Caminho Tortuoso
— O campus é incrível, Juli. É tão amplo e acadêmico. Nem parece que vai ser meu pesadelo por cinco anos. No momento é apenas empolgante — Danilo tagarelou, tão animado que eu podia visualizar seus olhos esverdeados arregalados e o sorriso que rasgava o rosto.
Ajustei o AirPods no ouvido ao sentir que escorregava, sem parar de trotar na calçada. Lara estava a alguns passos na minha frente, distraída pela música que ouvia e impelida por seu condicionamento físico melhor que o meu. Apesar do ar gelado da manhã, eu já começava a suar por baixo da jaqueta fina, a leggin e o tênis. Quando saímos de casa às sete da manhã para dar voltas no quarteirão pensei que congelaria nos trajes, insuficientes para me proteger da temperatura, naquele momento, porém, meus músculos esquentavam com o esforço, ainda que o ar se condensasse expelido por minha boca e narinas.
Se eu pudesse escolher desejaria dormir todas as horas daquela fatídica segunda-feira. Mas o constante despertar durante a madrugada enfim me fatigou às seis da manhã. De repente as paredes pareciam me espremer e eu soube que precisava me movimentar. Lara passara a noite comigo e levantou em prontidão assim que abandonei o colchão. Ela me manteria sob sua supervisão pelo menos o dia todo, eu sabia.
— Você será um dos melhores alunos da classe, como sempre — pontuei.
— Gentileza sua. Assim que voltar você deve visitar as dependências comigo. Quem sabe ano que vem não te arrasto para cá?
Não seria má ideia afinal, me enfiar numa faculdade com meu melhor amigo em nossa grande São Paulo — que mais parece um país. Ísis estava matriculada na universidade pública mais concorrida da cidade, com reconhecimento a nível internacional — não podia ser diferente, observando seu esforço honroso e quase desumano no ano passado. Danilo em uma universidade privada, com reconhecimento honroso na academia brasileira. Por meu desempenho em exatas, eu duvidava muito que fosse aceita em uma federal, minhas chances seriam melhores na particular.
Era meu plano de qualquer forma. Na verdade, até poderia ser para o segundo semestre desse ano. Provavelmente fora um erro não prestar para janeiro. Agora eu estava sem publicação e sem faculdade. Um mero vegetal no exterior.
Se ao menos não fosse obrigada a pagar indenização a certas pessoas, poderia tirar um ano sabático viajando pelo mundo.
— ... Júlia? Você está me ouvindo, mulher? — Danilo chamou minha atenção, impaciente.
— Sim, estou — respondi de pronto, fazendo a curva para a próxima rua. Não havia movimento por ali também, as casas se revestiam de uma névoa sonolenta.
— Você sabe porque eu te liguei. Já está pronta para me dizer como está? O que foi que aquele palhaço te fez? — Perguntou sem mais rodeios. Eu havia perdido sua introdução com meus devaneios, mas depois de preparar o terreno, Danilo é conhecido por ser uma pessoa direta. Isso não tornava seu tom menos compreensivo e carinhoso, embora sua devolutiva fosse cruamente honesta.
Suspirei e acelerei o passo, acompanhando o ritmo da minha perturbação. Eu provavelmente teria que repetir tudo para Ísis, mas decidi lhe contar de uma vez, empurrando as palavras pontiagudas para fora da minha garganta, esperando que assim parassem de espetar meu coração. Momentaneamente foi bom, pareceu aliviar a pressão. Como descobri mais tarde, o efeito não era duradouro.
Eu sabia o que Danilo pensaria. Aliás, a notícia lhe vinha quatro dias após meu relato de que o beijei. Ele me avisara que não era uma boa ideia — acaso havia me esquecido da estratégia? Não podia me envolver ou ele acabaria se aproveitando da minha vulnerabilidade para me atingir. Agora eu parecia uma criança estúpida que havia rejeitado o conselho dos pais de não enfiar o garfo na tomada e no fim tomou choque. E quando ele me jogasse isso na cara, eu não me importaria, afinal, ninguém podia me desprezar mais do que eu mesma. Burra e inconsequente.
— Bom, Juli, não estou surpreso. Apenas com muita raiva dele, imaginando como posso encontrá-lo para um acerto de contas — grunhiu ele.
Perdi o ritmo dos passos.
— Hã... E você não está com... raiva de mim?
Danilo estalou a língua e retrucou no próprio nível de perplexidade:
— Por que estaria? Porque você resolveu dar o benefício da dúvida a quem não merecia? Porque tem sentimentos? Não acho que alguém possa te condenar por ser uma boa pessoa. Apenas precisa se lembrar de ser melhor com você mesma. Principalmente agora. Não seja tão intolerante.
Não foi a bronca que eu esperava. A necessidade física do seu abraço pegou carona em suas palavras gentis e eu precisei engolir em seco, rígida, para facilitar a passagem do ar em minha garganta.
— Não uma pessoa tão boa assim. Eu disse a ele que era vazio e podre, que por isso ninguém se importava com ele de verdade — confessei, estremecendo com a frieza da intenção. Eu só queria feri-lo também, motivada pelo sentimento vergonhoso de vingança.
Portanto, não era tão digna assim de pena. Se eu tinha a capacidade de diminuir alguém dessa forma, não podia ser muito diferente dele. E não suportei a onda de culpa que veio com esse reconhecimento. Eu não queria ter qualquer sentimento de dívida em relação a ele. Só queria que desaparecesse da minha psique pra sempre.
