Fugitiva

— Imagino que você tenha mais coisas a dizer do que eu — devolvi a bola, exagerando na compostura. Não queria que descobrisse minha escassez de palavras.

Ele assentiu sem muita determinação, hesitante, afinal, não sabia o que se passava em minha cabeça. Sendo muito honesta, nem eu.

Justin se ajeitou na cadeira, pigarreou, remexeu os ombros como se doessem, cruzou as mãos em cima da mesa e finalmente me olhou, decidido.

— Eu sei que eu já te pedi desculpas, e não quero ficar parecendo um disco quebrado, coisa que não ajudaria em nada, mas... — Agucei meus ouvidos, ele estava falando rápido, e embora meu progresso em inglês estivesse muito melhor do que quando cheguei, não me consideraria uma expert. Justin olhou para baixo por um momento e o próximo gesto me pegou desprevenida. Estendeu sua mão e alcançou a ponta dos meus dedos, os quais petrificaram de imediato — Me desculpa, Júlia. De coração. Eu lamento muito. Mas principalmente o fato de ter magoado você. Eu só estava confuso, eu... — mordeu os lábios e pareceu desistir do que diria, reformulando — Você merece realizar os seus sonhos e rechear cada segundo da vida de felicidade.

Uma pausa, apenas para se dedicar a encarar o fundo dos meus olhos, expondo-me vigorosa honestidade. Sua intensidade somada ao singelo toque me constrangeu e impedi todos os meus impulsos antes que ficassem transparentes. Inspirei, torcendo para que o ar clareasse minha mente. Dividi o assunto em partes.

Devia ao menos perdoá-lo, aliás isso não implicaria outras coisas. Não sabia se estava sendo frouxa demais. Mas afinal, perdoar era o papel do bom cristão.

Aquiesci uma vez, cautelosamente.

Ele deu um meio sorriso, percebendo minha resistência.

— Obrigado — e recolheu a mão.

Cruzei meus dedos no colo, irritada comigo mesma por ter lamentado que se afastasse tão rápido. Com meu dilema interno, quase não percebi que ele estava aguardando. O que queria que eu dissesse? Bem... Provavelmente o que eu disse que queria dizer. Ou esperava um pedido de desculpas também. Meu orgulho se manifestou, bem mesquinho, no sentido de que ele esperasse ali sentado se queria que eu me desculpasse depois do que havia me feito.

Mas, sinceramente, sabia que havia errado em magoá-lo com as palavras ditas no parque. E ainda assim, um dos meus maiores defeitos era não saber me desculpar.

Respirei fundo, me incentivando. Não doeria.

— E você sabe que eu não quis dizer aquelas coisas para você no parque — covarde o bastante, fiquei olhando para a mesa — Você não é nada daquilo. Eu só estava nervosa — e com um incentivo sobrenatural, ergui o queixo para olhá-lo — Me desculpa — a palavra pareceu estranha saindo da minha boca, entalada e depois cuspida.

Justin assentiu uma vez, mas o esgar da boca não parecia um sorriso. Apenas uma tentativa patética de mostrar que tudo estava bem. Ele não acreditava em mim. Pior, o ar tristonho indicava que a descrença se direcionava ao próprio valor. Havia levado a sério o teor de minhas acusações coléricas. A constatação apertou-me o peito, destruindo-me a compostura e sumindo momentaneamente com o orgulho.

— Justin — inclinei-me ansiosa em sua direção — Você tem tantas pessoas que te amam, literalmente do mundo inteiro. E isso é por quem você é. É óbvio que falei da boca pra fora.

Ele não me olhou.

— Não tem problema, Julia. Tudo bem — descartou. Mesmo sem o contato visual pude perceber que mentia.

Parabéns, anta.

— Se não acredita em mim, pergunte para Kendall. Tenho certeza de que ela vai concordar comigo nisso — ajeitei-me na cadeira, apelando. Esperava que o toque sutil de despeito não tivesse soado tão evidente para ele quanto para mim.

