Não acho que elas sejam tudo isso.
Lara arregalou os olhos para mim, descrente. Seja lá o que tenha visto em meu rosto, lhe pintou ardileza nos cantos da boca. Melhor nem perguntar.
Como Kendall dissera, as pessoas sentadas na mesa ao lado — agora eu via e confirmava, as mulheres magras de cabelos alisados e alguns homens de roupas largas — vibraram com a presença dos meninos, todos se levantaram para cumprimentá-los. Aproveitando, voltei-me a Fani, expressando toda censura que podia.
— Você sempre me disse para manter boa relação com todas as pessoas, afinal, nunca se sabe quando precisará delas. Pode me explicar como Justin é uma exceção a essa regra?
Ela colocou seu copo na mesa para que pudesse cruzar os braços para mim, trazendo toda a sua seriedade opressora nos traços tão delicados.
Opa.
— Depois do dia de hoje você esperava que fosse diferente? E, quando vamos conversar sobre toda a confusão, ele de repente está aqui? Por alguma razão eu não acredito que isso seja coincidência, mocinha.
Deixei o queixo cair como se estivesse indignada com a acusação certeira.
— Independentemente de qualquer coisa devemos manter a educação, Fani.
Ela deitou a cabeça, encarando-me.
— Lara, você quer contar a sua irmã como ela quebrou a internet hoje? — Pediu, sem tirar os olhos de mim.
Imperceptivelmente, me encolhi.
— Ah... Bem, Jú... — Lara experimentou as palavras, indecisa.
— Que saiu uma matéria no TMZ...? — Incentivou, petulante.
— Hm, sim... — murmurou.
— Que ela recebeu mensagens de muitas pessoas com tom agressivo? — Pontuou, ainda fitando meus olhos receosos.
— Bom... — as reticências dela morreram junto com sua coragem de me dizer qualquer coisa. Ela torceu a boca com empatia.
Fani suspirou, abandonando a fachada bruta para uma repreensão mais humanista.
— Júlia, você sabe que me importo com você, de verdade, e minha meta suprema é te proteger de tudo e todos, bem como viabilizar os seus sonhos, então deve entender como hoje você não facilitou muito as coisas. Eu já queria conversar com você sobre suas redes sociais, lembra?
Eu assenti, sentindo-me mais amedrontada agora do que antes. Tentei ignorar o problema até ali, mas todo mundo sabe que jogar sujeira para baixo do tapete não é uma boa estratégia, embora muito tentador, já que em certo ponto a ignorância é uma benção.
Convenientemente, as luzes se apagaram. Os uivos do público me lembraram a animação da quinta série nos apagões da escola. Não se passou um segundo e o salão brilhava em cores alternativas dos refletores. Chegara a segunda parte da noite. Figuras já se levantavam dos sofás em expectativa.
— Maravilha! — Fani resmungou.
— Boa noite, San Diego! — A voz grave de um homem ressoou do palco. Sua pele preta refletia arco íris dançantes e as trancinhas dos dois lados da cabeça se balançavam com o movimento — Façam barulho!
Lara e eu trocamos um olhar empolgado antes de nos erguermos também e partirmos para frente da mesa, num espaço maior. Minha felicidade não se devia somente ao fato de poder adiar um pouco mais aquela conversa, a dança é uma paixão que compartilho com Lara desde que nos entendemos por gente. Obedecemos ao homem junto com o restante das pessoas, em gritos de júbilo. Ainda em pé próximo a mesa de Kendall, Justin sorriu para mim balançando as mãos como se fizesse suspense.
As caixas de som vibraram quando a música enfim foi liberta no melhor estilo hip hop. Eu e Lara já arriscávamos os primeiros passos quando Fani enfim se levantou, revirando os olhos. Ela jogou as mãos para cima, num sinal de rendição antes de fazer uma onda com o corpo e jogar o cabelo. Nós vibramos em gritinhos comemorativos por sua participação e procurei Justin para compartilhar a vitória, mas ele estava ocupado imitando os passos de Kendall.
Me acompanhar, huh? Parece que encontrou melhor companhia para a noite.
Lara me deu uma cotovelada e segurou minha mão quando olhei, iniciando uma onda de break para que eu terminasse. Nós rimos da nossa falta de jeito e depois incluímos Fani. Tudo bem. Eu estava ali para dançar, Justin que havia entrado de intruso no meu programa, poderia muito bem fingir que ele não havia vindo requebrar junto as mulheres-padrão. Voltei-me para minhas companhias, de costas para eles, determinada a ignorá-lo.
