Diplomática
— Júlia.... O que você tanto olha? — Lara me perguntou de novo, flagrando-me espiar por cima do ombro outra vez. Nem eu percebi que fazia isso, e constatar o fato me irritou.
— Nada. Estou olhando os brinquedos. — Respondi impaciente.
— Sei. — Estreitou os olhos para mim.
Não é como se eu estivesse esperando Justin Bieber brotar do nada. Na verdade, eu estava apenas me garantindo de que ele não viria me perturbar naquele dia, já que eu havia contado que estaria ali e ele parecera gostar do programa. Aposto que gostaria de me provocar também, como ele fizera grande parte da noite anterior.
Estancamos na fila do Beach Blaster e percebi que Lara mantinha um olho vigilante sobre mim, pronta para me acusar de novo. Ela suspeitava de que algo estava acontecendo desde que cheguei em casa depois do jantar beneficente trajando o paletó de Justin. Eu realmente havia me esquecido de devolver, tão aquecida como estava, e ele também não me lembrara. Lara insistia que eu havia feito de propósito para depois ter um motivo de encontrá-lo de novo.
— Não preciso de desculpas, eu vou encontrá-lo de novo: no tribunal. — Retruquei rabugenta, lembrando-me das últimas palavras que ele me direcionara.
— Bom, talvez você não queira esperar até segunda feira. Nenhum dos dois, na verdade. Aposto que você deixou sua echarpe de presente para ele, também.
Eu abri a boca para retrucar, mas assim que toquei em meu corpo, olhei na bolsa minúscula e nos bolsos do paletó, não encontrei o tecido. Lara pareceu triunfante com a constatação, dando risinhos de incredulidade.
— Eu disse!
Joguei um travesseiro nela, parando de tirar a maquiagem por um segundo.
— Não foi assim! Devo ter deixado cair no salão, merda.
— Por que não pergunta para o príncipe encantado? Vocês combinam uma troca... Mas não precisam estabelecer qual.... — Arqueou a cabeça para mim, maliciosa.
Joguei o outro travesseiro e ouvi gargalhadas.
— Pare com isso! Ele está me processando, Lara, e não temos um bom convívio. — Aquelas ultimas horas não deviam passar de um delírio, se ele ainda queria me ver no tribunal. Mas olhei por reflexo para meu celular, lembrando-me das fotos que havíamos tirado e que eu agora tinha seu número.
Lara seguiu meu olhar e pegou o aparelho rapidamente.
— O que tem aqui? Já estão conversando?
Ela não me deixou em paz até eu mostrar as fotos e o número. Tive que resgatar o celular antes que mandasse uma mensagem, foram tantos gritos que meu pai achou que estávamos nos matando na madrugada e veio nos mandar dormir, então arrastou Lara e ela não pode mais me perturbar. Até aquela manhã.
Eu ainda estava ponderando se deveria mandar uma mensagem avisando que estava com o paletó dele, para que não pensasse que eu o havia furtado, além de questionar se estava com minha echarpe. Mas estava meio sem jeito, talvez fosse melhor apenas aparecer com ele no tribunal. Se eu mandasse mensagem, ele poderia achar ruim. Ou seria pior se eu não mandasse? Ele acionaria as autoridades também por causa de um paletó?
Bem capaz, aquele mesquinho.
Apesar disso, nossos fotos haviam mesmo ficado... legais. Embora eu parecesse um pouco espantada. Isis adorara. Ainda não havia chegado a conclusão se deveria publicá-las. Estrategicamente, seria benéfico para a imagem dele, "ele realmente acolheu ela como fã, então para processar pedindo para não publicar o livro, deve mesmo ter alguma coisa errada", as pessoas pensariam. Ou, poderiam ficar ao meu lado e achar que ele era uma cobra que dá o abraço da morte.
Acho que as fotos ficariam muito bem guardadinhas em meu celular.
— Nossa vez, Ju! — Lara puxou meu cotovelo com pressa quando percebeu minha distração, impaciente para a diversão.
Isso, diversão. Eu deveria me concentrar nisso e não se mandava ou não mensagem, se fazia ou não uma declaração, se publicava ou não as fotos. As fotos, fiquei curiosa para vê-las de novo, eu não podia negar que ele estava muito bonito nelas, como sempre. Ah, eu ainda queria ver as fotos no tapete do jantar, eles já deviam ter publicado.
