Fim
As batidas surdas estavam casa vez mais altas, passos cujo dono eu não conseguia ver quando olhava para trás. Estava se aproximando. O meu peito queimava no esforço para respirar. Por quanto tempo mais aguentaria correr? Eu teria que parar. Minha garganta clamava por água e os calafrios em minha nuca só podiam confirmar sua proximidade. Em uma estratégia desesperada, mergulhei para o chão e caí num baque atordoante.
Doeu meu cotovelo e cabeça e eu pisquei em meio ao choramingo, olhando para os lados. Antes que a percepção me inundasse, o ranger atrás de mim chamou minha atenção para um Danilo inicialmente preocupado e enfim risonho. Ele estendeu a mão, quase impedido pela gargalhada que irrompia do seu peito.
— O que você está fazendo aí, mulher? Estou batendo na sua porta há cinco minutos!
Grunhi e aceitei a ajuda, ainda desorientada. Ele me levantou e se curvou sobre os joelhos, libertando uma risada estrondosa. Empurrei seu ombro, desequilibrando-o.
— Eu estava tendo um pesadelo e aposto que você ajudou a provocá-lo batendo na porta — queixei-me, lembrando dos passos invisíveis.
Erguendo-se outra vez, ele tomou o ar que lhe escapara nos risos e balançou a cabeça, provocador.
— Eu disse que você não poderia assistir aquele filme tão tarde assim.
Revirei os olhos.
— Era você quem estava escondendo os olhos com a mão, garoto.
Abriu os braços, sorrindo abertamente.
— E não tive pesadelos.
Mostrei-lhe a língua, desdenhosa, ao passo que ele ficou me olhando sem alterar o sorriso. Eu devia estar uma bagunça. Passei as mãos no cabelo para abaixar o volume e na ponta dos olhos para limpar secreções. Com esses segundos a mais de raciocínio pude recordar que estávamos nos Estados Unidos e Danilo, sem planejamento prévio, viera apenas para me animar.
A consciência repuxou o canto do meu lábio para cima e num impulso só o abracei.
— É tão bom te ter aqui! — Exclamei, sentindo-me meio bipolar — A não ser que você tenha me acordado antes das nove horas da manhã — brinquei, um fundinho de verdade presente.
Ele riu e me deu tapinhas nas costas.
— Troque de roupa! Te dei um desconto ontem à noite, mas hoje nós vamos turistar!
O fato de não ter mencionado o horário denunciava sua possível transgressão ao meu sono saudável. Com um hálito de desmaiar leões, me privei de discutir, afastei-me em um sinal de "espera" e corri ao banheiro. Agi mecanicamente, ainda grogue. Sem dúvida ele havia me acordado antes de um horário aceitável para quem dormira tarde da noite.
Quando voltei para o quarto, ele já não estava mais ali, assim pude me trocar livremente. Não sabia se já tinha planos de onde ir, então vesti o básico. Jeans, tênis e uma blusa de manga longa preta. Prendi duas presilhas na frente do cabelo e lutei contra meus pensamentos negativos.
Eu estava com medo de sair. Não queria ser confrontada por nada relacionado ao assunto que já me tirava do sério. Me fatigava saber que ainda não havia resolvido aquela questão patética. E igualmente cansativo era ignorar que eu começava a sentir uma perceptível falta dele. Talvez o tenha deixado acessar partes demais dos meus sentimentos - que em hipótese alguma deveria ter admitido, tendo ou não o processo idiota. Com um suspiro pesado, saí do quarto. Já havia decorado aquele ciclo. Dali a segundos minhas glândulas lacrimais seriam alcançadas, era melhor evitá-lo.
Danilo estava na mesa, tomando café da manhã com Lara. Ela parecia melhor do que no dia anterior, ainda que só descansaria quando Justin enviasse o documento de perdão de dívida.
— Bom dia para quem acordou sete e meia da manhã — murmurei, um tanto aborrecida.
Danilo riu e bateu na cadeira ao seu lado.
— Alimente-se, minha amiga, Lara e eu planejamos grandes aventuras para hoje.
Sentei-me desconfiada e peguei uma panqueca.