Nesse sentido, qual era o sentido de publicar aquele livro idiota? Eu deveria começar uma estória nova, que nada tivesse a ver com ele, que não me lembrasse tanto de sua pessoa, suas manias, sua aparência, sua voz, seu sorriso, sua luz interior...
— Está tudo bem, na hora da raiva dizemos muitas coisas sem querer. E para o que ele fez, é basicamente justo — Danilo aliviou para mim, me trazendo de volta do caminho tortuoso. O toque perceptível de ira na voz não tornava suas capacidades de julgamento completamente confiáveis. Projetei a ruga estressada que crispava sua fronte e o beicinho descontente que acompanhavam o som.
O interessante em Danilo, e essa certeza me reconfortou, é que qualquer humor pode facilmente ser dispersado em um sorriso largo e genuíno. Foi o que aconteceu:
— Tenho certeza de que se eu o tivesse esfaqueado você também teria me arrumado uma desculpa.
A risada antecedeu a justificativa:
— Minha lealdade está com você. Mas, então, quando você vem embora? Você viria nesse domingo, não é?
Lara deu uma olhadinha para trás, checando se eu ainda estava em seu encalço, depois seguiu no mesmo ritmo, seu rabo de cavalo balançando com liberdade atrás da cabeça. A brisa gelada não mais congelava sua nuca, eu podia apostar, devia servir como um refresco ao calor proporcionado pela atividade. De fato, minha respiração se tornava mais pesada.
Fiz um careta para o dilema da pergunta de Danilo às costas da minha irmã. Suas aulas retornariam em 10 de fevereiro, mas meu pai já precisava voltar a trabalhar na próxima terça-feira. Não tínhamos muito tempo para ficar ali.
— Eu não sei — expirei — Ainda não conversamos sobre isso. Acho que esperando que o advogado consiga resolver logo. Está tudo meio incerto, eu acho que... hm... é isso.
Meus sentimentos também estavam instáveis. Tínhamos a tristeza, depois a raiva, e então a culpa, a revolta, autopiedade, frustração, até mesmo — e eu não admitiria a ninguém — saudade mórbida. Por fim, um nada que parecia mais a mistura de todos eles, como a junção de todas as cores resulta em branco. E esse era o mais devastador.
— Bom, eu tenho uma certeza para te dar: eu estou com você, estarei durante todo esse processo e principalmente quando tudo passar, o que será logo. Te prometo.
Mordi o lábio inferior, punindo-o por ser tão fraco a ponto de tremer e atrair o possível derramamento de lágrimas — detido em tempo hábil.
— Obrigada, Dani — agradeci sufocada por minha vergonhosa fraqueza.
Pigarreei e decidi que era hora de encerrar a ligação, já me encaminhava para o perigoso terreno emotivo. Danilo prometeu me ligar de novo em breve e me pediu para não sumir. Quanto a essa última parte, eu faria o melhor que pudesse. Percebendo que eu havia terminado a conversa, Lara diminuiu a velocidade para me deixar alcançá-la e tirou o fone esquerdo do ouvido.
— Madelyn me mandou uma mensagem pelo número da livraria informando sobre o adiamento da publicação. Era uma mensagem padronizada, mas depois ela acrescentou que sentia muito e estava ansiosa para ter o livro também.
Precisei de dois segundos para saber de quem falava, nossa atendente na livraria do shopping, com quem Lara reservara sua cópia de November. Movi a cabeça em sinal de reconhecimento.
— Ela também disse que hoje participará de um clube de leitura contemporâneo, caso tenhamos interesse. É no centro comunitário central. Ela tem folga hoje depois do almoço, que coincide com o horário do encontro. Muito prestativa, não?
— Clube do livro contemporâneo? — Arqueei a sobrancelha, curiosa.
— Parece que envolve encenação de trechos e coisas assim. Achei interessante. Se você quiser, eu topo.
Comprimi os lábios em sinal reflexão, tal decisão deveria ser tomada com calma. Eu mal podia ter certeza do que necessitaria dali cinco minutos, que dirá no restante do dia. Se me perguntassem o que eu estaria fazendo às seis horas daquela manhã, a última alternativa seria correr em volta do quarteirão. Na verdade, não haveria alternativa além de ficar existindo em cima da minha cama. E olha onde eu estava.
Nos últimos minutos, dei uma guinada, correndo para lugar nenhum, fugindo das vespas cansativas na minha mente. Impeli-me para frente como se pudesse magicamente adentrar em outra realidade, confiando que quanto mais cansadas estivessem minhas pernas, mais vazios estariam meus pensamentos. A velocidade dobrada de sangue nas veias me trouxe aquela euforia distinta e espaçosa até que eu não tivesse mais forças e capacidade de respirar. Dobrei-me nos joelhos, ofegando desesperadamente, a boca seca e o coração, desavisado, ainda corria uma maratona.
Lara parou ao meu lado, a mão posta no peito enquanto também recuperava o ar.
— Orgulhosa da sua performance. Mas espero que não tenha esgotado todas as suas forças, pois ainda temos meio quarteirão até chegar em casa.
Ela riu comigo. Levantei o dedo indicador, pedindo que esperasse. Meu corpo não era preparado para impactos como aqueles. Em todas as interpretações do termo.
Já em casa, o café da manhã me provou que eu precisaria sair. Os olhares extremamente atenciosos dos meus pais estavam me dando nos nervos. Eu sabia que sua preocupação era justificada e inevitável, mas não deixava de me irritar. E me trancar no quarto pelo restante do dia parecia igualmente sufocante.
