Eliza - 6
Enquanto eu observava os estudantes andando pela escola, me sentei no banco que ficava perto do gramado e me lembrei de quando conheci o Micael, foi inevitável, essa lembrança me invadiu de repente. Dentro de alguns minutos, pude jurar que estive de volta ao passado. Duas crianças inocentes e outras, nem tanto assim...
- Para! Me devolve o meus óculos! – eu gritava, com três meninos no recreio da escola.
Eu usava óculos naquela época, meu óculos era feio, ficava incrivelmente enorme para um rosto tão pequeno como o meu, tudo em mim era estranho. Minha magreza sem limites, eu não engordava de ruim mesmo, meu cabelo loiro que era super alto, meu jeito estranho e antissocial, eu era muito tímida quando menor e não me enturmava com nenhum coleguinha. A combinação perfeita de garota estranha, versão pequena.
Os três meninos eram da minha sala e sempre zombavam de mim, por ser esquisita. Nesse dia, eles pegaram o meu óculos sem a minha autorização, e eu não enxergava muito bem sem eles, eu estava desesperada e com muita vontade de chorar.
- Não vamos devolver feiosa! Você é esquisita! Imagina quando crescer – gritavam e riam, com o meu óculos em mãos.
- Por favor! Devolve o meu óculos, eu não enxergo muito bem sem ele! Eu nunca fiz nada contra vocês – choraminguei prestes a chorar. Minhas lágrimas estavam quase caindo.
- Esquisita! Esquisita! Esquisita! Não vamos devolver! – gritavam e me empurraram, acabei caindo no chão, foi nesse momento que o Micael chegou, foi me defendendo que ele acabou entrando na minha vida. Ele também era da minha sala, mas nunca tínhamos conversado apesar dele morar perto da minha casa.
- Parem com isso agora! Me da agora, esse óculos! – gritou, e foi até os meninos, conseguindo pegar o meu óculos. Em seguida, Micael caminhou até mim e o colocou em meu rosto, quando isso aconteceu, pude enxergar com mais clareza, fiquei olhando admirada para ele.
– Aqui está o seu óculos Eliza, eles nunca mais vão te fazer mais nada, porque eu não vou deixar – disse para mim e se virou para eles. – Se incomodarem a Eliza de novo, eu vou chamar e contar tudo para a professora! – ele gritou e depois disso os meninos correram para longe, fiquei sozinha com ele.
- Obrigada – agradeci ainda muito travada, lembro que ele sorriu.
– Nunca mais, vão te fazer nada de ruim, Eliza. Enquanto eu estiver por perto, vou zelar por você, vou te proteger e cuidar de você, seremos muitos amigos, agora você tem um amigo com quem contar – ele disse, na maior inocência do mundo, fiquei encantada em ver como um menino da mesma sala que eu tinha me notado, mesmo quando eu parecia ser invisível para todos os outros, ele sabia até o meu nome, tinha me defendido, naquele momento eu percebi que eu também podia ter amigos.
- Você está falando sério? – perguntei.
- Claro que sim! Não quer ser minha amiga? – ele perguntou.
- Claro que quero! – disse e foi assim que se iniciou uma forte e linda amizade, tão linda, que acabei me apaixonando por ele, mas ele não sentia o mesmo... e ficamos juntos todo esse tempo, agora que eu tinha me declarado, parecia que ele havia se esquecido de sua promessa.
Não uso mais óculos, peguei trauma, aos 14 anos, coloquei lente com o grau do meu óculos, já acostumei, no início foi ruim, aprender a colocar e a tirar, mas logo me acostumei, virando algo comum para mim. Voltei à realidade e fiquei triste em saber que o Micael estava se afastando de mim.
Na escola, um garoto se aproximou de mim e sentou do meu lado, fiquei surpresa.
- Oi, gatinha – o garoto ruivo e muito bonito, falou comigo, me olhando descaradamente.
- Oi – respondi, sem ânimo.
- Está tão tristonha, aconteceu alguma coisa? – ele perguntou, eu estava achando estranho, eu nem o conhecia, mas talvez ele só quisesse chamar a minha atenção.
- Aconteceu, mas isso não vem ao caso agora, quem é você? – perguntei, o garoto ruivo sorriu e estendeu a mão para mim.
- Prazer, eu sou o Manuel e quero muito te conhecer melhor, Eliza – ele disse de forma espontânea. O cumprimentei, Manuel beijou meu rosto educadamente, me pegando de surpresa.
– É um prazer também, mas como sabe meu nome?
