Água Fria

— Você está parecendo um zumbi — Danilo cochichou no meu ouvido enquanto meus pais se agachavam para ver a estrela de Michael Jackson.

Havia mais pessoas ali naquele dia, mas eu e Danilo formávamos uma barreira de proteção para que a horda não os pisoteasse enquanto Lara tirava a foto.

— É a sensação mesmo — eu disse, trocando de peso nos pés.

De fato, não havia pregado os olhos quando minha mãe foi me chamar para acordar e agora experimentava de uma sensação extracorpórea. Quase pairava acima do meu corpo, observando sua tentativa patética de se manter em pé, cada músculo se esforçando para colaborar com o coletivo.

— O amor faz isso com as pessoas.

Dei-lhe um tapinha no ombro enquanto ele ria. Em contrapartida, passou o braço em cima dos meus ombros, me abraçando.

— Ísis está quase em depressão por estar perdendo toda a diversão. Aposto que ela vai me receber no aeroporto no sábado com mil perguntas.

Deitei a cabeça em seu peito, tristonha.

— Não queria que você já fosse.

— Vamos ter que aproveitar essa semana. Minha missão praticamente é ineficaz agora.

Olhei-o de rabo de olho pelo tom incutido de crítica, mas ele riu.

— Você sabe que qualquer decisão que tomar eu vou apoiar, Juli, de verdade. Só queria que fosse a melhor pra você.

— E você sabe me dizer qual é essa?

Ao invés de responder de imediato, ele estreitou um pouco os olhos para pensar, me surpreendendo.

— Bom, depende qual medidor vamos usar. Se for me perguntar de prudência, os indícios apontam para um risco alto demais a se correr. Mas... — ele abriu um sorriso enorme — às vezes os riscos nos proporcionam experiências extraordinárias que não viveríamos na nossa caixinha de conforto.

Ele compreendia embaixo de toda a faixada de irmão protetor. Sorri.

— Você se conhece melhor do que qualquer um. Só você pode decidir isso. E não importa qual for o resultado, vou estar aqui para assumir as consequências com você.

Abracei sua cintura.

— Eu tenho muita pena de quem não tem amigos como você.

Ouvi seu sorriso e ele me apertou mais forte antes de me soltar. Uma vez assumindo minha postura de volta, reparei nas duas meninas que passavam ao meu lado, encarando-me sem pudor. Quando as flagrei, viraram as cabeleiras castanhas e onduladas para cochichar entre si, distanciando—se a passos rápidos.

— Está aí uma coisa que não vou me acostumar — Danilo comentou, franzindo a testa pra mim de pura estranheza.

Eu ri e dei de ombros, mas estava aflita. Estar atrelada ao Justin me fez ganhar muito mais destaque do que eu havia conseguido sozinha, e tinha certeza de que a maioria dessas pessoas apenas se interessavam no que eu estava fazendo apenas por causa do impacto que isso teria nele. Então parei momentaneamente para pensar o que ele acharia se por um acaso visse alguma foto afetuosa minha com Danilo. Eu já o havia garantido na noite anterior que entre eu e Danilo as coisas se limitavam a amizade, mas...

Admiti que no fundo era até lisonjeiro incomodá-lo dessa forma. Isso se ele não estava apenas dizendo da boca para fora.

— Hmmm, gente — Lara se deteve até que a alcançássemos, deixando nossos pais caminharem na frente. Olhava seu aparelho celular de cenho franzido — Olha o que Matheus me mandou.

Ela se enfiou entre nós dois para facilitar a leitura. Eu apertei meus olhos, tentando distinguir a matéria de fofoca. O movimento nos atrapalhava, então andávamos mais devagar do que o normal, quase até parar.

No topo da página eu vi uma foto de qualidade um pouco ruim da mesa de jantar que estávamos na noite anterior. O título: Jantar de reconciliação?