A rapidez com que seus olhos, agora bem-humorados, se direcionaram ao meu rosto colocava minhas esperanças em xeque.

— Por que você fala tanto da Kendall? — Gesticulou, demonstrando mórbida curiosidade.

Olhei sem expressão pra ele durante vários segundos até que percebesse minha determinação em ficar quieta. Ergueu as mãos, conciliador.

— Só pensei que quisesse ser amiga dela, eu podia intermediar pra você.

Senti minha carranca se aprofundar.

— Não, obrigada.

Ele assentiu, tão ingênuo que me irritava. Desviei os olhos para o horizonte, o céu deixando-se aprofundar na intensidade da noite era um fenômeno que eu gostava de observar. Podia me deixar mais calma. A forma constante e linear da chuva cair adornava a paz. Precisava dela para aplacar a aflição de não saber desatar aquele nó.

Ouvi Justin suspirar.

— Então estamos perdoados?

Dei de ombros, ainda sem me voltar a ele.

— Perdoar é uma dádiva.

Eu não precisava exatamente que me perdoasse, só queria que entendesse ser melhor do que eu havia descrito. E pelo jeito nada do que eu falasse adiantaria. Isso me entristecia mais do que deveria. Sentia que havia cometido um crime e deveria ser punida.

Silêncio. Ele batucou na mesa e grunhiu.

— E isso não muda muita coisa — disse baixo, sem se importar que eu ouvisse, mas não diretamente para mim.

Não, não mudava mesmo. A conclusão me deixava mais infeliz. Era isso que eu queria, não era? "Um fim" digno. Devia estar satisfeita. Mudar a página. Seguir em frente.

E ainda assim, só cogitar essa alternativa me dava vontade de me encolher numa bola em crise existencial. Ele fora tudo que eu respirara por muito tempo para simplesmente ser excluído da minha vida. Talvez eu pudesse reverter tudo novamente para a admiração musical e esquecer que havíamos nos conhecido.

Outra hipótese que doeu. Era bem mais fácil na teoria.

Justin expirou.

— Ryan estava empolgado de ver sua irmã hoje. Acho que eles viraram amigos de verdade — conversou, seu tom deixava clara a tentativa de amenizar o clima.

Pelo menos eles, sim. E se fôssemos pensar não era muito justo. Ela nunca sonhou em estar perto deles e havia conseguido a amizade de Ryan facilmente. Eu, pelo visto, ficaria sem nenhum.

Aquiesci de modo vago. O caos sentimentalista em minha mente me impedia de desenvolver uma conversa frívola.

— E o Josh gostou de você, ele... — se calou abruptamente.

Instigada, voltei a atenção para ele. Parecia um pouco aborrecido. E o transcurso do tempo mostrou que precisaria de um incentivo para seguir.

— Ele... ? — Repeti.

Mordeu o lábio inferior — tão macio e rosado pressionado pelos dentes, inferno —, então deu de ombros e desengatou, sem me olhar:

— Ele queria saber quando você voltaria ao estúdio. Queria saber sua opinião.

Apreendi a informação, sem saber muito bem como lidar com ela.

— Hã... Em alguma coisa específica?

Começou a picotar o guardanapo de papel com seus dedos longos e tortos.

— Ah, sim, uma música — vago.

Esperei, mas ele não disse mais nada.

— Bem, provavelmente há muita gente mais capacitada e profissional do que eu para dar opinião musical.

Ele franziu o cenho e ergueu os olhos para os meus.

— Não se trata de formação. Ele queria uma opinião de fã. Apesar de que você não mais se enquadra nessa nomenclatura.

Cruzei os braços.

— Está me expulsando do fandom?

A confusão, envolta num quê de esperança, uniu suas sobrancelhas.

— Achei que você não quisesse mais pertencer a ele — supôs, desconfiado.

Remexi os ombros, pressionada.

— Não vou negar que suas músicas são boas só porque não gosto de você. Sou honesta.

