CAPÍTULO OITO

      Como era domingo, a clínica Paraíso estava alegre com as várias visitas de parentes e amigos dos muitos hóspedes, trazendo presentes e passando a tarde com eles. Para Andressa, era o melhor dia, já que via a felicidade transbordando nos sorrisos daqueles idosos, que aguardavam ansiosos. Alguns colocavam sua melhor roupa e ficavam na sala, aguardando a chegada dos familiares.

Estava conversando com uma colega enfermeira, quando avistou Seu Balthazar no jardim, conversando com um dos seus amigos, o senhor Jeremias. Estavam jogando xadrez, distraídos, já que a sobrinha de Jeremias deveria estar chegando a qualquer momento. Ela resolveu ir até lá, dar um olá para a dupla.

— Olá, senhores! Vejo que estão no meio de uma partida importante!

— Para variar, Balthazar está me dando uma surra, Andressa!

— O senhor precisa prestar atenção para onde ele olha, Seu Jeremias. — Piscou.

— E acha que não já não tentei? O homem é mestre no gambito, menina!

Balthazar apenas ria, tentando se defender. Recomeçaram uma nova jogada, quando avisaram que a sobrinha de Jeremias já estava na sala de estar, aguardando por ele.

— Não precisa interromper seu jogo, Seu Jeremias. Irei até ela e a trago até aqui e vocês podem aproveitar o jardim para dar um passeio. Que tal?

— Me faria esta gentileza?

— Mas é claro que sim, Seu Jeremias. E vê se ganha do Seu Balthazar desta vez!

— Ouviu a moça, Balthazar! Ela é enfermeira e precisamos obedece-la!

Riram, ao passo que ela foi se afastando dos dois.

Assim que Andressa entrou, foi em direção a morena que estava sentada na sala de estar. Se aproximou da mulher e educadamente a convidou para acompanhá-la, já que seu tio estava no jardim aguardando por ela. Quando seus olhos se encontraram, Andressa sentiu todo seu corpo eletrizar com o magnetismo dela.

— Claro! É a primeira vez que eu venho até aqui e senti uma aura muito boa! Agora sei que ele está em boas mãos e o nome do lugar não poderia ser mais perfeito. Me chamo Eleonor, prazer!

— O prazer é nosso, Eleonor. — Sorriu. — Meu nome é Andressa e trabalho aqui já alguns anos. A clínica tem sempre o maior cuidado com os hóspedes.

As duas foram em direção a varanda, onde estavam alguns dos idosos acompanhados de seus familiares. Andaram alguns metros, chegando na área de recreação, onde mesas de jogos e leitura ocupavam o ambiente de maneira segura e espaçosa. Tudo protegido por um toldo branco, oferecendo um maior frescor do que o interior.

No momento em que se aproximaram dos dois, Eleonor paralisou, encarando Balthazar, levando a mão até o peito, visivelmente perturbada.

Isto não passou despercebido pelos três.

— Eleonor! Minha linda sobrinha!

Jeremias levantou-se, indo até ela e abraçando a jovem. Já conhecia bem sua sobrinha e se ela reagiu assim, tinha um motivo forte.

— Este é meu amigo Balthazar. Um gentleman! — Virou-se para o amigo. — Esta é aquela sobrinha que tanto elogio, meu amigo!

Balthazar se levantou, apertando a mão que ela gentilmente oferecia a ele.

— É um prazer conhecê-la, senhorita Eleonor. Seu tio não exagerou quando disse que era uma jovem muito bonita.

— Obrigada! O senhor é muito gentil. — Sorriu, olhando para ele, fixamente.

— Querida? Vamos dar uma volta no jardim? Ele é maravilhoso! Ficarás encantada! Se sua tia estivesse viva, iria morar no meio das flores! — Riu, enfiando o braço dela no dele e caminhando devagar.

— Mas o que aconteceu aqui?

— Também gostaria de saber, senhorita Andressa. Devo ter lembrado alguém ou, quem sabe, assustei a sobrinha de Jeremias, não?

— Duvido muito que seja a última alternativa! — Riu.

Balthazar ficou olhando seu amigo com a sobrinha de longe, intrigado com a forma que aquela moça olhou para ele. Mas em seguida, se distraiu, jogando sozinho, enquanto seu companheiro se ocupava.

Algumas horas depois, Eleonor e Jeremias se despedem e ela vai em direção à saída. Nisso, Andressa vai de encontro a ela, para matar aquela curiosidade que a incomodava.

— Oi! Eleonor? Podemos conversar rapidamente?

— Oi! Sim, claro! Em que posso ser útil? Algo com meu tio? — Franziu o cenho, preocupada.

— Óh, não! De forma alguma. Na verdade, eu fiquei curiosa com uma coisa. — Pensou em como iniciar aquela conversa. — Você já tinha visto Seu Balthazar em algum lugar?

— Não. Eu o conheci hoje. É que... — Procurou as palavras certas, para explicar sua reação, logo que se aproximou dos dois senhores. — Eu senti uma sensação intensa, assim que eu bati os olhos nele. Não algo negativo, claro! Algo mais espiritual, entende?

Andressa a olhava confusa.

— Olha só. Eu sou voluntária em um centro espírita e tenho estas sensações quando me aproximo de pessoas que possuem algum dom espiritual, uma mediunidade, compreende?

— Para falar a verdade, não muito. Mas acho que entendo o que quer dizer.

Eleonor a olhou por um instante e em seguida abriu a bolsa, tirando de lá um cartão de visita, alcançando-o para ela:

— Me liga, sim? Acho que, de alguma forma, o universo me fez vir hoje e encontrá-la. Sinto que precisamos conversar com mais calma.