— Ah, parece legal, só não se esqueçam que às 16 horas Fani virá conversar com a Júlia — minha mãe lembrou.
Fani havia insinuado de passar o dia comigo, e quando me esquivei ela solicitou ao menos uma reunião. Eu já estava farta de reuniões. Mas agora eram tudo o que eu tinha.
Assim, depois do almoço Lara e eu chamamos o Uber para nos levar ao Centro Comunitário. Madelyn passou seu número pessoal a minha irmã e elas acertaram tudo, já que eu estava decididamente evitando meu próprio aparelho. Assim que chegamos ao Centro, Madelyn já estava em frente ao prédio, nos aguardando. Para mim é impressionante a habilidade social de determinadas pessoas a ponto de manter uma conversa e passeios com gente que mal conhecem. Tal iniciativa dificilmente partiria de mim, por exemplo.
Ela agitou as mãos quando descemos do carro, abrindo um sorriso acolhedor. Seu cabelo hoje se enfeitava com um laço vermelho, combinando com o batom em seus lábios.
— Que bom que vocês vieram! Como estão?
— Muito bem, obrigada. E você? — Respondemos juntas como um coro ensaiado.
Madelyn achou graça da conexão e fez um sinal positivo com a cabeça.
— Estou bem! — E voltando-se para mim esboçou compaixão nos traços — Lamento que não vá publicar o livro hoje, Julia, espero que ele saia em breve, todos estávamos ansiosos para isso.
Aquiesci sem olhá-la nos olhos, o convite para o clube devia partir de uma tentativa de me animar, então. Contudo, se ela mal me conhecia, por que se importaria com isso?
— Agradecemos pelo convite de hoje, Madelyn. Que horas começa? Vocês já tinham um livro para discutir? Eu podia ao menos ter lido um resumo, mas nem pensamos em perguntar — desviei o assunto.
Compreendendo que eu não queria falar sobre, voltou a sorrir.
— Imagina. Podem me chamar de Maddie, aliás. Estamos trabalhando em sagas. No momento estamos analisando a trilogia da Seleção. A Kiera vai lançar a Herdeira em maio, então achamos propício. Estamos no primeiro livro ainda, vocês já leram?
Lara bufou.
— Essa daí ficou obcecada quando leu, apaixonadíssima por Maxon Schreave e imediatamente me obrigou a ler também. É um bom livro.
Dei de ombros, a história por si só justifica a adoração. Aliás, como não se apaixonar por um personagem que diz coisas como: "Pode partir meu coração mil vezes se desejar, sempre foi seu para fazer o que quiser"?! Maxon é tão altruísta e romântico que derreteria o Polo Norte inteiro se gelo tivesse ouvidos. Embora eu tenha meu coração na testa, não consigo me imaginar dando o aval para alguém destruir meu coração dessa forma.
A vozinha da consciência sussurrou para mim: mas não foi exatamente o que você fez?
O interior do prédio se assemelhava a um ginásio de escola. Amplo, piso laminado, com algumas salas no fundo e paredes creme. As cadeiras dobráveis na cor cinza estavam posicionadas em um pequeno círculo no meio do salão. Uma mesa posicionada ao lado delas portava o que pareciam figurinos, chapéus e... máscaras?
Ah, a encenação. Estremeci. Inclinei-me na direção de Madelyn.
— Hm, você se importa se eu só olhar? Não sou uma atriz ou muito falante. Lara pode assumir minha vez se quiser.
Levantando as mãos, Lara sacudiu a cabeça em negativa.
— Muito obrigada, mas eu também prefiro observar.
Madelyn apoiou a mão em meu ombro, reconfortante.
— Fiquem tranquilas, vocês só precisam falar se quiserem. Podem se dedicar a me aplaudir apenas também.
Demos uma risadinha segundos antes do grupo que já assumia seus postos nos localizar. Eram cinco meninas, nas quais não prestei tanta atenção assim, mantendo meu queixo próximo ao peito, por uma razão não identificada. Reparei que havia uma de cabelo ruivo, outra de cabelo rosa e o restante de cabelos castanhos — a primeira vista. Elas acenaram receptivas enquanto Madelyn nos apresentava.
— A Julia é uma escritora, aliás, e resolveu nos dar a honra de sua presença hoje. Ela publicou um livro no Brasil e está para lançá-lo aqui também — contou, presunçosa.
Dei um meio sorriso, reprimindo a careta de desgosto. Eu não queria que aquilo fosse mencionado para não ter que responder possíveis perguntas sobre o assunto...
— Ah! Julia?! Do Justin Bieber?! — A garota do cabelo rosa abaixou um pouco a cabeça para tentar enxergar meu rosto, estupefata — Eu vi uma matéria esses dias sobre...
Júlia do Justin Bieber? Essa era minha fama até mesmo antes de publicar o livro por ser uma fã um tanto quanto histérica. Antes me enchia de orgulho, agora só era doloroso e humilhante. Perfeito seria não poder ir a lugar algum sem ter a constante lembrança de tal idiotice.
— Stacy, não seja inconveniente — Maddie repreendeu — Essa não é a pauta do dia. Quem quer começar? Chegamos na parte mais emocionante, quando America e Maxon se encontram no jardim!
O leve burburinho se direcionava a leitura e Maddie piscou para mim, como se me dissesse "deixa comigo". Dei-lhe um sorriso de gratidão antes de assumirmos nossos lugares ao seu lado.