Uma breve explicação de que Justin protocolara o pedido de encerramento do processo, teorias das razões que o motivaram (entra elas, ciúmes do meu novo acompanhante), e a conclusão de que talvez fosse tarde demais já que Danilo não saía do meu lado. Para finalizar, contrariando a tese anterior, um comentário infeliz de que eu e ele sumimos da mesa por um bom tempo "coincidentemente", deixando no ar para o leitor decidir o que nos ocupava por minutos a fio. Lara também ganhara um parágrafo, sobre sua proximidade cada vez mais aparente de Ryan, sem se deixar abalar pelo que acontecia entre Justin e eu. "Em qual casal você apostaria?"

— Lara está famosa! — Danilo lhe acotovelou, achando graça.

Eu e ela rimos.

— E aposto que Matheus está tristinho — me compadecendo momentaneamente pelo pobre coração.

Lara jogou o cabelo.

— Quem não valoriza chora depois.

— Você vê o tamanho da falta que causa nele quando percebe que o pobre provavelmente procurava seu nome no google para achar uma matéria de fofoca de revista estadunidense — Danilo comentou, quase impressionado.

— Muito bem observado, meu caro! — Respondi, sentindo-me empolgada com essa dedução.

Minha irmã revirou os olhos, mas percebia sua satisfação acumulada nas bochechas.

— O Matheus não é nosso foco agora, meus caros. Depois dessa eu acho mesmo um milagre não ter saído nada sobre o jantar de vocês no Mister A's — ela disse, franzindo o cenho.

Balancei o dedo indicador para o céu.

— Senhor, eu sei que Tu me sondas.

Os dois riram. Antes que pudéssemos comentar sobre Lara e Ryan, minha mãe se voltou para trás com duas tiaras com um letreiro mini de Hollywood para colocar na cabeça de suas "filhinhas". Ela nos fez sorrir para a foto enquanto pedia ao nosso pai para pagar pelo objeto.

— Vocês podem usar quando formos subir para a placa de Hollywood — murmurou, contente.

— Hoje? — Lara perguntou, quase alarmada. Nossos pés já lamentavam as horas em movimento. Fiquei ligeiramente preocupada.

— Não — minha mãe rejeitou de imediato, a feição assombrada pela sugestão como se alguém pudesse decidir de repente que aquela era uma brilhante ideia. Nós rimos.

— Vocês não têm a sensação de que aqui está parecendo uma 25 de maio refinada? — Perguntei, olhando para os lados.

Diferente da rua alongada de São Paulo, salpicada de lojas e artigos variados, não precisávamos andar depressa escondendo a bolsa na frente do corpo e o celular fora das mãos. Pelo contrário, os celulares estavam a postos para fotos e as carteiras abertas para as compras iminentes. Do mesmo modo, porém, o fato de estar apinhado de pessoas a minha volta me deixava desconfortável. Eu precisava do meu espaço para respirar.

Minha mãe enroscou o braço no meu.

— Em dólar — concordou —Mas não acho que vamos achar pão com mortadela.

— A melhor parte — Danilo reclamou em tom piadista.

Por fim, compramos ingressos para o museu de cera. Eu não conseguia não me lembrar de Justin enquanto passávamos pelas mesmas esculturas e fazíamos algumas poses para fotos. Meu pai tirou uma ao lado de Elvis Presley fazendo um joinha como se fossem parceiros de longa data e minha mãe posou ao lado de Marylin segurando um vestido imaginário voador. Até que chegamos na escultura de Justin e as piadinhas vieram e meu pai passou o braço sobre meus ombros.

— Esse daí a gente não precisa nem olhar — aquela brincadeirinha com um fundo de verdade.

— Danilo, tire uma foto minha com meu cunhado — Lara se empoleirou ao lado da imitação de Justin e recebeu três pares de olhos entediados — embora eu deva confessar o ligeiro aperto no peito ao pensar naquela possibilidade.

Danilo ria enquanto assumia o papel de fotógrafo. Lara pulou para o nosso lado e pigarreou.

— Tenho uma ótima programação pra vocês hoje à noite — começou, enlaçando o braço de minha mãe — O Perch possui comida americana e francesa, no rooftop de um prédio em downtown. A vista da cidade é maravilhosa e a comida muito saborosa. Acho que seria um ótimo jantar romântico.