- Tenho meus contatos, tenho um amigo que é amigo do Micael e esse meu amigo me falou o seu nome – ele respondeu, entregando tudo.
- Entendi...
- Você gosta dele não é?
- Oi? – perguntei dessa vez assustada. Ele estava se referindo ao Micael? Não podia ser! Como o Manuel sabia de uma coisa dessas? Sempre fiz de tudo para esconder, será que o Micael contou e a fofoca se espalhou até chegar ao Manuel?
- Você gosta do Micael – ele afirmou.
- Não!
- Não negue Eliza, eu percebo como age quando está com ele, vejo o seu olhar apaixonado e vejo que está sofrendo, pois ele não te corresponde.
Fiquei de boca aberta com o atrevimento do ruivo.
– Então, você é muito bom em observar pessoas – disse, não fazia mais questão de esconder mais nada, muito menos os meus sentimentos, se o Micael já sabia, eu não me importava mais com quem mais fosse ficar sabendo.
- Eu sabia. Mas tudo bem. Eu estou aqui para te fazer esquecer ele! – o Manuel falou, e olhei assustada para ele.
– Ah é? E como? – perguntei, tentando entendê-lo.
- Assim – ele respondeu já me puxando para um beijo roubado, o beijo foi roubado! Eu não esperava por aquilo, cada doido... um doido que beijava bem.
Enquanto nos beijávamos, escutei uma voz que eu conhecia muito bem.
– O que estão fazendo? – perguntou Micael, me desprendi do Manuel imediatamente e olhei para o Mica, que estava de pé, em frente a nós dois, e estava me olhando com um rosto super sério, como se estivesse bravo.
Olhei para o Manuel em busca de ajuda, mas só o que ele fez foi piorar a situação.
- Nos beijando! Não era nítido? – perguntou, debochando. Micael fechou os punhos.
- Cala a boca seu idiota! Vem, Eliza – ele falou em tom elevado com o Manuel e pegou no meu braço, me levando para longe do ruivo, escutei gritos do garoto, dizendo para o Mica que ele não era o meu dono, claro que o Micael ignorou.
– Onde está me levando? – perguntei.
- Quieta – ele disse com raiva em sua voz. Ele me levou para o pátio, em uma parte mais reservada.
- Por que fez isso? – perguntei.
- É você que tem que me responder isso Eliza! Por que estava beijando aquele cara? – ele gritou, fora de si, o que me surpreendeu muito, isso era ciúme? Meu plano estaria dando efeito, é? E olha que nem foi proposital.
- O que foi? Eu não posso mais beijar ninguém? Que eu saiba, sou solteira Micael, não estou entendendo toda essa raiva – disse bem calma. Ele parecia mais nervoso ainda.
- Que tipo de amor é esse que você diz sentir por mim? Sendo que acabo de te ver aos beijos com aquele idiota!
Comecei a rir, não tive como me controlar. – Para com isso Micael, já está ficando chato, se você não me ama, tem quem queira – provoquei e quando percebi, os braços dele estavam na minha cintura, o próprio me puxou para junto de seu corpo, fazendo com que nossos corpos ficassem colados um no outro, ele me olhava ferozmente. Meu coração acelerou, eu nunca estive tão próxima assim dele, eu podia sentir seu hálito.
- Está se arrumando assim para ele, é? – ele perguntou, enquanto passava a mão direita em minhas costas. Senti um arrepio ao sentir o seu toque, mas acho que ele não percebeu.
- Assim como?
- Tão... provocativa e incrivelmente... sexy – ele disse, depois de muito custo. Estremeci ao encarar seus olhos me fitando.
- Entenda como quiser. Estou me arrumando melhor porque entendi que sou linda e não preciso me humilhar para homem nenhum, pois sei que se uns não querem, outros vão querer – provoquei, ele pegou no meu rosto com urgência.
- Olha para mim Eliza, você e eu sabemos que é de mim que você gosta, então para de se comportar como uma... qualquer, pois eu sei que você não é assim, esqueceu que te conheço desde criança? Cresci com você menina, eu sei que a minha Eliza não é assim. – ele disse, com o lábio próximo ao meu. Me recompus e o empurrei.
– Eu não sou sua Eliza, eu sou apenas a sua amiga, esqueceu?
- Você é a minha Eliza sim, temos um ao outro sempre, esqueceu? Fala sério, Eliza! Você não pode estar gostando daquele cara! Dele não!
- Por que dele não? – perguntei curiosa.
