Capítulo 2: Lugar estranho, sonho estranho
A história de "Dois Mundos a Manter" é bastante simples, existem as Seitas de Cultivação e as Ordens dos Magos, as quais bipolarizavam o poder no Continente de Àbrioh. O rei, era uma figura de respeito, mas sem mandato real, quem comanda tudo ou são os Mestres Cultivadores, ou os magos. De qualquer forma, dois prodígios despontam nesse mundo; um, era Yang Jian da Seita Picos Claros e a outra era Nathalia Petrosa, da Ordem Rosas Negras. Ambos enfrentam muitos obstáculos até que conseguem se firmar, como os novos soberanos do Continente.
E era isso. Essa era a trama do meu livro favorito e agora, o quê? Eu estou preso na obra? Não pode ser... Será?
A verdade, ou o que interpretei da situação, caiu sobre mim como uma rocha despenca e esmaga um caminhante desavisado que parou a sombra do pedregulho que estava prestes a desabar. Sorte ou azar? Ou destino?
Outra parte péssima: eu SOU o VILÃO da história!
Droga! Por que em vez de ser o protagonista heroico e corajoso, eu sou o vilão assustador e sanguinário e que tinha uma morte muito terrível? Recordei-me da minha alegria quando o Shun Xuě foi morto por Yang Jian e Nathalia numa cena épica, a qual colocou fim na guerra que o vilão começou. Agora, o quê? Eu sou o vilão? Não pode ser!
Olhei para cima e me questionei se os céus estavam rindo de mim. Tentei me acalmar, eu poderia ter escutado algo errado. Vagarosamente, ignorando meu pânico, perguntei:
— Como me chamo, mesmo?
— Shun Xuě. — O garoto alto respondeu imediatamente.
Acho que vou vomitar. Não pode ser. Minha mente ficou em branco e despenquei contra o colchão, caí na inconsciência quase imediatamente.
Acordei, com a cabeça badalando como um sino.
Mas que inferno.
Cocei a cabeça, estou em casa? A alucinação acabou, não é?
Um lençol fino me cobri, me levantei, sentando na cama. Mãos contra a testa, tentei relembrar o que ocorreu. Tudo voltou num flash. Meu despertar. Yue Ning me encarou. Yang Jian do outro lado do cômodo, me perguntou se Shun Xuě estava bem, vulgo meu atual nome.
Não. É um sonho. Deve SER UM SONHO. Estou no hospital, assim que encontrar o interruptor e acender a luz, verei que estou com a cabeça enfaixada pela queda e recebendo um soro. Normal. Tudo normal. Procurei o interruptor e nada. Cutuquei meu braço em busca do acesso no braço e nada.
Desespero interno.
Não.
Lentamente, olhei em volta.
O ambiente estava meio escuro, apenas a luz do luar se derramou pela janela redonda, única no recinto, a qual estava coberta por uma persiana de madeira, que bateu contra as telas da parede, pareceu ventar no exterior. Com apenas meia iluminação lunar era possível ver o espectro turvados de algumas coisas. Isso só aumentou meu desespero.
Eu ainda tô nessa? Ótimo!
Comecei a procurar uma vela ou qualquer coisa que despejasse mais luz ao ambiente. Foi quando encontrei, em cima de um armário próximo à cabeceira da cama, uma antiga lanterna. A abri com certa dificuldade pela falta de iluminação, peguei a vela do interior. Certo, como acendo agora? Será que tem uma caixa de fósforos por aí?
Só tateei a superfície da cômoda, em busca de algo, qualquer coisa, que servisse para acender aquela vela. Meus dedos sentiram o toque de um instrumento frio, com o tato tentei decifrar o que diabos era aquilo. Após meia hora, descobri que era uma pederneira. Olha que sorte! Bati a peça uma contra outra, umas três vezes, até uma faísca voar e se chocar com o pavio.
Enxuguei o suor da testa. Viver num mundo sem caixa de fósforo ou iluminação elétrica era dose, viu?! Suspirei exasperado. Bom, eu tinha uma luz, coloquei a vela no interior da lanterna de metal e a fechei.
Ergui aquela lamparina, as cortinas finas que desciam do dossel da cama, estavam amarradas nas laterais. A frente uma tela suspensa na cor verde com entalhes elaborados em cada quadrado que formava a peça. Mais adiante só escuridão. Voltei a encarar a cômoda. Curiosidade me invadiu num tsunami. O que será que tem dentro dele?
Com isso, me sentei na ponta da cama e abri o armário de duas portas, elas se abriram juntas num ranger baixo. Trouxe a luz para perto e divisei alguns livros de brochura com capa mole, tabletes de tinta, rolos de pergaminhos. Peguei um dos rolos, desamarrei a fita que a segurava e depois desenrolei o papel. Surpreendentemente, algo pesado deslizou por entre a folha e caiu num suave baque contra o chão.
Entrevi um brilho azulado e fraco vindo do objeto, este rolou contra o piso de madeira e descansou, frio e balouçante contra meu dedo mindinho do pé esquerdo. Curvei-me e o coletei, era um colar. Era constituído de um cordão prateado e um pingente num formato de um floco de neve, tinha seis pontas e parecia uma flor aberta. Seu brilho azulado e frio se intensificou com o toque de minha mão.
