CAPÍTULO QUATORZE
Na semana seguinte, o carro de Eleonor estacionou em frente à clínica, com Andressa ao seu lado. Ela se ajeitava no banco para melhor olhar a namorada.
— Cá estamos, amor.
— Obrigada por mudar sua rotina e me trazer até aqui. — Sorriu.
— Você sabe que é um prazer para mim. Só não vou descer porque já estou quase atrasada! Quer que eu te pegue à noite?
— Adoraria! Desde que não fique complicado para você.
— Sua boba! — Se inclinou para frente, beijando-a de leve nos lábios.
— Bom trabalho, Dessa. Me liga quando acabar seu turno, ok?
— Para você também, amor! Pode deixar! Obrigada!
Beijaram-se mais uma vez, se despedindo. Andressa ainda ficou algum tempo acenando, enquanto o carro seguia seu caminho.
Ela girou nos calcanhares e entrou na clínica com o sorriso de sempre e um embrulho de presente em mãos.
Cumprimentou a recepcionista, como de costume e assinou o livro de chegada, indo em direção ao espaço destinado aos funcionários, para começar mais um dia de trabalho.
Trocou de roupa, colocando seu jaleco e o sapato baixo antiderrapante e guardou em seu armário o pacote embalado, juntamente com seus pertences. Foi até o espelho, prendendo o cabelo em um coque baixo e foi lavar as mãos na pia, higienizando-se antes de iniciar as tarefas da manhã.
Se dirigiu até o balcão, onde outros colegas também se preparavam, cumprimentando-os, sorridente.
— Mas olha ela! Toda radiante! Esta semana de folga te fez bem, hein!
— Verdade, Lourdes. Foi maravilhosa!
Foi até a planilha do dia verificar a lista dos pacientes que deveriam levar os remédios da manhã.
Douglas se aproximou, repassando o relatório dos pacientes durante os dias que ela esteve fora, contando a novidade da tarde de domingo, onde a neta de Dona Carlota convenceu Seu Balthazar a dançar.
— É sério, Douglas? Mas isto é incrível! Estou muito surpresa e feliz com a novidade! — Sorriu, agradecendo ao colega.
Passou os olhos pelo relatório em suas mãos e preparou as doses dos medicamentos daquela manhã, indo ver os pacientes do seu turno. No momento em que tinha Seu Balthazar, como o próximo paciente, sorriu, pegando a bandeja e indo até o jardim, onde ele estava lendo distraidamente.
— Bom dia, Seu Balthazar? Sentiu minha falta?
— Andressa, minha querida! Como foi sua folga? Espero que tenha desfrutado em boa companhia.
— Foi bem diferente, de fato! E confesso ao senhor que foi a melhor companhia que poderia ter. Tenho tantas novidades para lhe contar, mas tudo ao seu tempo! — Sorriu, oferecendo a medicação com um copo de água fresca.
O homem bebeu devagar, devolvendo a ela em seguida.
— Vais mesmo fazer este pobre velho sofrer em indagações?
— Terá que esperar até a noite. — Riu, divertida. — Eu soube que o senhor aproveitou muito este domingo e até atreveu-se a dar alguns passos de dança na pista!
— De fato! Foi uma tarde agradável na companhia dos amigos e da menina Maribel, neta de Carlota. Uma menina excepcional!
Andressa o fitava carinhosamente. Estava feliz em saber que esteve divertindo ao invés de se isolar, como de costume. Se sentiu impulsionada em revelar algo, antes de continuar sua rotina.
— Tenho uma coisa importante para contar ao senhor.
— Pois sinta-se à vontade, minha querida.
— Eu fiquei motivada depois de ouvir suas memórias com a amiga Lili e, acompanhada de Eleonor, fomos procurar saber onde morava a família Barcelos de Almeida. Não sabíamos se ainda havia descendentes, mas mesmo assim nos aventuramos.
Ele escutava a narrativa, com uma interrogação no olhar.
— Ao chegar lá, conhecemos um bisneto dela, Seu Balthazar. E posso garantir que ele tem os mesmos olhos dela. Ao menos, foi o que constatei e Eleonor confirmou.
Ele a olhava com lágrimas nos olhos, visivelmente emocionado, porém curioso com as últimas revelações.
— Eleonor é a sobrinha de Jeremias, se não me falha a memória, certo? E como ela poderia ter tanta certeza, já que não conhecia... Não entendo.
— Ela mesma, Seu Balthazar! Sua memória está impecável! Mas continuando, depois que conversamos, ela me falou que teve um sonho, onde via Lili em uma outra dimensão, entristecida por ter ido embora, deixando-o saudoso e que ela também sentia sua falta. Foi por esta razão também que me acompanhou. Ela é sensitiva e me ajudou muito durante estes dias. — Sorriu, com um leve rubor na face.
Balthazar segurou as mãos da jovem, com a emoção aflorada no olhar.