— Abaixe a trava, Júlia! — Minha irmã quase gritou de ansiedade e repreensão.
Obedeci, eu não gostaria de sair voando pelos ares. De qualquer forma, o funcionário passava conferindo a segurança, mas de modo muito simplório.
— Você está muito distraída hoje, Ju, no que tanto pensa? — Eu podia ouvir a sugestão na voz dela.
Fuzilei seus olhos. É lógico que eu estaria pensando na noite de gala, fora minha primeira e única, um evento extraordinário, o fato não deveria lhe surpreender.
— Não é nada do que você está pensando.
— Ainda bem que não estou pensando na palavra que começa com Jus e termina com TEEEEN.
Revirei os olhos, lembrando-me do nosso dilema, ele decidira me chamar de Lia — o som ficava muito bonito na voz dele, diga-se de passagem —, e eu não chegara a pensar em alguma coisa, porque ele havia me dito para chamá-lo de "razão do meu viver". Sacudi a cabeça ligeiramente com um sorrisinho sem perceber que Lara ainda me olhava. Ela começou a rir com empolgação.
— EU ADIVINHEI! Tem coisas que você não está me contando sobre sua noite, Júlia, conte!
Felizmente o brinquedo iniciou seu trajeto, agarramos as travas que prendiam nosso corpo no banco mas ela ainda gritou um "você não vai escapar" antes de se concentrar na adrenalina. Empenhei-me em distraí-la no resto do passeio, para não retornarmos a conversas desagradáveis. Não exatamente só ela, tentava me livrar um pouco da indecisão sobre a mensagem também.
Quase funcionou, com o tempo eu parei de olhar sobre o ombro e deixei meus pensamentos na empolgação de qual brinquedo ir e a expectativa de estar neles. Mas não durou tanto tempo, já que o parque não era tão grande quanto esperávamos.
— Vamos precisar de um maior. — Lara choramingou, abandonávamos o parque apenas três horas depois de estar ali.
Quase não pude desfrutar da visão do mar na montanha russa. Na verdade foi quase impossível deixar os olhos abertos para ver qualquer coisa.
— Concordo. Acredito que na California temos muitas opções, só precisamos pesquisar melhor.
— Oooou, falar com um expert. — O tom dela me faz olhar, e assim, arqueou as sobrancelhas para mim. Eu sabia em quem estava pensando. É claro que ela já queria voltar no assunto.
— Quem? — Meu pai se virou para nós duas, curioso — Será que a Fani tem alguma ideia?
— Pode ser — Lara disse com um sorrisinho contido e me deu uma cotovelada na surdina.
Eu teria que lhe dar mais detalhes uma hora ou outra, sabia disso. Então, no caminho da volta no carro decorei toda uma história para que ela não me interpretasse errado. Fiz bem, já que assim que chegamos ela me seguiu até o quarto e se jogou na minha cama, entrelaçou os braços atrás da cabeça e cruzou as pernas.
— Sou toda a ouvidos.
Eu suspirei.
— Importa-se que eu faça uma chamada de vídeo com Isis e Danilo? Eles também querem saber na íntegra o que aconteceu, então é melhor contar uma vez só.
— Não me importo, se você contar tudo.
E assim eu fiz, abri o notebook na cama e enquadrei os três em meu campo de vista. Editei da forma mais conveniente para mim, contei sobre o medo que senti no tapete para tirar fotos, depois sobre a mesa que sentamos e nossos colegas, sobre a apresentação da Mariah, e sobre ele ter cantado uma de minhas músicas favoritas.
— Ele é um cretino, mas um ótimo cantor e tem uma presença de palco incrível — acrescentei.
Lara sorriu conspiradora e eu a ignorei.
Contei que também me dedicou uma música mas só para tentar fugir do drama de ter composto para uma das convidadas. Depois contei que Selena Gomez retribuiu o favor e o quanto ele parecia desconfortável para quem o conhecesse.
— Quer dizer, eu não o conheço pessoalmente, mas, todos esses anos acompanhando-o me deram um pouco de conhecimento.
— Você acha que ele é muito diferente do que você achava que era? — Isis indagou, curiosa.