As discussões sobre o encontro de America e Maxon pareciam mais acaloradas do que eu esperava, com um pé numa análise psicológica. Sarah, a ruiva — não natural, concluí — de olhos castanhos, defendia veementemente as atitudes de America — por mais irônico que isso pudesse parecer —, já que a personagem estava sob um peso considerável nos ombros.
— Ela não é obrigada a querer o príncipe! E ser obrigada a estar lá por sua condição financeira, além de ter acabado de sofrer uma desilusão amorosa, faz com que esteja a ponto de um colapso. Aliás, vocês se lembram que ela pediu para sair ao jardim e desmaiou? Provavelmente era um ataque de pânico!
Barbara sacudiu a cabeça, desfazendo um pouco mais de seu coque castanho desleixado, as pontas de seu cabelo apontavam para todos os lados.
— Nem por isso ela precisava ser uma ridícula com ele. Não era culpa dele nada disso. A educação é primordial para o convívio social, ela não precisa amá-lo, mas se vai se aproveitar de sua condição, poderia ao menos ser grata e gentil!
— Como se pudéssemos manter tudo sob controle diante de um colapso mental! — Sarah bufou.
— Isso se chama inteligência emocional.
— E sendo da casta 5 ela teve todas as condições para desenvolver uma boa saúde mental, sim — ironizou a defensora.
Troquei um olhar de leve perplexidade com Lara. Elas levavam a leitura bem a sério. O que eu compreendia totalmente, já que não perdia uma oportunidade de falar mal de Jacob Black e massacraria todos que falassem o contrário.
Maddie levantou as mãos, pacificadora.
— Muito bem! Vamos fazer o seguinte: uma encenação deste encontro, sendo a Barbara nossa America e Olivia a personificação de Maxon. Barb, você adapta as emoções da America da forma que acharia aceitável e Liv segue sua deixa.
Prontamente Barb se levantou e apanhou o vestido de época vinho em cima da mesa — embora na cena America estivesse de camisola —, ansiosa para provar seu argumento. Sarah cruzou os braços, se recostando na cadeira em sinal de resignação. Ela duvidava que o desempenho de Barb mudaria seu pensamento, não estava aberta a discussão. Liv, um pouco mais rechonchuda do que as restantes, prendeu o cabelo num rabo de cavalo improvisado e colocou um casaco azul e dourado da realeza.
Eu já estava sorrindo antes da atuação começar.
Barb se sentou em sua cadeira e simulou o choro com o rosto enterrado nas mãos. Movimentava os ombros ao passo que soluçava. Para ser justa, ela até que tinha um futuro como atriz. Liv se aproximou lentamente dela e permaneceu em pé ao seu lado.
— Está tudo bem, querida?
Barb levantou o rosto e passou a manga embaixo dos olhos secos, negando com a cabeça.
— Para ser honesta... não.
— Ah! Você não pode tirar a épica frase de America! Kiera fez uma narrativa toda nos três livros a partir dessa frase! — Sarah interrompeu.
As demais telespectadoras balançaram levemente a cabeça em concordância.
Barb fez cara de tédio, abanou a mão e reformulou.
— Eu não sou sua querida! Quero dizer... me desculpe, não, não estou bem — um sorriso na direção de uma Sarah descrente.
Apesar de em clara discordância, não houve mais interrupções, Barb trabalhou para que todas as falas fossem educadas, deixando evidente a batalha entre a tristeza e raiva. O que era bem possível, se fôssemos concordar.
Batemos palmas ao final, relutantes da parte de Sarah.
— Mas devemos admitir que isso muda completamente a essência de America. Ela não agiria dessa forma. E Maxon se apaixonou por ela do que jeito que ela é — argumentou.
Tirando o vestido pela cintura, se espremendo para tanto, Barb pendeu a cabeça para os lados em concordância relutante.
— Bom, se a essência dela é ser uma grossa e ogra, finalmente encontramos um defeito em Maxon: se apaixonar pela pessoa errada. Mas quem nunca? America é totalmente inapropriada para ele.
Eu já havia ouvido essa história antes em tantos contextos diferentes que me senti diretamente acusada.
— America é a chama que faltava para a mornidão dele. Os defeitos dela só a tornam mais real. Aliás, todos nós temos defeitos — Amy se adiantou a manifestação de Sarah, corroborando para a tese.
— Mas só estamos no começo do livro, Maxon a perdoa tantas vezes que nos leva a concordar que ele não merece tanto sofrimento — Stacy interveio.
— É isso que define um relacionamento, a capacidade do perdão. Aliás, quão profundo pode ser um sentimento se não estivermos dispostos a perdoar? — Liv refletiu.
Retorci as mãos apertadas no colo, sentindo-me cutucada sem motivo.
— Como o reconhecimento do erro também, o que America sempre fez. Independentemente do tempo que levou — Sarah acrescentou.
Exatamente. Reconhecimento. A ausência dele indica indiferença e superficialidade. Se não existe humildade para reconhecer o erro e assim demonstrá-lo ao outro, há orgulho demais para enxergar alguém além de si mesmo. E como se relacionar assim?
— Isso porque estamos apenas no começo da trilogia, senhoras e senhores! — Maddie uniu as palmas ruidosamente, quebrando a linha séria que pairava no ar e todas caíram na risada.
A próxima cena a discutir foi o primeiro encontro oficial de Maxon e America. Barb não aliviou para America outra vez, ela já tinha uma raiva instalada sobre a personagem que nada do que ela fizesse a tornaria bem vista aos seus olhos.
"America salvou o mundo da 3ª Guerra Mundial!"
"Ugh, essa egocêntrica".