Todos nós olhamos para minha irmã, meus pais com um pouco de desconfiança. Por um momento Lara falara como o próprio Justin, não era possível que... Mas, de que forma mais ela conheceria o lugar?

— E o que os três fariam enquanto isso, huh? — Perguntou mamãe, astuta.

Trocamos um olhar.

— Bom... O Justin nos chamou para ir ao estúdio... — dei um destaque no plural, embora não fosse exatamente o que ele tivesse me dito quando me chamou na noite anterior.

Os olhares desconfiados se direcionaram para mim.

— O Justin? — Repetiu, deixando evidente que tinha ouvido, mas precisava de uma confirmação daquele paradoxo.

— É. Eu gostaria de conhecer o lugar. Acho que ele está tentando compensar um pouco os danos — Lara argumentou.

Meu pai bufou.

— Ele vai ter que se esforçar muito mais do que isso — abraçou-me mais forte — Mas conheço esse tipo. O que você acha, filha? Precisa que eu vá bater um papo educado com ele? Eu adoraria.

Dei uma risadinha amarela e levantei os ombros.

— Está tudo bem. Eu.. Quero que tenhamos um bom relacionamento. Não gostaria de ir embora com ele me odiando ou vice-versa.

Lara sorriu para o chão na parte do relacionamento, dando conotação diversa à minha intenção. Embora, se fôssemos ver direito...

— Hm.., você também vai, Danilo? — Olhou por cima da minha cabeça para ver meu amigo.

— Sim, eu vou.

Ele aquiesceu enquanto suspirava.

— Sabe que não confiamos no Justin, não é, Júlia? — seus olhos castanhos, rodeados de rugas de preocupação, buscaram os meus. Fiz sinal positivo com a cabeça — E queremos evitar qualquer sofrimento que possa te acontecer. Essa sempre foi nossa intenção. Você viu o que aconteceu da primeira vez quando deixou ele se aproximar... — sua careta de reprovação servia de lembrete dos seus alertas antes dele derrubar minha publicação. Eles não gostavam que nos víssemos e eu insisti — E não sei se essa seria uma boa estratégia de marketing.

Com um aperto no coração concluí que não faria diferença. Eu preferia acreditar nas intenções de Justin. Cada vez mais ele desfazia minhas reservas. E se quebrasse a cara outra vez... Bom, pelo menos não ficaria muito mais tempo no país.

Como se distância pudesse diminuir os efeitos letais em um coração partido.

— Estou ciente dos riscos. Mas vai ficar tudo bem — prometi, mais esperançosa do que certa do que dizia — E não vamos estar ao ar livre.

O silêncio carregado contrastava com a positividade que eu necessitava. Ninguém falou mais sobre o assunto e Danilo salvou a pátria com uma piada sobre a próxima estátua. A névoa do entretenimento trabalhou para desfazer o clima estranho que criara, mas eu sabia que os pensamentos dos meus pais se ocupavam de uma preocupação lógica. Podia me ver no lugar deles na forma como me preocupava com pessoas que machucavam Lara. Eu pegava uma repulsa tremenda de forma a não conseguir mais ouvir o nome dos sujeitos, e a descarada perdoava, restando para mim ter que conviver e lidar com as mágoas inesquecidas.

Como da vez que sua "amiga", sabendo que ela estava perto de iniciar um relacionamento com Roberto, se insinuou para o mesmo e os dois se beijaram em um evento que Lara não estava. Claro que isso acabou com qualquer chance dos dois engatarem num relacionamento mais sério, encerrando o arranjo provisório de exclusividade e estremecendo sua amizade com Camila. No fim, porém, ela perdoou os dois e eles retornaram ao nosso convívio. Em nossas saídas eu mal podia suportar ficar no mesmo espaço que eles, enquanto Lara os abraçava e contava piadas. Talvez eu precisasse de uma cura interior, me irritava só lembrar do assunto.