— Que grandes aventuras?
Lara se responsabilizou em responder, uma vez que Danilo estava no meio de um gole de suco.
— Não é nada demais. Apenas passar o dia em Sunset Cliffs.
— Lá tem um parque natural cheio de penhascos — Danilo acrescentou, já capaz de falar.
Aquiesci, nada prejudicial demais, aparentemente. Se eu não fosse pensar no fato de qual pessoa havia ido a praia da última vez.
— O clima está mais quente hoje, Ju, podemos entrar na água. Se você não está de biquíni por baixo, pode colocar. Seus pais estão arrumando uma bolsa lá em cima com protetor solar e tudo.
A menção da água do mar e temperatura levou-me outra vez a pensar em Venice Beach. A brincadeira ridícula. A sensação desnorteante de estar tão perto e tão tentada. Tive que forçar para engolir a panqueca entalada no meio da minha garganta, até perceber que o aperto não era por causa da comida. Bebi um pouco de suco para ajudar.
— E à noite Lara me disse que vocês me levarão ao Gaslamp Quarter. Podemos escolher o presente de Ísis.
Aquiesci, ainda tentando me livrar da opressão repentina. De fato, eram programas animadores e eu deveria reagir de acordo.
— Prontos para passar o dia na praia?! — Minha mãe desceu ruidosamente das escadas, quase cantarolado.
— Estou levando a caixinha de som para mostrar aos estadunidenses que o sol, areia e mar são sinônimo de pagode — meu pai acrescentou, atrás dela.
Adorávamos viajar para a praia, e meu pai nunca deixava sua trilha sonora de fora. Antes que eu pudesse levantar a cabeça, ele me abraçou de lado:
— Quem é do mar não enjoa — cantou, fechou a mão em punho e colocou na frente da minha boca na simulação de um microfone.
— Não enjoa — fiz o coro, achando graça.
— Chuva fininha é garoa — ele continuou.
— É garoa — Danilo repetiu, iniciando um batucar na mesa.
— E homem que é homem não chora, não — Lara entoou.
— Não, não chora! — meu pai ergueu os braços, animado com a adesão geral.
— Quando a mulher vai embora — minha mãe contribuiu.
— Vai embora! — levantando-se para sambar, Lara, a rainha da bateria.
O breve momento de descontração serviu para renovar meu ânimo. Podia, então, ter boas expectativas pelo dia que viria. Subi para ajeitar o meu biquíni e mudar a roupa, decidida. Afinal, minha história de amor com o mar já existia antes mesmo que eu soubesse quem era Justin Bieber. Ele não me roubaria isso.
Em meu favor, Danilo tinha uma alegria de viver contagiante e parecia estar ampliada com a viagem. Chegando à praia e escolhendo nosso local, eu tive que admitir a temperatura mais agradável. Ou estava me acostumando ao clima da California? Realmente sentia um calorzinho novo na areia, embora ainda não passasse das oito e meia da manhã. Talvez pudesse até usar apenas meu biquíni. Fiquei grata por não me arrepender de escolher um vestido leve amarelo florido na altura dos joelhos — a calça bem guardada na mala para caso de emergência climática.
Mais corajoso do que eu, Danilo logo arrancou a camisa pela cabeça, ficando apenas de bermuda, e segurou minha mão para me puxar da cadeira no exato momento em que me sentei.
— Vamos correr na beirada comigo. Precisamos garantir que você esteja com calor suficiente para entrar na água.
Lara se juntou a nós dois e traçamos a meta de chegar até os penhascos e voltar. Meus pais queriam que explorássemos os penhascos juntos mais tarde, temendo que caíssemos de cabeça em sua ausência.
— Trotinho, Juli, não seja preguiçosa — Danilo insistiu, negando a ideia de me deixar para trás.
— Garoto, se você quer que eu tenha capacidade de chegar ao final da praia e voltar sem reboque, é melhor não acelerar esse ritmo.
Franzindo o cenho ele se virou para Lara, cuja qual acompanhava tranquilamente seus passos.
— Lara, o que vocês deram para essa menina ficar mais preguiçosa do que o normal? Seria o ar desse país?
