Discórdia

Levantei-me estabanada da cadeira.

O quê?! — Indaguei uma oitava acima.

Lara só poderia estar brincando, certo?

Errado. Ela começou a andar rápido em linha reta pelo meu quarto, dando a volta ao encontrar barreiras, os olhos no chão. Chacoalhando as mãos, como se pudesse se livrar do nervosismo, relatou em tom apreensivo:

— Eu cheguei lá com Ryan e, nossa, os carros eram lindos! Mas depois de uma hora você não sabe quem apareceu! Bom, acho que sabe, sim, o Justin! Eu olhei muito brava para o Ryan porque ele havia me prometido, mas para ser sincera, ele parecia totalmente surpreso e desconcertado pela presença da peste! Justin teve a pachorra de vir para o nosso lado enquanto eu questionava o Ryan e me veio com: Oi, Lawra — fez uma imitação ruim da voz dele, acompanhada de uma careta —. Eu só olhei bem pra cara dele com desprezo e me voltei para o Ryan e disse: eu vou embora. Mas quando dei as costas, o traidorzinho de araque começou a argumentar que não estava ali para me impedir, que não nos atrapalharia — ela recuperou o fôlego, parando de andar para me olhar — Eu rebatia com não muita simpatia, e disse que não queria estar em lugar algum que ele estivesse. Daí, ele revirou os olhos e tirou a chave do bolso, me estendendo. E disse: eu não estou tentando te comprar, mas sei que queria dirigir meu carro, faça bom proveito que eu vou me juntar com meus outros amigos. Eu só olhei ele de cima a baixo, e então a praga jogou a chave para o Ryan e saiu de perto.

A pior parte ainda estava por chegar, provavelmente seria melhor ouvir aquilo sentada. Andei até minha cama e me sentei devagar no colchão. Se eu fosse desmaiar a cadeira não me seguraria.

— A culpa foi dele, afinal, eu não pedi! Mas enfim, Ryan e eu continuamos numa minidiscussão em que eu acabei chegando a conclusão de que eu me aproveitaria do carro sim, já que aquilo era o mínimo que ele podia fazer para nos compensar!

Arqueei uma sobrancelha para ela. Lara cruzou os braços.

— Tá, uma parte também porque eu não sabia se teria outra oportunidade de dirigir um carro daqueles. Não vem ao caso. Eu peguei a chave na força do ódio e tentei não demonstrar o quão impressionada fiquei, só que eu te garanto que, uau, que carro incrível, e todos ficaram olhando enquanto eu passava com ele, e eu estava indo bem, mas... — ela parou e me deu uma olhadinha hesitante de rabo de olho.

Havia algo ainda pior do que simplesmente ter batido um carro que custa milhões de reais? Apoiei a mão na cabeça, expirando.

— Continue, Lara.

Seus ombros caíram um pouquinho.

— Eu... vi que o Justin estava com a mão na cintura de uma mulher e muito próximo, mas constatei que era só um beijo no rosto. Provavelmente só um cumprimento — acrescentou rápido —. A mulher era aquela Jenner, a Kendall. Quando voltei para frente já estava em cima de uma curva, e não consegui voltar todo o volante antes que batesse, na altura do farol esquerdo, no poste — finalizou, sôfrega, segurando a cabeça.

Coloquei as duas mãos na boca, chocada mesmo já sabendo que essa seria a conclusão. Como se o desenrolar da história pudesse mudar os fatos. Para minha própria sanidade, ignorei a parte que mencionava Kendall. Não era da minha conta se ele havia ido para o evento idiota só por causa dela ou se eles estavam nutrindo uma amizade colorida. Já era o esperado. Gente como ele nasce para ficar com gente como ela. Perfeita. Que atende a todos os padrões sociais.

Balancei a cabeça, expulsando os pensamentos inúteis e cortantes para me focar nas necessidades práticas, apreensiva a ponto de ter dor na barriga.

— Pelo amor de Deus, Lara. Bem na frente dele ainda. E então? Mas você está bem? — Lembrei-me de perguntar, fazendo uma vistoria ocular rápida. Aparentemente, nenhum estrago.

Ela expirou.

— Se não formos mencionar meu emocional, estou bem. Enfim, ele veio correndo e o Ryan também. Eu fiquei praguejando e choramingando dentro do carro, então, como estava mais perto, foi o Justin quem abriu a porta. De novo, em benefício dele, confesso que parecia inicialmente mais preocupado com meu bem-estar. Só quando saí do veículo e ele se certificou de que eu estava inteira, foi avaliar os danos junto comigo. Quebrou o farol esquerdo e afundou um pouco a lataria ali. Garanti que eu não havia feito de propósito, eu nunca faria mal para um neném daqueles, ele não tem culpa do dono que tem! Essa última parte não mencionei, já que minha situação não era muito favorável. Prometi que pagaria o conserto já pensando em qual rim eu precisaria vender para isso e se só o rim bastaria, mas, coçando o queixo em nítido pesar pelo próprio filho, ele balançou a cabeça e me disse que não queria dinheiro meu — ela apertou os olhos, ainda descrente das palavras que pronunciava.

Arregalei os olhos, perplexa.

— Certamente de você não, de mim — concluí.

Independentemente de quem ele acusasse, a fonte seria a mesma. Lara só estava estudando por enquanto, nos sustentávamos por mim e meus pais. E nem o que tínhamos seria o bastante para arrumar um carro daqueles, eu apostava. Meu Deus, no fim Justin Bieber me deixaria sim na ruína. Agradeci ao meu bom senso de ficar sentada.

