Atrações
*Autora aqui: escrevi inspirada em Rewrite the Stars - James, Maybe - James, Off My Face - do nenê. Fica aí a sugestão*
— Eu já estou me arrependendo disso — meu pai resmungou, olhando através da janela para a pista de voo particular com uma careta.
Antes que ele pudesse mudar de ideia, me apressei em desafivelar o cinto. Ele se virou sobre o banco para encarar Lara.
— Você sabe que só estou concordando com isso porque você vai. Por favor, se certifique de que ficará tudo bem. E qualquer coisa me ligue imediatamente — instruiu, as sobrancelhas pretas unidas.
Lara assentiu com solenidade.
— É claro, papai. Vai dar tudo certo — esticou-se para beijar a bochecha dele e depois da nossa mãe, que mantinha a mesma carranca de insatisfação.
Esforcei-me em dar meu sorriso mais confiante quando a atenção se voltou para mim, abraçando os dois sem jeito entre os bancos.
— Divirtam-se! Nós vamos nos cuidar.
Desci do carro num ímpeto, quase indiferente ao ar gelado em contraste com a temperatura agradável do veículo, contendo minhas pernas para não correr enquanto esperava minha irmã. Lara se firmou no chão com sua mochila rosa bebê compacta nas costas.
— Juízo — meu pai me atirou a palavra cortante, encarando-me pelo vidro abaixado. Seu olhar guardava a ameaça velada paternal de consequências terríveis em caso de mau comportamento.
Aquiesci prontamente e voltei-me para trás, agarrando o braço de Lara assim que ela pisou na calçada, quase a desequilibrei na minha pressa em me afastar do olhar mortal dos meus genitores e só respirei aliviada quando passamos pela porta.
— Eu não acredito que conseguimos — expirei.
Lara riu, passando o braço ao redor do meu ombro.
— Minha querida, a habilidade básica de um jurista é ter boa lábia. É claro que eu conseguiria — gabou-se.
Eu devia admitir, não estava muito confiante quando Lara resolveu abordar o assunto após o almoço em Balboa Park ao passo que eu simulava uma dor de barriga no banheiro. A abençoada havia se superado na argumentação fundamentada em face de Daniel, Estela e Fani. Eles não estavam muito felizes quando resolvi voltar, e passaram uma lista quilométrica de argumentações contrárias, as quais ouvi pacientemente sem brigar. Em certo ponto, entenderam que meu silêncio respeitoso não significava concordância e foram vencidos pelo cansaço. Saímos vitoriosas. Fani devia gostar muito menos de mim agora.
— Eles não querem que eu me rebele contra o controle parental — recordei-me.
— Sim, e por isso não podem exagerar em proibições sem muita lógica. Afinal, alguns ensinamentos só a vida pode dar, e se você insiste em quebrar a cara, que seja — repetiu uma de suas teses, e parecia se achar mais genial a cada momento, como se suas palavras envelhecessem como vinho.
Dei uma risadinha, franzindo a testa com o final do discurso.
— É ótimo que minha perspectiva de sucesso seja tão animadora assim para você.
Lara balançou a cabeça, ponderando enquanto nos aproximávamos do balcão. Eu já havia começado minha vistoria a nossa volta a procura dos canadenses. O lugar estava vazio como sempre.
— Alguns homens têm esse dom de nos fazer embarcar em viagens com destino certo para o naufrágio — suspirou, os olhos ao longe remetendo as próprias experiências — Mas no fim você terá a mim — sorriu, encorajando-me.
— Pode ser que não seja ruim o que vem por aí... — murmurei, afastando-me da sensação gelada de medo em meu estômago.
— Claro — respondeu ela vagamente.
De fato, Lara não acreditava muito em toda a história que nascia embaixo de seu nariz, fosse por sua própria experiência ou intuição. Entretanto, ela não tentaria me obrigar a agir de outra forma, só me aconselhava e confiava que eu acabaria fazendo a escolha certa.
A bem da verdade, nem eu mesma confiava em meu julgamento, tampouco sabia o que estava fazendo.
O homem uniformizado, de cabelo crespo curto e meio sorriso perpétuo na face, fez uma ligação quando nos identificamos e só me restou contorcer as mãos enquanto esperava.
— É a primeira vez que vou interagir com meu cunhado de verdade, já que na casa noturna mal trocamos uma palavra. Estou apresentável? — Lara colocou as mãos na cintura, piscando de modo adorável enquanto girava no lugar. Usava uma calça skinny preta, moletom amarelo simples e uma bota de cano curto.
Encarei-a em alerta.
— Se você soltar coisa parecida com ele por perto... — deixei-a interpretar a ameaça livremente para o caso de não ter uma ideia tão ruim quanto sua mente podia pintar.
Colocando a mão no coração teatralmente e deixando o queixo cair, ela fingiu espanto.
— Me surpreende que pense tão mal assim de mim, maninha. E aí vem eles! — Cantarolou o final da frase, abrindo um sorriso animado para um ponto atrás das minhas costas.
Voltei-me para trás — mais ansiosa do que devia ser tolerável — para ver Justin passando, ou melhor, desfilando pela porta automática de vidro, acompanhado de Ryan. Ele me fitava com um sorriso de júbilo e olhos brilhantes — ou eu estava me projetando em sua expressão. Vestia uma camisa segunda pele rosa com as mangas puxadas até o cotovelo e uma calça clara jeans um pouco caída no quadril. Um brinco prateado brilhava em uma de suas orelhas, combinando com a corrente sutil em volta de seu pescoço e, embora aquele boné de beisebol preto lhe conferisse certo charme, eu gostaria de ter um vislumbre de seu cabelo. Ainda que reconhecesse tremor nas pernas o bastante.
— Ah, minha querida irmã, então é assim que se sentem os preferidos de Deus? — Lara suspirou, admirando nossa miragem.
A alguns passos dos dois, não fiz nenhum comentário em resposta, ocupada demais com perplexidade quando Ryan abriu os braços para minha irmã. Ela se apressou para que eles se chocassem em uma familiaridade carinhosa.
De novo: o que eu perdi?