Entrando na brincadeira, minha irmã batucou o indicador na bochecha.
— Talvez seja o chocolate, Danilo, ela tem comido bastante. Eles podem usar algum ingrediente diferente aqui.
— Há há, como vocês são engraçadinhos. Eu nunca fui atleta.
Ele estendeu a mão e segurou a minha, guinchando-me.
— Por isso eu digo que você tem que conviver mais comigo. Ísis estava fazendo academia durante todo esse mês sem reclamar. Só não sei o que encontrarei quando chegar — fingiu preocupação.
— Uma criatura mais feliz pelos dias de folga? — Sugeri, provocando-o.
Enganchando a mão na minha cintura, ele puxou meu corpo para um abraço de lado brusco sem parar de andar.
— Eu sei que você estava morrendo de vontade de me ver. Pode tentar disfarçar isso com esse projeto de esnobação, mas não passará.
Eu ri e o empurrei.
— Por isso não preciso fazer elogios ou derivados, você já sabe tudo.
— Algumas pessoas apreciam reafirmação, Júlia — repreendeu-me e se virou de costas para me ver, aqueles segundos me bastaram para estar dois passos atrás — E sabe o que mais, aposto que até de costas ando mais rápido que você.
— Isso é um desafio? — Arqueei a sobrancelha.
Ele deu de ombros.
— Se quiser chamar assim.
Foi o que bastou para que eu disparasse. Parte pequena da minha consciência avisava sobre estar caindo diretamente na sua manipulação, mas meu orgulho não aguentava uma competição. É claro que em determinado momento ele teve que se voltar para a direção certa e, desviando de pessoas às vezes um pouco mal humoradas no caminho, travamos uma corrida de respeito. Lara não quis se juntar a brincadeira, permanecendo na mesma marcha constante até que a perdemos de vista.
Para ter mais espaço livre, me aventurei pela ponta da areia, onde o que restava das ondas lambiam o solo casualmente. A umidade foi boa para os meus pés e eu quase obtive grande vantagem. Em certo momento, já não restava forças em minhas pernas e a garganta arranhava com a passagem de ar. Fui obrigada a ceder para não desmaiar de exaustão e me dobrei sobre os joelhos, respirando rápido. Sem dificuldade alguma, Danilo poderia finalizar a corrida, mas assim que percebeu minha desistência, voltou saltitando vitorioso para minha frente.
— Os benefícios da vida fitness — gabou-se, colocando as mãos na cintura enquanto regularizava a respiração.
Lhe joguei um olhar entediado, sem condições de fazer comentário algum no meu estado atual. Ele riu de prazer.
— Está aquecida o suficiente para um mergulho? Estou me sentindo chamado — apontou com o queixo para o mar. Seus cabelos dançavam arrepiados na brisa, os raios tímidos de sol ressaltando o dourado da raiz.
Olhei para a água cristalina e desordenada. Os pontos mais escuros indicavam onde a areia afundava de repente, e havia muitos desses espalhados. Somando aos indícios, parecia gelada. Por outro lado, sabia que Danilo me arrastaria para dentro se quisesse, e eu não estava disposta a reviver a cena de Venice Beach.
Portanto, por livre e espontânea vontade arranquei o vestido pela cabeça, jogando-o na areia irresponsavelmente e corri em direção as ondas antes que pensasse no que estava fazendo. O vento não estava tão gelado quanto eu temia, para minha surpresa, minha pele não se arrepiou com a ausência do tecido - embora o brotinho de desconforto por estar apenas de biquíni em público fosse desfavorável. Pude ouvir Danilo atrás de mim e seus gritos para Lara, a fim de situá-la onde estávamos, ela já devia estar perto.
Na altura da minha panturrilha a água se mostrou gelada o suficiente para me fazer projetar o futuro próximo não muito feliz e congelante. A ausência do calor me fez lembrar a perda do meu "aquecedor particular" com forte pesar. O sentimento durou segundos, quando me dei conta, respingos de água gelada atingiam minhas costas, me distraindo. Danilo espalhando água alegremente a fim de me molhar. Levantei o pé em revanche, chutando pingos em sua direção.