Eu podia compreendê-la, mas Sarah tinha uma opinião palpável sobre isso:
— Você odeia a America porque queria estar no lugar dela, acha que ninguém além de você seria boa o bastante pra ele, admita!
A risada histérica de Barb a denunciou. E novamente eu não a julgava, quem não queria estar no lugar de America?
Após o término do clube, as meninas nos arrastaram para uma chocolateria na rua. Não fiz a menor cena para negar, chocolate é a melhor forma de me convencer para tudo. Nos sentamos na parte externa do espaço aconchegante, trabalhado em diversos tons de marrom, arrastando cadeiras de madeiras estofadas com uma almofadinha branca das mesas do lado para ficarmos juntas em uma, embaixo da ombrelone nude.
Peguei meu chocolate quente e tentei tomá-lo em momentos estratégicos para não acabar cuspindo a bebida na cara de minhas novas colegas, já que elas nos provocavam gargalhadas constantemente, passadas as discussões literárias.
— Não, mas a pior foi a Stacy na livraria correndo para abraçar Nora Roberts que estava autografando seus livros, com lágrimas nos olhos e super histérica, alegando que era sua maior fã e pedindo um autógrafo, e quando a escritora pegou o livro, super comovida, se deparou com uma obra de J. K. Rowling. Super sem graça Stacy alegou que havia trocado os livros e imediatamente comprou A Testemunha só para ela assinar — gesticulou Amy, como se recriasse a cena.
Maddie deu um tapinha na mesa em meio à risada escandalosa, sendo a mais efusiva de todas por ter visualizado de perto e vendido o livro para a amiga. Amy não tinha visto a forma com que Stacy lhe pedira a obra, tão vermelha quanto podia em sua pele parda desbotada.
— Eu estava sem minhas lentes de contato! Pensei que a J.K tinha feito um novo corte de cabelo!
O chocolate quente estava abandonado entre minhas mãos e apoiado seguramente na mesa enquanto meu corpo convulsionava numa risada um tanto influenciada pelo estado inebriante do riso coletivo.
— Tenho minhas dúvidas de que o problema está no ar dessa cidade, as pessoas aqui têm a tendência de cometer gafes horríveis. Vocês acabaram de chegar, meninas, mas já foram vítimas dessa maldição?
De imediato eu assenti, a vergonha terrível e inesquecível que eu tinha passado no jantar de gala com Robert Pattinson saltando para a primeira linha dos meus pensamentos. Meu sorriso esmaeceu quando me recordei de outros pontos daquela noite, a razão pela qual eu estava lá, a companhia, o desafio que me levara a conversar com Robert, as risadas que preencheram meus ouvidos depois. Uma pontinha de raiva lambeu a ponta dos meus dedos. Ele arruinara a lembrança do encontro com meu amado Robert Pattinson.
Os olhares de expectativa das meninas sobre mim começaram a ficar confusos conforme meu silêncio e mudança de humor. Foi quando fomos interrompidas:
— Julia! Tem alguma declaração do motivo pelo qual não publicará mais November? — A pergunta saltou do meu lado direito como uma flechada.
Sobressaltada, investiguei a origem, encontrando dois homens escondidos atrás de câmeras apontadas na minha direção, no meio fio da rua.
— Você e Justin já se falaram depois disso? — O outro indagou mais alto.
Eu estava chocada demais para ter alguma reação, piscando desajeitamente com os flashes na minha cara ao passo que gelava. Com a sinapse comprometida, as letras se desordenavam em meu cérebro, incapazes de formar um pensamento coerente. Lara tomou a iniciativa, levantando a palma da mão e olhando diretamente para eles:
— Vocês podem sair, por favor? Ela não fará nenhuma declaração. Vocês estão atrapalhando — disse ela com uma calma quase agressiva.
— Nós só precisamos de algumas palavras, Julia. Seus fãs querem saber, você não vai mais publicar o livro até acabar o processo? — Insistiu o de boné, inclinando-se para o lado a fim de ter uma melhor visão de mim.
— E ainda vai tentar negociar com o Justin fora do tribunal? Não ficaram amigos? — Complementou o de voz mais fina, com uma penugem castanha na cabeça.
O gelo tornara dormente meus músculos, a sensação de pânico subia pela garganta e inutilizava minhas pernas.
Maddie se levantou de cara feia, dando um passo para o lado a fim de me esconder com seu corpo.
— Vocês não ouviram? Ela não vai falar — abanou as mãos, como se espantasse galinhas.
— Julia, você vai continuar sendo fã dele, mesmo depois de tudo isso?
— Se você conversar com a gente não vamos denunciar sua localização para os outros paparazzi, Julia, assim todos saímos no lucro.
Outros?!
— Meu Deus, qual é o problema de vocês? — Barb também se levantou, postando-se ao lado de Maddie.
Em sequência, Stacy, Amy, Liv e Sarah a imitaram, formando um paredão para me esconder. Iniciou-se uma discussão confusa e, aproveitando a deixa, Lara tomou meu braço e me puxou dali, levando-me para dentro do estabelecimento. Todos os demais clientes olhavam entre nós duas e a comoção lá fora enquanto Lara mexia em seu celular para chamar um Uber. Ela praguejava baixinho, sem soltar minha mão, pronta para me guinchar em uma iminente fuga. Inutilmente, eu só fiquei paralisada ali, tremendo como vara verde, imaginando se eles teriam chamado os outros, quantos eles eram e como escaparíamos deles. Por que eles estavam atrás de mim, um ser insignificante? Como me acharam ali? O que raios estava acontecendo?