— Minha querida... És uma moça abençoada! E este rapaz tratou vocês bem? Foram bem vindas?
— Um homem muito educado e solícito! Fez questão de nos acompanhar até o local, onde está o último repouso dela. E antes de voltar, ele me alcançou algo muito especial, que vou entregar ao senhor. — Sorriu de um jeito enigmático.
— E o que seria, senhorita Andressa?
Ela apenas sorriu, com as mãos nos bolsos do jaleco e antes de se afastar, ainda disse:
— Mais tarde, levarei para o senhor em seu dormitório. Não se preocupe que é uma surpresa boa.
Ele retribuiu o sorriso, voltando sua atenção para o jardim, onde borboletas bailavam entre as margaridas. Aquele dia amanheceu ensolarado, trazendo para o jardim um brilho especial nas folhas das árvores, que por sua vez, soprava uma leve brisa preguiçosa aos olhos, ao mesmo tempo que fazia os pardais se ouriçarem de galho em galho.
Balthazar admirava a tudo como uma obra de arte inigualável. Seus olhos percorriam cada voo das abelhas, cheias de pólen em suas frágeis patas, o movimento suave das flores e o perfume que exalavam. Era como voltar no tempo, onde podia ficar horas olhando e respirando aquela poesia viva.
Ao chegar a noite, Balthazar encontrava-se já em seu quarto, lendo o livro que ganhara da jovem enfermeira, quando ouviu as tão conhecidas batidas na porta. Desta vez, não se conteve em curiosidade e foi abrir a porta para Andressa entrar, que carregava um pacote embrulhado para presente e um enorme sorriso no rosto.
— Não disse que eu voltaria para trazer um presente para o senhor? — Lançou uma piscadela a ele.
— Entre, minha jovem, por gentileza!
Se afastou para que ela pudesse entrar, fechando a porta em seguida.
Sentaram-se nas poltronas diante da janela que dava para o jardim, como na primeira vez em que tudo havia começado.
Ela colocou o pacote em seu colo, preparando-se para contar em detalhes tudo que lhe aconteceu durante aqueles dias. Inclusive sobre seu namoro com Eleonor. Ele a ouvia, atentamente, sem interrompê-la. Em seus olhos, via-se a emoção crescente, pois o que mais desejava era que ela encontrasse um amor.
— Estou profundamente feliz por você, querida. Achei Eleonor uma moça muito bonita e educada. Meus parabéns! Vê em seus olhos toda a felicidade genuína!
— Muito obrigada, Seu Balthazar! Olha, é para o senhor. — E estendeu o pacote para ele. — Foi Olavo que me entregou e eu embalei da melhor forma possível.
— Para mim? É aquela surpresa que comentasse mais cedo, não é?
Ela assentiu, sorridente.
— Ah! E antes que eu esqueça! Eleonor sentiu sua aura e disse que és uma alma iluminada, Seu Balthazar.
— Que mocinha gentil aquela... – Sorriu. — Eu só não entendo como nunca percebi que Lili não era a minha imaginação e sim, uma garota que desencarnou! Apesar de achar que ela era bonita demais para vir da minha mente...
— Elle me explicou isto. Também questionei, já que para mim, tudo isto ainda é novo. Ela explicou que isto pode realmente acontecer em casos muito raros em que alguém desencarna e tem um vínculo muito poderoso e transcendental com outra pessoa, que ficou na matéria, conhecido ou não naquela vida. São conhecidas como almas gêmeas.
Ele a encarava sem nada dizer, tentando compreender o que acabara de ouvir.
— Sei que parece difícil de compreender tudo assim de repente, mas conheço o senhor o suficiente para saber que vai pensar com mais carinho e chegar à uma compreensão.
— De fato, me fez parar para pensar. No fundo, sempre vi isso como algo a se pensar. Com licença, minha jovem.
Ele foi até a cama, colocou o pacote sobre ela, voltando sua atenção para a enfermeira, que já estava próxima à porta, o abraçando demoradamente em seguida.
— Como diz aquela velha frase de Shakespeare, "Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar". Bom! Tenho de me despedir, Seu Balthazar. Infelizmente, não poderei ver sua felicidade ao abrir o embrulho, mas com certeza sei que irá emocioná-lo.
— Obrigada por escolher entre tantos cuidadores, para ser a sua ouvinte, Seu Balthazar. Muito obrigada!
— Pois sou muito grato por ter me dado atenção, ouvindo a minha história com tanto respeito e por tudo que fizeste até então.
— Foi um grande prazer, Seu Balthazar! Foi suas memórias que fizeram com que eu conhecesse o amor da minha vida. — Sorriu. — Tenha uma noite abençoada.
— O mesmo para você, minha jovem.
Ela sorriu, antes de sair e seguir pelo corredor, deixando o homem parado, pensando naquelas palavras. Fechou a porta devagar, olhando para aquele embrulho sobre a cama. Era chegada a hora de descobrir o que havia lá dentro.
(1525 palavras)
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