- Esquece. Quer saber, fica com aquela cabeça de beterraba! – ele gritou e então saiu furioso para algum lugar do colégio, comecei a rir como louca.
Meu plano estava dando certo, sem nem ao menos eu fazer um esforço para isso, o Manuel contribuiu muito, bom, estava mais que óbvio que ele morreu de ciúmes em me ver beijando outro. Quando voltei para perto de onde eu estava, encontrei o Manuel ainda andando por ali, será que ele estava me esperando? Assim que ele me viu, correu até mim.
– Eu vi aquela ceninha ridícula de vocês dois no pátio – ele disse, em um tom provocativo.
- E quem é você para falar assim comigo? Não tenho que te dar nenhuma explicação, primeiro que foi você que me beijou de surpresa e segundo que eu nem te conheço direito – deixei bem claro a ele.
- Quem sou eu? Nos beijamos, agorinha mesmo, e você me pergunta uma coisa dessas? Não vê que o Micael só está brincando com os seus sentimentos? Ele nem gosta desse jeito de você e se acha no direito de exercer o papel do namorado traído, sendo que vocês dois nem tem nada um com o outro – ele disse, seus olhos verdes brilharam com a claridade batendo em seu rosto, percebi que ele possuía algumas sardas no rosto e o quanto ele era lindo. Tentei não reparar tanto nele.
- Por que eu? – perguntei. Eu nunca estive acostumada a ser alvo de briga de dois garotos, ainda mais tão lindos como esses dois. Ele sorriu antes de me responder.
- Porque você é a garota por quem o meu coração se apaixonou, acha isso pouco?
- Eu não acredito. Você nem me conhece, não sabe nada sobre mim, e já vem me beijando, e dizendo que está apaixonado, eu não consigo acreditar que isso seja verdade, você pode estar a fim de mim, mas apaixonado já é demais.
- Eu sei o que sinto por você Eliza e te garanto que não é apenas desejo, é um sentimento mais forte. Eu não esperava que isso acontecesse – ele disse, mantendo os olhos verdes claros fixos em mim.
- Sinto muito Manuel, eu não sinto o mesmo, desculpa – disse e saí de perto dele, olhei para trás e pude ver o quanto ele ficou abalado com o que falei e me senti péssima por ter machucado um coração, eu, mais do que ninguém sabia o quanto gostar de alguém e não ser correspondido dói, dói muito.
Mas o que eu podia fazer? Eu não gostava dele, eu nem o conhecia. O sinal tocou, não tinha encontrado a Alana, entrei na sala de aula e encontro o Micael conversando com ela, os dois são os únicos dentro da sala, de repente, o olhar do Micael se cruza com o meu e segundos depois, ele a beija.
Ele beija a Alana na minha frente e pelo o que posso ver, ela gostou, pois correspondeu muito bem. Foi horrível, foi como uma traição em dose dupla! Ele, o meu amor beijando a minha mais nova melhor amiga, a garota no qual eu achei que gostava de mim, duas pessoas importantes na minha vida.
Fiquei tão nervosa, tão machucada em ver o beijo que estavam dando, que em uma tentativa maluca de correr daquele lugar, acabei tropeçando na cadeira e caí no chão, Alana escutou e correu para me ajudar.
– Eliza! Você está bem? – ela perguntou, enquanto pegava na minha mão. A empurrei para longe de mim com força.
– Me solta sua falsa! – gritei com ela, meus olhos estavam marejados, ela me olhou sem entender.
- Por que está me tratando assim? – ela perguntou.
- Deixa de ser falsa garota! Você estava beijando o Micael! – gritei.
- Sim, mas e daí? É ele o garoto que eu saí ontem á noite, nos beijamos ontem também, algum problema? Achei que você fosse gostar, já que são tão amigos – ela disse, naturalmente.
Eu não podia acreditar no que estava ouvindo, era ele o tempo todo, era ele o cara que ela dizia que estava á fim. Eu senti muita raiva, um sentimento horrível por ela.
- Será que você é tão burra a ponto de não desconfiar de que o cara de quem eu gostava era o Micael? – gritei.
Ela olhou para ele e em seguida para mim, como se estivesse percebendo a burrada que cometeu.
- Eu não sabia! Você nunca me contou!
- E precisava Alana? Vai dizer que nunca percebeu como eu o olhava? – gritei, Micael foi até mim.
- Eliza, vamos conversar, por favor, se acalme – ele disse, tentando pegar na minha mão.