Ele mesmo encerrou a guerra, se rendendo diante do frio advindo da água. Virou-se de costas, encolhido.
— Tá bom, tá bom, Juli.
Mas eu não estava satisfeita. Em nome da competitividade, me abaixei para apanhar a água já nos meus joelhos e joguei boa quantidade em meu tronco. Contraí o abdômen de frio e me joguei em suas costas, abraçando-o por trás. Sabia que não alcançaria total efeito se tentasse lhe acertar apenas com a mão. Ele estremeceu e arqueou o corpo, tentando se afastar de mim enquanto eu ria.
Girando os braços para dentro do cerco que formei com os meus, ele se livrou de mim, só para me segurar de frente e deitar minhas costas centímetros acima da água enquanto uma onda se aproximava. Me debati, emitindo gritinhos histéricos, e ao constatar baixa probabilidade de êxito escondi meu rosto com as mãos, parando de respirar quando a onda me atingiu. Meus cabelos foram repuxados de leve, desintegrando e levando meus pensamentos com as moléculas de sal.
Emergi dois segundos depois, ofegando com mais vigor em decorrência da temperatura. Num espírito vingativo puxei-o pela nuca para baixo, de forma que se desiquilibrasse e caíssemos nós dois na areia dura submersa. Minhas costas doeram, mas valeu a pena. Levantei-me nos calcanhares para vê-lo indignado com o golpe e ri. Por essa razão, ele empurrou meu ombro e eu caí sentada no solo duro. A próxima onda nos derrubou.
— Crianças, crianças, cuidado para não morrerem afogadas! — Lara chegou até nós, estendendo uma mão para cada quando recuperamos parte de nossa dignidade.
Nos comportamos um pouquinho melhor a partir daí. Se fosse Ísis, teríamos lhe puxado junto. Deixamos a água chegar até o nível da cintura, mantendo o corpo em movimento para não morrermos de hipotermia - dramas a parte. Algum tempo depois a responsabilidade bateu, e para não deixarmos nossos pais preocupados, saímos do mar.
Agachei-me para apanhar meu vestido desleixado no meio da areia, perplexa.
— Uau. Se fosse no Brasil...
— Teriam levado o vestido e a areia — Danilo completou, igualmente abismado.
Bati a mão na roupa para tirar a areia e vesti-la outra vez, meio aflita com a possibilidade de os grãos irritarem minha pele. O desleixo fora inconveniente. Contudo, o desconforto em andar seminua em público — embora ironicamente estivéssemos numa praia — me desinibiu de me vestir.
— Eu já estava pensando em sair para ir atrás de vocês — meu pai respirou de alívio e aborrecimento assim que nos viu chegar.
Minha mãe ergueu a aba do chapéu para nos analisar atrás dos óculos de sol.
— Eu te disse que haviam caído no mar.
Ele repuxou um lábio entediado com a piada e apontou para a mesinha do centro com três cocos verdes.
— Acabei de pedir, então ainda não deve ter esquentado. Agora é a vez de vocês ficarem com as coisas — piscou, levantando-se da cadeira em um novo espírito. Em seguida, estendeu a mão para sua esposa e ela aceitou a oferta com um sorriso radiante.
— Toma — colocou o chapéu em minha cabeça e estendeu os óculos de sol para Lara.
Observei-os desfilar de braços dados em direção ao mar, imaginando mais uma vez se realmente seria possível construir algo assim nesta década. Como uma pessoa que chegou a esse país pensando no amor como superestimado, eu estava passando tempo demais pensando neste caso concreto. De que me importaria saber se ainda existia já que não era do meu interesse mesmo?
Sentei-me na cadeira reclinável com a impressão de que esta teoria estava sendo posta a prova por mim. Danilo foi quem me salvou:
— Juli, pegue seu coco e vamos fazer inveja para a Ísis — disse ele, pegado o celular dentro da bolsa para abrir a câmera.
— Acho que ela não precisará de foto para sentir inveja — repliquei, contudo, aproximei-me dele com minha água de coco e sorri para o clique.