Estava no final da primeira música quando Ryan voltou para o nosso lado com pulinhos, os braços dobrados puxavam os cotovelos para baixo como um Tiranossauro rex malhando. Foi impossível não rir. Ele fingiu uma cara de indignado, elevando o queixo para mim em desafio enquanto passava a mão no cabelo castanho escuro num topete com duas grandes entradas.
— Não nos decepcione, irmãzinha — Lara deu dois tapinhas nas minhas costas, incentivando-me.
Fiz dois anos de hip hop com Lara nos meus quinze e dezesseis, mas nada muito profissional, muito menos para ficar me exibindo.
— Faça melhor então, Julia — Ryan insistiu, cruzando os braços.
Bem, o que eu tinha a perder além da minha dignidade, não é mesmo?
Motivada pelo ambiente dançante e seus olhares de expectativa, cedi. Comecei com o dougie, mexendo os braços e ombros da esquerda para a direita. Depois, o nae nae, que consiste em dobrar os joelhos, levantar e abaixar os braços e cruzar os mesmos atrás do corpo durante o movimento. E por último, Pop, Lock and Drop It, puxar as mãos juntas, com os braços estendidos, para cada lado do peito, no sentido contrário dos pés e pernas e depois agachar no chão com as pernas abertas, calcanhares perpendiculares e mãos para cima unidas. Minhas coxas e panturrilhas sentiram essa.
— Wooooooow! — Lara e Fani ovacionaram e ele colocou a mão no peito como se estivesse profundamente ofendido. Levantei-me rindo.
Ryan levantou um dedo de aviso. Posicionei as mãos na cintura, esperando com uma soberba fajuta. Pronto, ele partiu para o Body Pop, impulsionando braços, ombros e peito, depois o Shuffle, o famigerado "embaralhar" de pés e terminou com o helicóptero, agachando com as mãos no chão e girando a perna direita em torno do corpo.
Eu tive que bater palmas junto com as meninas, ao que ele se inclinou para nós com uma mão atrás das costas e a outra na extensão da cintura em agradecimento.
— Ryan, eu não sabia que dançava! — Eu disse alto o suficiente para ser ouvida através da música, me aproximando mais dele para isso.
Na verdade, eu nem o conhecia, lembrei-me. Bem, ele deveria saber que eu meio que o acompanhava devido a sua amizade com o traidor.
Ele apontou o polegar para a mesa ao lado.
— O mané me ensinou algumas coisas para impressionar — admitiu.
O mané no momento segurava as mãos de Kendall para fazê-la balançar de um lado para o outro. Ela, obviamente, achava tudo muito engraçado e divertido. E ele parecia se deleitar muito com aquele sorriso cheio de dentes. Fui surpreendida com a intensidade de um sentimento opressor que desregulou de maneira sutil minha respiração e turvou os cantos da minha visão. Identifiquei que tinha alguma coisa a ver com raiva, mas não soube, ou não quis, entender a razão.
— Então já está? — Ryan perguntou.
— Estou o quê? — Questionei na defensiva, voltando-me para ele entre uma falta de vontade e alívio.
— Impressionada — ele levantou as sobrancelhas duas vezes com confiança para mim.
Eu ri e balancei a cabeça.
— Vai ter que se esforçar um pouco mais para isso, Ryan.
Ele estendeu a mão, sem se deixar abalar.
— Sabe dançar a dois então, Julia?
Nunca experimentei dançar hip hop a dois por uma razão bem coerente, parecia íntimo demais para mim. Mas aquele ar superior de Butler desafiava minha integridade, portanto, num ato totalmente precipitado, aceitei a oferta. Assim que minha mão estava na sua, ele me fez girar para ficar de costas e abraçou minha cintura por frente com nossas mãos unidas. Superficialmente encostado em minhas costas, ele nos moveu em ondas de um lado para o outro e eu tomei especial cuidado de não colar o quadril no dele. Meu rosto todo já queimava de vergonha e comecei a transpirar de nervosismo, evitando o olhar cravado de Lara que só me constrangeria mais. Fiquei contente por já ter tirado o casaco, até mesmo a blusa já parecia sufocante com o calor do seu corpo — cheiroso — emanando para o meu, apesar das minhas mãos estarem geladas no momento.
Era uma baita responsabilidade dançar junto a Ryan Butler.
Enfim, zerei na vida.
Ele me girou de volta e manteve meu braço estendido para passar por baixo dele. Deu uma volta em mim, o tempo todo com um olhar brincalhão. Se postou na minha frente, agarrou meu pescoço e colocou uma mão na minha barriga para me inclinar na horizontal para o lado direito. O passo foi tão rápido que se eu piscasse perderia. Depois tomou minhas mãos para girar-me de costas a ele de novo e me forçou para baixo.