O erro de Justin não se assemelhava a esse, mas se tratava sim de uma traição, em outros termos. E eu não os culparia por enxergá-lo com maus olhos antes que pudessem conhecer tudo o que ele carregava de bom dentro do peito. Eu sempre identifiquei seus valores, muito maiores que seus defeitos. O tamanho do seu coração ao enxergar nos outros a dignidade de um sujeito de direitos e merecedores do amor de Deus, o carinho especial que tinha com as crianças e animais e sua base firmada no respeito pela própria família. Ele podia sucumbir às vezes às imperfeições de ser humano, mas suas tendências generosas e compassivas tornavam o brilho nos seus olhos um tesouro de inestimável valor a ser preservado. Sua alma reluzia através do sorriso excelso e façanhoso.

Por tanto, sua presença em meu coração parecia ser definitiva. Falar e pensar nele me aquecia como um bom abraço depois de dias de solidão. Eu o amava. Como sempre. Com cada ossinho, músculo e células que formavam meu corpo. E esperava que minha família pudesse enxergá-lo com meus olhos.

Meus pais fizeram questão de nos deixar na porta do estúdio às 18:30. O carro foi desligado no meio fio e meu pai não parecia ter intenção de ligar antes que a porta do estúdio fosse aberta. Meu nervoso aumentou, tinha receio do que poderiam dizer a ele caso chegasse perto demais e troquei um olhar de "socorro" com Lara antes de descer.

— Tenham um bom jantar! — Eu disse com animação, camuflando qualquer sentimento de incerteza. Arrastei-me para descer do carro. Lara e Danilo já me esperavam na calçada.

— Obrigado, filha — eles responderam juntos, bem menos entusiasmados que eu.

Logo que fechei a porta, o estúdio foi aberto. Justin surgiu por uma brecha, vestindo seu melhor sorriso, camiseta longa preta e calça jeans. Seu cabelo estava escondido pelo boné e apenas um traço de rigidez perto de seus olhos me demonstrava que ele estava minimamente nervoso. Tive que me conter para não correr para o seu lado, andando de modo comportado para diminuir a distância entre nós. Na verdade, seu corpo parecia atrair o meu com uma força magnética e eu queria ceder ao impulso.

Ele acenou de modo breve para o carro e eu esperei sem saber se meu pai abaixaria a janela para insultá-lo ou coisa semelhante. Por fim, não houve movimentação visível que não fosse o carro sendo ligado para partir. Eles podiam muito bem estar lhe mandando o dedo do meio (o que não era de seu feitio, mas eu não ficaria surpresa se momentaneamente aderissem à prática) que não veríamos, devido ao insulfilm. Então, Justin concentrou a atenção em mim, e por algumas batidas de coração tive a impressão de que o mundo desaparecera ao nosso redor.

A curva de seus lábios para mim era mais vívida e capaz de ofuscar o brilho do sol. Mal tive consciência do restante do caminho que precisei percorrer para chegar até ele. E enfim estava em seus braços quentes e confortantes, que contornaram minha cintura e minhas costas protetoramente, firmando-me junto de si. Escondi a cabeça em seu peito, tentada a me içar para alcançar sua boca.

— Oi — ele disse brevemente em meu cabelo, o suficiente pra me fazer tremer.

Firmei as mãos em torno de sua camiseta.

— Oi — respondi contra o tecido. Seu perfume estava intacto, misturando-se ao cheiro agradável de sua pele. Seria o paraíso respirar pra sempre dele.

— Você está usando o perfume — disse, aparentemente maravilhado. Podia apostar que estava sorrindo.

Apenas assenti, sentindo meu rosto esquentar. Ele aspirou em meu pescoço e minha pele arrepiou. Precisei me esforçar para não me contrair.

— Obrigado — respondeu terno e apertou-me contra ele, a cabeça encaixada na curva do meu pescoço — Você está indescritivelmente cheirosa.

Nossa bolha não foi suficiente para isolar o pigarrear de Danilo e eu me afastei sem graça para que tivessem a chance de se cumprimentar. Lara lhe deu um abraço no meio de um sorriso sugestivo, parei de respirar quando ela começou a falar, por um momento achando que o chamaria de cunhado. Quando se afastou, lhe agradeci com os olhos por manter a postura e ela escondeu o risinho.

— Olá — Danilo, mais formal, lhe ofereceu a mão — Estávamos curiosos quanto ao seu equipamento — apontou para o estúdio.