Ele fungou uma pseudo risada, voltando a picotar o papel. Parecia ofendido. Claro, eu havia dito que não gostava dele. E isso não se aproximava nem um pouco da verdade. Grunhi baixinho, frustrada por desconhecer o meio termo entre me defender e não atacá-lo.

— Imagino que você não esteja muito contente de estar aqui, Julia, mas eu queria que pudéssemos... — refreou as palavras, reformulando a rota — pelo menos, não brigar. Não quero que você vá embora desse jeito, eu... não teria paz se você fosse embora daqui me odiando.

Por reflexo, comparei as palavras à luz de nosso convívio. Resistiria se ele quisesse se utilizar de palavras vazias como artimanha.

— Sendo completamente honesta, eu não vejo como isso faria diferença para você.

Isso não era um ataque, certo?

Ele arqueou uma sobrancelha para mim e nesse exato momento o garçom chegou com nossos pedidos.

— Com licença.

Recostei-me na cadeira, grata pela interrupção. Sentia-me em constante desafio, brincando de encantamento com uma serpente. Meus ombros endurecidos pela tensão clamavam por uma pausa. Ele era mais intimidador pessoalmente. Não havia me preparado o suficiente. Experimentei o sabor agridoce da raiva no fundo de minhas papilas gustativas para não esquecer. O combustível de minha sanidade.

Afundei a cabeça no prato, quase literalmente, desajustada e temerosa. Remexi com o garfo o salmão, havia perdido a fome, se é que havia alguma durante todo aquele tempo.

— Você é importante pra mim, Lia. Então faria muita, muita diferença se me odiasse — Justin murmurou de repente num tom de voz manso. O peixe entalou na garganta, mais um round — E não venha me dizer que não tive tempo de te conhecer a ponto de te considerar assim. O que eu vi já bastou para eu me preocupar com o que vai pensar de mim — acrescentou depressa: — E não é porque tenho medo de que escreva um livro no qual me tortura das formas mais criativas antes de me matar.

Quis rir (de desespero? Da graça? Qualquer um dos dois), e não pude conter o risinho que desfigurou a linha rígida da minha boca, mas reprimi o som.

— Então se puder, por favor, aceitar minha oferta de paz, de verdade.

Senti seu olhar fixo em mim, intenso e esperançoso.

Esse era um dos nossos maiores problemas: Ele era muito bom com palavras. E eu muito sujeita a tudo que viesse dele. Há anos. A intensidade só aumentava conhecendo-o pessoalmente, enxergando nítida e sólida a persuasão que dele emanava. Dificultava o pensamento e ascendia as emoções descontroladas.

Inspirei e expirei de uma vez (Espírito Santo, me ajuda), devolvendo-lhe a atenção.

— Também não quero brigar com você — respondi, e era verdade. Não queria sentir necessidade de raiva, muito menos brigar com ele (por mais que sim, quisesse), só a indiferença atestaria a superação.

Ele sorriu, do jeito que aparecia uma covinha no canto direito do rosto, me despertou a vontade de ofendê-lo.

— Ótimo. Então me conte, como estão os planos para a publicação? Vocês já têm uma nova data? — Ele transpareceu uma animação comedida, interessado.

Estreitei os olhos, secretamente ponderando se colocar uma sacola sobre sua cabeça me ajudaria. Talvez ele fosse como a medusa, estaria a salvo de seus poderes se não o olhasse diretamente.

Incerta dos benefícios de compartilhar a informação, comentei:

— Estávamos em reunião hoje de manhã. Não há nada de concreto enquanto o juiz não der a decisão, somando isso ao tempo de demora do judiciário, eles estão prevendo que seja, na melhor das hipóteses, sexta feira que vem. Mas não vamos soltar data antes de ter certeza — tentei muito não falar como acusação.

Aquiesceu, tomando um gole do seu vinho.

— Então você não vai embora semana que vem? — Perguntou em tom de conversa, mexendo com o garfo em seu prato. O tilintar de talheres ecoava seus movimentos.