Franzi o cenho para Justin e ele se limitou a revirar os olhos com humor, me estendendo a mão. A geada em meu estômago se intensificou com a expectativa do contato e eu aceitei a oferta. Fui puxada para o círculo dos seus braços com muito menos alarde do que nossos acompanhantes, mas de certa forma, mais vivacidade. Subi na ponta dos pés e apoiei o queixo em seu ombro, inspirando o perfume de sua colônia misturada com a pele. Eu gostaria muito de saber descrever o aroma. Meu coração pulsava em comoção, dirigindo uma mensagem ao órgão cardíaco dele.
— É muito bom te ver, Lia — ele disse na curva do meu pescoço.
Usei todas as minhas forças para não estremecer, disfarçando ao estreitar mais os braços nas suas costas.
— Igualmente — respondi em voz baixa.
Seus braços se entrelaçaram em minha cintura, puxando-me mais para si. Ainda assim para mim não era perto bastante.
Ele suspirou.
— Cada vez mais difícil — queixou-se a meia voz e seu tom indicava que eu não era a interlocutora.
Alguma coisa em todo o contexto me deixou temerosa em perguntar. Suprimi a curiosidade e me afastei dele, evitando seus olhos para não me entregar. Ryan e Lara conversavam curiosamente de costas para nós dois.
Justin deu uma risadinha e afagou rapidamente minha bochecha, provavelmente se divertindo mais com o rubor acumulado. Uni as mãos numa palma escandalosa.
— Então, podemos ir? — Disse eu ao obter a atenção de todos eles.
Só então Lara pareceu notar Justin e o cumprimentou decentemente, sem acusações e piadinhas com aquela história de cunhado. Aproveitei a folga para um abraço tímido em Ryan, completamente o oposto da liberdade da minha irmã — uma injustiça ultrajante.
Ryan e Lara seguiram para a porta, nos deixando alguns passos atrás, e eu tinha impressão de que era de propósito, provocando um clima suspeito.
— E aí, você... produziu muito ontem? — Puxei o assunto no intuito de afastar a estranheza.
— Ah, sim. Foi meio complicado me concentrar, mas passei a maior parte do tempo no estúdio.
Não fiz suposições rápido bastante e perguntei impulsivamente:
— Por que não conseguia se concentrar?
Seus olhos me procuraram imersos de um falso enigma.
— Minha mente estava em outro lugar.
Encarei meus pés, fugindo de qualquer conclusão nociva e precipitada. Covardemente, tentei desviar o assunto:
— Josh deve ter ficado feliz por te ver lá no estúdio sozinho — quis retirar as palavras assim que as pronunciei. Era muita soberba da minha parte dizer que ele não teria companhia só porque eu não estava presente — Hm, você sabe, quero dizer, o tempo todo disponível... enfim, acho que ele ficou feliz por se livrar das minhas interrupções.
— Creio que até ele sentiu sua falta, Lia.
Joguei-lhe um olhar descrente. Justin riu e imitou a pergunta sobre o meu dia. Já estávamos na frente do temível pássaro mortífero quando terminei a descrição do período perfeitamente relaxante com minha família conhecendo as histórias do velho oeste.
— Meu pai se achou um verdadeiro cowboy com um sotaque patético.
Justin acompanhou minha risada, depois levou a mão ao queixo, refletindo.
— Acho que vou ter que fazer uma versão country de alguma música minha qualquer dia desses.
Arqueei as sobrancelhas.
— E você com certeza usaria um sotaque igualmente cômico para isso, não é?
Com o projeto pintado na mente, ele jogou a cabeça para trás, gargalhando – aquele bendito som que sempre provocava meu sorriso e aquecia meu peito.
— Excelente, vou fazer isso!
— Por favor, não faça. Serei obrigada a ouvir e exaltar porque sua voz é boa em qualquer coisa.
Ele acenou a mão com falsa modéstia, me fazendo rir.
As escadas do jatinho já estavam no chão. Perdi o humor no mesmo instante. Eu ainda tinha esperanças de não ficar com as mãos pegajosas e o estômago revirado.
Lara cruzou as mãos atrás das costas, aguardando o convite para entrar, ao passo que sorriu para Justin com humor.
— Você sabia que Júlia tem pavor de voar?
Fuzilei-a com os olhos, eu estava certa de que havia lhe contado sobre o costume dele de pegar na minha mão para me confortar.
— Sim, mas estamos trabalhando nisso — ele deu um sorrisinho sugestivo para mim. Aquela expressão só podia remeter a nossa recente experiência do quanto ele era bom em me distrair na última vez que estivemos ali.
Redirecionei meu olhar reprovador para ele. Os dois estavam tentando me matar de vergonha? E nenhum deles parecia arrependido disso.
— Vamos entrar logo nessa joça — resmunguei, passando decididamente entre todos eles para subir as escadas.
— Joça? — Justin tentou pronunciar a palavra, confuso.
— Quer dizer uma "coisa" em tom depreciativo. Não achei uma palavra em inglês tão boa quanto essa — falei sobre o ombro — As expressões de vocês são horríveis. Ah, oi Carter — cumprimentei o piloto com um aceno. Ele sorriu para mim com os seus pés de galinha em volta dos olhos cinzentos, abaixando brevemente o quepe.
— Ou você não conhece a língua o suficiente para ser criativa — ele rebateu — E aí, Carter.
Risadinhas fluíram nas minhas costas. Automaticamente me sentei no banco de sempre, só então notando outro drama. Quem se sentaria ao meu lado? Não precisava pensar muito para descobrir quem eu gostaria que assumisse o posto. Entreguei nas mãos de Deus, recusando-me a pedir que Justin se sentasse comigo.
— Você provavelmente está certo — admiti.
— Wow, incrível! Nunca estive num jato particular, é mesmo deslumbrante! Parabéns, Justin! — Lara exclamou, irradiando de empolgação.
Evitei olhar quem vinha primeiro, só esperei até constatar pela minha visão periférica, com um prazer indescritível, Justin afundar na poltrona ao meu lado.
— Obrigado, Lara, ao menos uma de vocês reconhece isso — comentou, me alfinetando com prazer.
— Eu prefiro ver o que você é e não o que tem — cravei meu olhar nele, fazendo eco às suas palavras sobre a atenção que dei a Ryan na terça-feira.