— Não, ele disse para não me preocupar com o conserto, que ele mesmo pagaria — ela me olhou em dúvida, esperando que eu interpretasse se podíamos confiar nele ou não.

Bufei.

— Com o dinheiro da indenização no processo de agora, provavelmente.

Lara correu para perto de mim e se ajoelhou pegando minhas mãos.

— Me perdoa, Ju, eu não queria atrair mais maldade dele para você! Foi sem querer mesmo! Embora eu tenha cogitado fazer isso com os carros dele antes que tivesse a possibilidade, quando ele te magoou. Se eu fosse prejudicá-lo assim certamente faria um plano no qual sairíamos ilesas.

Dei uma risadinha histérica, segurando seus cotovelos para levantá-la.

— Tenho certeza de que não foi sua intenção. Mas você se lembra de que eu falei que bateria o carro dele se dirigisse né? — Lembrei numa tragédia cômica.

Sentando-se ao meu lado, emitiu uma risada que parecia mais um sufocamento.

— Em outras circunstâncias eu não teria batido — então gemeu e enterrou a cabeça nas mãos — Nossos pais vão me matar. A gente vai passar fome. Ah, Senhor!

Coloquei uma mão consoladora nas suas costas, embora eu não tivesse uma opinião diferente. De fato, começava a surtir os efeitos da proeminente diarreia.

— Bom, mas e então, o que mais aconteceu?

Ela suspirou e apoiou o queixo na palma da mão, olhando para o horizonte desesperançada.

— Ele insistiu que eu não precisava me preocupar e aceitou minhas desculpas, entrou no carro e foi embora. Então Ryan me trouxe com o Uber. Ryan também me garantiu que ficaria tudo bem, que o Justin não me cobraria nada, que havia sido um acidente. Mas como pode compreender eu não confio no Justin e estou aguardando outro processo de indenização chegar imediatamente.

Deixei-me sucumbir no colchão. Ah, o fim, o amargo sabor do fim. Poderíamos ser a família de um rim só. Não podia ser tão ruim assim. Várias pessoas sobrevivem com apenas um rim.

— Bom, não acho que precisemos informar nossos pais antes que tenhamos certeza de que vai dar problema... Digo, até o problema chegar, na verdade. Fani podia acrescentar isso na pauta da conversa com Scooter amanhã à tarde, talvez.

Lara se deitou ao meu lado, choramingando.

— Que onda de azar é essa, meu Pai?



A conclusão só podia ser uma: eu estava me tornando uma masoquista nata. É claro que havia arranjado a desculpa perfeita, precisava saber o que ele estava aprontando para prever seus próximos passos em relação aos nossos problemas. Talvez fosse mesmo um bom fundamento. Mas a primeira notícia que encontrei foi do seu café da manhã com Kendall Jenner em uma padaria de Los Angeles. Parei de respirar, cogitando: será que haviam dormido juntos?

Soltei o ar entre os dentes.

Mais uma vez, se tivessem, não seria da minha conta. Mas não deixava de doer. Uma pontada lancinante no peito. Antes de conhecê-lo eu tinha um ciúme mesquinho quando aparecia envolvido com alguma mulher. Nada sério demais. Parecia algo semelhante, aumentado em mil vezes.

Olhar para a foto dos dois, mesmo que só estivessem sentados frente a frente numa mesa, envoltos por ótimo humor, contorcia cada vez mais meu órgão cardíaco, de forma a me preocupar com sua funcionalidade. Se eu me atentasse, poderia identificar certa defasagem no bombeamento de sangue, deixando meu corpo levemente dormente. Joguei o celular na cama, enfadada, e o observei rolar pelo colchão e cair no chão. Xinguei baixo.

— Isso, anta, quebre o celular, daqui a pouco não vai ter dinheiro nem para comprar uma bala e vai ficar sem telefone.

Estiquei-me para apanhá-lo. A tela estava voltada para cima, me dando mais uma visão da foto. Pisquei os olhos ardentes e tive vontade de pisotear o aparelho. É isso. Já basta. Eu o apagaria da minha memória, ainda que tivesse que abandonar minha vida de fã também. 7 bilhões de pessoas no mundo, com certeza ele não era o único cantor extremamente talentoso, cativante e adorável, dono do sorriso que alcança e rejuvenesce os olhos, da risada que envolve e reluz a alma, da voz que expulsa os mais tenebrosos fantasmas, cujos traços reforçam sua essência angelical.

Choraminguei e pulei da cama, abandonando o celular no chão enquanto saía do quarto. Já sentia o aroma do almoço subindo as escadas. Identifiquei que meu pai cozinhava seu característico feijão, arroz e fritava peixe. Mas ao contrário dos dias comuns, não despertou meu apetite.

Fiz uma careta para mim mesma.

Isso eu já não admitirei, Júlia, perder a fome por causa de homem é o ápice da falta de inteligência!

— Oi, Ju. A Fani está chegando aí. Convidei ela para almoçar com a gente — minha mãe anunciou ao me ver nos últimos degraus da escada.

Aquiesci, olhando-a por poucos segundos. Estar perto dos meus pais no momento fazia meu cérebro gritar: A LARA BATEU A LAMBORGHINI DO JUSTIN, SEREMOS OBRIGADOS A PAGAR UM MILHÃO NO CONSERTO, VAMOS VIVER NA MISÉRIA. Então eu tentava calar meus pensamentos, temendo que tivessem adquirido a habilidade impossível de ler mentes. Não queria arriscar.