Andressa pegou o cartão, sem responder. Se despediram, com Andressa prometendo ligar mais tarde, quando estivesse em casa.

E assim que chegou em casa, Andressa largou sua bolsa e uma sacola do supermercado, jogou as chaves sobre a mesinha de centro e sentou no sofá da pequena sala de seu apartamento. Relaxou as costas no encosto e fechou os olhos. Logo em seguida, lembrou-se do cartão, enfiando a mão no bolso do jeans, pegando o cartão retangular e ficou lendo, enquanto soltava o cabelo.

— Eleonor Sampaio... — Sussurrou.

Um torvelinho de lembranças surgira de repente. Vieram à tona a história que ouvira de Seu Balthazar, de Lili e... a caixa! Levantou-se, de sobressalto, indo até onde havia guardado a caixa entalhada, trazendo para a sala. Abriu e retirou o plástico que protegia a folha de jornal. Ficou com o plástico em uma das mãos e na outra, o cartão da Eleonor, enquanto pensava no que fazer.

Levantou-se decidida, indo até a bolsa. Pegou o celular e discou o número do cartão, que ainda estava em sua mão.

— Alô? É a Eleonor? Tudo bem? É a enfermeira Andressa, que conversou com você hoje mais cedo. Não se lembra? Me desse seu cartão.

[— Oi! É claro que me lembro de você. Tudo bem, sim e contigo?]

— Então. É sobre o que me dissesse hoje mais cedo. Eu gostaria de saber se você aceita jantar comigo hoje?

Assim que terminou de falar, fez uma careta de arrependimento. Esperou ansiosa e envergonhada de ter sido tão impertinente.

[— Será um prazer. Me passe seu endereço, que passarei aí. Quer que eu leve algo? Um vinho, talvez?]

— Não se preocupe com isto, Eleonor. Sua presença já é o suficiente para mim.

Após passar o endereço, ouve um silêncio do outro lado da linha e Andressa deu um leve tapa na testa.

"Sua idiota! "Sua presença já é o suficiente"? Sério, Dessa?"

[— Perdão. Tive que dar atenção a minha filha. Acho que em menos de uma hora, estarei aí.]

— Está bem, então! Estarei te esperando, sendo assim.

Desligou, pensando na frase: "minha filha".

Andressa preparou um jantar leve, com saladas e estava terminando de arrumar a mesa, quando ouviu a campainha. Terminou rapidamente de colocar os dois copos e foi abrir a porta. Lá estava ela, com seu sorriso encantador.

— Oi, de novo! — Riu, abrindo mais a porta, para a mulher passar.

— Demorei muito?

— Pelo contrário! Por pouco não me pega arrumando a mesa. Vamos nos sentar, eu queria conversar com você, antes de jantar.

A convidou para sentar na sala e foi direto ao assunto.

— Então! Tenho muitas perguntas para fazer e sei que o correto seria jantarmos primeiro, para conversar depois, mas minha cabeça está à mil! O que foi que você viu em Seu Balthazar, exatamente?

Eleonor olhou as mãos, claramente pensando em como iniciar, sem assustar a mulher à sua frente.

— Como eu adiantei antes para você, tenho um dom e senti nele uma aura muito iluminada. Uma forte sensação de que ele possui dons mediúnicos em algum grau.

— Eu não entendo muito...

— Eu tive um sonho alguns dias atrás e, na época, não conseguia achar de onde estava vindo e o porquê de ter sonhado. Vou contar para você e depois me diga se faz algum sentido, está bem?

Andressa apenas assentiu, calada.

— Pois bem! Eu sonhei com uma garota ainda adolescente. Vestia um lindo vestido de renda azul e havia muitas borboletas ao seu redor. Ela parecia estar em alguma dimensão astral intermediária e parecia estar triste, chorando por algo que não conseguiu completar nesta dimensão e não tinha coragem de fazer a travessia. Ao mesmo tempo que eu a vi, surgiu um homem já idoso, com o olhar perdido e tão triste quanto ela. Este homem era o senhor que vi com meu tio hoje cedo.

— Minha nossa...

Andressa levou a mão à boca, totalmente assombrada com tudo que acabara de ouvir.

— Não és obrigada a acreditar em nada do que acabou de ouvir, Andressa. Só vim mesmo porque não poderia deixar de explicar a você, nem recusar um convite seu e... queria vê-la mais uma vez.

— Eu que agradeço por ter aceito, Eleonor. — Sorriu. — Vamos comer, antes que esfrie?

— Claro!

Durante o jantar, as duas falaram de suas vidas, amenidades e riram de algumas semelhanças de gosto. Assim que terminou, as duas já se sentiam intimas para retomar aquele assunto, sem ressalvas.

— De uma coisa eu ainda não consigo compreender, Eleonor.

— E o que seria?

— Seu Balthazar está tão velho! E a garota é apenas uma adolescente. Como pode isto?

— Minha querida amiga... Não duvide do poder do amor. Almas gêmeas podem se separar por séculos, mas voltam a se reencontrar e a chama estará sempre acesa.

Andressa a olhava, hipnotizada pelas palavras da mulher. Admirava cada detalhe de seus olhos negros e vivos, o nariz levemente arrebitado, os lábios carnudos, a pele negra e acetinada.

— É tão lindo quando acontece o amor verdadeiro, não?

— Não existe amor falso. Se foi falso, é porque nunca foi amor. — Sorriu.

— Realmente... Nunca pensei neste detalhe.

— Bom! Infelizmente preciso ir agora. Queria agradecer pelo convite e retribuir com um almoço.

— Será um prazer, Eleonor.

As duas se despediram e Andressa voltou para a sala, se jogando no sofá, com um sorriso no rosto.

Ouvia seu coração descompassado pela primeira vez...

(1732 palavras)



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