Sem pudor algum, ele ergueu os cantos da boca e buscou minha mão direita, separando-a de sua gêmea para abrigá-la na sua. Bem nesse momento, Lara se sentava à minha frente e eu sentia sua percepção ao contato, um incentivo maior para que eu engasgasse meu ritmo cardíaco. Era a primeira vez que demonstrávamos tamanha intimidade diante de uma plateia próxima e atenta. Não foi como suas provocações baratas em Venice Beach, a atmosfera denunciava uma seriedade concreta.
Ou toda a minha linha de pensamento só me alertava o perigo que me rondava, real, eminente e pavoroso. Além de demonstrar o quanto sou emocionada.
— Então vai ser a primeira vez de vocês na Disney? — Ryan perguntou, acomodando-se ao lado de Lara.
Minha irmã devia saber que eu estava paralisada, e se responsabilizou de responder com alegria:
— Sim!
— Então, deveríamos ir para a Disney de Orlando, não Anaheim.
Rindo, Lara refutou a ideia.
— Certamente nossos pais não nos permitiriam ir tão longe assim. Alguns milagres nem eu posso fazer.
Justin acariciou as costas da minha mão, fazendo movimentos circulares com o dedão. Tão próximo das minhas veias, congelava o sangue que transitava por meu corpo. Eu estava me esforçando para prestar atenção na conversa.
— E quais milagres você pode fazer, Lara? — Ryan perguntou.
— Você se surpreenderia. Mas e aí, qual é a nossa programação para o parque?
Todos nós olhamos para Justin, o organizador do evento. Ele começou a explicar como funcionaria. A Disneyland California realmente é menor que o Magic Kingdom em Orlando, mas tem atrações a mais. Com dois parques apenas, começaríamos pelo California Adventure, que possui as atrações mais populares. Como ele sabia da nossa paixão por montanhas russa, planejava nos levar diretamente a elas. Citou, inclusive, que uma delas envolvia água. Eu estremecia só de pensar na ideia, o que fez com que ele risse. Havíamos levado uma troca de roupa, eu já devia ter previsto essa. Prometi a mim mesma que não me acovardaria, independentemente do clima que estivesse.
Falando em troca de roupa... Eu ainda não devolvera seu empréstimo na praia, mas ele também não reclamara. Me daria as peças se eu pedisse com educação? Puft, não conseguia me imaginar tendo uma cara de pau dessas.
Ele tinha o mapa do parque no celular e nos enviou por mensagem. Para nos tranquilizar, informou que Patrick iria junto com Tom, um segurança que eu ainda não conhecia, para nos acompanhar.
— Foi mesmo conveniente que você desmarcou sua entrevista, o tempo vai ser escasso para visitarmos o parque todo.
Assenti com um meio sorriso, descontente pelo motivo que Fani desmarcara.
— Sim, foi.
— E como foi a entrevista de ontem?
Lara e eu trocamos um olhar significativo, compartilhando a mesma dúvida: seria ideal deixá-lo saber que o final fora um fracasso porque só queriam saber do nosso "relacionamento" inexistente? Abarcando o processo e afins?
Depois de alguns segundos pensando, Lara aquiesceu, me incentivando a contar. Entendi o raciocínio dela só pelo olhar. Precisávamos medir a reação dele com o fato de estar interferindo em minha carreira.
Entretanto, eu também tinha minha parcela de culpa. Ninguém me obrigara a ser vista com ele em público. Fora minha própria escolha.
— Não foi boa? O que houve? — Justin perguntou, atento ao silêncio pesado.
— Bom... — Olhei nossas mãos unidas. Quase me distrai pelo estado meditativo que a imagem me deixava, lúdico e desejoso. Como se aquele encaixe perfeito fosse predestinado. Deixava-me abobada — No começo até que foi bom.
— Mas...?
Suspirei.
— Depois ela só quis saber de você, do processo e nossa aproximação — completei, e ao fim fitei-o.
Ele arqueou uma sobrancelha, endurecendo o olhar, deixando-o impassível. Em seguida, desviou a atenção para seus pés cruzados, travando a mandíbula. Estava claramente imerso em seus pensamentos. Seus pés começaram a balançar de inquietação segundos antes que se manifestasse.
— Eu lamento muito, Lia. Esse é um dos malefícios de ser uma figura pública. Foi por isso que sua empresária cancelou a entrevista de hoje? — Voltou a atenção para mim.
Sua expressão não estava tão clara de desvendar. Era possível identificar uma pontada de lástima. No fundo, escondia o restante de mim. Seria proposital?
— Foi. Ela pensou que podia ser mais prejudicial do que benéfico.
Repuxando um meio sorriso de compreensão tristonha, se solidarizou:
— Entendo. Também evito discursos em meio a situações como essas.
Quando olhei para Lara dessa vez, seu beicinho de insatisfação estava visível, o cenho franzido para completar. Ela evidentemente não estaria na minha pele. Dei de ombros de forma sutil, disfarçando meu estado real sobre o fato. Eu queria poder saber o que ele estava pensando sobre isso, honestamente, e me decepcionava continuar no escuro.
Justin e eu cada vez mais evitávamos tocar no assunto do processo. Era um terreno perigoso para abordarmos a esse ponto. E ainda vivia minha esperança de que estivéssemos chegando a algum lugar...
A vozinha da consciência soprou em meu ouvido: ou está se autossabotando?
— Não sei vocês, mas eu estou mais ansioso para ver a casa do Mickey — Ryan disse aleatoriamente. Ele parecia ter o dom para encarar momentos estranhos.
Justin e Ryan se empenharam em relatar suas experiências nos parques, detalhando os brinquedos que mais gostavam e repudiando as atividades mais monótonas, um belo esquema de distração que quase diluiu o impasse ao aterrissarmos.
Como previsto, Patrick estava esperando na pista particular com uma van. O motorista era Tom, o outro segurança. Ele parecia mais simpático que o calado Patrick. Com o corpo duas vezes mais robusto, a vos mais grossa e sobrancelhas marcantes, era de se esperar o contrário. Como Patrick, ele também era careca — o que me fez perguntar se esse era um pré-requisito para o trabalhado —, contudo, de pele escura, um pouco mais do que a minha.
