CAPÍTULO QUINZE: FINAL

      Balthazar sentou-se na cama, ao lado do pacote de presente. Em seu íntimo, uma mescla de curiosidade e indecisão. Queria saber o que continha, mas lá no fundo sabia que era algo relacionado a Lili. Soltou um breve suspiro e, com as mãos trêmulas, puxou o embrulho para mais perto, passando a mão pelo laço delicado que a enfeitava. Sorriu ao lembrar da querida Andressa e o zelo dela em embrulhar com tanto esmero.

Pegou as pontas da pequena fita e foi puxando até que o laço se desfizesse por completo. Largou-a na mesinha de cabeceira, voltando sua atenção ao pacote. Com muito cuidado, foi descolando a fita adesiva, para não rasgar o papel de presente com lindas figuras de relógios e ampulhetas entre ramos de flores.

Assim que descolou o último durex, foi abrindo o embrulho ao passo que sentia sua respiração ofegante e o coração descompassado. Assim que abriu a aba que faltava, foi revelado seu interior, um lindo vestido azul muito claro, todo rendado, com minúsculas flores bordadas e, sobre ele, um belo laço de fita delicadamente dobrado.

Os olhos do senhor se encheram de lágrimas. Soltou toda a respiração que até o momento estava presa em seu peito.

— Minha doce Lili... — Gemeu baixinho.

Passou a mão espalmada por sobre o tecido já desbotado, mas ainda belo como outrora. Sentiu a textura da renda e a maciez da seda. Pegou o laço, levando-o até a altura dos olhos, aproximando dos lábios sem se importar se deveria ou não beijar algo que estava há tantos anos guardado.

— Sinto tanto a sua falta...

A colocou ao lado e, fixando o olhar novamente no vestido, pegou com ambas as mãos e estendo sobre a cama, ajeitando os babados da saia para admirá-lo como antigamente.

— Você era uma princesa dentro dele, apesar do jeito atrevido! — Riu baixinho com uma das mãos nos lábios.

Segurou o vestido diante dos olhos, admirando-o mais uma vez. Levantando-se da cama com o vestido, foi até a poltrona onde sempre se sentava para olhar o jardim e relembrar a época de infância e estendeu-o ali com todo o carinho, ajeitando a saia. Voltou até a mesinha onde deixou a fita e a estendeu sobre o vestido. Sorriu ao ver o resultado.

— Me concede esta dança, senhorita?

Fez uma reverência diante do vestido e fechando os olhos, se pôs a cantarolar baixinho uma música de sua infância. Dava voltas, com passos trôpegos e de olhos fechados, para imaginar-se naquela época de pureza e felicidade que viveu no passado. Experimentou alguns passos que ela o ensinou sorrindo, como se o tempo o transportasse até aquele momento.

 E assim que abriu seus olhos, lá estava ela, vestida exatamente com seu vestido longo e a fita em seus cachos, sorrindo como a primeira vez que haviam se visto:

— Achou que se livraria de mim, cara de sapo assado?

— Lili?

— Sim, sou eu, Balt. Também senti sua falta.

Ele, espantando, olhava para ela totalmente incrédulo, sem conseguir entender. Sentou sem desviar os olhos dela, que sorria para ele, caindo na gargalhada ao passo que suas lágrimas molhavam seu rosto.

— Só não vá ter um ataque cardíaco agora! Eu esperei mais de meio século para ter uma única chance aqui com você!

— Senti sua falta, Lili...

— Tenho pouco tempo, antes de voltar.

— Voltar para onde?

— Você saberá na hora certa, Balt! — Piscou. — Já que me convidou para dançar...

Estendeu as mãos para ele, que se levantou e repetiu a mesma reverência, pegando em sua mão, sentindo o quanto era delicada sobre a dele e lhe sorriu, enlaçando sua cintura com a outra. Como um passo de mágica, a música foi surgindo, envolvendo os dois, que valsavam enquanto tudo ao redor ia desaparecendo aos poucos através de um leve e perfumado nevoeiro.

— Me perdoe por ter feito você ter ido embora, Lili.

— Há muito que já o perdoei, Balt. Foram suas lembranças que me fizeram ter a chance de retornar até você.