A cara capciosa de Lara me deu a dica, como um mal presságio, antes que ela abrisse a boca — e eu torci muito para que não o fizesse:

— Na verdade, a Júlia, especialmente! — Murmurou, com malícia, de modo que ficou muito clara a segunda intenção que levara a frase inofensiva de Danilo.

Eu preferia que ela o tivesse chamado de cunhado. A empurrei pelo ombro e corei, grunhindo. Justin deu uma risada sufocada e Danilo se engasgou.

— Meu Deus, Lara — reclamei.

A filha da mãe ria como um cachorro asmático. Dei as costas para todos eles, seguindo para a porta a fim de desviar o assunto. Ouvi que me seguiam, mas Justin foi o primeiro a me alcançar. Ele tocou de leve meu braço, seus dedos deslizaram sem demora por ele, ensaiaram se entrelaçar aos meus dedos e se afastaram. Eu queria tomar sua mão na minha e, inconscientemente, prolonguei nosso toque nesse intuito. Enquanto descíamos as escadas, trocamos um olhar significativo.

Ele pensou por um segundo e entrelaçou a mão na minha, agitando ferinhas adormecidas em meu estômago. Seu olhar, permeado de receio, tentava me transmitir segurança ao mesmo tempo em que a procurava em mim. Eu sorri, incapaz de impor alguma distância. Aliás, não estávamos à vista de ninguém mais que Lara e Danilo, meus confidentes. Bem no fundo, desejei que não precisássemos nos preocupar com os olhos do mundo. Pelo contrário, eu queria que o mundo visse a felicidade estampada no rosto convicto de lhe pertencer — mesmo que o próprio Justin não soubesse disso. E, tirando toda minha militância por um segundo, eu queria ser sua. Completa e irrevogalmente.

Justin apertou os dedos nos meus e retribuiu o sorriso.

Lara e Danilo não fizeram piadas, na verdade, não se manifestaram enquanto entrávamos pelo corredor, muito entretidos com o ambiente ou acometidos de respeito súbito ao clima alheio.

— Pensei que seu pai fosse descer do carro para me surrar. Mas presumi que a presença de um segurança só pioraria a situação, então não chamei Patrick.

Eu ri livremente, apoiando a cabeça em seu braço.

— Bom, não te garanto que ele não pensou nisso.

Ele suspirou e me puxou mais para perto.

— Ao que parece, conquistar sua família vai ser um desafio.

As palavras saíram antes que eu pudesse planejá-las.

— E para que te interessa conquistar minha família?

Justin deitou um pouco a cabeça e fez um beicinho enquanto pensava o que dizer. Mais como se as palavras estivessem em sua cabeça e ele só não soubesse como expressá-las.

— Basicamente quero estar o tempo todo com você, eles precisam no mínimo não me odiar.

Comovida, quis dizer que ninguém podia odiar uma criatura tão extraordinária como ele. Infelizmente, não podia lhe dar essa garantia. Mas podia amá-lo por todos.

Mordi a língua. Isso eu também não podia dizer.

— Se você continuar bonzinho, pode acabar subindo no conceito deles.

— O suficiente para te fazer alguns convites? — Arqueou a sobrancelha para mim.

Nesse momento, saímos do corredor para o local em que a magia acontecia. Estar de volta àquele espaço só fez o acalento de suas palavras ser mais profundo e perpétuo.

— O que tem em mente?

Atrás de nós, ouvi murmúrios impressionados de Lara e Danilo. Eu já havia me esquecido que estavam ali. Justin piscou para mim, fazendo suspense, e se virou para os dois.

— Bem vindos ao meu QG — apontou, feito um rei apresentando o reino. Ele podia muito bem pertencer a realeza.

Como premeditado, Josh não estava ali e eu me perguntei se ele queria que estivéssemos sozinhos. Quando anunciei que Lara e Danilo teriam que vir comigo, ele não opôs, mas...

— Você já fez Júlia cantar ali? — Lara apontou para a cúpula com o microfone e eu arregalei os olhos pra ela de modo ameaçador. Fazer ideias como essa pintarem na cabeça dele não seria nada benéfico para mim.