Para nossa sorte, o carro estava próximo, saímos depressa pela entrada e entramos no veículo branco compacto. Pela janela eu vi que os dois homens tentavam dar a volta, mas as meninas os cercavam em uma discussão acalorada. Só Barb nos viu partir e cutucou as demais para avisá-las. Em meio ao desespero, consegui me sentir profundamente grata pela atitude delas, que protegeram uma estranha sem precisar de qualquer incentivo.
— Você está bem? — Lara apertou minha mão, olhando-me atenta.
Aquiesci mecanicamente, digerindo o que acabara de acontecer. Eu não era famosa para ter paparazzi atrás de mim. Nunca fora. Meramente conhecia por um pingado de gente e olhe lá. Mas se fosse adquirir um reconhecimento social, tinha certeza de que aquele não era um bom pé para se começar.
— Não acho que minhas fotos tenham ficado boas agora, se eles publicarem em algum lugar vai acabar com minha possibilidade de arranjar pretendentes aqui — resmungou minha irmã, visivelmente se esforçando para fazer uma piadinha que me animasse.
Minha risada pareceu um engasgo patético.
Alguém imaginara que aquilo podia acontecer? Por isso minha família nem ao menos comentava sobre novas excursões por ali? Caso afirmativo, aquele seria um acréscimo na lista de coisas que ele havia estragado: nosso lazer no exterior.
Praga intragável.
Ainda estava assustada quando cheguei em casa, ligando os pontos, a meia hora da reunião com Fani. Eu não queria estar ali, sentia a claustrofobia se arrastando até mim quando abri a porta. Por outro lado, ficar exposta no mundo exterior não me parecia mais seguro.
— Como foi? — Minha mãe olhou sobre o sofá ao nos ouvir entrar, desviando momentaneamente sua atenção da televisão.
Um breve olhar nos entregou e imediatamente ela estava em pé, apressando-se ao nosso encontro. Xinguei a vulnerabilidade que fazia arder meus olhos à menção constante dos problemas que se emaranhavam ao cordão daquele infortúnio a cada segundo. Lara me salvou, se adiantando numa explicação.
Intercalando o olhar entre minha irmã e eu, minha mãe demonstrava a chama da revolta, mais amena quando direcionada a mim. Ao final do relato, enjaulou o mau gênio com esforços louváveis, e, carinhosamente, afastou meus cabelos do rosto e esboçou seu sorrisinho piadista.
— Nós sempre soubemos que você seria uma estrela internacional, não? Era uma questão de tempo até os paparazzi implorarem por sua atenção.
Dei uma risadinha, fugando. Mimando-me como só ela fazia, orientou Lara a buscar uma xícara de chá quente que havia deixado no fogo — por mais que eu tenha tentado negar. Então, puxou-me agilmente para os seus braços, sentando-se no sofá e aninhando-me em seu colo. Como ela dizia, sempre seríamos suas crianças. Me encolhi da melhor forma que podia, tentando caber no seu peito, e desejando diminuir cada vez mais até voltar a ser um brotinho dentro do seu útero, em segurança de toda a maldade do mundo. Com ar cômico, ela cantarolou em meu ouvido uma antiga canção de ninar, como se eu tivesse voltado a ser seu bebê, protegida no embalo materno. Fechei os olhos e fingi que era mesmo, sentindo um sorrisinho se espalhar por meu rosto em meio ao seu calor acolhedor e a doce piada.
Para somar ao momento "relaxante", ela zapeou na TV até achar a Disney. A nosso favor, estava passando Liv & Maddie, o seriado das irmãs gêmeas de personalidades opostas. Liv é uma cantora e atriz famosa e Maddie é jogadora de basquete do ensino médio. A irmandade entre as duas sempre fez com que Lara e eu nos identificássemos, embora não fôssemos exatamente gêmeas, no sentido científico do termo.
Havíamos acabado de finalizar um episódio quando Fani chegou. Em suas mãos, sacolas de guloseimas e salgadinhos que fez questão de abrir e me esperar mastigar antes de começar o assunto. Quase recuperada do incidente com os paparazzi, não quis mencioná-lo, tinha certeza de que minha mãe o faria por mim mais tarde. Minha melhor forma de lidar com as coisas no momento era fingir que elas não aconteceram. Eu preferia acumulá-las para o fim do dia, quando estivesse sozinha.
Infortunadamente, Fani não tinha como saber que a marca de salgadinho Takis seria mais um gatilho idiota. Esse fora o salgadinho que ele usara para flertar em um de seus clipes. O cafajeste sem vergonha. Não duvidava nada que se baseara em experiência própria para o roteiro. Muitos menos que não levara a relação com a modelo/atriz para fora da tela, já que ela obviamente é uma loura perfeita e ele a contratou para dois clipes sensuais...
— ... o que me diz? — A pergunta de Fani foi enfática, enfeitada de um olhar direto para mim que buscava minha atenção exclusiva. Ela percebeu a incompreensão em meus traços, então repetiu com paciência — Quero marcar uma conversa com Scooter, tentar trazê-lo ao perfeito juízo. Nada formal, só uma tentativa amigável.
Esfreguei a testa, estressada. Não deixei de perceber a distorção na última palavra.
— Já tivemos muitas conversas amigáveis que resultaram em nada.
— Não com Scooter, só aquela primeira. Acho que não temos nada a perder — ela levantou um ombro indiferente. Apesar disso, eu podia ver a angústia na rigidez do movimento. Aquele era seu trabalho também, e estar de mãos atadas parada não parecia a coisa certa a se fazer — Pensei em perguntar a você primeiro para que não se aborrecesse. Não sei nem se ele vai querer responder, para começo de conversa.