- Sai de perto de mim! Eu odeio vocês dois! Como você pode Micael? Você? O meu melhor amigo, que sabia que eu gostava de você, se aproximar justo da minha mais nova amiga? Você não pensou em mim? Não pensou o quanto eu me machucaria em descobrir que você estava ficando com ela? Por que ela Micael? Parece que fez de propósito, só para me fazer sofrer – disse em prantos, eu não estava mais aguentando aquela situação.
- Você sabia de tudo Micael? Por que se aproximou de mim, se sabia que ela gostava de você? – Alana gritou com ele.
- Eu pensei que assim, você se esqueceria de mim, Eliza! Eu não queria que você continuasse gostando desse jeito de mim, não vê como sou? Eu estou sempre machucando as garotas e olha! Machuquei você sem intenção! Eu juro que não me aproximei da Alana de propósito, foi porque ela me interessou, eu não sabia que vocês duas tinham se tornado tão amigas, assim, me desculpa, Eliza. Mas não chora mais, eu não aguento te ver sofrer – sua voz estava embargada, algumas lágrimas também desceram por seu rosto.
Limpei minhas lágrimas com força. – Eu não quero mais saber de nada, fica com ela, vocês dois se merecem – disse com muita raiva.
- Eliza! Volta aqui! Eu não sabia que você gostava dele! – escutei Alana gritar, mas eu já estava longe, não assisti a nenhuma das aulas, saí do colégio correndo, arrasada, esbarrando em todo mundo, inclusive no Manuel, não dei oportunidade para ele me perguntar qualquer coisa, eu simplesmente corri o mais rápido que pude. Por pouco não consegui sair, a mulher do portão, dona Lúcia, tentou me segurar, mas eu a empurrei, não fiz por maldade, eu só não podia mais continuar dentro daquele colégio, não no estado em que eu estava. Depois eu me entendia com a dona Lúcia. Ela entenderia, eu sei. Ver isso doeu mais do que quando a Bela se afastou e armou para mim, era diferente com a Alana, eu gostava muito dela, era a minha mais nova amiga e eu já tinha sentimentos bons por ela, doeu muito ver os dois juntos se beijando e doeu mais ao descobrir que era dele que ela falava, eu sabia que ela não fez por maldade, pelo o que percebi, ela também foi enganada, não fazia ideia de que eu gostava dele e que ele sabia disso, mesmo assim, eu não conseguia perdoar, eu não conseguia esquecer.
Isso deu tanto... por que eu tinha que me apaixonar aos 16 anos? Primeiro, a Bela, depois Micael e naquele momento, Alana, quem mais me magoaria? Eu não podia ir para casa nesse horário, minha mãe descobriria que eu matei aula, fiquei rodando pelas ruas totalmente aflita, e arrasada, meus olhos deviam estar inchados e vermelhos, mas eu não me importava... nada mais me importava. Eu só queria esquecer tudo, mas eu não conseguia.
Eu sempre senti que faltava algo na minha vida, e nunca descobri o que exatamente, desde pequena eu podia sentir um vazio, ou talvez um sentimento estranho que eu nunca consegui descrever, era um sentimento de que alguma coisa estava faltando para eu ser feliz de verdade, era como se tivesse alguma coisa muito errada na minha vida, uma coisa na qual, eu precisava descobrir para conseguir ser feliz de verdade, eu não sentia isso sempre, é raro, quando acontecia, esse sentimento chegava quando acontecia alguma coisa comigo que me deixava triste, ou quando eu estava sozinha em casa por muito tempo, eu pensei que fosse só solidão, e que era normal sentir isso, e quando eu vi os dois se beijando, esse sentimento de vazio, esse sentimento estranho de que algo estava faltando na minha vida, veio com força, veio muito pior do que antes, e além de eu estar triste, também estava com esse sentimento estranho, no qual não sabia identificar.
Fiquei até o horário que termina a escola fazendo hora na rua, depois fui embora para casa, antes que eu encontrasse com qualquer aluno de lá.
– Meu amor! Como está querida? – minha mãe perguntou, e caminhou até mim, como ela me conhecia bem, percebeu de imediato que não estava bem, nada bem.
- O que aconteceu, meu amor?- ela insistiu, eu não aguentei, comecei a chora, ela ficou acariciando meu cabelo por um tempo, sem me perguntar nada, até que eu resolvi falar.
- Mãe, está tudo errado na minha vida – choraminguei.
- Não, minha linda, não tem nem nada errado na sua vida – ela disse ainda me acariciando.