— Lamento, mas você ainda respirará o mesmo ar que eu por um tempinho — respondi, salpicando ironia. Lhe seria extremamente conveniente se eu sumisse de uma vez — Não sei o que vamos fazer. Talvez meu pai volte com Lara e eu fique com minha mãe. Tenho que estar aqui para divulgar um pouco também. Queria que eles estivessem aqui quando eu publicasse, mas não sei se vai dar tempo — e um pouco de responsabilização.

Com vergonha na cara, ele abaixou os olhos, sem jeito.

— Entendo. Sinto muito. Mas vai dar certo, qualquer coisa podemos conversar com meu advogado também para adiantar as coisas — e de volta a mim — Vamos fazer dar certo, Lia. Te prometo.

Ocupei-me de cortar mais um pedaço de salmão, preservando meu senso crítico. Lá vinha o canto de sereia.

— Não confia em mim?

Deitei a cabeça de lado. Uma resposta direta não seria muito propícia ao acordo diplomático feito. Pensei.

— Imagino que não — concluiu sozinho — O que é compreensível. Mas vou te provar o contrário. Você vai me permitir?

Cilada. Como ele planejava demonstrar isso? Queria dizer que continuaríamos em contato? Meu nervosismo desceu fazendo polidance pelo esôfago. As vozes da minha cabeça discutiam os efeitos daquele arranjo. Envergonhava-me reconhecer a pontada de satisfação pela possibilidade, bravamente combatida pela sensatez e o mau pressentimento.

Deveria negar, seria o mais lógico considerando a dificuldade que passava no momento.

Mas eu era mesmo uma desgraçada masoquista.

— Me surpreenda. Não igual da última vez, digo — acrescentei.

Ele deu um sorrisinho. E pelo salto que meu coração deu ao gesto simples já me arrependi. Seria aniquilada.

— Obrigado — pigarreou e prosseguiu — Então me diga, como estão Josh e Heloisa? Cadê a segunda temporada?

Beberiquei o refrigerante, sondando a honestidade da pergunta. Por incrível que pareça, demonstrava interesse genuíno.

— Você terminou de ler o primeiro?

— Terminei essa semana — respondeu, orgulhoso — Achei um final formidável, mas fiquei curioso para saber o que acontecerá aos dois. Ao que parece Josh é completamente apaixonado por ela. Foi um dilema interessante.

Digeri o salmão temperado com a novidade.

— Você terminou mesmo de ler? — Perguntei perplexa.

— Sim! Eu disse que não sou muito adepto a leitura, mas a história me deixou curioso e... eu sentia que ler me deixava mais próximo de você. Como se estivesse lendo sua mente. E algo na Heloisa me lembra você, de qualquer jeito — admitiu.

Mais uma vez enfiei a cabeça no prato, enrubescendo ao pensar nele lendo meus pensamentos. Era tão vergonhoso quanto eu temia. Tentei não dar importância demasiada ao fato dele aparentemente querer estar próximo a mim.

Diante do meu silêncio, acrescentou:

— Você sabe, eu queria conversar com você, só não sabia como... Não que ler o livro pudesse fazer algum progresso nesse sentido, embora, sim, fizesse, já que eu havia me comprometido a ler. E me ajudou a explicar o motivo pelo qual eu queria desistir do processo já que vi como estávamos enganados. Não acho que possa fazer algum mal a minha reputação. Na verdade, acho que esse circo todo judicial que deve ter piorado — e novamente ele falou tudo junto e embaralhado de forma que pude sentir os nós se entrelaçando em meu cérebro. Estava atipicamente agitado aquela noite.

Vendo o franzido sutil em meu cenho, resumiu:

— Sim, eu li.

Não pude evitar o risinho que escapou entre meus lábios em razão da situação cômica e essa espontaneidade provocou-lhe um sorriso descontraído.

Balancei a cabeça.

— Hã... o segundo livro ficou meio arquivado por ora, mas planejo terminar. Meio que comecei outro, mas parei também. Então, é isso. Preciso de um pouco de inspiração.