Entendi o que ele planejava e agachei. No próximo segundo ele me subiu de volta e colocou as mãos na minha cintura, rodando-me para ficar de frente a ele outra vez. Ryan sorriu, ondulando o corpo para o lado direito, eu o imitei para o lado esquerdo e trocamos de lado mais duas vezes. Em seguida, segurou minhas mãos de novo, empurrou-me para trás sem me soltar, pegando a sua deixa joguei a cabeça para trás a fim de criar efeito, e ele me puxou para junto de si de novo, bem no momento em que a música acabou.
— Quem é Nick Demoura perto de nós dois mesmo? — Brincou aos som das congratulações de Fani e Lara. Seria o paraíso completo se eu tivesse a oportunidade de conhecer o coreógrafo de Justin.
Vi quando minha irmã arqueou as sobrancelhas para mim com astúcia, mas, para fins de sobrevivência, fingi não ter visto. Limitei-me a rir com Ryan e empurrar seu peito em descontração.
— Você é um bom condutor, Ryan — admiti para seu ego já bastante inflado.
— Estamos impressionadas — Lara contribuiu.
Ele puxou a camisa algumas vezes, presunçoso.
— Vocês ainda não viram nada, queridas.
Como por vontade própria, meus olhos caíram outra vez na mesa ao lado. Agora Kendall estava com as mãos no ombro de Justin movendo seu quadril minúsculo perto demais do dele para o meu gosto. Aquilo me fazia ferver de cinquenta maneiras diferentes. Reconheci, inclusive, uma pontada amarga de mágoa. Devia ser porque ele ainda não voltara para nosso lado. Até Ryan já estava de volta. O que havia de tão interessante em dançar com uma modelo influente e rica?
— BUUUU! — Ryan vaiou, apontando um polegar para baixo aos dois. Kendall mostrou a língua de forma extrovertida a provocação, mas Justin não pareceu ter gostado tanto assim da brincadeira, franzindo levemente o cenho — Não se preocupe com eles, Julia, nós com certeza somos melhores — garantiu-me, desenvolto — Assistam e aprendam! — Ele virou a palma para cima e contraiu os dedos duas vezes, chamando-os em desafio. Ryan parecia gostar de competições.
Eu nunca havia participado de uma batalha de dança e meu estômago se contorceu pelo medo do fracasso. Meu parceiro de dança, por outro lado, tinha criatividade e calma o bastante por nós dois. Ele me conduziu com maestria, e mesmo que houvéssemos praticamente acabado de nos conhecer, nós tínhamos uma conexão palpável. Ryan induzia os movimentos e eu os completava, agora mais desinibida.
Nossas mesas se juntaram praticamente numa roda desorganizada a nossa volta conforme a disputa se seguia. Com todo respeito, Kendall não parecia exatamente saber o que estava fazendo, e se fez mais uma boneca de pano nas mãos habilidosas de Justin, o qual levava o jogo bem a sério. Ele não me olhou ou correspondeu aos meus sorrisos, se focava em Ryan com uma expressão arrogante amainada pelo sorrisinho desconexo no rosto.
Confessei para mim mesma que odiava quando ele a tocava, mesmo com o mais leve dos gestos. Assim, quase sucumbi de raiva nas vezes em que suas mãos firmes agarravam a cintura dela para mexer de encontro a sua. Soltei fogo pelas ventas quando ele a fez girar para dentro de seus braços e ondularam o corpo juntos.
— Tudo bem, Julia, vamos acabar com isso — Ryan me voltou ao centro, conspirador, estendendo-me a mão.
Ele me puxou para segurar minha cintura, me fez pular, depois me deixou junto do seu corpo para fazermos o body pop juntos uma perna de cada vez. Body pop com os braços, nossas mãos entrelaçadas. Virou-me bruscamente de frente para ele e me levantou para encaixar as pernas na sua cintura, ao passo que me inclinava para trás. Não surte, Júlia, são apenas passos de dança. Obediente, joguei o tronco até que estivesse de ponta cabeça. Justin estava de braços cruzados e eu dei uma piscadinha provocativa para ele. Nosso público recebeu a afronta com aprovação.
Ryan me puxou de volta, coloquei os pés no chão e ele usou uma das mãos para puxar minha coxa de volta ao seu quadril, em uma pose final. Eu estava sem fôlego com a junção de toda a atividade à empolgação que causava, os músculos levemente cansados, não me lembrava da última vez que fora tão descontraída assim. E devia admitir que adorara aquilo.
Agora recebemos até palminhas, inclusive de Kendall. Justin só revirou os olhos e virou as costas assim que Ryan e eu fizemos um cumprimento parceiro de mãos. Eu o vi se afastar do grupo, saindo dos nossos limites de isolamento. Ryan riu em puro júbilo.