Ele foi se afastando devagar dela, com um brilho no olhar.

— Ainda tens tempo?

— Tenho, sim, cara de sapo assado. Por que?

Ele segurou a mão dela e saíram do quarto com um sorriso de moleque. Queria mostrar o jardim para ela e sem fazer barulho, foram na ponta dos pés em direção aos fundos da clínica, abafando as risadas e de mãos dadas.

— O que tens para me mostrar, Balt?

— Veja...

Deu espaço para ela passar à sua frente e poder admirar toda aquela profusão de cores e aromas à luz da lua. Ela deu alguns passos, seguida por ele, que sorria ao vê-la ali, novamente. Sabia que seria por algumas horas, mas o suficiente para fazê-lo o homem mais feliz na Terra, assim como sabia que a maioria não entenderia, como muitos não compreenderam aquele sentimento e até disseram não ser natural. Mas existem regras para o amor? Ele não é atemporal?

Lili virou-se para ele, sorrindo.

— É lindo, cara de sapo assado! Obrigada por me mostrar.

— Todos os dias eu venho para cá e fico o admirando, imaginando você girando feliz por entre as flores e brincando com as borboletas...

Ela correu em direção às flores, rindo alto e segurando seu vestido longo de renda azul e girando, fazendo seus cachos sacudirem ao movimento que ela fazia. Ele olhava a cena emocionado, sem se mexer. Temia que tudo fosse apenas um sonho e despertasse de repente, sem ter mais a presença dela ali.

— Vem, Balt! — Estendia as mãos para ele, sorrindo.

Ele andou na direção dela, rindo como se voltasse a ter seus dez anos, girando com ela de mãos entrelaçadas, caindo os dois na grama em seguida. Ficaram olhando as estrelas, as contando e apontando para as constelações.

— Estou tão velho, Lili...

— Não se preocupe com isto agora, Balt.

Ele desviou o olhar do céu estrelado e a encarou, parecia tão real, olhando-a iluminada pela luz da lua.

— Você é a mesma Lili que eu conheci. — Sorriu, tímido.

— Vamos voltar?

Ele levantou-se com certa dificuldade, se apoiando em um dos joelhos e a ajudou a erguer-se, retornando para o quarto. O vestido ia arrastando por sobre as flores, criando um tapete que perfumava a noite.

Assim que chegaram no quarto, Balthazar a convidou para se sentar em uma das poltronas e sentou-se à sua frente. Os dois de frente para a grande janela aberta, olhando para a lua cheia, em silêncio.

— Não queria que você fosse embora, Lili. — Sussurrou, tristemente.

— Não pense nisso agora.

Ficaram algum tempo assim, em silêncio, apenas admirando a paisagem cintilante. Em um dado momento, Lili quebrou o silêncio com um murmúrio suave, como se não quisesse acordar alguém.

— Balt...

— Chegou a hora?

Ela assentiu com lágrimas nos olhos. Foi até ele, que logo se levantou para abraçá-la.

— Tenho um presente para você, Balthazar, mas preciso saber se estás feliz.

— E tem como não estar feliz quando o amor da gente nos visita? — Tentava segurar as lágrimas.

Ela pousou as mãos em seus ombros, dando-lhe um selinho tão suave quanto a brisa que entrava pela janela.

E de repente, como em um passe de mágica, Balthazar voltou a ser aquele adolescente que a beijara pela primeira vez. Seus olhos se encontram, selando o amor entre os dois em um beijo.

— Para sempre, Balt?

— Para todo o sempre, Lili.

 
     Assim que o dia amanheceu, Andressa começou mais um dia de trabalho na clínica, pegando os remédios dos pacientes e se preparando para visitá-los, como sempre fazia. Seguiu pelo corredor, vendo cada um dos seus pacientes e assim que chegou em frente à porta do dormitório do senhor Menske, colocou a mão no coração, com uma sensação estranha. Deu algumas batidas de leve e esperou que ele respondesse, mas não obteve qualquer resposta. Franziu o cenho, preocupada. Seu Balthazar sempre acordava muito cedo para estar asseado quando ela chegasse com o seu remédio da manhã. Ela voltou a bater, agora um pouco mais forte e esperou um pouco mais. Nada.