— Posso te ajudar com isso?

Engasguei-me com o refrigerante e tossi algumas vezes para recuperar o ar. Meu cérebro muito fértil tinha várias ideias de como ele poderia me inspirar (o que era ridículo). Nenhuma adequada ou proporcional àquele convívio.

Ele de imediato levantou as mãos, numa ingênua defensiva.

— Não quis propor nada de indecente se foi o que pareceu — adiantou-se a explicar.

Claro que não. Kendall não admitiria.

Fiz um gesto vago com a mão, ainda me recuperando.

— Está tudo bem — murmurei numa voz falha e pigarreei — Muito obrigada.

Silêncio outra vez. Parecíamos estar patinando para manter uma conversa cordial. Pisando em ovos. Desgastante o bastante para nós dois suspirarmos ao mesmo tempo e trocarmos um sorriso de desconforto quando isso aconteceu.

— Numa escala de 1 a 10, quanto você ainda está com raiva de mim? — Perguntou antes de beber mais um pouco do vinho. Seus olhos atentos não perdiam um só movimento que pudesse entregar minha resposta.

Levantei um ombro, ponderando.

— Nesse momento, acho que 7,5.

Ele assentiu, os olhos de mel calculando como se fosse uma questão matemática da escola.

— E quanto estava quando começamos a conversar aqui?

Foi resposta rápida:

— 20.

Rindo, agitou um punho fechado de comemoração.

— Diminuímos para menos que a metade!

Levantei um dedo de alerta.

— Mas não se empolgue muito que a escala está flutuante, A qualquer momento pode triplicar.

— Minha mãe sempre me disse que esse era um dom meu, tirar as pessoas constantemente do sério — respondeu, parecendo até orgulhoso demais atrás de sua taça.

— Eu acredito nela — pontuei. Respirei, encorajando-me — E você, quanto de raiva tem de mim agora? — Percebi meus ombros se encolherem ligeiramente, preparando-me para o impacto. Mas fui covarde e não consegui olhá-lo nos olhos.

Ele bufou.

— Não estou com raiva de você, Lia. Muito menos fiquei. Como poderia?

Para minha tortura, parecia estar falando sério. Se ele não tivesse raiva de minha insensibilidade, lhe acumularia alguns pontos de índole. Parti para outra abordagem:

— Magoado?

Comprimiu os lábios, pensando.

— 5? — Chutou.

Eu preferia que estivesse com raiva. Mas era mais justo assim, me incomodava.

— Você é quem sabe. E como estava quando começou o jantar?

Acariciou o queixo entre o indicador e o polegar. Visão injusta para os telespectadores despreparados.

— Talvez 9. Se estivesse no dez eu nem viria. Você deve saber que sou um pouco orgulhoso.

— Para ser justa, quando conversamos ontem acho que a raiva estava um pouco menor, eu também sou orgulhosa, então se estivesse tão alta assim antes provavelmente não viria — confessei

Ele passou a língua sobre os lábios.

Maldito.

— Hm, então é um milagre de Deus estarmos aqui esta noite. Isto ou...

— Ou? — parei a taça no meio do caminho da minha boca, concentrada.

— Não somos tão orgulhosos assim um com o outro — concluiu, satisfeito.

Tomei um gole do líquido gelado, grata pelos segundos ganhos para inspiração. Em contrapartida, ele não tirou os olhos de mim, me deixando nervosa. Assim, estragou todo planejamento e falei qualquer coisa na primeira oportunidade que tive:

— Em relação a você sempre foi meio assim para mim. Eu ficava com um ódio de algumas cagadas que fazia, mas nunca conseguia simplesmente te abandonar. Era pra ser fácil, já que você não me conhecia. Em certo ponto achei que pudesse ser vontade de Deus, pra eu continuar orando por você — confessei desnecessariamente, quase rindo.