— Ele é um filho da mãe competitivo! Mas como é doce o sentimento da vitória! Justin geralmente sempre ganha em tudo — disse Ryan, descartando qualquer preocupação com o incômodo do amigo.
— Hã... Você acha que... — apontei para onde ele saíra, motivada a ir atrás.
Ryan fez um muxoxo ao passo que seus colegas se aproximavam para lhe dar tapinhas nas costas.
— Por isso ele é tão mimado.
Olhei para Lara em dúvida, mesmo a meia luz suas pupilas brilhavam de animação e ela assentiu enfaticamente, gesticulando com as mãos para que eu o seguisse. Minha irmã parece gostar apenas de ver o circo pegando fogo mesmo. Fani estava ocupada enchendo novamente seu copo de refrigerante e não pode me desmotivar. Assim, decidi seguir meus instintos, passando pela grade antes que o perdesse de vista de vez.
Justin andava entre as pessoas a passos rápidos em direção a saída de emergência ao lado do palco, elas mal tinham tempo de notar quem ele era antes que já tivesse sumido. Ele estava mesmo pensando em ir embora só por causa de uma brincadeira estúpida? Seria tão infantil assim? Apertei os passos para alcançá-lo até que ele virou a esquerda, empurrando uma porta preta que eu ainda não havia identificado. O segurança de porte pesado ao lado dela o cumprimentou com a mão assim que ele passou.
Espaço privado?
Tentei passar pela porta antes que ela se fechasse, mas, por óbvio, eu fui barrada. O homem levantou uma mão restritiva para mim.
— Eu estou com ele — apontei para as costas de um Justin que adentrava o cômodo mais iluminado por lâmpadas comuns.
O dito cujo se virou ranzinza ao som da minha voz gritada acima da música, e por um breve momento pensei que ele negaria. Inclinei a cabeça para o lado, alertando-o de terríveis consequências para essa ação. Enfim, ele assentiu ao homem que esperava.
— Pode deixar passar — instruiu de mau grado
Mas não me esperou.
Adentrei a sala mobiliada de três sofás espaçados, uma mesa de centro, outra mesa no canto com aperitivos e um portador de cabides com algumas peças de roupa, tudo nas mesmas cores do lado de fora. Assim que a porta se fechou a música ficou distante, isolada do ambiente em que agora estávamos. Supus que fosse um camarim.
Justin se jogou em um dos sofás, me ignorando ao pegar o celular do bolso, marcas de mau humor enrijeciam sua feição. Eu parei no meio da sala, cruzando os braços e o encarando impaciente. Não podia acreditar no quanto ele estava sendo imaturo. Recusei-me a falar alguma coisa até que resolvesse me notar.
Depois do que pareceu um minuto inteiro, Justin suspirou.
— Se cansou de dançar com Ryan? — Indagou sem tirar os olhos do aparelho.
Inacreditável.
— Eu sabia que você era competitivo, mas não a ponto de ser infantil assim — retruquei.
O segui para oferecer paz, mas eu não tenho sangue de barata para aguentar desaforo também.
Ele me jogou um olhar duro.
— E eu não sabia que você tinha tanta facilidade assim para ter intimidade com desconhecidos — julgou-me.
Arregalei os olhos, incrédula.
— Você por um acaso está sugerindo que sou oferecida?
Justin se levantou, ajeitando a blusa.
— Eu não disse nada disso, mas se é o que você está presumindo, não posso controlar seus pensamentos — deu de ombros, cínico.
Fechei as mãos em punho, faiscando de irritação. As ofensas se somavam ao ressentimento do abandono, sua quota ultrapassava meus limites diários.
— Realmente, é totalmente minha culpa ter pensado que você era um pouco mais decente do que isso — grunhi.
— Também assumo a responsabilidade por pensar que você via as pessoas pelo que elas são não pelo que tem — rebateu.
Como ele podia....??!!!
Dei um passo para perto dele, ameaçando-o com minha postura.
— E agora o que você quer dizer com isso? — sibilei.
— Você estava morrendo para conhecer Ryan Butler — destacou o nome com ironia — e se aproximar dele, não?
Descruzei os braços, mas juntei-os ao lado do corpo para não partir para a violência.
— E você mesmo abandonou um bando de desconhecidas para ir ficar com sua turminha de celebridades. Claro, Kendall Jenner é muito mais interessante do que nós três juntas.
— Você parecia mesmo estar sofrendo muito nos braços de Ryan, sentindo muito minha falta — ironizou.
Ah, pronto!
— E você queria que eu fizesse o quê? Te implorasse para voltar e ficasse me lamentando?
Ele se aproximou de mim, alertando-me com os olhos.
— Você não faz a menor ideia do que eu queria ou quero.