Ele continuou sorrindo ao analisar o resultado, então não devia ter ficado ruim. Se eu olhasse o provavelmente lhe pediria para apagar e também não gostaria da outra tentativa de foto, portanto voltei-me na direção do horizonte, saboreando minha água de coco, a sensação de frescor no corpo que secava com a brisa marítima, o aroma de areia, mar e sol... Dali a pouco minha pele poderia pinicar em razão da água salgada seca, mas aproveitei os breves minutos de paz. Minha respiração circulava tranquila, o som chiante das ondas quebrando parecia canção de ninar e eu entrei num estado vegetativo sereno.
— Você está mesmo famosa, hein?
Voltei a terra, olhando para ele outra vez.
— As pessoas ficam o tempo todo te encarando — esclareceu.
Abri a boca para retrucar, mas, agora ciente do fato, comprovei duas garotas passando a nossa frente com olhares indiscretos em minha direção. Meu primeiro pensamento – em pânico – foi que havia algo de errado em minha cara ou na roupa. Olhei de imediato para baixo, aliviada ao constatar meu vestido no exato lugar. Investiguei meu reflexo na tela do celular, tudo certo também.
— Primeiro pensei que fosse porque estávamos correndo e quase nos matando no mar, mas...
Certo. Eu devia me lembrar sobre a mini popularidade me sondando para ser mais resguardada. Havia me esquecido do temor de sair de casa. A ausência de Justin não significava mais despreocupação com cliques, embora fosse potencialmente menor. E se tivessem se importado o bastante para tirar fotos de hoje para uma pequena matéria... Ugh, teriam bastante material e teorias para explorar.
— Dá para acreditar nisso? — Comentei, ainda descrente e bastante preocupada.
— Pelo que tenho acompanhado nas suas redes sociais, estou quase acreditando. Mais ainda não te vi falando sobre mim publicamente, Júlia, lembra do nosso acordo de ficarmos famosos juntos? — Estreitou os olhos em falsa ofensa.
— Bom, se tiver algum bochicho hoje pode deixar que te assumo como o amor da minha vida.
Ele sorriu abertamente e me estendeu a mão.
— O que não é mentira.
Apertei seus dedos em sinal de carinho. Ele olhou de esguelha para o lado.
— Hmmm... Realmente a possibilidade de bochicho é grande. Eu encosto em você e as atenções duplicam.
Gemi e o soltei.
— É claro.
— Eu acho justo avaliarmos de volta, o que me diz? — Apontou com a cabeça para o lado.
Uma mulher atarracada passava com a filha de uns 12 anos comentando entre si com a atenção em mim.
— Com mais discrição, claro — alcancei minha bolsa creme na toalha estendida na areia para apanhar meu Ray-ban aviator preto.
Danilo também aderiu a sutileza e Lara já usava o da minha mãe. Nossas primeiras vítimas chegaram nos próximos segundos. Duas adolescentes curiosas. Os óculos e chapéu me camuflavam o bastante para precisarem se esforçar na conclusão de minha identidade.
— Dezesseis anos as duas. A de pele mais bronzeada está afirmando que "nossa, sim é a Júlia e está com um novo namorado" e a de cabelo liso preto responde "ah sim, ela está melhor com esse aí, é mais bonito".
Joguei a cabeça para trás, gargalhando da imitação impressa numa voz fina ruim.
— Estamos narrando, ok ... — Lara se ajeitou na cadeira — Ali, quatorze anos, lê notícias de famosos todos os dias e... — Iniciou, claramente analisando a garota de maiô e cabelo castanho num rabo de cavalo — "Minha nossa, aquela é a menina do livro! Será que consigo um de graça?"
O disfarce desproposital nos concedeu alguns minutos de folga até a próxima vítima. Uma loura que saía do mar em nossa reta acompanhada da amiga de cabelo cacheado escuro. Ela agarrou o braço da outra, arregalando os olhos.
— Essa é moleza: "Uau! Quem é aquele pedaço de mau caminho ao lado da menina de chapéu engraçado? Preciso me apresentar!".
Eu lhe dei um tapinha, entre risos.
— Agora tudo faz mais sentido. É para mim que todos estão olhando desde o início, Juli. Desculpe por roubar os holofotes.