Mordi o lábio inferior, hesitante.
— Não sei, Fani...
Ela abriu as palmas contra a mesa, inclinando-se em minha direção para me transmitir tranquilidade.
— Você não precisa vir, Ju, e eu prometo não ser agressiva — abriu seu sorriso travesso, se contradizendo, mas eu ri —. É sério, de verdade, só quero ter um papo de empresário para empresário. Você me deixa fazer isso?
Relaxei os ombros, impotente. Fani conseguia ser bem convincente quando queria, e estaria disposta a usar todos os seus dotes de persuasão com Scooter. Bem, não tínhamos mais a perder... Eu achava.
— Se você acha ideal, tudo bem.
Fani estendeu a mão sobre a mesa para segurar a minha.
— Vai ficar tudo bem.
Concordei. Aliás, sentia-me no fundo do poço, e dali o único caminho era pra cima.
Questão decidida, Fani propôs muito convenientemente que assistíssemos um filme — o qual esqueci o nome assim que anunciado, mas conseguiu prender minha atenção por se tratar de suspense. Perseguição, tiros e sangue, uma ótima ideia para mim no momento. Desfrutei da adrenalina que corria gélida em meu sangue e nada tinha a ver com minha vida. Por essa razão sugeri de emendarmos num filme de terror.
Uma vez que pensava ser esse tipo de coisa um atrativo para Satã, minha mãe nos abandonou bem aí, indo buscar o jantar com meu pai. Embrulhadas no cobertor em cima do sofá, Lara, Fani e eu disputamos quem se assustava mais com Sobrenatural 1 e 2. Contente — de um modo bem masoquista — Fani anunciou que a estreia do terceiro seria naquele ano. Porque o sofrimento da nossa própria vida não era o suficiente. Torci para não ter insônia naquela noite também. Depois de tudo, ser assombrada por um espírito seria um exagero do azar cósmico.
Lara estava a manhã inteira atenta às notificações de seu celular, respondendo imediatamente quem quer que fosse, entre as colheradas de cereal, a cada louça que lavava e durante as danças que reproduzíamos dos canais do Youtube. Em respeito à sua vida privada, eu demorei até demais para perguntar:
— Com quem você tanto conversa? — Fui direta, as mãos apoiadas na base das costas enquanto ofegava. Mandy Jiroux ainda dançava Salute – Little Mix.
Arqueando a sobrancelha pra mim, Lara bufou.
— Ninguém? — Respondeu dando um toque de obviedade na voz.
Deitei a cabeça, analisando-a. Agora ela começava a roer as unhas sem perceber, o primeiro sinal de neurônios sobrecarregados. Perceptiva, concluí que a junção do contexto indicava que o assunto era sigiloso principalmente por minha causa. Apertei os olhos para ela.
— Lara...? — Incentivei, em partes advertindo. Se ela não me contasse por bem....
Foi sua vez de me perscrutar, mensurando até onde iriam minhas ideias de chantagem. Vi em suas feições quando se convenceu, mas resistiu por segundos inteiros até expirar.
— Não quero que você fique contrariada... — esperou, como se eu fosse mudar de ideia. Gesticulei para que continuasse e ela quase choramingou ao se render — Tudo bem! Bom... Na Disney... Ryan e eu havíamos combinado de ir a uma exposição de carros de luxo hoje no fim da tarde — murmurou com cuidado —. Claro que íamos estender o convite para todos... mas, enfim, depois disso você sabe o que aconteceu, porém ele ainda está tentando me convencer de comparecer e eu já falei pra ele que não vou! — Garantiu com energia— Só que ele continua insistindo e mandando fotos spoiler dos veículos que vão comparecer para me convencer e... é claro que parece tortura, mas não me importo, porque não vou, é isso — finalizou num fôlego só.
Ryan mantendo uma amizade real com Lara? Evidentemente era uma surpresa e tanto, a qual arregalou meus olhos. Mas depois de apreender a novidade, cruzei os braços e disse:
— Você tem que ir, Lara. Sei que vai se divertir, então não há razão para não ir.
Mal havia terminado de falar e ela estava negando.
— Nem pensar! Vou ficar com você aqui, apesar de Ryan me garantir que não sabia e não tinha nada a ver com o golpe final do amiguinho dele, como vou ter certeza? A lealdade dele é com aquele lá — refutou, parecendo mais argumentar consigo mesma do que comigo.
Sacudi a cabeça. Eu não o deixaria estragar as aventuras da minha irmã também. Nosso meio social no Brasil não nos dava muitas oportunidades como aquela.
— Eu não preciso de babá, Lara. Você precisa ir, tirar muitas fotos e agregar pelo menos mais uma experiência positiva nessa nossa viagem.
Ela suspirou, ainda indecisa.
— Então você tem que vir comigo, Ryan disse que a praga não vai.
Estreitei os braços a minha volta, disfarçando o aperto. Ao mesmo tempo, achei cômico nosso acordo tácito de evitar mencionar o nome dele. Virara Voldemort por acaso?
— Não vou correr esse risco. Agora, se você não for e não me trouxe fotos me sentirei profundamente magoada — chantageei. Eu podia ver a euforia camuflada em seus olhos. Ela estava louca para ir, e eu não suportaria se ficasse por minha causa.
Lara jogou o celular no sofá e estalou a língua.