Não abaixei a cabeça, mandando a todos os meus hormônios para ficarem calados. Aquela não era hora de reparar em como os traços de irritação em seu rosto o deixavam sensual ou como a camisa preta lisa se moldava tão perfeitamente em seus músculos destacados de modo a me deixar sem ar. Muito menos em como seu perfume era estonteante.
— Então me diga, eu não sou adivinha! — Exclamei exasperada.
Justin enfim refreou o semblante turbulento, desestruturado sem razão aparente. Ele só ficou me olhando com uma expressão que eu não soube interpretar. Repassei o que eu dissera para causar essa reação, mas não achei nada demais. Levantei as mãos numa pergunta silenciosa diante de sua mudez.
— Você não vai querer ouvir — avisou numa voz repentinamente baixa, retesado.
Fiquei confusa.
— Do que você está falando?
Ele contraiu os lábios, recuando mais para a defensiva. Parecia me estudar, decidindo a partir do que eu demonstrava. Mas o que eu deveria transparecer se não fazia a menor ideia do que sua mente conturbada estava matutando? A indecisão pareceu consumi-lo por um momento antes que ele desistisse do que o detinha. Não tive tempo de prever o movimento, em um milésimo ele puxou minha cintura contra seu corpo e antes que eu recuperasse o ar sua boca confrontava a minha.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Tive um momento de completo choque paralisante ao mesmo tempo em que a adrenalina correu apressada por minhas veias. Meu corpo foi duramente bombardeado nas mais diversas partes e pedaços dos meus órgãos se debatiam contra a parede do meu estômago. Não é exagero. Pensei que enfim estivesse falecendo por morte generalizada de órgãos até que um calor surgido diretamente do meu âmago consumiu todo aquele caos.
Minha mente desordenada e multitarefas ainda se ocupou em apreender a urgência com que ele moveu os lábios sobre os meus, exigentes e ao mesmo tempo gentis na resposta que buscavam, tão macios e cálidos que mesmo imóveis me fariam derreter. Cedi ao instinto de correspondê-lo sem perceber, levando minha mão a sua tão desejada nuca enquanto a outra se apoiava em seu ombro. E ele, tão presente em todos os meus sentidos, tão visível mesmo através de minhas pálpebras fechadas, me puxou ainda para mais perto.
Não o bastante.
O desejo cada vez mais latente de me fundir a ele me deixou trêmula e perdi qualquer pensamento coerente quando sua língua sorrateira me fez separar os lábios, a fim de se juntar a minha numa dança lenta e triunfante. Ele tinha o gosto do morango doce levemente diluído no azedo do álcool da bebida que tomara, mas eu tinha certeza de que essa não era a razão de me sentir bêbada, entregue aos meus impulsos, sem inibições. Não tive medo de cair, contudo, seu corpo todo me abraçava, sólido e seguro, quente e confortante. Aos berros, meu coração avisava que ali era o melhor abrigo para se estar.
Justin entrelaçou os dedos em meu cabelo, se certificando de que eu não fugiria, embora eu não consiga imaginar uma só razão para me afastar do paraíso personificado. Movemos os lábios em sincronia até que estivesse impossível de respirar, eu já sentia os efeitos desnorteantes da falta de oxigênio quando fui obrigada a afastar a cabeça para ofegar.
Sua íris mel me fitava, tão afogueada quanto eu me sentia, e não pude evitar de ficar constrangida. Seu hálito ainda batia em meu rosto, quase um convite aberto para que eu avançasse.
— Achei que fosse mais fácil te mostrar do que falar — murmurou ele, a voz grave, buscando ar com a mesma dificuldade que eu.
Mais um calafrio percorreu minha pele e busquei inspiração para responder. Mas o que raios poderia ser dito? Era ainda mais difícil pensar tão próxima do seu rosto, desejosa de mais um beijo seu. Ele havia aberto a porta de um frenesi desconhecido e potente.
Como se já não estivesse complicado o bastante, abriu um sorrisinho de lado.
— A destemida Júlia está sem resposta? — Esforçou-se para pronunciar meu nome, fazendo aquele beicinho tão irresistível. Seus olhos escureceram um pouco — Ou realmente não queria "ouvir" isso? — ouvi as aspas na sua voz — Me desculpa, Lia, eu não pude mais conter — ele não parecia arrependido nada.
Abri a boca para falar, só não sabia o quê, mas não queria que ele pensasse que eu não tinha gostado. E desde quando ele estava segurando aquilo...? Muita informação para uma mente só.
Ele arqueou a sobrancelha, olhando minha boca entreaberta.
— É ainda melhor do que eu imaginava. E se você não me impedir eu vou precisar te mostrar mais um pouco — disse sério, como se confessasse um crime — Você quer me impedir?