Desde o momento que descemos do jatinho, Lara ficou mais próxima a mim, pendurando-se em meu braço. Eu não sabia dizer se devido a estarmos em outra cidade ou aquela conversa sobre a entrevista. Na van, Ryan se sentou na janela, Lara ocupou o seu lado, depois eu entre ela e Justin, já que a fileira tinha quatro bancos. Patrick se sentou perto da porta, como se temesse que algum fã tentasse abri-la. O que era completamente possível.
— Fiquei triste por não poder conhecer algum dos seus carros, devo admitir que estava esperando por um deles — Lara confessou ao Justin, usando o tom da desilusão.
Entre risadas, ele piscou para ela.
— Não se preocupe, qualquer dia você vai na minha casa e eu te mostro.
Os olhos esbugalhados de Lara voltaram-se imediatamente para mim, com um temor ingênuo. Não entendi. Só porque aquilo parecera um flerte? Aliás aquela era a especialidade dele, não?! Flertar com todas as mulheres que pudesse.
— Quando a Júlia for, é claro — acrescentou ele rapidamente com empenho no meu nome, sua melhor performance até o momento.
Embora estivesse irritada sem um bom e lógico motivo, achei cômica e honrosa a necessidade dele se explicar. De qualquer forma, eu devia estar colocando muito peso em coisas irrelevantes.
— Tudo bem, vocês vão querer saber da vez que vomitei quando a montanha russa virou de ponta cabeça — Ryan disse, apoiando os cotovelos nos joelhos e unindo as mãos com energia. Seu sorriso largo e os olhos azuis reluzentes pareciam quase se orgulhar do feito.
Fiz careta, rindo pelo comentário sem nexo.
— O dia fica mesmo perdido quando não ouvimos uma nojeira dessas. Conte, Ryan.
Meu comentário sarcástico não afetou seu relato empenhado sobre a experiência. Para ele, havia sido um momento até que libertador expelir "toda sua podridão estomacal ao vento". A parte negativa foi a careta de nojo de sua acompanhante enquanto Justin ria até doer o estômago. Ganhamos o conselho óbvio de não comer um cachorro quente antes de entrar no brinquedo. Isto porque o cachorro quente estadunidense não passa de um pão sem graça com salsicha. Imaginei o que teria acontecido se fosse um completão do Brasil.
Compartilhamos nossas visitas a parques até que chegássemos ao destino. Justin e Ryan tinham a energia certa para brinquedos radicais, o que só deixava tudo mais animador. A van foi estacionada na área privada ao lado do parque e esperamos que Tom estivesse na porta para que pudéssemos descer.
— Eu sempre soube que nasci para ser uma celebridade — Lara organizou os cabelos teatralmente — Estou pronta para os meus fãs.
Eu ri, apesar de não achar muito animadora a possibilidade de passarmos o dia inteiro nos holofotes em razão da nossa companhia. Justin e Ryan, por outro lado, não pareciam nada nervosos. Uma olhadinha para o parque me fez sentir melhor.
O céu cinza ilustrava uma neblina opressora, mas Justin garantira que o clima se devia pela proximidade da costa, de forma que estaria bem melhor no decorrer do dia. Dali eu podia vislumbrar os brinquedos majestosos, como a roda gigante que estampava a cara do Mickey. Experimentei o famigerado frio na barriga ao me imaginar nas montanhas russas que podia ver, mas não fui capaz de evitar a lembrança do filme Premonição 3, em que um personagem imbecil derruba um objeto nos trilhos e o carrinho cai do brinquedo.
Ugh, Júlia! Sinceramente, esse não vai ser seu último dia de vida. Como pode uma amante de brinquedos radicais ser tão medrosa?
— Prontas? Tenho o fast pass, não vamos precisar esperar nas filas — disse Justin todo pomposo.
— Agora! — Lara deu um pulinho, agarrando minha mão para me puxar a frente
Tom e Patrick nos ladearam, atentos ao nosso redor conforme avançávamos de encontro às massas em fila, esperando os portões abrirem. Imaginei se teríamos que esperar também, a preocupação crescente conforme alguns rostos se viraram com clara concentração de reconhecimento a nossa aproximação. Me certifiquei de ficar mais próxima de Lara e atrás dos meninos, o queixo abaixado e olhos no chão. Desejei ter o costume de usar boné, seria muito conveniente para cobrir meu rosto.
Mas minha inquietação foi em vão. Uma das catracas na extremidade do portal estava fechada para o público em geral e nos foi permitida a passagem enquanto o burburinho aumentava. O nome dele flutuava acima de nossas cabeças como a umidade, inevitável e previsível.
— Eita — Lara murmurou entredentes, uma nota ligeira de tensão na voz.
Assim que passamos pela estrutura verde de acesso ao parque respirei, relaxando em parte os ombros. Com Disneyland a direita e California a esquerda, ambos prometendo momentos inesquecíveis para o dia, nos direcionamos a este último. Mais uma entrada com catracas para cada um dos parques, esses sem fila, já que o público estava aguardando lá fora.
Ryan se permitiu sair do círculo protetor, abrindo os braços e rodopiando livremente na nossa frente, feito um personagem em seu momento de glória em filme americano.
— California Adventure aí vamos nós!
Correspondendo a sua euforia, Lara e eu apertamos os passos.
— Me sinto o adulto da excursão, crianças, não corram! — Justin nos censurou em tom de piada.
Ele andava tranquilamente com as mãos no bolso da frente da calça jeans e alargou o sorriso quando me voltei para ele, andando de costas enquanto minha irmã saltitava até o raiozinho de sol disparando pelo parque.
— E eu que achava que você era o rei da diversão — provoquei-o.
Ele estreitou seus olhos opacos e enganosamente castanhos naquela luminosidade, mas ainda divinos.
— Não me faça ir aí te provar o contrário, Lia — retrucou em desafio.
Levantei um ombro feito quem não teme — puro blefe — e estava dando meia volta quando ouvi os passos se aproximando. Tarde demais, ele agarrou minha cintura por trás, erguendo-me o suficiente do chão para me rodar num giro de 360º graus no ar junto a ele. O gritinho de surpresa emitido através da minha garganta foi involuntário, assim como a distorção nas tripas.