- Eu fui traída mãe! De novo, o Micael estava beijando a Alana, a minha amiga... foi traição em dose dupla, eu não aguentei ver aquilo – disse, chorando muito.
- A Alana? Tem certeza?
- Sim mãe, eu mesma vi.
- Mas foi de propósito? Ela sabia que você gostava dele? – ela perguntou.
- Não foi de propósito, ela não sabia, mas mesmo assim mãe, ela deveria ter percebido que eu gostava dele!
- Querida, não tem como a Alana saber de uma coisa dessas, se você não contou meu bem, pensa um pouquinho, ela não fez por mal – minha mãe falou, o que me deu uma certa raiva, por que ela tinha que defender ela? Era para ela estar do meu lado, eu era sua filha. Alana não era nada dela, a Alana não era sua filha, eu era.
- Está defendendo ela, mãe? – gritei, me levantando com raiva. Ela me olhou sem entender a minha atitude.
- Claro que não, filha! Eu só estou querendo te mostrar que não tem como ela saber de algo, se a pessoa não conta, eu só quero que vocês duas fiquem bem, pois eu sei que você gosta muito dela, e pelo o que vi, ela também gosta muito de você.
- Isso não é verdade, se ela gostasse de mim jamais ficaria com o Micael e perceberia isso, e quer saber, não quero mais falar com você – disse, e saí correndo para o meu quarto. Não almocei, algum tempo depois bateram na minha porta.
– Eu não quero falar com você, mãe! Me deixa quieta! – gritei ainda deitada na minha cama.
- Não é a mamãe, sou eu Eliza, o seu irmão – Théo disse.
- Eu também não quero falar com você Théo, vai embora! – gritei.
- Abre essa porta agora, Eliza! – ele gritou bem alto do lado de fora.
- Sai! Vai cuidar da sua vida! – gritei, mas ele começou a bater muito forte na porta, e empurrando, como se ele quisesse quebrar a porta.
- Para com isso idiota! Vai quebrar a porta! – gritei, com muita raiva.
- Se você não abrir, é isso o que eu vou fazer mesmo.
- Eu odeio você! – gritei, indo em direção a porta e abri para ele. Quando ele viu o estado em que me encontrava, me abraçou, mesmo contra a minha vontade.
Théo e eu vivemos brigando, sempre foi assim, mas quando não estávamos discutindo, estávamos conversando como bons irmãos, ele já me deu muitos conselhos e eu a ele, conversávamos de tudo, mas quando brigávamos, ele fazia questão de jogar na minha cara tudo o que já fiz de idiota na vida e claro, que eu também jogava na cara dele as burradas que ele já fez. Mas é normal irmãos brigarem, afinal isso não significava que não o amava, pelo contrário, ele é meu irmão e eu sempre o amei muito, eu sabia que ele também me amava, mas eu não queria ver ninguém naquele momento, e ele estava lá, me vendo naquele estado, era perceptível que eu estava na pior, por um momento, tentei me afastar dele, mas por mais que eu negasse, eu precisava do abraço dele, eu precisava de sua ajuda, dos seus conselhos e do seu amor de irmão.
- Eliza, a mamãe me contou tudo – ele disse, afagando o meu cabelo carinhosamente. Minhas lágrimas não paravam de descer.
– Por que essas coisas só acontecem comigo Théo? – perguntei com a voz rouca e ele pegou na minha mão e me levou para minha cama. Se sentou e eu deitei no colo dele. Apesar de tantas brigas, o meu irmão tinha o poder de me acalmar, sempre que eu estava triste.
- Você é muito nova ainda Eliza, só tem 16 anos, vai se apaixonar muito na vida e sofrer por várias desilusões amorosas e também vai ser muito correspondida, o Micael só é mais um cara, ele não é tão importante assim maninha, você vai conhecer outros e perceberá que o que sentia pelo Micael, era só uma paixão boba de adolescente – ele disse, como se escutar aquilo fosse me tranquilizar.
- Eu não quero outro, eu amo o Micael, será que não percebe? Estamos juntos desde sempre.
- Você não ama o Micael, você só está confusa, e acha que o ama, porque o conhece desde criança. Eliza, você tem que tentar se divertir mais, sair com outros garotos e só depois voltar e me dizer se ainda continua amando o Micael, ou se percebeu que isso, o que você está sentindo agora por ele não é amor.
- Eu não vou sair com ninguém!
- Calma! Não precisa gritar, fica calma, eu te amo muito e não gosto de te ver assim, tudo isso vai passar maninha... – ele dizia, afagando meu cabelo carinhosamente. Théo ficou me consolando por algum tempo, até que fui fechando os olhos e dormi.