Suspirei em falso alívio.
— Se eu soubesse disso antes teria te pagado um voo para cá semana passada.
Piscando para mim, ele sugou o canudinho da água de coco. Puxei o chapéu para baixo a fim de fazer sombra em meu rosto e reclinei na cadeira, pronta para retornar à paz. A camuflagem soava mais atrativa do que as provocações. Enterrei meus pés na areia, aproveitando o calorzinho emanado delas.
— Eu sei que sua vida anda muito emocionante para se atentar as fofocas de São Paulo, então eu e Ísis selecionamos as mais quentes do momento. Quer ouvir? — Perguntou-me apenas de praxe. Ele já sabia a resposta.
— Para agora, por favor.
Lara não estava inteirada do nosso círculo social da escola e demonstrou pouca emoção por saber que Brenda traiu o Alex com seu melhor amigo Davi. Se ocupou em mexer no celular, muito atenta para estar fazendo algo insignificante. Percebi que ainda não havia lhe perguntado se voltara a falar com Ryan e fiz uma nota mental para me lembrar disso mais tarde.
Nossos pais retornaram no ápice da história, Diego, o amigo mais próximo de Brenda – cujo qual pensávamos estar esperando a primeira oportunidade para conquistá-la – foi o responsável por segurar a briga de Alex e Davi no shopping. Detalhe: os dois sempre o odiaram. Resultado: uma briga generalizada e os três expulsos por seguranças do estabelecimento comercial.
Nos direcionamos até os penhascos, andando tranquilamente pela areia, sem que Danilo interrompesse o boletim informativo. Marta estava grávida. Mais chocante: o pai era Davi. Meu queixo caiu.
— Eu deixo o país por um mês e nossa cidade vira uma novela mexicana?!
— E você sabe que ele ficava dando em cima da Ísis, não é? Da última vez que saímos para o cinema ele estava lá, as investidas foram explícitas. Ísis até ficou meio balançadinha, mas me garantiu que era apenas problemas hormonais.
Balancei a cabeça, indignada.
— Esse crápula. Ele não tem a mínima maturidade para ser pai! Ao menos vai assumir a criança?
Danilo me ajudou a subir na pedra.
— Assumiria mesmo se não quisesse. Boatos que tomou uma surra da mãe.
— E a Brenda? — Questionei, ainda chocada.
Ele levantou um ombro indiferente.
— Ficou sem o namorado e o amante.
— Seria cômico se não fosse trágico!
— Tragédia vai ser vocês caírem dos penhascos se não prestarem atenção onde pisam. Lara, guarde esse celular por um momento, sim? — Meu pai nos advertiu, analisando nossos pés vacilantes explorarem o solo.
Redobramos o cuidado conforme subíamos, vislumbrando as ondas se quebrarem lá embaixo. A vertigem me repreendeu a espiar somente ao estar parada. Eu não era Bella Swan para estar louca de vontade de me jogar dali. Muito menos porque meu coração se partira.
Fiz uma careta para mim mesma. Dizer que meu coração se partira era o mesmo que admitir ser idiota o bastante para deixar alguém alcançá-lo.
— Veja, Ju — meu pai apontou para o horizonte, abraçando-me pela cintura ao chegarmos ao topo.
O mar se estendia abaixo de nós, tocando o céu no fim da fenda infinita azul, misturando-se como um só no tom degrade. Ali o término também era o começo. Relativo e deslumbrante. O centro da paz. Fiapos de nuvens brancas como cotonetes se espalhavam pelo céu, despertando o desejo de andar pelas águas como Jesus e Pedro a fim de chegar aquele horizonte ilusoriamente fundido, como se pudesse estender a mão e sentir a textura de algodão. Enchia meu peito de um ar renovado e fresco.
— Aquele é o limite para os seus sonhos e as possibilidades de alcançá-lo — completou depois de meio minuto de contemplação.
Deitei a cabeça em seu peito, sorrindo.
— Obrigada, papai.
Ele beijou o topo da minha cabeça.
— Que lindo momento de paz entre esses dois. Vamos registrar para provar às gerações futuras — minha mãe zombou, preparando o celular para a foto.