Pensei na pergunta, em dúvida.
— Hm... Não posso dizer ainda. Eu com certeza não esperava que ele fosse me processar, por exemplo.
Eles riram. Então, começou a parte perigosa. Eu disse que saímos para tomar um ar, já que ele parecia sufocado, e conversamos. Foi nessa parte que fiquei com frio e ele me passou o paletó.
— O QUE? — Isis berrou e Danilo colocou a mão na testa.
Dei de ombros, tentando amenizar a situação, mas Lara assentia enfaticamente.
— Não foi nada, eu só estava com frio, foi uma gentileza. Que eu não esperava que ele fosse capaz, mas tudo bem.
Apressei-me para a parte em que me desafiou a cumprimentar o Robert Pattinson para distraí-los, e funcionou, eles se deleitaram com meu mau jeito e mostrei a foto de novo embora todos já tivessem visto. Contei sobre as comidas horrorosas, algumas agradáveis, e sobre o gringo me falando sobre o Brasil.
— E depois viemos embora, tiramos aquela foto para mandar para Isis, e fim. Eu dormi boa parte da viagem da volta, então foi só isso mesmo. E claro, a última coisa que ele me disse: te vejo no tribunal. — Fiz uma careta.
— Alguma coisa não bate. — Danilo balançou a cabeça.
— Ela está omitindo informações, tenho certeza — Lara me denunciou.
— Sim, além de que ele está meio contraditório também. Parece que quer ser amiguinho e depois muda de ideia? Vocês acham que ele volta atrás? — Isis inquiriu, mexendo distraidamente no cabelo.
— Aposto que está a um passo de voltar atrás, é só ela mandar uma mensagem que ele desiste. — Danilo opinou e depois tomou um pouco de sua garrafinha.
— Que foi o verdadeiro motivo para ele deixar ela com o paletó e roubar a echarpe dela — Lara concluiu triunfante.
Suspirei alto.
— Vocês estão mais fanfiqueiros do que eu — reclamei — Querem me ajudar nas ideias para a história?
Eles riram, mas não desistiram.
— É sério, Ju, você tem o número dele e uma razão para chamá-lo: mande a mensagem! — Intercedeu Isis.
— Não sei por que vocês querem tanto achar algum vínculo nisso. Se esqueceram de que ele foi um idiota comigo? Que está me processando em cem mil dólares? Não quer que eu publique meu livro? É tudo parte do jogo dele para que eu faça o que ele quer — argumentei.
— Trate como uma estratégia também, faça com que ele goste de você e acabe com essa história de processo. — Danilo estava fazendo um topete com as mãos no cabelo, eu podia ver que quase começava a perder a paciência com o assunto.
— Vou pensar no caso de vocês e depois conto o que eu decidir.
Os três bufaram ao mesmo tempo, numa harmonia perfeita.
— Ela é quase uma causa perdida — Isis criticou — Mas agora, nos conte sobre o parque.
Fiquei feliz em mudar de assunto e dei o máximo de detalhes para que a história ocupasse todo o restante da conversa. E quando já não havia mais o que dizer, eu disse que precisava tomar um banho para ir jantar. Recebi mais um combo de conselhos sobre a mensagem que deveria mandar para amolecer o coração de Justin — se é que já não estava amolecido, como colaborou Isis — antes que pudesse escapar.
Fechei o notebook e dei de cara com os olhos acusadores de Lara.
— Eu sei que tem mais, assim que estiver pronta para me contar, estarei em meu quarto — Ela se levantou, apontando dois dedos para seus olhos e depois para mim.
Sacudi a cabeça com um sorrisinho de escárnio.
— Espere deitada pois não há nada a dizer.
— Aham... — Murmurou com ironia ao passar pela porta.
Eu mesma me deitei, como um sinal para mim mesma. Não tinha nada a dizer, nada a fazer, nenhuma mensagem a mandar.
Mas e se.... Apoiei o celular na barriga, cruzando as mãos em cima. Talvez fosse melhor avisar que eu estava com o paletó, de fato. E também, eles tinham razão em dizer que seria bom manter relações amigáveis.