— Eu tenho muitas ideias de como podemos nos divertir — disse baixo próximo a minha orelha ao final do giro, despertando uma onde de arrepio que se espalhou por minha pele — Mas você não gostaria delas em frente a tanta gente — soltou minha cintura, contudo, segurou meu cotovelo, rodando-me de frente para ele. Para ajudar com meu equilíbrio prejudicado, segurou o outro cotovelo assim que o fitei. Seu olhar brincalhão, fixo e intenso me eletrizou o sangue — Seja boazinha.
Uma parte desinibida e nociva dos recônditos da minha mente preferia claramente a maldade. Sem saber de fato como lidar com a situação lhe mostrei a língua. Eu sabia estávamos visíveis ao público. Seja por sua brincadeira, proximidade inesperada ou palavras, achei quase impossível manter minhas pernas e pés em funcionamento. A dois passos de mim, eu enxergava o acúmulo não natural nas bochechas de Lara.
Seria um longo dia.
A primeira atração que fomos apresentadas era um elevador dos Guardiões da Galáxia. Enquanto o brinquedo sobe e desce, o assento para brevemente para dar visão a efeitos especiais computadorizados que simulam cenas do filme. O escuro e a queda livre tem uma junção excelente para a adrenalina.
— Como assim você não gosta desse filme? — Ryan me encarou com indignação escancarada.
— Esse negócio de extraterrestres, pessoas verdes e alienígenas me irrita. É tão irreal que é intolerável — justifiquei, fazendo uma careta e cruzando os braços.
Ryan colocou as mãos na cintura, dramatizando. Jogou um olhar indignado ao amigo, questionando a capacidade dele de andar com alguém tão indigno como eu.
— É isso mesmo, Júlia se irrita com coisinhas aleatórias e nem ela sabe explicar a razão — minha irmã justificou, dando batidinhas em meu ombro.
— Vai me dizer que você não acredita em vida fora da terra? — Ele arqueou uma sobrancelha para mim.
— Acredito. Mas a limitação da imaginação humana na fissuração desse estereótipo é irritante.
— Ela também não gosta de filmes com animais e brinquedos falantes — Lara acrescentou.
Ryan arregalou os olhos um pouco mais para mim e franziu o cenho para Justin.
— Cara, não sei se aprovo isso mais — ele gesticulou entre nós dois, decepcionado.
Fingi que não estava constrangida, mantendo a expressão inalterada. Justin deu um safanão na cabeça do amigo e Ryan riu alegremente feito uma criança que apronta. E assim que o funcionário permitiu nossa entrada no brinquedo — a espécie de prédio em ruínas — eu vi que os portões para o restante dos visitantes se abriram. Quase corri para me refugiar dentro do prédio.
Acabei parando na ponta e Lara se sentou ao meu lado, o que foi benéfico já que a ausência de luz afetaria diretamente nos meus hormônios se Justin estivesse próximo a mim. A pequena adrenalina conseguiu me abstrair desse fato.
Não sei se Lara estava fazendo de propósito para me proteger, mas ela se certificava de ser minha dupla ou estar entre mim e nossa celebridade internacional todas as vezes. Excluí meus desejos secretos e me foquei na diversão primordial do parque. É claro que Justin me fez perder o fio da meada quando Lara e eu paramos para tirar foto com o Mickey. Ryan se postou como o fotógrafo, e ele só ficou parado ali, me encarando com aquele sorrisinho adorável e inconveniente. Agradeci a Deus por corações saltando como gazelas no peito não serem visíveis a olhos humanos.
Andávamos rápido de um brinquedo para o outro, acompanhados por musicas mágicas das caixinhas de som nos postes e gritos ocasionais dos visitantes embarcados na adrenalina, e eu pensei que a razão fosse nosso tempo curto para aproveitar o parque. Entretanto, assim que saímos do brinquedo de Toy Story dentro de uma das lojinhas e eu examinava uma xícara perfeita da Bella e a Fera, Justin deslizou para perto de mim e perguntou:
— Você vai se incomodar muito se eu precisar parar para tirar fotos com alguns fãs de vez em quando? Acho que pode acabar sendo pior se eu os ignorar o dia todo.
A fim de dar veracidade a minha palavra, instintivamente toquei o braço dele, apressada.
— Claro que não, está tudo bem.
Parecia exagero que aquele contato breve, inocente e insignificante transmitisse potencial eletricidade. Recolhi minha mão e ele ergueu o canto do lábio, de alguma forma parecia entender. E que vergonha se entendesse.
Ele alcançou objetos que Ryan lhe estendia, então me entregou a caixinha quadrada com o desenho da xícara que outrora eu admirava.
Deixei o queixo cair com um arfar.
— Você... ? — Levantei o olhar para confirmar que estava me presenteando e me surpreendi quando ele posicionou uma tiara rosa cintilante de orelhas de Minnie na minha cabeça, tão cerimoniosamente feito uma coração.
— Um guia turístico completo — justificou, sorrindo.
— Obrigada, Justin — agradeci, comovida.
Ele tocou de leve meu queixo para analisar seu arranjo. Foi o suficiente para minha fértil imaginação e reações precoces. Justin franziu o cenho em censura.
— Odeio a forma como tudo cai tão bem em você.
Sem qualquer outra palavra, virou-me as costas. Talvez por humanidade, devia saber que eu precisaria me recuperar daquela — o que era ainda mais constrangedor. Quando voltei a mim, vi que Lara também estava com uma tiara na cabeça e ela me puxou para tirarmos uma foto em frente a roda gigante.
Mal paramos para almoçar. Compramos hambúrgueres e nos dirigimos ao Disneyland após uma linda apresentação musical de Frozen — por insistência minha e de Lara.
Lá, mais montanhas russas e algumas paradas para que ele tirasse foto com fãs. Havíamos diminuído o ritmo, mas ainda assim o dia parecia passar rápido demais para mim, mal conseguia digerir um acontecimento e já era atirada a outra espiral de adrenalina. Alguns momentos se destacavam para a eternidade. As risadas altas e sem controle de Ryan sempre que a atração ficava radical demais — ele parecia ser das pessoas que riem na cara do perigo —, os tímidos raios de sol que tocavam os cabelos de Justin, já livre do boné, tornando-os loiros — o dia de fato adquirira uma temperatura até que confortável, a mais quente desde que estávamos no país — e os flagras dos olhares furtivos que o detentor da íris mel me lançava aleatoriamente. Comecei a pensar seriamente que ele tinha o superpoder do Gelado, em Os Incríveis, mas congelando o sangue alheio pelos olhos.