Pelo que pude perceber, Lara ainda não saíra do quarto. Talvez ela ficasse trancada ali até ter por escrito que ele não nos processaria. Contive um gemido de lástima ao perceber que eu também deveria solucionar aquilo. O que eu deveria fazer? Mandar uma mensagem para ele? Ligar? Pedir ao Scooter? Seria um tiro no pé?

Já estava cogitando acompanhar Fani na reunião, a fim de cumprir meu papel profissional — não porque me preocupava que ela o matasse, claro —, a possibilidade de solucionar mais um problema só foi outro adendo. Ainda, precisava ver se Scooter por si só diria alguma coisa a Fani sobre o carro.

Segurei o fardo da responsabilidade dotada de coragem, quando Fani chegou já anunciei que lhe acompanharia e ela pareceu positivamente surpresa, assim como meus pais. Lara desceu depois de dois chamados da minha mãe, a mesa já estava posta. Ela mal levantava a cabeça, parecia estar mais apavorada do que no dia anterior, quase verde. Possivelmente passou a madrugada imaginando os piores cenários.

Quis consolá-la, mas eu não podia causar alarde para o seu estado. Felizmente, ela se sentou ao meu lado na mesa e eu dei dois tapinhas em sua perna querendo dizer: eu vou resolver. Uma afirmação infinitamente mais confiante do que eu sentia. O prato na minha frente parecia pouco apetitoso, e nada tinha a ver com os dotes culinários do meu pai. Nem a visão da comida havia me despertado a fome. Remexi o arroz e fiz o melhor que pude para não deixar ninguém alarmado ou ofendido.

O espaço em meu estômago se estreitou ainda mais quando chegou a hora de sair para encontrar Scooter, entretanto, mantive a postura e lancei um meio sorriso confiante na direção de Lara, embolada no sofá. Ela retribuiu um sorriso amarelo e meus pais me abraçaram forte, desejando boa sorte.

— E então, se sente melhor hoje? Ao menos parece — Fani me perguntou assim que entramos em seu carro.

Afivelei o cinto e respirei fundo.

— Ah, sim — cruzei os pés — Não dá pra ficar me lamentando para sempre. Preciso resolver.

Ela entortou o lábio, na tentativa de um sorriso empático.

— Bom, já é uma vitória que Scooter tenha concordado em me encontrar — pontuou.

Concordei. Imaginava se ele ao menos havia contado para Justin que planejava se reunir com Fani. Batuquei os dedos no joelho, externando o nervosismo alojado em meu estômago, eu deveria abrir o jogo para ela agora que estávamos longe dos ouvidos sensíveis dos meus pais.

— Então... Pode ser que tenha surgido mais uma complicação.

Fani já havia dado a partida e acelerava lentamente pela rua. Ponderei se não era arriscado dar uma notícia daquelas enquanto dirigia. Contudo, não havia muito o que eu pudesse fazer, não tínhamos outro horário para isso. A estrada até Los Angeles seria longa, então lhe daria um tempo para se recompor também. Franzindo o cenho, me jogou um breve olhar desconfiado.

— Qual complicação?

Uni as mãos, retorcendo-as. Era tão terrível que eu não queria nem falar.

— Bom... Você tem que me prometer sigilo, por favor, pelo menos por enquanto. Não quero que meus pais saibam — supliquei, dotando meu rosto de persuasão.

Sua careta se acentuou, mas depois de dois segundos concordou.

— Tudo bem — respondeu hesitante — Diga.

Expirei, mordendo o lábio inferior. Olhei minhas mãos enquanto falava, girando os polegares um em volta do outro.

— Ontem a Lara foi a uma exposição de carros com o Ryan, mas dissemos aos nossos pais que ela estaria no clube de livros. E então o Justin apareceu. Ela discutiu um pouco com ele. Ele emprestou a Lamborghini para que ela dirigisse. Ela resolveu dirigir. Se distraiu por um momento e bateu o carro num poste. Amassou um pouco da lataria e quebrou um farol — ouvi Fani ofegando, mas continuei, sentindo a apreensão no peito eu mesma. Ficava ainda pior fora do mundo mental — Ele disse que estava tudo bem e que ele mesmo pagaria o conserto. Mas nós não acreditamos na palavra dele. Então se hoje Scooter nos passar uma conta de um milhão achei importante te contar.

— Meu Deus... — ela ganiu, aterrorizada.

— Caso Scooter não fale nada, provavelmente pedirei que ele mande o Justin escrever o perdão da dívida e assinar, assim teremos algo para nos defender no futuro — ao menos foi o que Lara disse. E eu esperava que bastasse.

O começo a viagem foi marcado por um silêncio sobrecarregado por nossos pensamentos apreensivos assim que esgotamos todos os pontos de vista de acidente e possíveis consequências. Depois de alguns minutos, liguei o rádio e começamos uma conversa aleatória sobre a paisagem, músicas e afins. Conseguimos até cantar algumas, num gesto final para expulsar o nervosismo. Eu ainda precisava evitar a linha lógica perigosa sobre a razão pela qual me dirigi à Los Angeles das últimas vezes. Mas, inconscientemente, meu corpo já sabia, e suportei o constante aperto no peito. Para meu alívio, ao menos não tocou músicas dele na rádio durante todo o trajeto. Estava mesmo na hora de lançar um novo álbum.