Entre risos, permitimos a captura.
Os penhascos eram longos o bastante para ocuparem grande parte do tempo em exploração – e render muitas fotografias. Em determinados pontos desciam próximos às ondas de forma linear. Para os mais aventureiros, não faltavam as rochas íngremes. E, como fiquei tentada a seguir, uma abertura grande entre as pedras formava um tipo de ponte. Embaixo, apoiando-se em pequenos relevos para colocar os pés, era possível chegar quase até o meio do "túnel". Jovens demais e detentores de grandes sonhos para morrer, preferimos permanecer em solo seguro.
Almoçamos num restaurante do outro lado da estrada, permitindo-nos ouvir o máximo de tempo o barulho das ondas e gaivotas, sentindo o ar úmido da água salgada. Na verdade, só voltamos para a casa no final da tarde. Nosso plano era ver o pôr do sol, mas San Diego só permitia este evento natural às 7 horas da noite. Estávamos exaustos, e eu ainda devia cumprir o trato de levar Danilo a Gaslamp Quarter à noite.
A sensação de limpar minha pele esturricada de sal, água e sol foi revigoradora. Tinha a impressão de que havia líquido em meu cérebro, flutuando livremente dentro da minha cabeça. Meu peito subia com mais esforço para a respiração. E todo esse conjunto me deixava feliz. Nada como o cansaço da praia. Escovei meus cabelos meticulosamente, deixando a cabeça pender para o lado que as cerdas do pente repuxavam. Honestamente, não estava a fim de sair, e torci para que Danilo também estivesse cansado o suficiente para se contentar em deitar no colchão e desmaiar.
Contudo, eu sabia bem a empolgação eletrizante dos primeiros dias em um novo país. Constatei a teoria quando desci, usando o vestido vermelho de mangas justo na cintura, por baixo meu short de pijama – uma estratégia caso ele admitisse o descanso noturno – e o vi no sofá de calças jeans, tênis e a camisa simples cinza. Contive um suspiro e ele sorriu.
— Pronta para a segunda parte do dia?
Abri a boca para fingir animação, mas as batidas na porta me salvaram do teatro. Arrastei-me até ela e a abri sem energia para teorizar quem era.
Minha saliva se perdeu no meio da garganta e eu parei de respirar a fim de não me humilhar tossindo. Senti que Danilo havia me enfiado embaixo de uma onda outra vez, arrastada pela força quebrada contra mim. O coração saltava feito uma gazela no cio.
Justin estava ali, de regata branca e calça justa vermelha. O boné preto voltado para trás escondia seus fios dourados, mas eu via a curva dos cabelos puxados para trás. Já era o bastante ter tamanha informação de sua pele. Os braços musculosos e desenhados chamavam tanta atenção quanto um quadro num museu de arte. Com as mãos para trás, destacava seus bíceps. Como se já não fosse impactante só estar na minha porta.
Parecia injusto continuar sendo bonito depois do que me fizera.
— Ei — saudou-me devagar, olhando-me através dos cílios longos, hesitante.
Ele achava que eu pularia em sua jugular ou o quê?
— Ei — respondi, cruzando os braços. Uma postura austera e prevenida. De contenção da minha parte e resistente a ele.
As palavras não tão afiadas lhe pareceram um convite para me analisar, como percebi. Remexi os ombros, desconfortável, mais ainda por não saber qual fora sua conclusão. Logo sua atenção estava de volta aos meus olhos. Durante segundos inteiros ficou calado. Porém, longe de estar em silêncio. Seus olhos falavam, tão vívidos e gradualmente profundos a ponto de me fixar, feito um mistério clamando para ser resolvido.
Notei a movimentação sutil de seus lábios entreabertos e um suor frio escorreu pela minha nuca.
— Hi, Justin! — A voz de Danilo quebrou a névoa perturbadora. Ele parou ao meu lado, apoiando um braço no batente da porta. Abriu seu sorriso simpático e estendeu a mão — Vai tomar no Cool? — Misturou o português com o inglês, a primeira parte em nossa língua materna dita consideravelmente mais baixo.