Levei segundos para concluir pelo contato. Desbloqueei o celular e abri as mensagens, identificando o número com que ele me mandara as fotos. Tive um momento de fã, em silêncio, mais uma vez por ter fotos com meus artistas preferidos. Quer dizer, eu sempre fui fã do Justin também, não podia negar. Respirei fundo e comecei a digitar, fugindo do drama "ainda sou fã? não deveria mais ser?"
"Oi, Justin. Como você está? Estou entrando em contato porque esqueci de te devolver o paletó, foi super sem querer, se você quiser de volta....."
Grunhi e apaguei tudo, muito simpática e duvidosa, e que história era aquela de se ele quisesse de volta? Com certeza queria.
"Oi, Justin. Desculpa te mandar mensagem, só queria avisar que...."
Desculpa a mensagem? Até parece, eu estava fazendo um favor.
Irritei-me.
"Justin, não me processe por usar esse número, só estou te contatando pra avisar que esqueceu o paletó comigo. Quer que te devolva apenas no tribunal ou precisa buscá-lo antes? Aliás, minha echarpe ficou no seu carro?"
Não li de novo, enviando de uma vez. Eu não havia pensado muito para escrever essa, então devia estar boa. Bloqueei o celular e virei a tela para o cobertor, mais nervosa do que deveria estar. Eu nem deveria estar nervosa, na verdade, mas senti aquele ar gelado na barriga. Provavelmente estava com medo de que ele brigasse comigo. Não que eu tivesse medo dele, só não gosto de conflitos.
Batuquei os dedos na barriga. Imaginei se ele responderia, me ignoraria ou se ao menos abriria a mensagem. Ele devia receber muitas mensagens, então aquela provavelmente se perderia e quando ele visse podia estar muito ocupado para gastar o tempo precioso respondendo uma tolice daquelas....
Meu celular vibrou, peguei-o no mesmo momento.
"Lia, você é hilária. Tudo bem, não tenho pressa para tê-lo de volta. Não encontrei sua echarpe, lamento."
Um pouco formal, em partes. Pelo menos ele usara meu "apelido". Então eu só devolveria o paletó no tribunal. E deveria responder alguma coisa?
"Ok, obrigada."
Não vi como essa conversa nos ajudaria a ter uma relação amigável, mas não podia fazer muito sobre isso. O que eu deveria fazer, puxar assunto? Definitivamente não. Suspirei.
Recebi outra notificação.
"Você viu nossas fotos no tapete? Jaxon 2.0?"
Ele anexou quatro fotos nossas chegando ao evento, a primeira ele segurava minha mão para me rebocar do carro, e eu estava evidentemente apavorada, olhos arregalados e levemente mais pálida. As seguintes já nos encaminhávamos para o destino, na segunda, não havia dúvidas de que eu me apoiava nele, na terceira trocávamos um olhar, um pouco sério da minha parte e zombeteiro da parte dele, e a quarta era do meu projeto de sorriso. Ele estava certo, eu parecia mesmo estar com dor de barriga.
Ah, que horror!
Fechei as fotos, a autoestima parecia se despedir de mim para sempre.
"Desculpe por estragar seu grande momento, aposto que se arrependeu de não levar uma dama de luxo também, hein?"
Seria cômico se não fosse trágico, ele todo majestoso e eu como com uma cara de tribufo que nem a maquiagem e a roupa salvavam. Argh, nada deprime mais alguém que não sabe tirar fotos do que fotos obrigatórias e despercebidas.
"Acho que eu não me divertiria tanto assim se estivesse com uma dama de luxo."
Há.
"Claro, ser bobo da corte sempre foi meu sonho."
Fiquei olhando o celular até ele responder, o que aconteceu segundos depois.
"Bom saber que você tem uma segunda profissão em mente, porque...."
Meu queixo caiu, digitei com indignação.
"Se você não quiser me roubar ela também."
Fuzilei o aparelho com os olhos como se fosse ele. Atrevido!
"Pelo contrário, posso até permitir que faça alguma piada comigo. Ideias?"
Comediante não era uma profissão para mim, a bem da verdade, eu me achava bem sem graça e atrapalhada para isso.
"Eu não sei fazer piadas, minha vida já é uma."
Meu cantor favorito estava me processando por direitos autorais, só podia ser piada. E agora estava conversando comigo como se não fosse nada. Uma piada das boas.
"Achei que estava vivendo o seu sonho, Lia."
Respirei fundo.