Justin sugeria que... ? Ah, misericórdia, eu vou desmaiar.
Fiz um esforço hercúleo para mover a cabeça em negativa, mordendo o lábio receosa. Era demais aderir a possibilidade de que ele me beijaria outra vez em questão de segundos, e uma nevasca invadiu minha barriga por isso. Toda sua face se iluminou antes que ele se inclinasse outra vez, puxando minha nuca.
Ondas elétricas me atingiram quando seus lábios encontraram os meus. Não havia urgência agora. Com muita calma ele explorou os cantos da minha boca, e cada vez que repuxava meu lábio parecia levar minha alma no processo. As duas mãos seguraram meu rosto com ternura, ao passo que seus polegares acariciavam minhas bochechas com leveza. Minhas reações físicas eram de fato palpáveis e catastróficas, ouso dizer que trabalharam sem cessar para produzir os maiores sentidos que eu já experimentara. Entretanto, em certo ponto, tive a sensação de ser separada da carne, me transformando em um ser extracorpóreo, tamanha elevação que ele me proporcionava.
Só então entendi como podia morrer nos braços de alguém, como dizia sua canção.
Justin mordeu meu lábio e o puxou para si quando se afastou, terminando de esfarelar meus ossos. Abri os olhos bem devagar, satisfeita com o aquele limbo de existência que criávamos para sair dele tão depressa. Ele me olhava muito reflexivo, comprimindo os lábios.
— Posso ter descoberto um novo entorpecente extremamente viciante. Devo notificar o governo?
Produzi uma risadinha estranha do fundo da garganta.
— Está dizendo que pareço uma droga? — Brinquei. As palavras saltaram deslocadas pela minha língua, pareciam vir de outra pessoa. Talvez demorasse um pouco mais para me sentir eu mesma.
Ele continuava acariciando minhas bochechas, um dos dedos traçou uma linha em descida ao meu pescoço, caminhou por ele até minha nuca a desenhou círculos no fim do meu couro cabeludo. A qualquer momento meu corpo cederia.
— De aparência não, certamente. Mas de efeitos sim, você tem o gosto certo para dependência química.
Corei de prazer. Eu estava sonhando? Devia ao menos estar delirando a partir do momento que entrei na porta daquele camarim.
— Não nociva, espero — comentei sem graça.
Justin concordou, tentando parecer sério apesar do sorrisinho que insistia em aparecer em suas bochechas.
— Eu também espero.
Minha respiração ainda estava entalada na garganta e assim permaneceu quando se acabaram nossas palavras e nos limitamos a uma conversa pelo olhar. No meu caso, apenas desfrutei da majestade de sua profundidade propiciada pelo mar verde lamacento. Aquela era a porta de entrada para sua areia movediça, quanto mais eu tentava escapar dele, mais me via presa e incapacitada de fugir. Naquele exato segundo me encontrava soterrada. Não podia respirar mais nada que não fosse o perfume exalado de sua pele, não sentia outra coisa senão seus toques — até mesmo dos seus joelhos nas minhas coxas —, muito menos veria qualquer coisa que não seus traços.
A sensação era de ser empurrada para fora de um avião em movimento sem paraquedas, de fato. Com todo aquele meu pavor de voar e cair de cara limpa no chão impenetrável. A aceleração em peito só poderia ser uma tentativa final e fútil do meu coração de se manter vivo.
— Me desculpa por dizer aquelas coisas pra você. Não é justificativa, mas perdi a cabeça. Eu não acho nada daquilo, de verdade — franziu o cenho, a autocrítica fazendo seu trabalho.
Assenti, praticamente não me lembrava o que eu devia perdoar, nem mesmo queria, desejava estar ali tão sublime quanto podia.
— Quer se sentar um pouco comigo? — Ofereceu.
Se eu estivesse sendo prática, saberia que aquela era a melhor ideia para minha fraqueza nada natural. Por outro lado, só pensei que era uma grande perda permitir que saíssemos daquele abraço. Eu não queria nenhum espaço para a lucidez ou a realidade. Entretanto, para não ter de explicar a razão de desejar permanecer em pé ali no meio da sala, concordei com a cabeça. Senti sua falta no exato segundo em que me soltou, mas me consolei quando segurou minha mão suada e gelada. Justin me puxou até o sofá e se sentou de frente para mim. Tomou a liberdade de manter uma mão na minha cintura e a outra na minha coxa, para grande felicidade dos meus hormônios.
— E então, seus pais gostaram das minhas roupas? — Perguntou, ansioso para resultados desastrosos.
Revirei os olhos, procurando agir normal como ele enquanto padecia por dentro.