Sua naturalidade em expressar o xingamento disfarçado fez cócegas em minha barriga e eu precisei morder os lábios com força para reprimir a gargalhada deselegante. O som persistiu em sair da garganta ao menos numa tosse engasgada e para remediar coloquei uma mão na frente como se estivesse de fato tossindo.
Justin não era idiota ou surdo e me jogou um olhar perscrutador de soslaio. Em seguida, mirou Danilo e segurou a oferta de cumprimento firme demais para ser amistoso.
— Daniel? — Arriscou, num tom de voz sério.
Parecia lógico que adivinhasse quem era a criatura ao meu lado, já havíamos o mencionado pelo menos duas vezes. Ele havia pensado que Danilo era meu namorado.
— Danilo — corrigiu o próprio, utilizando seu dom de parecer confortável falando com qualquer pessoa que lhe aparecesse.
O próximo minuto mostrou-se desafiador. Ficamos parados, um encarando o outro, sem aparentemente nada a dizer. Ou nada que pudesse ser dito naquela situação. Perguntas insaciáveis rondavam minha mente e, por mais que ainda estivesse brava e magoada, quase preferi que Danilo nos desse um pouco de espaço. Se ele estava na minha porta podia estar disposto a conversar e eu precisava — tão ansiosamente como o ar — resolver aquilo.
— Eu... — Justin pigarreou e tirou as mãos das costas, dois papéis nas mãos — só vim lhe trazer isso — estendeu-me.
Apanhei os documentos, mal li uma palavra e ele explicou:
— É o "perdão da dívida" do carro — disse, o toque aborrecido nas aspas descreditava a necessidade de tal formalidade — e a desistência da ação — completou, tão natural quanto se me contasse o que havia almoçado.
Engasguei ao confirmar os dizeres no papel. Era o quê?!
— O advogado já colocou este último no processo, logo você receberá o aviso do tribunal. Só queria... te dizer pessoalmente.
Lara precisaria dar uma olhada para ter certeza da veracidade da informação, mas parecia real.
"O autor vem apresentar desistência ao referido processo em razão da ausência de interesse no litígio (...)"
— Justin... — comecei a dizer, perplexa. O cérebro em branco.
— Sei que demorei, eu... — Suas pausas para escolher as palavras estavam atipicamente frequentes e eu o olhei para identificar a razão. No momento, observava Danilo espiando o papel sobre meu ombro, então redirecionou o rumo, endurecendo o queixo — espero que as coisas deem certo para você. Me desculpe por atrapalhar, outra vez.
E em meia respiração, virara as costas para mim. Desorganizados de choque, meus neurônios mal podiam formular pensamentos coerentes. Tirar um peso constante de alguém repentinamente deve ser seguido de um tempo razoável de adaptação. Contudo, ele me atirara a informação e já partia, enquanto um jorro de emoções passava atrás dos meus olhos. Aquele entrave pausara minha evolução profissional, bem como era a única coisa que nos ligava de modo concreto desde que eu havia chegado ao país. A ruptura brusca desencadeava diversas possibilidades experimentais, e meu subconsciente já temia uma delas, ainda que não me repasse qual.
Passamos um mês de desentendimento e confusão para que tudo acabasse em um minuto?
— Justin! — Chamei num impulso.
Ele se virou antes de descer a calçada para chegar à porta de motorista. Seria absurda vaidade minha imaginar que ele havia se deslocado de Los Angeles até ali de carro apenas para me entregar dois papéis.
— Obrigada — disse, carente de inspiração.
Seus olhos relampejaram para Danilo ao meu lado antes que esboçasse um meio sorriso quase sem emoção e corresse para entrar em seu veículo.
--------------------------------------------------------------------
ENTÃO Meu Deus como foi difícil achar tempo para escrever esse, e eu estava ansiosa para fazê-lo!Vocês se assustaram com o título do capítulo? KAKAKAKABOM, me perdoem, eu estou mesmo tentando. ENFIM, agora ansiosa para ver o que vem por aí, vou tentar escrever logo. Obrigada pelas leituras, estrelinhas, apoio e tudo, vocês moram no meu coração!Se cuidem!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top