Andressa respirou fundo, abrindo a porta delicadamente, entrando no quarto. Ele ainda adormecia, com o semblante sereno.

— Bom dia, seu Balthazar? Pela primeira vez, durante todos estes anos, encontro o senhor ainda repousando. Espero não estar atrapalhando. Deixarei seu remédio aqui na cômoda com um copo d'água, sim?

Largou o pires com a água e o copinho plástico com o comprimido, voltando-se para ele. Ficou olhando o homem adormecido e teve um ímpeto de se aproximar dele, tocando-o no ombro de leve.

Neste momento, o sorriso da jovem cuidadora se desfez aos poucos. Sentiu que algo não estava normal e se ajoelhou para poder verificar a pulsação dele. Ficou segurando o pulso, ao passo que verificava seu relógio. Foi largando devagar, enquanto suas lágrimas iam surgindo, sem acreditar no que havia acontecido.

— Seu Balthazar...

Deixou a emoção aflorar, encostando a cabeça no braço dele, que já não respirava mais. Alisava a mão envelhecida, de veias salientes e pintas na pele. Levou até os lábios, depositando um beijo misturado às lágrimas que lavavam seu rosto.

— Ficarás com sua Lili agora, Balt. — Tentou sorrir.

Levantou-se, indo em direção à clínica chamar o médico responsável para que fosse tomada todas as providências. Andava pelo corredor com os ombros caídos e secando as lágrimas, tentando se recompor. Respirou fundo antes de entrar na sala do médico. De repente, lembrou-se que alguém teria de avisar o único filho, que morava no exterior.

Tudo aquilo encheu seu coração de uma tristeza profunda. Não iria ver mais o seu amigo, contando coisas de sua infância e sendo sempre gentil com todos.

Passados os dias de luto, Andressa pediu para ajudar a empacotar os pertences de Balthazar com o filho dele, que viera para levá-las consigo. Iam separando tudo em um silêncio de pesar, mas foi o rapaz que se manifestou ao ver a foto sobre a mesinha.

— Meu pai e minha avó... — Sorriu, desolado.

— Ele amava esta foto. Seu pai era um homem incrível!

— Pena que eu não soube dar o valor que ele merecia. — Guardou o porta-retrato dentro da caixa, juntamente com o restante dos pertences.

Ele virou-se para a poltrona, vendo que havia um vestido longo estendido com uma fita em uma das poltronas.

— E este vestido? — Olhou para a enfermeira, confuso.

Ela não havia reparado que ele ainda estava ali, estendido de maneira tão impecável. Imaginou seu bom amigo estendendo-o adoravelmente, depositando seu amor nos detalhes, espalhando a saia rendada, que ia até o piso e dobrando a fita no encosto da poltrona, como se há qualquer momento uma mulher viria a se vestir.

— Era de uma amiga de infância do seu pai. Se achar melhor, pode guardá-lo.

— Eu agradeceria se me fizesse este favor. — Olhou em volta, suspirando. — Acho que isso é tudo! Tens como pedir para alguém levar estas caixas até o carro?

Se afastou, atendendo o celular e saindo do quarto.

Andressa se sentiu tão desolada, tentando processar mentalmente tudo que estava se desenrolando naquele instante. Pegou uma caixa ainda vazia, que jazia em um canto do quarto e com toda a delicadeza, pegou o vestido da poltrona, erguendo-o acima da cabeça e foi neste exato momento que pétalas amassadas caíram do meio das rendas, se espalhando pelo chão do quarto.

— Óh, meu Deus... — Levou a mão à boca. — Ela esteve aqui?

Seu coração se encheu de uma felicidade, que lhe arrebatou um sorriso carregado de emoção. Andressa colocou o vestido rendado, com esmero, juntamente com a fita dentro da caixa. Ajeitou-o como se qualquer movimento mais brusco pudesse desmanchá-lo. Ao terminar, olhou em volta, deixando que um longo suspiro saísse de sua alma, se despedindo com o olhar.

Fechou a porta e seguiu pelo corredor xadrez.
E Em suas mãos, a caixa com o vestido rendado azul e a fita branca, ficariam guardados com todo o carinho do mundo...

(1995 palavras)



 

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