— Não deixei meu pai me ver daquele jeito, mas minha mãe ficou extremamente desconfiada. Ela não sabe ainda exatamente o que aconteceu, apesar de que não vai demorar muito para eles verem alguma matéria sobre isso. Você sabia que saiu no TMZ? — Meu vocabulário ainda tinha tantas palavras assim? Deslumbrei-me. Só não havia nada que eu pudesse fazer pelo constrangimento que me acanhava e a falta de ar perceptível em cada oração. Como ainda conseguia olhar em seus olhos?
Ao mesmo tempo, como podia não olhar em seus olhos?
Ele fez uma careta, o dedão agora desenhava uma meia lua na minha perna repetidas vezes, sem perceber que me causava infinitos arrepios.
— Hm, eles não perdem muito tempo mesmo. Você está com medo? — Reparei como a boca dele se movia com muita graciosidade para falar, quase implorando para ser vista.
Se fôssemos falar sobre vícios.... Eu precisava beijá-lo de novo. E passar meus dedos entre seus fios praticamente louros e reluzentes. Traçar a linha reta de seu nariz e respirar em seu pescoço...
— Hã... Acho que sim — admiti mais para o que estava acontecendo ali do que para problemas com a mídia.
Gravidade genuína dominou sua expressão.
— Você acha melhor se não formos mais vistos juntos?
A mera sugestão me deixou praticamente em pânico, puxando-me mais para a terra. O que não poderia significar boa coisa. Desengasguei as palavras:
— Fani provavelmente acha melhor assim. E Scooter?
Ele levantou um ombro.
— Talvez. Mas o que você acha?
No estado de embriaguez que eu estava, falar completamente a verdade — que eu não conseguia passar mais nenhum minuto longe dele e se assim era obrigada meus pensamentos eram completamente seus — não seria muito esperto. Se eu estivesse sóbria, o que diria?
— Não tenho uma opinião formada ainda. O que você acha?
Justin suspirou, se aproximou um pouco mais de mim e colocou meu cabelo atrás da orelha, observando seu gesto como se precisasse de muita atenção para fazê-lo. Paralisei de novo.
— Eu acho que não podemos nos esconder por muito tempo, mas podemos tentar se você quiser — e então voltou a me olhar, gelando meus ossos — Eu já te disse que não posso mais ficar longe de você, e estava sendo honesto, então essa é minha única condição. Quero estar com você, pouco me importa onde e como.
Parei de respirar, eu estava usando todas as minhas forças para não apreender essas palavras da forma errada. Entretanto, ele pouco me ajudava. Pelo contrário, insistia em me induzir ao erro, e confirmou essa sentença ao segurar meu queixo e puxar para si pela terceira vez naquela abençoada noite, feito um remédio que suavizava a ferida que ele mesmo causara.
Não tinha como me acostumar com aquilo, fielmente da mesma forma, eu me derreti feito geleia em sua boca, tão sujeita a sua doçura inigualável. Eu queria beijá-lo para sempre, com todo o significado real das palavras. Estremeci sob sua língua contornando meus lábios e estava pronta para prender seu pescoço em meus braços quando meu celular vibrou exigente em meu bolso. De início me assustei, um puxão de realidade na minha fantasia. Eu ignoraria, mas até meu lado irracional sabia que pelo menos por hoje deveria atender a todas as chamadas dos meus pais, depois de um desaparecimento pelo dia inteiro, e precisei conferir se era eles.
— É... Desculpa — afastei-me sem jeito e peguei o celular do bolso.
Justin tomou minha mão livre para brincar com meus dedos, parecia tão resistente quanto eu a cortar por completo nosso contato físico, o que deixava meu peito mais quente.
O visor avisava uma chamada de Fani. Deixei os ombros caírem de desânimo e choraminguei.
— Acho que é melhor você atender, Lia — Justin avisou, olhando meu celular para identificar o motivo da minha expressão.
Joguei a cabeça para trás, resistente. Atender seria dar fim aquela privacidade extraordinária e abençoada. Mas se eu não o fizesse, encontraria mais problemas do que já tinha.
Justin riu da minha cara de mártir, o som mais lindo que eu já ouvira, e isso me encorajou.
— Oi, Fani.
Precisei cobrir o outro ouvido para me atentar a sua voz, perdida no ruído da música alta.
— Júlia? Onde você está? Está tudo bem? — Fani maternal em ação.
— Está sim... — mais do que bem, pensei, vendo Justin tão concentrado na minha mão — Estou aqui.
— Aqui onde? Não me deixe te perder de vista numa boate do exterior, por favor. Volte para cá, sim? — Pediu, uma leve pitada de agonia na voz. Eu não podia culpá-la, se alguma coisa acontecesse comigo ali, meus pais cairiam matando em cima dela.