— E aí, você já terminou de ler o livro? — Lara perguntou ao Justin sem aviso prévio enquanto nos dirigíamos a caverna do Pinóquio, como Ryan chamava.
Eu quase engasguei com a saliva. Não havíamos conversado sobre aquilo! Mas Justin permaneceu com a expressão neutra, sem perder o passo. Ele não precisou que minha irmã especificasse a pergunta.
— Ainda não, mas já o suficiente para reconhecer as habilidades da Lia — ele me direcionou um sorrisinho.
Lara empurrou meu ombro com o seu, como se eu não estivesse prestando atenção o bastante ao que ele falava.
— Ótimo, então todos estamos de acordo que deve ser publicado — conclui ela, buscando uma confissão. Mirava com atenção o semblante dele, a busca de indícios.
Dei-lhe uma cotovelada, censurando-a pela pressão. Temia que o espanasse, ele era como um sabão escorregadio e já havíamos tentado uma abordagem parecida naquele dia. O silêncio desconfortável de segundos que corroborava com minha teoria foi salvo por, é claro, Ryan:
— Eu amo o fast pass, vamos poder passar reto por essa fila — celebrou aos cochichos, gesticulando para os mais desafortunados organizados em linha, que no momento pareciam mais interessados em nós.
Sua interrupção lhe rendeu um olhar entediado de Lara.
Em três passos percebi certo incômodo em meu peito. Com mais quatro reconheci que era frustração e decepção. Mais um e admiti que era pela falta de resposta positiva e imediata dele. Inconscientemente eu esperava que Justin concordasse com Lara. Aliás, estávamos na Disney, onde sonhos se realizam. Devo ter sido influenciada por toda aquela áurea de magia fictícia. Como se não bastasse eu ainda estava digerindo sua resposta pela manhã sobre minha entrevista. Como resultado, mal prestei atenção nos primeiros momentos da atração. Parecia mesmo uma caverna, o ambiente pouco iluminado destacava cenas e brinquedos do Pinóquio, muito realistas pelo que eu conseguia absorver.
Contudo, não participei da interação de Ryan, Lara e Justin. Balancei a cabeça e murmurei coisas ininteligíveis para colaborar quando eles pareciam esperar alguma resposta minha e só. Preocupava-me com o que aconteceria após a publicação. Ele ficaria efetivamente chateado comigo? Esperava que eu desistisse tanto quanto eu esperava o mesmo dele? Eu não compreendia por que aquilo o incomodava tanto, mas se ele acreditasse verdadeiramente em seus argumentos, segunda-feira seria nossa ruína. Nada mais de abraços-casa, mãos enlaçadas de proteção, sorrisos e olhares que conversam, programas turísticos e... ah, eu me recusava até a pensar nas palavras. O ponto alto da nossa conexão, quando parecíamos nos entender completamente, sem pensamentos conscientes para nos atrapalhar. Nosso corpo se entendia com muito mais facilidade assim, através dos nossos instintos submergidos pela decência.
Distraída, só percebi a proximidade de Justin quando ele tomou minha mão e me puxou para fora do caminho, enfiando-nos em uma fresta entre as paredes, ali só havia um quadro de Gepeto.
Abri a boca para perguntar, mas ele foi mais rápido:
— Por que você ficou tão quieta de repente?
— Hmmm — ele ainda segurava minha mão e o fato do espaço estreito nos deixar no máximo a quatro passos um do outro, à meia luz, atrapalhava meu raciocínio — nada de especial.
Ele estreitou os olhos para mim. Se se esforçasse ao menos um pouco descobriria sozinho. Possível que já soubesse e queria que eu refutasse sua culpa no cartório para aliviar a consciência pesada.
— O que você está pensando, Lia?
No momento? Em me manter concentrada. Era enlouquecedor e irritante o quanto sua proximidade me afetava, desordenando meu sistema cognitivo, seu calor e aroma me alcançavam como uma névoa tóxica. O mais desesperador era saber que aquilo estava piorando com o tempo. Como uma doença se alastrando por meu corpo gradualmente.
Sem misericórdia, segurou meu queixo entre os dedos, levantando meu rosto para olhar em meus olhos. Por mais que me intimidasse, seu olhar estava receptivo e compreensivo.
— Você sabe que pode falar comigo. O que está havendo?
Ele não libertou meu queixo, eu mal conseguia lutar contra o anseio de trazê-lo para mais perto, não só fisicamente. Todo aquele contexto, o ambiente, o deixava mais influenciável. Seu cenho franzido em concentração e as linhas suaves no canto da boca passavam uma forte tendência de confiança. Ordenei as palavras da melhor forma que pude, desistindo:
— Eu só... pensei que como vou embora daqui a uma semana... não queria que acabássemos nos desentendendo. Você sabe... com a publicação na segunda-feira — me senti mais corajosa em dizer devido a iluminação precária, e foi um alívio colocar as palavras para fora.
— Você vai mesmo embora daqui a uma semana? — Perguntou a meia voz.
E mais essa. Eu não queria pensar muito que estava na iminência de voltar ao Brasil e não tê-lo mais perto de mim. Cogitar a possibilidade me doía de forma estranha e absurda.
— Vou. Eu só vou publicar e passar em algumas livrarias.
Libertando meu queixo com a supervisão de seus olhos, seus dedos passaram a acariciar minhas bochechas, mandíbula, maçãs do rosto e o contorno dos meus lábios. Seus gestos simples pareciam desamarrar nós em meu emocional, os quais eu não fazia ideia da origem ou consequências.
Ele suspirou.
— Não podem ficar mais um pouco?
Apertei os olhos, percebendo que se esquivava.
— Você planeja mesmo brigar comigo?
Uma tentativa de sorriso ergueu o canto direito dos seus lábios.
— Não estou planejando nada. Você está?
Balancei a cabeça, desconfiada.
— É claro que eu preferia que você ficasse. Não sei o que vai acontecer segunda-feira, mas... Gostaria que você soubesse que não quero te machucar.
— Então... por que é tão difícil assim acabarmos com isso de uma vez? Você sabe que eu não faria nada para prejudicar a sua carreira. Aliás, é como um combustível para mim também.