A matriz da SB Projects, a empresa de Scooter Braun, é em Nova Iorque, com uma extensão do escritório em Los Angeles. Em frente ao prédio sofisticado em cores escuras, o ar passava com mais dificuldade para meus pulmões. Atrás da porta de vidro já podíamos ver as poltronas de espera e a bancada da recepção, e embora tudo fosse aparentemente muito bem organizado, me era pouco atrativo. A placa preta com o nome da empresa, acima da porta, ficava cada vez maior, me dando a impressão de que me esmagaria em poucos segundos.

Fani respirou fundo e repousou o braço sobre meus ombros.

— Vamos lá?

Agora o local se assemelhava muito a um hospital, reforçado pelo mármore branco da bancada da recepção. Provavelmente era melhor que fosse, já que eu estava prestes a ter um ataque cardíaco.

Engoli em seco e aquiesci, órfã de palavras.

— Não precisa ficar nervosa, Ju — Fani me garantiu, transmitindo uma calma superficial pelo olhar —, se não der certo, vamos resolver de outro jeito.

Soltei o ar pela boca devagar, balançando a cabeça outra vez.

Sem mais ensaios, Fani apertou a campainha ao lado da porta ao passo que eu desfiava a pele do meu lábio com os dentes.

— Sim? — Atendeu a voz feminina prestativa.

— Temos um horário com Scooter Braun. Júlia Souza e Sthefani McGowan.

Três segundos longos.

— Podem entrar — anunciou ao mesmo tempo em que a porta destravou.

Mais uma golfada de ar e entramos. Com paredes brancas trabalhadas em placas de gelo onduladas, quatro poltronas creme encostadas na parede, piso de mármore, quadros abstratos em tons pastéis e o aquário de peixinhos à extrema esquerda, em geral devia ser um local agradável. Em pé e do outro lado da bancada, a recepcionista exibia um sorriso de batom nude gentil, porém severo. Seus cabelos castanhos ondulavam como cortinas em seus ombros, perfeitamente alinhados. A pele rosada exalava certo brilho saudável e os olhos castanhos eram opacos. Utilizava camisa social branca engomada e calça preta flare. Retrato da polidez.

— Boa tarde! O Sr. Braun já está esperando pelas senhoritas. Vamos? — Estendeu a mão, apontando para o corredor.

— Boa tarde. Claro, obrigada.

Quis correr para fora, inibi o sentimento e segui atrás de Fani. Justin não estaria ali, garanti para mim mesma outra vez, não havia necessidade para tamanha covardia.

A sala de Scooter possuía uma longa mesa chumbo e duas cadeiras pretas afofadas para os visitantes. No mesmo estilo de decorações da recepção, o acréscimo era uma mesa de ping pong no canto esquerdo, parcialmente desajustada com o ambiente profissional. Atrás do Macbook e papéis enfileirados estava Scooter, de camisa social preta com as mangas puxadas no cotovelo. Ele se levantou, demonstrando ligeira surpresa ao me identificar no encalço de minha empresária. Ela não devia ter avisado que eu viria. Estratégia ou esquecimento?

Scooter se recompôs em milésimos, dando-nos seu sorriso enviesado.

Me encolhi, ele era uma lembrança muito vívida de Justin e todo seu universo. Incomodava a boca do meu estômago.

— Boa tarde, Sthefani. Como vai? — estendeu a mão.

Fani aceitou o cumprimento.

— Boa tarde, Scooter. Tudo certo.

Virou-se para mim, sem alterar a expressão.

— Olá, Julia. É um prazer revê-la — repetiu o cumprimento.

— Oi. Digo o mesmo — menti, muito mais desinibida e a vontade do que ele merecia.

— Sentem-se, por favor — apontou para as cadeiras, ocupando ele mesmo seu assento.

Nos acomodamos enquanto entrelaçava as mãos na mesa, ainda sem transparecer qualquer sinal antipático.

— Então, Sthefani, como posso ajudá-la?

Como? Tirando a droga do processo das minhas costas?

Cruzei as pernas, decidida a deixar Fani tomar a frente sem pressa. Ela pigarreou, inclinando-se ligeiramente para a mesa.

— Bom, Scooter, já tivemos algumas tentativas de entrar em um acordo, eu sei, mas gostaria de tentar mais uma vez, sem envolver os advogados nesse primeiro momento, apenas uma conversa informal. Sei que você está apenas prezando pelo interesse do seu cliente, como estou tentando pela minha, poderíamos encontrar um meio termo. Não vou questionar mais seus motivos, tenho certeza de que a essa altura vocês já estão bem convictos deles.

Scooter assentiu, demonstrando uma fachada compreensível e maleável. Se verdadeira, eu não sabia.

— Certo. Entendo a preocupação de vocês e lamento que tenha chegado a isto. Nossa intenção nunca foi causar nenhum tipo de sofrimento a você, Julia — ele direcionou os olhos mansos para mim, quase empáticos demais.

Cruzei os braços, cutucada pelo sentimento de humilhante traição. Justin o teria contado que resolvera brincar com meus sentimentos? Seria tudo parte do plano? Scooter estaria envolvido? Se estivesse esperando que eu afirmasse compreender e não haver mágoas entre nós, esperaria por um bom tempo.

— Tudo bem. Podemos chegar a alguma solução pacífica, Scooter? — Fani interviu.