Mesmo assim fiquei aborrecida, eu não queria voltar.
— Tudo bem, Fani. Já estou voltando.
— Obrigada! — Respondeu aliviada.
Eu desliguei o celular e Justin voltou a atenção ao meu rosto.
— Não entendi nada do que você falou, mas provavelmente ela quer você de volta? — Supôs, franzindo o nariz.
Aquiesci, emburrada. Justin sorriu diante da minha evidente falta de vontade e segurou meu rosto nas mãos de novo.
Respire, Júlia.
— Podemos voltar, mas, você me concede um pedido? — Indagou em meio tom, abusando de seus dotes de persuasão ao piscar devagar aqueles cílios longos escuros.
Duvidava muito que eu não lhe concederia qualquer coisa que ele me pedisse.
Late, Júlia, au-au.
Assenti com certas reservas. Sendo ele, eu poderia muito bem me arrepender depois.
Justin se inclinou para falar mais perto de mim, de modo que eu sentisse sua respiração. Animal.
— Se você quiser dançar com alguém agora, pode ser comigo?
Eu ri, certa de que ele estava brincando. Mas Justin arqueou as sobrancelhas, esperando a resposta.
— Achei que você ia querer dançar com a Kendall — cutuquei.
Ele revirou os olhos.
— Serei todo seu o restante da noite — prometeu.
Gritei em silêncio, assaltada de novo por calafrios, e precisei de alguns segundos para me recuperar dessa. Se é que isso é possível.
Pigarreei, duvidando que minhas cordas vocais fizessem um bom trabalho sem incentivo.
— Tudo bem então — mesmo assim pareceu um vergonhoso sussurro.
Justin sorriu, e agradeci fervorosamente sua misericórdia e inciativa de me conceder mais um beijo, ainda que mais rápido dessa vez, um selinho. Foi suficiente para destruir minhas estruturas já inexistentes aquela altura.
Ele se afastou de repente.
— Se não formos agora não serei mais capaz de sair daqui — levantou-se com muito mais elegância do que eu poderia e me estendeu a mão.
Torci para que fosse apenas gentileza e não conhecimento da minha atual defasagem cognitiva. Aceitei a oferta e cambaleei pesarosa para acompanhá-lo, já me questionando se o refrigerante que eu tomara estava batizado. Os minutos anteriores só poderiam ser fruto de alucinação.
Mas foram melhores do que qualquer realidade alternativa.
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PAI DOCÉU Se eu não postar esse capítulo agora eu não posto mais ahahahaah Reescrevi inúmeras vezes e sempre penso que poderiam ficar melhor, mas também estou ficando sem tempo e eu prometi até o natal! Eu esperei tanto quanto vocês por esse capítulo, então devem entender como eu queria ele perfeito. Já peço desculpas pois ele não alcançou minhas expectativas. Se vocês odiarem eu vou chorar. Tô até com medo de perguntar o que acharam ahahhahaah Pai, me ajuda.
ENFIM, eis o presente de natal de vocêeeeeeeeees. Eu espero que tenha sido pelo menos um pouquinho bom, vocês merecem! Gostaria de agradecer imensamente por esse ano. Retornei para cá, fazendo o que mais amo, e o apoio de vocês foi e é fundamental. Toda a paciencia com minha demora e falta de qualidade kakaak Para mim isso aqui é uma das melhores coisas que me acontecem. Eu amo escrever e amo ler o comentário de vocês. Leio TODOS, rio, me divirto, fico com o coração quentinho, que Deus pague vocês por todo esse bem que me fazem! A palavra é: OBRIGADA! De coração. Espero que nesse ano eu tenha mais tempo ainda para estar aqui (o que já é pouco provável hahahah).
Desejo a vocês um feliz natal (feliz aniversário Jesussssssss), que a luz do menino Jesus ilumine suas casas e prepare um 2021 cheio de bençãos (PRIMEIRAMENTE XO CORONA, SEGUNDAMENTE XO BOLSONARO). Um abraço muito forte em cada uma. Sintam esse como um agradecimento pessoal mesmo. Vou fazer minha prece por vocês e espero que façam uma por mim também por favorrrr.Perdão por todas as minhas falhas. Amo vocês, viu?
E o famigerado: SE CUIDEM DO CORONA, ainda não acabou: MÁSCARA, ALCOOL EM GEL, ISOLAMENTO SOCIAL, por favor, obrigada.
ATÉ ANO QUE VEEEEEEEEEEEEEM. FELIZ 2021!!!
ps: estou atrasada para uma organização aqui em casa vou morrer então já volto para responder os comentários (que são tudo para mim obrigada) hahahah
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