Ué? Que pingente é esse?
Eu já ouvira sobre tal colar?
Ah!! Era da mãe do vilão! Essa foi única coisa que ela lhe deixou antes de morrer e serviria mais afrente para. O que era mesmo? Faltava uma informação na minha memória, mas ignorei o fato. De qualquer forma, isso é muito importante. Devolvi para o armário rapidamente, voltei minha atenção para as anotações.
As letras gravadas em tinta negra eram elegantes e claras, alinhadas em fila reta. Era a caligrafia do verdadeiro Shun Xuě. Parei. Eu podia ler aquilo? Ah, que se dane, sou o novo Shun Xuě, preciso saber das coisas. Encarei os caracteres chineses, o primeiro que encabeçava a fila me encarou, desafiante, desci meu olhar para o próximo e.
Nada. Eu não entendia nada daquela escrita intricada.
Tentei uma, duas e quando estava prestes a desistir as letras começaram a fazer sentido na minha cabeça. Animado, fixei os olhos na primeira frase:
"O que nos faz maus?"
Parei. Isso são reflexões do Shun Xuě? Continuei a leitura.
"O que nos faz maus? É uma escolha ou uma sentença? Posso escolher odiar ou perdoar? E se é possível, por que eu não consigo? Por que não consigo olhar para meu velho amigo e vê-lo como sempre? Por que sinto esse sentimento borbulhando em minhas entranhas e subindo pela minha garganta como um veneno mortal que me sufoca o espirito e a mente? A inveja. A sinto nas minhas veias, fervendo e crescendo. Temo que vá me devorar".
Caramba!
Desenrolei mais do rolo pergaminho.
"Podemos lidar com o caos que habita em nós? Se podemos o que devemos fazer para a nossa própria fealdade não aumentar?"
"Meu caos assemelhasse a uma nevasca que se inicia no primeiro floco de neve e ameaça tornar-se mais densa e selvagem num tempo muito curto. Por que sinto isso? Por quê?"
A leitura ficou mais fácil, mas meu coração se apertava a cada letra.
"Pode alguém nascer mal? Acho que nasci com isso, como se fosse um órgão putrefato que fede e me envenena. Não tenho forças para arrancá-lo de mim. Isso me matará em breve".
O restante do longo pergaminho estava em branco e nas escritas não havia datas.
Naquele momento, percebi o quão atormentado estava Shun Xuě. Suponho que todo vilão é atormentado, porém, que humano igualmente não o é? Quem de nós, não enfrenta os sentimentos de inveja, ciúmes, ódio? Entretanto, o que fazia alguns parar e outros prossegui e abraçar tais sentimentos?
E o que eu deveria fazer?
Estou preso no livro e se não assumi a personalidade do vilão, só os céus sabem o que acontecerá comigo. Posso morrer de novo. Posso acabar sendo torturado ou sabe-se-lá o que mais. Além disso, não posso estragar minha história favorita. Hehehehehe.
O que eu faria com aqueles papéis? Como pertenceram ao verdadeiro Shun Xuě, decidi queimá-los na manhã seguinte num ato respeitoso para sua alma que ia e a minha que tomava seu corpo naquele momento em diante. Ok, tenho que admitir que aquelas reflexões me fizeram simpatizar com ele.
Coloquei as folhas na cômoda e a fechei, tomei um pouco de água de uma pequena jarra de yao (porcelana) que estava na única mesinha do quarto. Aquela água tinha um gosto bom de hortelã menta. Água aromatizada? Dei de ombros mentalmente. Voltei à cama, me embrulhei e peguei num sono quase instantaneamente.
Era escuro, denso, negro.
Era uma névoa? Era noite?
Eu não saberia dizer, me mexi sentindo o meu corpo doer.
Houve uma explosão, um som cortante encheu os ares, meu ar faltou. Pisquei aturdido, lentamente minha visão retornou. Um pedaço de ferro quente atravessara meu coração frio, eu sabia o que era aquilo. Era ferro vermelho a única coisa que poderia me matar, que poderia matar alguém como eu.
O sangue fresco escapou de minha boca num jorro, ergui a cabeça, olhos escuros de um antigo amigo se focou em mim. Nada vi além de desdenho gravado naquela íris escura, ele me odiava como eu o odiava. Éramos família, viramos inimigos.
Não consegui evitar e ri da minha desgraça, na verdade, gargalhei. O que eu esperava? Um meio-elfo como eu, o que eu conseguiria? A vitória? Finalmente não ser julgado pela aparência ou pelo meu sangue híbrido? Não, é claro que não. A morte me esperava ali, há alguns centímetros da conquista final.
Meus joelhos cederam e o trono se tornou gigante aos meus olhos. Meu trono. Meu direito. Sonhei alto demais? Quando não se tem nada, sonhar alto é quase uma obrigação. Não me arrependo do que fiz, só me arrependo de como fiz.
A morte começou a abraçar meus músculos. Uma voz repercutiu no ambiente:
— Não deixe que termine assim de novo. Por favor, não quero sofrer mais uma vez.
Acordei tremendo e encharcado em suor. O que fora aquilo?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top