Ele abriu a boca para responder, entretanto, foi interrompido pelas batidas sutis na porta. Esperando ver a cabeça da recepcionista espiar entre o vão, meu coração saltou para a ponta da língua, atingido pela realidade. Justin adentrava o recinto, o boné aba reta cinza fazia sombra em seu rosto, bem como o moletom amarelo e a calça jeans clara escondiam as linhas e tatuagens do seu corpo. Ainda assim, por evidente injustiça, ele parecia iluminar todo o ambiente, exibindo a essência de beleza em níveis dificilmente alcançados pela humanidade. Aquele era mais um de seus dons.

Minha garganta se fechou no mesmo instante, possivelmente para impedir que outro órgão irrompesse sem autorização por ela, barreira eficaz contra a passagem de ar também. Em consequência, meu corpo amoleceu. Desejei, em visível desespero, ser sugada por alienígenas para fora da terra. Eu não queria estar ali, muito menos para que e quando...

Aconteceu.

Seus olhos de mel passaram por mim, indecifráveis. Sinais de destruição nos detalhes de sua íris. Cavalheiros do apocalipse. Durou menos de três segundos, o suficiente para me eletrizar de ira e ressentimento, desviamos a cabeça ao mesmo tempo. Voltei-me suplicante para Fani, sem saber qual era o pedido e como ela o realizaria. Sua expressão estava mortificada e perdida.

— Ah, oi Justin — Scooter foi o primeiro a falar — Se quiser se sentar ao meu lado.

Se sentar? Ele deveria ir embora. Agora. Antes que eu tomasse a consciência completa de que estava aqui, a passos de mim, e despertasse emoções descontroladas.

Forcei o ar para faringe, precisava controlá-lo para não ficar ofegante.

Era mais fácil cogitar do que fazer.

— Olá, Justin — Fani empurrou as palavras em nome do decoro. Fitou-me de rabo de olho, me incentivando.

Isso não ajudaria com o processo de calma. Em hipótese alguma lhe dirigia a palavra. Mantive o olhar baixo, também não o direcionaria a ele.

— Boa tarde, pessoal — ele murmurou. Quis choramingar com o efeito da sua voz grave e aveludada, feito veneno entrou por meus ouvidos e contaminou os tecidos, espalhando-se.

Ouvi uma cadeira de rodinhas se arrastar e os dois se ajeitarem no assento.

Merda.

Deus, eu imploro, me leve nesse momento!!!

— Então, Justin, eu estava dizendo a Sthefani que em nenhum momento quisemos pessoalmente prejudicá-las e não estamos felizes com toda essa situação — Scooter o contextualizou.

Justin emitiu um ruído de compreensão na garganta, esquivando-se de palavras.

Isso foi basicamente o que ele me dissera em nosso fatídico passeio a Disney. Palavras vazias e decoradas, sem significado algum. Ao contrário da fúria arrasadora, que foi expelida por minha boca de forma tão cruel. Encolhi os ombros. Conseguia sentir raiva e mágoa dele, mas ao mesmo tempo remorso e vergonha por minha resposta. Me arrependeria menos se tivesse lhe dado um simples e significativo tapa na cara.

— Elas vieram para entrar num arranjo pacífico.

Fitei meus pés, aquecidos no tênis branco all star da converse. Reparei nas marcações de uso que franziam o tecido em alguns pontos, nas manchas sutis de sujeira que adquiri com o uso de apenas aquelas horas. Tenho sérios problemas em manter objetos brancos limpos. Poderia ficar nesse procedimento o dia inteiro, por quanto tempo durasse a conversa. Meus batimentos cardíacos chegavam aos ouvidos, abafando o ruído exterior. Em determinado momento eu não conseguiria mais ouvi-los.

O que ele estava fazendo aqui? Acaso não queria tomar café da tarde com Kendall? Ela já devia estar sentindo sua falta.

— Você tem alguma proposta, Sthefani? — Scooter perguntou, constatando que Justin não teceria comentários.

Fani alisou as próprias coxas, como se a fricção pudesse contemplá-la com ideias geniais.

A minha ideia era: tirem o processo e nos deixem em paz. Nunca mais precisarão ver nossa cara.

— Bom... O que vocês querem? Que o livro não seja publicado, sem exceção? Vocês conseguiram... analisar o conteúdo?

Justin havia me dito que ele estava lendo. E não havia pontuado nada de abominável.

— Honestamente, preferíamos que não fosse. Veja... Sei que vocês provavelmente terão prejuízo porque já investiram certo valor nisso. Podemos ajudá-las com o ressarcimento.

Arregalei os olhos, ainda sem desviar minha atenção do tênis. Era o mínimo que eles podiam fazer se fossem estragar tudo de vez, mas não esperava que reconhecessem. Por outro lado... Quase um suborno para me inibir.

— Contudo, a questão, Scooter, é mais complexa do que dinheiro. Júlia investiu tempo, esperanças e projetos nesse livro — replicou, firme, porém, contida.

— Entendo que sim. Mas do nosso lado se trata da reputação já manchada dele, estamos no processo de reconstrução da imagem.

Mordi minha língua. Eu queria gritar: e como um livro idiota de romance vai prejudicá-lo?! E você, Justin, que leu ao menos uma parte, acha que vai mesmo ser prejudicado?!

O que mais estava lhes prejudicando era a guerra judicial de ego. Como eles não conseguiam ver?!

— Não há nenhuma recompensa monetária que poderíamos oferecer? Diga uma porcentagem sobre os lucros e podemos chegar num consenso — Fani insistiu.