— Vou pensar — e retornou a sessão de dança — Ainda teria que pensar em uma maneira de convencer seus pais a me liberarem a um evento que não tenho certeza sobre a legalidade.
Como minha parte no arranjo, comportei-me de maneira exemplar, transmitindo-lhe confiança durante todo o dia para que tivesse certeza sobre meu bem-estar. Ri mais do que eu sentia vontade, participei das conversas com contribuições (mesmo que monossílabas), obriguei-me a ficar fora do quarto e até fiz as dancinhas aleatórias de costume.
Somando isso a nossa argumentação para Estela e Daniel de que as meninas do clube do livro tinham mais uma reunião naquele dia — que eu não participaria por motivos lógicos de má experiência no dia anterior —, a garantia de que qualquer problema nos seria notificado e atualizações frequentes de que estava inteira, Lara decidiu por ir. Invejei-a mais uma vez por estar se dando tão bem com Butler, uma amizade que eu sempre almejara. Entretanto, não estava preparada para sair de casa outra vez e muito menos estava disposta de arriscar a encontrá-lo. Isso sem mencionar o efeito que a presença do próprio Ryan exerceria sobre mim nesse sentido, tendo em vista que para mim ele sempre fora sinônimo de Justin.
Ao vê-la saltitar porta a fora e entrar no Uber com os olhos brilhantes feito estrelas, fiquei satisfeita por meus esforços. Lara realmente estava empolgada para ir, e eu esperava que tivesse uma noite incrível. Não precisávamos ficar as duas mofando dentro de casa. Acenei quando ela me mandou um joia na porta entreaberta, avisando que Ryan estava mesmo lá dentro a sua espera — é claro que ainda nos preocupávamos com motoristas traficantes, e por mais duvidosa que pudesse ser a índole de Ryan, eu não acreditava que ele pudesse fazer algo ruim nesse sentido.
...
Certo?
Estremeci de medo, expulsando a paranoia.
Não, ela ficaria bem.
Aliás... Mais do que bem. Refleti, me arrastando escada acima. Poderia, no final das contas, Ryan se transformar em meu cunhado? Hm. Os resultados de uma coisa assim seriam inconvenientes. Aja, Matheus, o caminho está se estreitando!
Joguei-me na cama, de bruços. Já estava de pijama. A bem da verdade, passei o dia inteiro de pijama. Mas não dormiria até Lara chegar, e verificaria todas as suas atualizações pontualmente. A cada uma hora, ao menos, nós pedimos. Meu pai devia estar com dor de barriga de nervoso e minha mãe de joelhos no chão pedindo a proteção de Lara. E eu... Bom. Sentei-me, ponderando. Poderia começar o projeto que imaginara sem pretensão. Alguma história que nada tivesse a ver com ele.
Ele. Que nem se esforçara ao menos para me mandar uma mensagem dissimulada e manipuladora.
Curvei-me diante da contorção violenta no peito.
Sempre expressei e desabafei meus sentimentos escrevendo, não poderia ser diferente agora. Num instante de coragem, saltei para a mesinha. Sequência de November é uma ova. Joguei este caderno no chão e peguei caderno na gaveta, quase me sentindo melhor na iminência da escrita, minha casa de ideias e refúgio da acidez cotidiana. Abri na primeira página e resgatei a lapiseira do estojo, a criatividade já saltando fora do limbo.
Eu trabalharia num personagem oposto dele. Além da motivação primária, não haveria como o idiota se ver nesse e me processar. Pele preta e convidativa feito uma fonte de chocolate, olhos castanho escuros fúlgidos, nariz largo e boca carnuda porta de entrada do paraíso, cabelo raspado faded (os lados do cabelo mais rentes a pele e a parte de cima cortada bem baixa), bigode e cavanhaque feitos, corpo alto e musculoso caminho da tentação e... Meu Deus, é o Michael B. Jordan!
Credo, que delícia.
Quem é Justin Bieber na fila do pão?!
Dei uma risada histérica com a minha linha de pensamentos, mas, numa ânsia quase vingativa, debrucei-me sobre as folhas com entusiasmo. Me recuso a pensar que foi a beleza de Michael que me deixou tão abstraída pelo enredo — embora eu de fato tenha deixado uma foto dele aberta em meu celular como inspiração —, entretanto, eu só retornava do isolamento mental fantasioso para as mensagens de Lara de que estava viva e bem, sem maiores detalhes, no tempo combinado.
Por essa razão, desconectada do tempo presente, viajante da idealização, dei um pulo sobrenatural da cadeira e quase caí no chão quando Lara invadiu meu quarto num rompante. Antes que eu a repreendesse numa exclamação, percebi sua perplexidade beirando a insanidade — a ponto de nem achar graça do susto pique Faustão que havia me dado —, o queixo caído e os olhos esbugalhados. Meio histérica e num riso nervoso, ela anunciou:
— Eu bati o carro do Justin. A maldita Lamborghini do Justin Bieber.
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VOLTEEEEEI
Mais rápido que antes, vai? Vou nem falar que é pra presente do dia dos namorados pois o romance aqui está morto........ (dependendo de quem estamos falando, ou não? olhinhos de emoji aqui) Cadê o Justin Bieber? E o que raios a Lara aprontou? KAKAKAKAK Eu rio muito escrevendo essa fanfic.
ENFIM. Voltarei o mais breve que puder! Obrigada pelas leituras, comentários, mensagens, estrelinhas... me sinto amadíssima! Um abraço em vocês! Sem aglomeração, máscara cobrindo a boca e a fuça, higienizem as mãos e tomem a vacina quando puderem!
Adiosss
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