"Tentando, sim. Mas eu estava brincando."
Tentando, porque ele não estava permitindo. Eu jogaria na cara, mas estava em uma missão muito importante de manter a conversa amigável.
"Achei que você não soubesse fazer piadas lol"
Revirei os olhos.
"Não podia te deixar brilhar sozinho".
"É um prazer dividir o palco com você."
Palhaço.
"Há-há"
Pensei que eu havia matado a conversa, mas logo em seguida meu celular vibrava outra vez.
"Bons sonhos, Lia. Mas, por favor, pare de sonhar um pouco comigo, eu também preciso dormir."
Meu primeiro instinto foi arregalar os olhos, e depois de um momento de choque, compreendi que ele estava apenas me provocando, não podia saber o que eu sonhara noite passada, eu não havia contado nem para a minha sombra. Trechos do sonho vívido e inadequado repassaram em minha mente, deixando-me momentaneamente sem ar contra a minha vontade. Uma mente fértil e seus malefícios.
Balancei a cabeça para me concentrar na resposta, sem deixar de notar meu rosto quente. Coisa que ele adoraria ver, aliás, o rubor de vergonha.
"Você venceu, é o melhor piadista. Boa noite"
Esperei para ter a certeza de que não receberia uma réplica com outra provocação. No fundo, desejando que tivesse outra para que eu pudesse aprofundar sua simpatia — quase inexistente — por mim. Entretanto, deveria reconhecer que ele não havia demonstrado um pingo de grosseria, isso já era uma evolução e tanto.
Mas, por algum motivo, não me era suficiente.
— Lembre-se, você não precisa aceitar nada que não queira, não se sinta obrigada a isso. E não precisa falar diretamente para eles, pode me dizer que repasso o recado. Sou seu representante. — Dr. Russel me explicava mais uma vez enquanto eu tentava respirar com os lábios cerrados.
Josh, Fani, meus pais e Lara estavam a nossa volta, em pé e ansiosos, as atenções voltadas para mim. Todos pareciam dispostos a assumir minha pele, diante do nervosismo que me tomava. Mas isso não era muito bem possível. Repeti as palavras do advogado na minha mente, não havia motivo para ficar tão nervosa daquele jeito, eu não precisaria falar nada, só precisava me sentar ao lado dele, se não quisesse não havia ao menos necessidade de olhar na direção do autor da ação e seu advogado. Podia me limitar a fazer sinais com a cabeça para o Dr. Russel. E aquela sessão não me tiraria direito algum se eu não quisesse. O juiz não estaria ali. "Apenas uma conversa", Lara me garantira.
Mas, se entrássemos em um acordo tudo já estaria bem.
Só um detalhe nos impedia: não tem acordo. Ele não quer que eu publique o livro. Eu quero publicar. Não há um meio termo.
Balancei as pernas, subindo e descendo para a ponta dos pés, para externar a inquietude que me tomava, sentada naquele banco sufocada na roupa social que minha mãe me obrigada a usar, a camisa de manga longa cheia de rendas e um laço em volta do pescoço, uma calça preta e sapatilhas. Justin ainda não havia chegado, ou apenas não estava ali na porta da sala esperando nossa vez. Faltavam 5 minutos para sermos chamados.
— Se eles não comparecerem à audiência, ganhamos a ação desde já. Se o autor não demonstra interesse na própria ação, o juiz não fará esforço para tanto. Esse fenômeno se chama revelia.
Assenti, atenta.
— Mas se vierem e não tiver acordo, não deixe que isso te tire a paz, o pedido deles é absurdo, a lei está a nosso favor, nossa possibilidade de perder é mínima.
Olhei a hora em meu celular outra vez. Eu havia pensado em implorar para ele quando acordei naquela manhã. "Oi, Justin, você pode desistir da ação em nome da nossa boa amizade irreal? Pelas risadas que te proporcionei na sexta? Posso ser seu bobo da corte para sempre se quiser". Cheguei até a digitar a mensagem, mas eu não estava tão desesperada assim. Não havíamos conversado mais depois da troca rápida sobre seu paletó, fui incapaz de encontrar desculpas que o fizessem ter misericórdia de mim.