Minha meta de vida sempre fora lhe entregar todo meu dinheiro de qualquer forma, não é? Eu gastava quanto fosse necessário para frequentar seus shows e estar o mais perto possível. Uma taxa por conhecê-lo? Justo.

O silêncio breve indicava a ponderação de Scooter. Quase levantei os olhos para interpretar as probabilidades. Quase.

— Hm, qual é o seu máximo? — Indagou em tom profissional.

Começar pelo máximo não nos daria um bom poder de negociação. Até eu sabia disso.

— Certamente não mais que 50%. Lembrando que ainda tem a taxa da editora.

— Entendo — ainda reflexivo.

Passei a tirar a camada fina da minha unha, nervosa demais entre fingir que não sentia o fio de tensão que emanava entre Justin e eu, aprisionar minhas vulnerabilidades e o medo de não chegar a lugar nenhum com aquela situação desagradável.

Sem falar o temor da menção à Lamborghini.

Gemi em silêncio, eu teria que mencionar. Lara me esperava resolver.

Engoli em seco. Se não fosse agora...

— Se você quiser já embutir o conserto do carro — ofereci de uma vez, as palavras se atropelando, desejava secretamente que ele não prestasse atenção.

— Que car... — Scooter começara a perguntar, diminuindo a voz quando Justin bufou com escárnio.

Fui compelida a levantar os olhos em sua direção. Sua atenção estava em mim, desafiadora e acusatória.

— Eu já disse para a Lara que não quero nada do carro.

Rebati de imediato no mesmo tom:

— Ela me disse.

Repuxou o canto do lábio, mas não era um sorriso.

— E você não acreditou em mim — concluiu, feito a repetição de uma velha história — O que você quer? Uma dispensa por escrito? — Mais irônico.

Levantei um ombro.

— Me culparia por querer?

Ele me avaliou por segundos e eu permaneci imóvel, lutando para não demonstrar nada. Seus traços entregaram a indignação cômica com os resultados. Deveria ser óbvio pra ele que eu não confiaria em suas palavras, mas ainda assim lhe parecia decepcionante. De uma maneira estúpida aquilo me atingiu. Se ele havia me decepcionado repetidas vezes, por que me incomodava tanto devolver o favor?

Justin aquiesceu, aceitando para si mesmo, então resgatou o celular no bolso enquanto falava em distante frieza:

— Vou mandar meu advogado fazer um documento oficial, assino e te encaminho por e-mail. Ficará satisfeita assim?

Aquele parecia ser mais um entrave em nosso distanciamento, contorcendo minha sensibilidade já tão fragilizada. Perturbada e irritada pelo nó na garganta, busquei não demonstrá-lo e assenti.

— Ótimo — a palavra soou estranha entre meus lábios. Nos recônditos do meu coração esperei que ele percebesse ao mesmo tempo que não. A indiferença não me pertencia, muito menos a humilhação.

Pelo olhar que me lançou, não percebeu. Ou ele mesmo estava indiferente.

— Ótimo — repetiu, encarando-me petulante.

Scooter espiou entre nós, desconfiado. Assim que abriu a boca para fazer a pergunta, Justin se adiantou:

— Estou cansado disso — jogou as palavras ao tempo que arrastava a cadeira e se levantava, num impulso só.

O observamos deixar a sala apressado, ignorando nossa presença. Cada passo que dava para longe doía em mim e, em consequência, atiçava minha raiva. A tristeza já me aborrecia. Rotina cansativa, fatigante e idiota.

A porta se fechou, isolando o ar contaminado de tensão e confusão. Fani apoiou a mão em cima da minha, demonstrando conforto, contudo, não o senti, preenchida pela cólera a tal ponto que não previ meu próximo movimento.

Ergui-me de supetão, compelida a seguir o mesmo caminho da abominável criatura.

O que você está fazendo, Júlia?! Submergido pela insensatez, meu consciente tentava chamar minha atenção. Infortunadamente, o grilo falante estava sem espaço.

Abri e fechei a porta com um pouco mais de força do que o necessário e marchei pelo pequeno corredor, procurando. A recepcionista se virou para mim pronta para ser útil, seu semblante se modificou para receio ao perceber minha cara. De relance, pela porta de vidro, eu podia ver minha vítima.

— Você pode abrir a porta, por favor? — Pedi, sem parar de andar.

Talvez se ela não tivesse sido rápida o bastante e eu fosse obrigada a parar antes de passar para fora, pensasse melhor no plano — que eu não tinha. Na realidade, não precisei interromper o caminho e só me detive assim que Justin se virou ao me ouvir chegar, próximo a sua Ferrari. Lhe atirei as palavras na primeira oportunidade:

— Como você pode estar cansado disso?! Como acha que eu estou então? É a minha carreira que você está arruinando! O mínimo que pode fazer é ouvir e fingir que se importa!

Ele cruzou os braços, o sinal corporal mundialmente conhecido de resistência.

— Scooter vai cuidar desse problema — respondeu, inflexível.

Arfei, quase rindo ironicamente.

— E não faz a mínima diferença se você leu a porcaria do livro ou não? Você chegou a comentar com ele? Achou alguma coisa que te ofendeu? Ou você não leu merda nenhuma?!

Arqueou a sobrancelha.

— Eles só estão preocupados com a minha imagem, Giulia. Aliás, é tudo o que eu tenho. Sou vazio e podre por dentro — recitou em visível ressentimento.