Seu sorriso reluziu mais do que todas as luzes abaixo de nós, mais do que as próprias estrelas e o sol do meio-dia. Se assemelhava a um trovão, atingindo diretamente minha caixa torácica. Perdi o compasso das batidas cardíacas.

— Tenho certeza que sim. Se tivesse desistido antes não estaríamos aqui, e é uma dádiva conhecer você.

Deplorável. Ele me enfiava num mar revolto e depois aparecia com o único bote salva vidas visível. Aquela sensação arrebatadora de vida que isola qualquer outra questão. A lógica fugia veloz para vales distantes dos meus neurônios quando eu mais precisava ficar sã. Meus limites pareciam elásticos em suas mãos.

Emudeci e estabeleci a meta de terminar o jantar o mais rápido possível para chegar em casa inteira. Não sobreviveria se passasse tempo demais com ele e o incentivasse a continuar falando. Podia sentir que estava mais maleável e tudo ainda era muito recente. Nem ao menos havia publicado o livro ainda. Não deveria me esquecer disso.

Em um descuido percebi como a silhueta dele desfocava as imagens ao seu redor. O jeito que seu cabelo se movia na brisa, o encontro de seus cílios quando piscava, o movimento do peito para respirar, todos os seus pequenos gestos atraíam um quê de fantasia, lhe trazendo como o centro do universo. Ele reinava sobre minha psique e eu, eu...

Fui alvo do seu olhar esverdeado sublime e o meio sorriso afável por um segundo, explodiu em mim a memória do seu toque quente e preciso, ascendeu o aroma carregado pela brisa e aquele desejo palpável de estar mais perto, tão real que se materializava em meus músculos.

Cheguei à conclusão um pouco tarde demais, possivelmente apenas fugia dela. Caiu indigesta em meu estômago.

Merda, merda, merda.

Não admitir não fazia desaparecer o problema. Estar diante dele ecoava as palavras por todos os meus ossos, impregnando a certeza em cada uma das minhas células, por mais doloroso que fosse.

Essa era a razão de ser tão difícil. Por isso ele podia me fazer de gato e sapato e eu continuava ali, à espera de que sua sombra me tocasse. Por isso precisei estar ali e não tive paz enquanto não obtive sua atenção.

Me senti à beira de um penhasco.

Afastei a cadeira num movimento abrupto, surpreendendo-o.

— Preciso ir embora — levantei-me de supetão, aproveitando para virar as costas no ímpeto.

— Embora? — Repetiu confuso e eu já estava a quatro passos de distância — Lia?!

Caminhei depressa pelo restaurante. Eu queria correr, não apenas dele, queria fugir de mim e da pior idiotice que eu já cometera na vida. Como fui permitir que uma coisa dessas acontecesse?! Todas as minhas pequenas escolhas me levaram até aquele ponto, uma soma de erros que se tornara estratosférica e agora não havia mais volta. Não sem esforços hercúleos e dolorosos. Sair dali era um deles.

Estava em frente ao elevador num átimo e apertei o botão seguidas vezes como se aquilo o fizesse chegar mais rápido. Tinha consciência dos olhos do maître curiosos em cima de mim, uma visível fugitiva, e não me importei. Pensei no que eu deveria fazer, ligar para Lara? Chamar um Uber? A prioridade no momento era me afastar o mais rápido possível do prédio.

Minhas pernas estavam trêmulas e o coração na ponta da língua, parecia que eu definharia até me estatelar no chão e não faria isso na frente de testemunhas.

Os números vermelhos mudavam devagar, então comecei a rezar para chegar de uma vez. Aquele elevador era feito a manivela??? Arrepios desciam por minhas costas diante da tensão em não saber se ele estava atrás de mim e a que proximidade. Bati a mão com impaciência na coxa até que o elevador emitiu o som agudo de que havia chegado no andar.

Quase esbarrei nas duas mulheres que saíam, afobada para entrar, e elas me olharam de esguelha, com repreensão. Apertava o botão do térreo quando ele surgiu entre as duas, tão surpresas quanto eu com seu aparecimento, e se enfiou no compartimento apertado bem a tempo da porta nos fechar ali.