Passei os dedos no seu paletó dobrado em meu colo, quase rindo da estranheza da situação. O que eu deveria fazer quando ele chegasse? Ah, toma aqui seu paletó e vamos de processo.
Nesse momento, ouvimos passos no chão de madeira vindo em nossa direção e todos nos viramos para olhar. Justin conduzia dois homens que o ladeavam, trajando uma camisa social de manga longa cinza, calça e sapato social pretos, o cabelo estava perfeitamente alinhado para trás, naquele castanho claro quase louro reluzente. A expressão séria enquanto abotoava uma das mangas e o andar confiante me intimidaram mais ainda. Não parecia justo que ele aparentasse estar se direcionando a uma sessão de fotos. Scooter Braun e outro homem — que imaginei ser um advogado — estavam de terno. A sincronia e importância com a qual andavam ilustrou o nome do filme em minha mente: 3 homens e um segredo.
Lutei para não me encolher, e contrariando minha voz covarde, me coloquei em pé. Seus olhos dourados se arregalaram levemente de surpresa ao ver minha comitiva, depois me localizaram quase com zombaria, a sobrancelha esquerda erguida de maneira sutil. Saí do meu círculo protetor e lhe estendi o paletó, ainda que sem ideia nenhuma do que dizer.
— Boa tarde, Julia — Ele fez aquele biquinho quando se esforçava para pronunciar meu nome ao passo em que tomava o paletó da minha mão —, obrigado.
Me deprimi um pouco quando a peça não estava mais comigo, me agradara estar com ela e significava um tipo estranho de perda devolvê-la. Cheirava tão bem que minha mãe teve que me convencer a lavá-la no dia anterior, já que "seria falta de educação devolvê-la ainda suja". E mesmo bem limpa, com aroma de amaciante e sabão em pó, sua colônia ainda parecia impregnada ali. Acrescentando a isso o fato de que só de olhá-la eu me sentia mais aquecida. Não que eu entendesse o sentimento. Também não gostei muito do fato de Justin não ter usado o apelido escolhido para mim, distanciando-se naquele tom formal.
Tudo bem, se ele queria assim.
Lara observava com expectativa nosso contato, ela ainda esperava que houvesse alguma profundidade entre nós que eu não estava lhe contando. Pelo que me constava, esperava que ele desistisse de tudo em nome do nossa boa "amizade".
— Boa tarde, Justin. — Respondi imitando seu ar esnobe.
— Audiência das 13 horas — a voz que soou atrás de mim era de uma mulher de uns trinta anos, altura mediana, pele azeitonada, nariz pontudo, coque ruivo e uma franjinha cobrindo a testa — Autor.... Justin Bieber — ela lutou para manter a emoção sob controle ao pronunciar o nome dele, mas eu vi o olhar cheio de interesse que lançou na direção dele — e ré Julia Souza.
Podia ser impressão minha, mas achei que havia me lançado um olhar rápido de compaixão.
— Depois de você — Justin apontou com a mão, ainda polido e indiferente. Estreitei os olhos para ele.
Segui para dentro da sala, depois de jogar um olhar nervoso para minha torcida que tentava me transmitir a calma que eles não tinham. Fui seguida por meu advogado, meu pai e Fani que pediram permissão para assistir a audiência, o restante não pode comparecer pelo "espaço limitado" da sala, conforme informou a funcionária.
Lá dentro, confirmei a informação. Só havia uma mesa grande e oval de madeira, duas cadeiras de cada lado dela e uma na ponta, já ocupada por uma mulher de cabelos encaracolados presos num rabo de cavalo, óculos e pele chocolate. Na sua frente haviam alguns papéis que ela estudava segundos antes de nos olhar com cordialidade. Além disso, haviam apenas três bancos encostados na parede revestida de madeira até a metade, a bandeira dos Estados Unidos e mais duas, que não faço ideia de que eram, se fincavam atrás da mesa.
Meu pai, Fani e Scooter se sentaram nos bancos da parede enquanto o Dr. Russel se sentava na cadeira mais perto da mulher e de frente para o advogado de Justin. Só me restou sentar na frente do traíra. O coração martelando nas costelas. Identifiquei a decepção me inundando por ele, de fato, resolver seguir com aquilo.