— Para falar a verdade, Lara, estou tentando fazê-la cantar para mim há um tempo razoável já. Alguma dica de como conseguir isso? — Ele piscou dramaticamente, fazendo-se de vítima.

— Usando seu charme. Ela nunca resiste a ele.

Bom, ao que parece minha irmã ainda não me queria junto com ele, mas ao invés de deixar clara sua desaprovação para nós dois, tentaria me matar de vergonha na frente dele. Empurrei seu ombro, resmungando.

Justin riu com muito prazer.

— Não tenho obtido os resultados esperados.

Danilo passou o braço sobre meus ombros.

— Minha garota — murmurou orgulhoso, dando uma leve alfinetada.

Os olhos de Justin mediram nós dois e eu me lembrei da sua — por incrível que pareça — insegurança quanto a Danilo. Eu havia garantido que Danilo não me tocava da mesma forma que ele no dia anterior, e podia ver que ele colocava em xeque minhas palavras naquela hora. Justin não podia saber que eu não queria mais ninguém além dele se eu não havia dito, mas apesar de suas declarações, ainda estava insegura quanto a profundidade dessa revelação. Não sabia se podia lhe confiar meu coração, e tomando todas as condições adversas, talvez fosse mais inteligente ficar na minha.

Entretanto, tentei fazer com que ele me olhasse para ao menos lembrá-lo da nossa conversa. Atraí sua atenção. Ele ergueu a sobrancelha pra mim.

— Aqui tem instrumentos? — Lara perguntou, livrando-nos do momento estranho quase sem perceber.

Então Justin foi apresentar a sala seguinte, onde estava o piano de calda deslumbrante que imediatamente atraiu a atenção de minha irmã. Ela tinha feito algumas aulas quando criança e ainda lembrava algumas coisas. Desinibida, correu para o instrumento e só lembrou de pedir permissão ao dono quando estava sentada na banqueta.

— Você toca? — Ele perguntou o óbvio, encostando-se no piano.

— Nada muito impressionante. Como uma criança de cinco anos, mais ou menos.

Nós demos risadinhas e ela experimentou as teclas, começando River Flows in You, a música que fora confundida com Bella's Lullaby, a canção que Edward compôs para Bella em Crepúsculo. Pelo arco em suas sobrancelhas, Justin estava impressionado. Ele trocou um olhar perplexo comigo e sorriu. Apesar de Lara errar algumas notas e tentar corrigi-las tardiamente, com grunhidos de frustração, ele permaneceu admirado do começo ao fim. E quando ela terminou, com uma careta por seus erros, recebeu efusivas palmas de nós três.

— Lara, você é extremamente talentosa! — Justin elogiou, quase pulando no chão de empolgação — Uma criança de cinco anos não tocaria assim. Você se subestima.

Ela deu um sorriso contido, sem se deixar convencer, porém lisonjeada.

— E você está exagerando, mas obrigada.

Estendi a mão para minha irmã, em um cumprimento orgulhoso. Ela se levantou e apontou com a cabeça para Justin assumir o piano.

— Nos mostre alguma coisa em que está trabalhando.

— Hmm... — ele contorceu o lábio. Era timidez permeando sua feição? Semicerrei os olhos. Impossível. Lara tinha ido bem, mas nada tão extraordinário que ele não pudesse fazer sem errar. E ele se apresenta para milhares de pessoas, não teria por que se intimidar com três — Deixa eu ver.

Pensei que tocaria Purpose e até torci para que fosse, queria muito ouvi-la de novo. Ele fez algumas notas, formando um beicinho de concentração nos lábios enquanto parecia ponderar qual rumo tomar. Por um breve momento tirou minha concentração da melodia.

— Bom... — suspirou — Tenho uma coisa incompleta aqui. Não sei se vou utilizá-la no álbum, pode ser que sim... Mas sinto que falta alguma coisa. Enfim... — tagarelou. Aquilo era, de fato, nervosismo. Cruzei os braços, curiosa. Era o processo de criação público que o incomodava, então? Se bem que fazia aquilo em frente às câmeras para seus documentários, não fazia sentido.