Bem estratégico de sua parte provocar-me a onda sutil de culpa.

— Nem você acredita nisso — retruquei, perdendo certa porção do vigor, mas ainda voraz — Sabe que não é verdade.

Ele riu sem humor.

— Que eles estão preocupados comigo?! Deve ser... — O interrompi de imediato.

— Não, idiota, você não é vazio e podre! Se fosse assim você não seria... — cale a boca, não está aqui para encher o ego dele!

— Não seria? — Incentivou-me, os olhos bem abertos.

Fechei as mãos em punho, grunhindo.

— Não vou te elogiar, Justin Bieber! Você sabe o potencial que tem, seu valor supera a aparência — ele mordeu o lábio inferior para não exprimir emoção. O calor subiu ao meu rosto pelo quase elogio. Excelente, Júlia! Foco! — Valor que você não está utilizando neste momento!

Você acha que tenho algum valor? Não foi o que disse — pressionou.

O que ele queria? Uma retratação formal? Quando ele mesmo estava me magoando?

— Do que te interessa o que eu acho? Você não se preocupou com isso quando mandou derrubar minha publicação.

Justin olhou para cima, fechou os olhos e respirou fundou. Por um momento, ouvíamos apenas o som do trânsito atrás de suas costas. Até que seus traços rígidos foram domados um a um até transparecerem a calma forçada de buda no meio da Segunda Guerra Mundial.

— Eu não vim aqui para brigar com você, Julia.

Bufei.

— Veio para quê então?

Ele abriu a porta do carro, dando visão das veias saltadas em sua mão. Qualquer coisa que fizesse apertaria meu peito, merda?!

— Pra... — balançou a cabeça — Não adianta, qualquer palavra entre nós vira discórdia. Eu não quero mais fazer isso — apontou para nós dois, unindo as sobrancelhas.

Mais uma rachadura, essa foi mais profunda e dolorosa, alcançando qualquer parte que pudesse estar intacta dentro de mim. As palavras ainda não se agrupavam em meu consciente, mas a interpretação nociva já o circundava, depressa e ameaçadora.

Captando seja lá o que estivesse em minha expressão, apressou-se:

— Não quero mais discutir com você, digo. Não gosto disso.

— E você acha que eu gosto?! — Rebati, repentinamente desprovida de ar. Mal me recuperara do último ataque.

Ele balançou a cabeça, não como se concordasse comigo, o sorriso sem humor indicava a conversa interior.

— Não quero seu dinheiro. Acerto com o Scooter depois — entrou no carro e fechou a porta.

Cruzei os braços, mil e uma palavras na ponta da língua para lhe acusar, fervendo no chão a ponto de me preocupar em derreter o solo. Concentrei-me na raiva para não focar na sensibilidade despertada por sua atitude. É claro que não queria perder tempo comigo, Kendall devia estar lhe esperando de braços abertos.

Ele abaixou o vidro, dando-me um último olhar fixo.

— Lamento, Lia — murmurou, intenso. Por um momento, aparentava ter baixado a guarda, me confundindo.

Abri a boca para lhe ofender por utilizar o apelido. Um golpe tão baixo que nem formigas seriam capazes de tanto. Mas não havia tempo suficiente, com uma manobra deu a ré e virou-se para o sentido da rua, engatando na velocidade necessária para desaparecer em segundos.

Ele não tinha esse direito. Como podia ter a audácia de aparecer de supetão e me tirar do sério?! Além de criar uma narrativa em que eu parecia a maluca que queria brigar, finalizando com a desestabilização emocional oriunda de uma palavrinha imbecil. Agora eu queria sim discutir. Mas com quem, se ele fugira como um covarde?! Bati o pé no chão, frustrada, com raiva das palmeiras no meio das vias, do sol tímido que mal me aquecia, das placas na língua estrangeira, das pessoas mais conformadas com o clima do que eu. Eu não pertencia à esse lugar e não deveria ter pensado que podia ser diferente.

Senti cócegas nas bochechas até perceber a origem, o líquido salgado que pingava dos meus cílios. Limpei o rosto, furiosa, e me voltei para a porta a fim de resgatar Fani de lá de dentro. Não queria ficar mais nenhum segundo nesse país idiota. Preferia estar no meu clima tropical, livre de terremotos e a maioria dos desastres naturais, como Justin Bieber.

Felizmente, Sthefani já estava de saída pela porta. Ela franziu o cenho, pesarosa, ao reparar em mim, e me abraçou de lado.

— Desculpa por isso. Eu não sabia que ele viria...

— Está tudo bem. Só quero ir embora.

Meu pedido foi atendido de imediato e nos dirigimos ao seu carro, enfiei-me ali dentro feito verme. Inexistia ânimo em mim até mesmo para lhe perguntar como fora o restante da reunião. Encostei a cabeça na janela e olhei para o painel sem ver, já fatigada do céu rosado, degrade de laranja e amarelo. Minhas pernas estavam apertadas e desconfortáveis no espaço pequeno, desejosas de correr a maratona. O fundo da garganta preparava o grito a plenos pulmões que só poderia ser extravasado num local amplo e isolado. Sentia-me aprisionada. E não apenas por estar dentro do veículo.

— Bem... Scooter anotou a proposta e vai repassar ao advogado. Disse que ainda essa semana me passa uma posição — Fani contou, preenchendo o silêncio barulhento minutos depois — Ele me perguntou sobre o carro, mas eu insisti que não sabia nada sobre.