— Boa tarde, meu nome é Carmen, e vou presidir essa audiência, que tem por finalidade uma conciliação. — Começou Carmen num tom profissional — Consta que Justin Bieber está pleiteando uma ação de Indenização por violação de Direito Autoral em sede de tutela de urgência cominada com tutela inibitória...
Franzi a testa, olhando imediatamente para o advogado. Ela estava falando grego para mim. Eu duvidava muito que entenderia as palavras mesmo em português. Dr. Russel permanecia com a expressão serena de quem ouve algo que não é novidade, então ela não deveria estar me ofendendo. Um resumo do que deveria ser o processo, talvez?
—... em face de Julia Souza, devido a um livro em vias de ser publicado escrito pela ré, sobre o autor, sem a autorização do mesmo. — Fechei a cara para aquela mentira — O valor da ação, e portanto do pedido, se perfaz em $100.000,00. A ré já impugnou o feito. Doutores, há alguma proposta de acordo? — Ela olhou para o Dr. Russel e o advogado de Justin.
O próprio Justin mantinha suas mãos cruzadas em cima da mesa e olhava para elas desinteressado, como se o que acontecesse a sua volta não fosse da sua alçada. Dr. Russel foi o primeiro a falar:
— Minha cliente está disposta a ouvir as ideias, mas, não tem interesse em abrir mão de seu direito legal.
Todos os olhos dispararam para o advogado de Justin.
— Meu cliente apenas cede que, se o livro vier a ser publicado, receba 90% dos direitos.
Eu arregalei os olhos, perplexa, essa parte entendi. Lancei ao autor daquela proposta minha mais profunda indignação, mordendo a língua para não dizer um "você voltou a cheirar?!". As reações dos demais presentes foram semelhantes, mas direcionadas ao advogado.
— Dr., tal proposta não é muito razoável. — A conciliadora ponderou, intercedendo a nosso favor.
— Absolutamente não — Dr. Russel negou, olhando para mim para confirmar.
— Não mesmo — eu sussurrei só para meu advogado ouvir.
Justin não levantou os olhos, girando um dedo em volta do outro distraidamente. Intragável! Então ele estava tentando me amainar antes só para me dar um bote depois. Esse aproveitadorzinho.
O advogado dele abriu as mãos, mostrando-as vazias.
— Não há outra proposta. Os senhores tem alguma?
Havíamos conversado sobre aquilo, e, em certo ponto, eu admitia que ele havia me inspirado, então, aceitaria lhe dar uma parte mínima, se assim ele quisesse. Só por bondade.
— Minha cliente, para manter a boa relação, aceita dispor de 1% dos lucros para o autor. — Dr. Russel murmurou.
Nesse momento Justin levantou os olhos penetrantes para mim, um sorrisinho de deboche no fundo deles. O encarei de volta impassível, e essa mínima troca de olhares me lembrou vagamente de estar confinada num carro com ele, seu perfume poluindo o ar e a ausência de visão ampla me privando também de raciocinar. Mesmo àquela distância, eu podia sentir a fragrância que escolhera para o dia, a mesma daquela noite.
— Sem acordo então. — Ouvi vagamente o outro advogado concluir.
Carmen pareceu suspirar alto, como se lidasse com duas crianças birrentas. A classificação cabia muito bem a mim no momento, eu me recusava a ser a primeira a desviar a cabeça, embora já estivesse com um pouco de falta de ar. Os cantos da boca dele tremeram. O maldito queria rir.
— Muito bem, sessão encerrada. Boa sorte com o julgamento.
Não assimilei as palavras até que Justin começasse a se levantar e, já em pé, com esforço, desviou os olhos para Carmen por um breve segundo.
Mas já?!
— Obrigado — proferiu.
Imitei-o, me movendo com menos elegância.
— Obrigada.
Depois, ele assentiu para mim como uma despedida, e desfilou para a porta ereto demais.
Dr. Russel colocou uma mão em meu ombro.
— Tudo bem, Julia? Vamos?
Quase como se despertasse de um transe, me situei, experimentado as labaredas de irritação que lambiam meu sangue. Fiz um gesto vago de que estava tudo na mais completa ordem e marchei para fora, ignorando o olhar do meu pai e Fani.
Para minha surpresa, Justin ainda não havia partido, conversava a meia voz com Scooter a alguns passos de Lara, minha mãe e Josh ansiosos a minha espera. Seu advogado já fora dispensado, encaminhando-se para a saída.