Retraí-me em agonia a parede do elevador, desejando me fundir ao metal e desaparecer dali.

— O que você... — comecei a perguntar, a voz instável.

— O que aconteceu? Você está bem? — Perguntou ansioso, estendendo as mãos, como se temesse que eu caísse.

Cruzei os braços, em resistência.

Olhar para ele com a fato gritado em meu cérebro era pior. Tinha a impressão de que estava escrito em letras garrafais em minha testa, visível a qualquer um. Repreendi-me mentalmente, deveria ter continuado em negação.

— Eu só quero ir embora — respondi, firme.

Minhas palavras fizeram seu cenho se franzir.

— Por que, Lia? O que houve? — Aproximou-se outra vez.

Joguei os ombros mais para trás, transmitindo-lhe a mensagem para ficar longe.

— Eu quero ir para casa, Justin, só isso.

Ele analisou minha postura e finalmente deixou a mão cair ao lado do corpo. Parou onde estava, mas a distância de dois passos ainda me parecia invasiva. Conseguia emanar seu calor e perfume, tão convidativos, passando-me a falsa sensação de que em seus braços haveria conforto.

— Eu fiz alguma coisa? Se te ofendi, eu juro que...

Expirei, exausta e angustiada.

— Não aconteceu nada, tudo bem? Só quero que você me deixe em paz.

Suas sobrancelhas se uniram.

— Você nem trouxe suas rosas — Protestou e parecia ofendido por isso. Eu sabia que lamentaria mais tarde por deixá-las — E não terminamos de conversar.

— E o que mais de útil tem para falar?

Nada. Suas palavras eram armadilha e as minhas me jogariam na fogueira.

Devagar, seus traços foram mudando para a inexpressividade. Podia ver que sua mente trabalhava, tentando entender as entrelinhas. Com um segredo descomunal para esconder, fiquei mais apreensiva. O elevador não pararia nunca?

— Eu só quero falar com você, achei que era o que você queria também.

Os olhos dele se fixavam nos meus, procurando uma lógica para minhas ações. Me fortaleci de todas as barreiras possíveis, levantando minhas defesas como se estivesse em guerra. E praticamente estava.

— Eu te digo o que eu quero: ir embora.

Convenientemente, a porta do elevador se abriu às suas costas, anunciando a tão almejada liberdade. A esperança veio num golfo de ar, e eu tentei desviar dele para sair. O tiro saiu pela culatra, seu braço direito enlaçou minha cintura ao passo que utilizou a mão esquerda para alcançar os botões do elevador e fechar a porta outra vez. Eu poderia ter reagido mais cedo, mas além de estar perplexa com o gesto audacioso, me desconcentrei por estar tão próxima dele outra vez. Seu contato despertou uma necessidade tão duramente controlada, debochando do meu autocontrole.

Surpreendi-me com a vontade irracional de chorar escalando minha garganta. Travei os dentes e olhei furiosa para ele.

— O que você pensa que está fazendo? — Sibilei, dando um passo num ímpeto para trás.

Mais uma tentativa falha. Isso lhe deu a oportunidade de ficar de frente comigo, sem me soltar, o braço acompanhou o movimento e agora sua mão se estabilizava na lateral da minha cintura, arrepiando toda a região que encostara. Estava sob a influência do seu olhar líquido, o desenho das sobrancelhas delineando o semblante sério.

Eu deveria dar um safanão em seu braço.

— Julia, por favor, eu estou tentando a noite inteira. O que mais preciso fazer?

Endureci o queixo, empinando-o feito criança birrenta. Não podia abrir brecha para que me interpretasse, muito menos entregar a minha vulnerabilidade. Ainda queria chorar, espernear e bater nas coisas, frustrada com o destino que me esperava. Ele ainda me proporcionaria muito sofrimento.

Finalmente a espera irrompeu o traço de irritação em seu semblante.

— Se você quiser que eu definitivamente não te contate mais, posso fazer isso.