Ele desviou os olhos para um ponto aleatório.
— É muito mais complexo do que isso, Lia.
Como podia ser tão complexo assim? A irritação se alastrou em torno do meu peito, os argumentos pipocando para serem jogados na sua cara.
— Por favor, não fique irritada agora. Nós podemos reservar essa conversa para depois? Sei que vamos precisar esclarecer as coisas...
Então ele também percebera o bolo se formando o dia inteiro, huh?
— Antes de segunda-feira — interrompi, acrescentando.
— Sim, antes de segunda-feira. Eu só quero que hoje seja um dia mágico na Disney para você.
Se ele queria evidentemente que fosse um dia mágico podia muito bem...
Respirei fundo. Para ser honesta comigo mesma, eu também não gostaria de falar sobre o assunto naquele momento. Explodiria coisas que podiam ser irreversíveis.
Júlia, a rainha da procrastinação.
Claro que a forma como ele pedia por favor lhe dava uma vantagem completamente injusta.
— Tudo bem — cedi.
Sua mão desceu para se fixar na curva entre a base do meu pescoço e a mandíbula. Contive um tremor.
— Obrigado. Já está bem difícil passar o dia sem poder encostar em você.
Dei uma risadinha sem graça e iludida. Ele podia facilmente me manipular em suas mãos. Alerta vermelho para a autodefesa.
— Posso me solidarizar com isso — disse sem pensar. A despeito de outras questões, também me sentia daquela forma. Aquela sim era uma complexidade.
— A ponto de me fornecer concessões?
O modo suave e sedutor com que ele pronunciou as palavras, seu olhar quente e a direção hesitante de sua mão que até aquele momento se entrelaçava na minha, para minha cintura, deixou evidente que tipo de concessão ele estava pedindo. Uma pela qual eu também ansiava o dia inteiro. Sou uma causa perdida. Danilo ficaria muito desapontado.
Minha resposta ficou evidente nos olhos e no sutil desarranjo em minha respiração. Seria vergonhoso se não fosse benéfico para mim, já que ele avançou para alcançar meus lábios. Enlacei os braços ao redor de seu pescoço, pressionando-me contra ele e me entreguei ao universo que Justin criava para nós dois com a ponta de sua língua.
Parecíamos cada vez mais compatíveis, ele conhecia meus pontos fracos e os usava contra mim. Antecipava meus movimentos e superava minhas expectativas. Embora já soubesse a sensação de beijá-lo, minha memória apenas fazia eco da grandiosidade do evento. Eu nunca esperava a intensidade com a qual perdia a força nos joelhos e sua gentileza minuciosa que despertava o frenesi. Naqueles segundos, entregue aos meus instintos mais primitivos, eu abriria mão de qualquer coisa para estar com ele, sensível em cada ponto de contato. Seus dedos se estreitaram em minha cintura, gerando uma nova onda de furacão estomacal e, derretida, deixei que minha mão deslizasse do seu ombro até seu peito.
Foi quando senti quão estupidamente acelerado o coração dele estava.
Como que alertado pela minha descoberta, ele afastou o rosto a centímetros do meu para me olhar. Sem defesa ou ataque programado, sondou-me, aguardando meu veredicto.
Diante do meu silêncio investigativo, ele desceu sua mão até meu peito também, tomando o devido cuidado para não ser invasivo. Como esperado, minhas batidas cardíacas estavam tão, senão mais, aceleradas quanto as suas.
Mas isso não podia significar muita coisa. Apenas uma reação física lógica a atividade atual. Ele não precisava saber que isso também acontecia sem que encostasse em mim.
— Acho que eles já devem estar impacientes com a nossa demora — Justin disse não muito alto. Aquele momento era precioso demais para ser atrapalhado com conversas barulhentas.
Aquiesci.
— Seus seguranças principalmente.
Ele assentiu. Mas não nos movemos.
Se ele continuasse me encarando com aqueles olhos profundos, eu desmaiaria. Acostumada com a pouca luz, eu enxergava seus traços com potencial evidência. O nariz reto fazendo sombra nos lábios de coração, e os cílios longos que piscavam como num encanto.
Justin suspirou e enrolou uma mecha do meu cabelo no dedo, fazendo um beicinho descontente que mexeu covardemente com meus nervos.
— Meu auto sacrifício é merecedor de um prêmio. Só de pensar que tenho mais horas a frente sem poder respirar perto de você.
Eu ri.
— Não seja tão dramático.
— Isso tudo porque não quer me premiar? — Acusou-me.
Revirei os olhos, achando graça.
— Depende do que você quer.
Ele não pensou antes de pedir, o que apontava para premeditação.
— Um jantar, eu e você, amanhã.
Mordi o lábio, fingindo que pensava no assunto só para vê-lo ficar ansioso. Embora tenha sido mesmo benéfico esse tempinho para relembrar algumas coisas.
— Posso arranjar isso se tivermos uma conversa pendente nessa oportunidade.
Franzindo o cenho de desagrado ele meneou a cabeça.
— Parece justo. Agora, antes que voltemos ao mundo real — puxou meu queixo, dando-me um selinho. Mas voltou para mais um... e outro... e unificou tudo em um beijo.
Parecia impossível sair dali, mas no segundo que tomamos a mínima distância para respirar, coloquei as mãos em seu peito e o empurrei levemente, num surto de consciência.
— Vamos — respirei. Precisei fechar os olhos para lhe dar as costas, visualizando o quão desagradável seria se Lara decidisse vir atrás de mim.
Correntes elétricas corriam entre nós dois, tentando nos conectar outra vez enquanto andávamos em busca dos nossos companheirinhos negligenciados. Eu fechei as mãos como uma mártir e mordisquei meu lábio para ajudar a aliviar a tensão. E não me permiti olhá-lo. Não até ele rir. Tinha aquela fisionomia de quem compartilha um segredo e desfruta da própria desgraça. Eu ri também, mais por nervosismo. E desviei o rosto rapidamente para cortar a atração que crescia.
Lara e Ryan estavam esperando na porta da saída. Apenas quando os vi lembrei que deveríamos ter pensado numa desculpa. E que nosso grupo atrasara o passeio dos que nos aguardavam lá fora.
Ryan colocou a mão no peito, respirando com falso alívio:
— Ufa! Não se perderam! Pensei que teríamos que fazer buscas lá dentro.