— E então? — Lara foi a primeira a perguntar, contorcendo as mãos de nervoso, ignorando completamente a presença do causador dos nossos problemas.
— Não deu em nada. Sem acordo. Ele sugeriu de ficar com 90% dos lucros. — Não me importei com a altura da minha voz, fazendo questão de imprimir o máximo de indignação e raiva que eu podia nas palavras.
Lara e Josh ofegaram. Minha mãe olhou de esguelha para o lado, incomodada, recatada como era.
— Hmmm... Acho melhor conversarmos sobre isso num lugar mais privado. Podemos ir?
Não discordamos, mas antes que eu pudesse me retirar dali em segurança — bufando como um touro que mirava o pedaço de pano vermelho —, escoltada pelos murmúrios sussurrados dos meus acompanhantes, Justin convergiu para o meu caminho, parando na minha frente.
— Julia, podemos conversar?
Todos estagnaram.
— Conversar comigo? — Repeti com a voz áspera feito imbecil. Repense, eu dizia implicitamente.
— Sim. Você já almoçou? Caso não, te pago um almoço. Se sim, te pago uma sobremesa. — Sugeriu com muita naturalidade, totalmente alheio a desaprovação que emanava de todos a sua volta. Até mesmo Scooter franzia a testa imperceptivelmente, sugerindo que não tinha nada a ver com a ideia.
Fiquei perplexa. Depois daquilo ele queria me convidar para sair? Por um acaso achava que era um jogo? Eu deveria dizer não, era a resposta mais lógica e sensata.
— Por favor? — Baixou o tom de voz, piscando seus cílios longos para mim.
Trinquei os dentes. Ele não quis acordo dentro da sala, mas poderia querer me sugerir outro sem interrupções de outras pessoas. A pergunta era: o que ele teria a oferecer que não poderia ser dito na frente dos advogados?
Busquei algum apoio dos meus, e Lara era a única que não estava apenas confusa de choque. "Vá", mexeu a boca, sem emitir som.
Arrumei minha postura, respondendo com a maior dignidade possível.
— Tudo bem. Mas não posso ficar muito tempo, tenho muitas coisas a fazer. — Menti.
Ele apertou os lábios, tentando não sorrir.
— Eu te levo no meu carro e depois te deixo em casa. Vamos?
Assenti vagarosamente, indecisa sobre o que estava fazendo. Encontrei o olhar resistente do meu pai.
— Eu volto rápido. — Garanti antes de lhe dar um beijo na bochecha, fiz o mesmo com minha mãe e acenei para o restante, deixando o advogado com um "obrigada".
Caminhamos para fora do tribunal em silêncio, enquanto eu tentava adivinhar quais eram os planos dele. Planejava me amolecer mais um pouco até que eu virasse massa de modelar em suas mãos? Se ele estivesse tão disposto assim a fazer um acordo não sugeriria uma coisa tão absurda quanto 90% dos meus lucros anteriormente.
Ainda havia a opção de desistir daquele convite idiota, eu não precisava entrar no carro. Parei no estacionamento ao lado da porta de carona de sua Lamborghini turquesa, refletindo.
Ele destravou o carro e entrou. Depois, percebeu minha paralisia, se inclinou sobre o câmbio e abriu a porta para mim também.
— Lia, eu não mordo.... se não quiser — acrescentou com um sorriso sugestivo, toda sua formalidade se esvaíra. Captando alguma emoção que passou em meu rosto, ele riu — Estou brincando. Entre, por favor, preciso mesmo falar com você.
O sondei, desconfiada, mas, honestamente, eu estava muito curiosa para rejeitar a oferta.
Eu seria diplomática, decidi, e entrei no carro.
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Boa noite, minhas queridas!
Quero agradecer cada comentário, favorito, leitura, me motivam demais! Aliás, não esqueça de deixar uma estrelinha pra aquecer meu coraçãozinho, obrigada hahah
A história exigia que eu encerrasse o capítulo aqui, mas estou extremamente ansiosa para o que vem no próximo. Palpites?
Bem vindas novas leitoras!
Passem álcool em gel, saiam de máscara, não coloquem a mão no rosto: SE CUIDEM!
Até a próxima!
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