A alternativa bailou em minha mente e foi tão horrível que me deixou apavorada. Me esforcei em parecer impassível.

Eu deveria me afastar.

— Já falei que a única coisa que eu quero agora é ir embora — repeti, sem emoção.

Ele mordeu o lábio inferior, decidindo. Olhou para cima e quando voltou a mim estava decidido:

— Mas eu quero que você fique e preciso saber se alguma parte de você quer isso também — respondeu, baixo. Não ditador, um pedido. De novo, cutucou meu peito com ferro em brasa — Eu odiei passar essa semana sem falar com você, pior ainda era saber que você não queria olhar na minha cara. Não posso te deixar ir embora daqui sem ter certeza de que isso passou, pelo menos um pouco.

Ele só deixava minha situação cada vez mais difícil. Precisava de espaço para ser racional. Cada batida do meu coração desejava passar as próximas horas junto a ele, desfrutando de sua companhia, sem me atentar a responsabilidade alguma. E eu queria tanto acreditar em suas palavras que parecia piada.

No ponto em que estava, sabia que cada decisão importava. Se eu continuasse escolhendo errado não sobraria nada de mim. Minha única salvação era o resquício de orgulho e amor-próprio segurando o peso do mundo como dois palitos de dentes.

Aproveitando-se do meu silêncio momentâneo, multiplicou a persuasão, apertando de leve os dedos em minha cintura, perfurando meu estômago. A outra mão tocou meus cabelos, passando-os para trás da minha orelha. Estremeci quando a ponta de seus dedos encostou na minha bochecha no processo.

— Fica comigo — requereu, o rosto franzido como se empenhasse toda a sua força nas palavras — Não precisa ser aqui. Posso te levar a outro lugar. Onde você quiser.

Um dos palitinhos quebrou. Não soube identificar se era o do amor-próprio ou do orgulho. Ouvia meu coração batendo diretamente no pé das minhas orelhas, alterado. Mordi a língua, resistindo às palavras bradadas do meu peito.

— Isto é, se o Daniel deixar — acrescentou de mal gosto.

O humor sarcástico apareceu em meio à turbulência:

— Por que você fala tanto do Danilo? Se quiser ser amigo dele posso intermediar para você — a algazarra interior era tanta que eu mal ouvi minha própria voz, mas o pouco que identifiquei nada tinha a ver comigo.

Ele revirou os olhos e sorriu com a piada, que lhe serviu para ganhar um pouco mais de confiança.

— Engraçadinha.

Dei um meio sorriso — praticamente um pedido de socorro. Justin arqueou a sobrancelha, artifício substituto da pergunta. Eu tinha uma resposta a lhe dar.

Expirei. Ele estava muito perto — ainda assim, não o bastante — e seu toque enviava mensagens convincentes demais para meu cérebro. De repente, todas as razões pelas quais eu deveria fugir dele sumiam na névoa opressora da verdade que me faria jogar a toalha. Enxerguei outra vez em seus olhos irresistíveis de mel com limão, sombreados pelos cílios grandes:

Eu estava — misericórdia, meu Deus — apaixonada por ele.  


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GENTE DE DEUS QUE LUTA SENHOR Eu tive dois concursos para fazer, e agora eu não tenho tempo de mais nada na minha vida, JURO. Ta muuuuito difícil. Para piorar, eu escrevi e reescrevi esse capítulo TANTAS VEZES, nunca ficava satisfeita com ele. Da ultima mudei muita coisa. E ainda não estou muito feliz, e queria que ele fosse maior. Mas se eu não postar agora vai pelo menos mais uma semana, e eu não to brincando KKKKKKKKKKKEntão me perdoem por demorar, me perdoem por não ter ficado muito bom e me perdoem por estar um pouco pequeno. Eu vou tentar, de coração, postar o próximo logo. Não briguem comigo nem desistam de mim, eu tenho sentimentos KAKAKAK Obrigada por estarem aqui, eu amo voceeees <3

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