Pigarreou e segurou uma nota. Eu apoiei os cotovelos na calda do piano, sentindo um sorriso se espalhar em meu rosto pela sua postura perfeita de pianista.

Tudo mundo fica chapado alguma vez, você sabe

O que mais podemos fazer quando nos sentimentos sozinhos?

Então respire fundo e deixe pra lá

Você não deveria estar afogando sozinha...

Ele me olhou por um instante, meio tímido, e repuxou o canto da boca de leve. O olhar era significativo e antes mesmo que entendesse, meu coração perdeu uma batida.

E se você sentir que está afundando, eu pularei imediatamente

Na água fria por você — arqueou uma sobrancelha humorada para mim. De imediato fui levada ao dia em que visitamos Venice. A água estava gelada, e na verdade ele havia me levado até ela.

E mesmo que o tempo nos leve a caminhos diferentes

Eu ainda vou ser paciente com você

E eu espero que você saiba

Podia sentir o sorriso insólito em meus lábios e não o desfiz quando ele fixou toda a atenção em mim.

Eu não vou te soltar

Eu serei a corda para te salvar essa noite — naquele dia ele havia me dito que seria meu salva vidas. Seria possível que a música fosse... A ideia se pintou em minha mente antes que eu pudesse barrá-la, feito erva daninha.

Justin repetiu essas duas frases e deixou a música morrer.

— Eu ainda estou trabalhando na outra estrofe e quero que seja uma melodia mais divertida. Algo que as pessoas ouviriam num dia de praia, que remetesse a esses momentos de descontração.

Olhei para baixo, perdida em palavras que pudessem expressar a sensação da possibilidade de ter lhe inspirado em uma música. Ele não havia dito com todas as letras e eu não queria ser presunçosa, mas... parecia inegável.

— Incrível, Justin. Realmente uma obra prima... Danilo, me ajuda a ver um negócio aqui, rapidinho? Já voltamos, gente — Lara atropelou as palavras e quando levantei a cabeça só pude ver suas costas se afastando enquanto arrastava meu amigo pelo braço. Ela cochichava alguma coisa para ele e se virou para trás uma vez.

Nossos olhares se encontraram e eu identifiquei sua euforia. Certamente também era por causa da música. Lara tapou o nariz com os dedos da mão livre e murmurou sem emitir som "tinta".

Entendi de pronto. Ela queria dizer que estava pintando um clima. Dei risada e ruborizei ao mesmo tempo e em um segundo, ela já havia saído e fechado a porta.

Justin riu.

— Muito discreta — brincou — Mas oportuna e consciente. Sente-se comigo, Lia — deu batidinhas ao seu lado no piano.

Obedeci e ele segurou minha mão. Posicionou a mão livre em meu queixo e levantou meu rosto para que eu o olhasse nos olhos. Havia tanta ternura em suas írises que meus ossos amoleceram no mesmo instante.

— Eu escrevi tanto ontem à noite e hoje, mas... — acariciou meu rosto, estudando cada detalhe dele — não acho que palavras sejam suficientes. Não conseguem se igualar a dimensão.

Esperei. Que meu coração saltasse para fora da boca. Que minha língua me delatasse sozinha. Que meus músculos falhassem diante da intensidade daquele sentimento. Que lágrimas transbordassem de puro regozijo.

Mas para minha surpresa, eu permaneci completamente imóvel enquanto ele terminava de apreender meus traços. Então seus olhos pararam nos meus e ele abriu um sorriso tão carinhoso que quis guardá-lo comigo. Ninguém nunca havia me olhado assim.

— Oi —ele disse. A voz suave acariciou meus ouvidos.

Suspirei, como quem finalmente se encontra.

— Oi — respondi num sussurro.

Justin puxou meu queixo devagar e refez nosso cumprimento do dia. 


---------------------------


Eu só queria dizer que esses dois são tudo pra mim. OI GENTE. Que saudade de vocês. Que tempos cruéis de afastamento. Que saudades da Júlia e do Justin. Há tanto a contar...Um abraço forte em quem ainda está aqui. Se cuidem <3

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top