— Obrigada — pronunciei a palavra através da garganta apertada. Se não me vigiasse, acabaria por berrar.

Pausa.

— Presumo que você teve menos sucesso que eu. Ele foi muito cruel? Quer conversar?

Dei de ombros.

— Ele disse que não quer meu dinheiro. Que não quer brigar comigo. Mas não disse nada sobre a publicação — pigarreei, tentando me livrar da voz grossa e falhada.

Fani grunhiu.

— Sempre suspeitei que por baixo de todo aquele cabelo não houvesse muitos neurônios.

Dei uma risadinha forçada para acompanhá-la, mas foi só.

Júlia, você me prometeu que não ficaríamos mais tristes por esse homem!!!

Em um ato de benevolência, me concederia apenas mais as horas daquele dia. O dia seguinte não levantaria sem que eu me erguesse junto. Fechei as pálpebras, e as abri segundos depois, perturbada por imagens que eu não queria ver. Ao menos a cidade não possuía a tonalidade caramelizada decepcionante, hipnotizadora e enfurecida.

Chegamos em casa com o cair da noite. Fani tentara me dissuadir a jantar fora algumas vezes, sem sucesso. A repetição do desastroso encontro ainda ecoava em minha mente. A cereja do bolo pintada pelo apelido imbecil dito por sua voz no instante mais inadequado. Tão lógico quanto calibre de orquídeas num campo de batalha.

Fani entrou primeiro, e eu estava com os olhos nos pés, exausta ao passar pelo batente.

— O que é o sol sem seus raios? — Perguntou, inesperadamente, o timbre conhecido e acalentador, abusando do tom divertido.

De imediato ergui minha cabeça, assustada. Localizei, embora não fizesse sentido algum, meu porto seguro aguardando em frente as escadas de casa, de braços acolhedores abertos e cabelos bagunçados. Podia ser ilusão de ótica, mesmo assim, ofeguei, me lembrando de responder a charada tola:

— É o Danilo sem a Júlia. Dani!!! — Corri até ele, agradavelmente perplexa, disposta a checar por mim mesma, jogando-me contra o mesmo.

Gemendo de esforço devido ao meu peso, ele conseguiu impedir que caíssemos ao chão. Era real, então. Exalava seu cheiro característico de amaciante Comfort, todo agasalhado. Danilo não costumava abusar de colônias masculinas, raras vezes as utilizava. Por outro lado, suas roupas sempre estavam impecáveis, a ponto de impregnarem na pele.

Ele me rodou no ar, enquanto ríamos sem razão alguma a não ser felicidade genuína do reencontro.

— Eu não acredito que você está aqui! — Exclamei, pulando quando ele me colocou sobre meus próprios pés.

Seu sorriso alcançava as orelhas e os olhos esverdeados, reluzindo tanto a ponto de confundir meus embaraços.

— Você achou que eu te deixaria na mão?! — Bateu no próprio peito, gabando-se em tom jocoso.

— Não acredito nisso! — Repeti, grudando em sua cintura outra vez, eufórica.

Danilo me abraçou de volta.

— Seria burro se recusasse estadia de graça no exterior! E o pacote inclui refeições de graça, já que você vai pagar tudo mesmo — brincou, afagando minhas costas com veemência.

Eu ri de novo, sentindo-me mais leve do que experimentara em dias. Me afastei para olhá-lo, satisfeita que não houvesse desaparecido.

Podia ser um sonho?

— Tudo bem, só o jantar, meu almoço eu posso pagar — cedeu.

— Eu pago o que precisar para ter você aqui!

Ele abanou a mão com falsa modéstia. Foi automático, espreitei ao nosso lado e atrás dele, encontrando apenas minha família e Fani, expressando inconfundível gratidão nas faces.

— Sou só eu. Não precisamos da Ísis — descartou, brincando — Ela está se revirando de inveja, me mandou levar a lembrança mais estupidamente brilhante que encontrasse, então espero que você me ajude a encontrar uma.

Conhecendo Ísis, não duvidei que essas fossem suas exatas palavras.

— Claro, mas que bom que você já está aqui, assim não preciso te levar nenhum presente — suspirei em falso alívio.

— Há há. Eu vim justamente para escolhê-lo.

Balancei a cabeça, ouvindo o coro de riso. Danilo repuxou o canto do lábio.

— E está aí, acabei de ganhá-lo — apontou com o queixo para mim.

Meu sorriso. Bobão. Empurrei seu ombro, provocando-o. Depois não me contive e o abracei de novo, a empolgação explodindo em meu peito.

— É sério, Ju. Estou com você — garantiu-me, utilizando a rara seriedade que possuía — Vamos agitar esse país — atestou num gracejo.

Danilo havia atravessado o oceano para me socorrer. Eu não precisava de mais ninguém se o tinha comigo.  


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ALOHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAVoltei amigas e amigos do Brasil! Perdoem a demora. Todo capítulo eu só falo isso, que morte horrível. ENFIM, e vamos de agitar essa fanfic. OPINIÕES?


Muito obrigada por não desistirem de mim e dessa história. Vocês não fazem ideia quanto cada comentário e voto fazem meu dia! Eu amo ver que estão se divertindo tanto quanto eu. Já volto para responder os comentários de vocês, está terrivelmente tarde agora para alguém que trabalhará no dia seguinte ka ka Espero voltar em breve com novo capítulo pois eu também fico curiosa kakakaka Espero que estejam bem! Um abraço <3

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