Lara empurrou o ombro dele, rindo. Justin só balançou a cabeça e eu olhei para os meus pés — um gesto recorrente naquele dia. Sentia o olhar de minha irmã em mim, seria inútil tentar pensar em uma história agora. O silêncio teria que bastar.
E nem eu acreditava nele. Incriminador como era.
Pelo menos, Lara esperou que os meninos estivessem distraídos conversando entre si para se postar ao meu lado.
— Me diga que você o estava colocando contra a parede do jeito certo — pediu, olhando-me com uma esperança quase nula.
Revirei os olhos, tentando esconder a culpa com falta de paciência simulada.
— Bom, eu falei com ele.
— Em que língua?
A encarei sem paciência, captando sua implicância, arrancando-lhe risadinhas.
— Tudo bem, e...? — Incentivou-me, renovando o ânimo.
— E marcamos uma conversa para amanhã a noite em um jantar — distorci a palavra incerta de que deveria contar essa parte.
Ela semicerrou os olhos para mim.
— Uma conversa de compartilhar salivas?
Dei-lhe um tapinha no braço para sua diversão.
— Pare com isso, criatura! Sobre o livro.
— Hmmm... E é claro que vocês demoraram esse tempo todo só para acertar isso — murmurou com ironia.
— Olha, Lara, Star Wars Land! — Apontei, esforçando-me para demonstrar efusiva animação, da mesma forma que tentamos distrair crianças.
Funcionou. Dando um pulo e um gritinho, praticamente correu para dentro da sessão de seu filme do coração e eu agradeci a providência. Ali apenas uma das atrações servia como brinquedo, o restante era mais uma exposição para fotos. O simulador de voo compensou esse fato.
Na saída, enquanto Lara me mostrava Coca-Cola em formato de bomba, Justin se afastou com o celular na orelha. O dia já estava chegando ao fim e assim também as atrações. Mas a noite traria as apresentações e os fogos dos sonhos. Um dos momentos mais esperados das visitas. Eu estava ansiosa para sentir aflorar mais em mim a nostalgia infantil que cultivara desde manhã.
Pagamos nossas cocas e saímos da loja, Justin ainda estava no telefone, mantinha voz baixa, então eu não fazia ideia do que se tratava.
Paramos dois personagens vestidos de soldados espaciais, agora Lara teria sua própria foto. Enquanto Ryan posicionava a câmera, reparei no vinco profundo na testa de Justin. A preocupação era evidente, até em seus gestos, intercalados com o massagear do queixo. Fiquei ansiosa com isso. Eu queria poder ajudá-lo, acariciar sua testa para aliviar toda tensão e resolver o que estivesse lhe incomodando.
Contudo, esperei que comentasse alguma coisa por si só quando desligou o celular.
— Nossa, eu adoro a vila das princesas. Elas são sempre muito simpáticas — juntando as mãos profissionalmente, Ryan falou em tom formal.
Lara o encarou com o deboche que o tom dele sugeria.
— O quê? Você também vai achar. Olha a Rapunzel!
Elas eram mesmo simpáticas, tinham sempre um elogio na ponta da língua, exagerando em timbres suaves e adoráveis. Quase me senti tão bonita quanto sugeriam. Entretanto, nem isso foi capaz de desanuviar o humor repentinamente consternado de Justin.
Lhe dei vinte minutos e ele não apresentou melhoras ou deu indícios de me contar alguma coisa. Senti-me no direito de perguntar, já que ele havia feito o mesmo quando eu estava amuada. Caminhando com os olhos no chão e a boca em uma linha rígida, ele não reagia mais aos chamados ocasionais por seu nome, nem o fez quando me aproximei.
— Sua vez de me contar a razão do seu aparente silêncio — empurrei seu ombro com o meu de leve. Em alguns instantes eu soube que precisava acrescentar — E não adianta negar, eu sei que tem alguma coisa a ver com aquela ligação.
Lançando-me um olhar de rabo de olho, ele quase sorriu.
— Perceptiva.
Esperei, mas não houve complemento.
— Também quero que você confie em mim, se eu puder ajudar de alguma forma.
Observei seu cenho se franzir mais, minhas palavras provocaram o efeito contrário. Quis segurar sua mão para reafirmar minha disponibilidade através do contato, entretanto, ainda sentia os olhares que pairavam sobre nós. Seria um tiro no próprio pé.
Lutando dentro de mim a compaixão argumentava ferozmente com minha consciência. Eu o deixaria sem consolo pela preocupação com a minha imagem?
Já transpirava com a relevância daquela decisão, pendendo para ceder ao meu instinto, quando ele respirou fundo e parou de andar. Os ombros empertigados carregavam certo senso de dever, embora seu olhar estivesse mais conturbado.
— Tudo bem, eu vou ao banheiro e quando retornar te conto.
Ele mal me olhou para dizer e virou-se instantaneamente para o toalete. Atento, Patrick o segui como uma sombra e Tom se deteve conosco.
Ryan semicerrou os olhos para mim.
— Você o cutucou com agulha?
— Não. Você não sabe o que deu nele mesmo? — Perguntei desconfiada.
Ele deu de ombros ingenuamente.
— Não.
Lara cruzou os braços, investigando entre nós dois e o caminho que Justin havia tomado. Comecei a estalar os dedos. Eu nunca aguentei um suspense. O telefonema tinha alguma coisa a ver comigo? Scooter não o queria mais perto de mim? Havíamos sido flagrados dentro do brinquedo de Pinóquio? Meu coração quase parou ao pensar nessa última hipótese.
O caminho de paranoias foi interrompido quando meu celular tocou. Concentrada como estava, até me assustei pelo seu vibrar no bolso da minha calça jeans. O visor denunciava Fani, mas ela não me deixou cumprimentá-la.
— Júlia, temos um problema grave. Precisamos de você aqui agora.
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OLAAAAAAAAAAAAA QUEM É VIVO SURGE. Saudade de vocês!Trabalhei nesse capítulo durante todo esse tempo fora, juro, e voltei com o maior da minha carreira KAKAKAKAK
ENFIM Terminando com um suspensezinho, o que vem aí? Obrigada pelas leituras e comentários vcs são tudo! PS: playlist no link externo.
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