Diário da Celina
(Mãe da Eliza)
2004 -7 anos de idade.
Théo havia convidado alguns coleguinhas de escola para ir brincar em nossa casa, era sábado à tarde, viriam três meninos.
Já era difícil tomar conta de duas crianças, eu já estava imaginando a bagunça que seria com esses coleguinhas do meu filho aqui em casa, seriam cinco crianças.
Eu fazia de tudo pela felicidade dos meus filhos, e o Théo já estava enchendo a minha cabeça a um tempão, pedindo para que eu deixasse que os coleguinhas dele viessem brincar.
Diferente da Eliza, o Théo sempre foi muito extrovertido, fazia amiguinhos com muita facilidade, e com a Eliza... bom, ela sempre foi mais introvertida, tímida, e quase não tinha amiguinhas. Pois era tão tímida, que não conseguia nem puxar assunto direito com as outras crianças, o que costumava me assustar.
Ela era uma criança, e crianças costumavam fazer amizades, rápido, e minha filha preferia ficar sozinha a incomodar outra criança. Eu sempre fui extrovertida, até um pouco rebelde na minha adolescência, e o Théo é a minha versão masculina quando criança. A Eliza com toda aquela timidez chegava a me preocupar, pois eu queria que ela tivesse amiga, queria que ela fosse feliz, que fosse criança.
Na verdade, o primeiro amiguinho que ela teve na infância foi o Micael, e foi só ele. Quando os dois foram crescendo, e ela completou 12 anos, ela fez amizade com a Isabela, Cole e Daniela. Até que elas tiveram aquele problema e deixaram de ser amigas aos 15 anos de idade.
E novamente, minha filha ficou sem amigas meninas, até que depois, seu futuro em relação a amizades mudou.
Eu só queria o melhor para minha menina, e por isso eu marquei uma consulta ao psicólogo para ela na infância, eu esperava que isso a ajudasse a se soltar mais, e também queria saber se tinha algo que a atrapalhava em relação a isso.
André e eu chegamos à conclusão de que um psicólogo seria bom para nossa pequena. Assim que os coleguinhas dele chegaram, foram todos correndo para o quarto do Théo, jogar vídeo-game. Eliza foi até a cozinha falar comigo.
– Mãe.
- Sim?
- O que eu faço agora? – ela perguntou.
- O que você quiser meu bem, por que não vai até o quarto do Théo e se enturma um pouquinho? – dei a ideia.
- Acho melhor não. Meninos preferem brincar com meninos – respondeu, parecia que estava triste.
- E quem te disse uma baboseira dessas?
- Eu vejo isso na escola mamãe, é assim.
Parei de lavar a louça e puxei uma cadeira, para me sentar de frente a ela.
- Mas você está na sua casa, e se quiser, pode ir ao quarto do Théo quando quiser. Eu duvido que algum coleguinha dele vá fazer alguma grosseria.
- Mas o Théo foi correndo com eles e nem ligou para mim. Esqueceu que tem uma irmã – disse ela, fazendo cara emburrada.
Ela estava com ciúmes do irmão. Eu devia esperar por isso, afinal, os dois sempre foram muito grudados, além de um irmão, Théo era seu amigo, um amigo que ela poderia contar para a vida toda, pois moravam na mesma casa e eram da mesma família, sem ele, ela ficava sozinha e triste.
- Ele não se esqueceu que tem uma irmã meu anjo, ele te ama, ama muito. Só que ele estava empolgado para brincar com os amiguinhos, e você... você tem ele todos os dias, mas é a primeira vez que os coleguinhas vieram para brincar com ele aqui, por isso ele está tão agitado.
- Quando eles vão embora?
Eu ri, e acariciei o rostinho dela. – Meu amor, eu não sei, deve demorar um pouquinho, mas eu acho que você deveria tentar se enturmar sim. Vou te perguntar algo, é uma dúvida que tenho há um tempo.
- Pode perguntar mamãe.
- Você tem alguma amiguinha na escola? Ou ainda fica sozinha no recreio? – perguntei.
Ela demorou alguns segundos para responder, como se estivesse pensando se responderia com a verdade ou não. Mas a Eliza nunca soube mentir direito, quando mentia, eu sempre percebia, algo nas feições dela e no modo como olhava, acabava a entregando.
- Eu não tenho amigos na escola mamãe. Ninguém quer conversar comigo, eu já tentei algumas vezes – disse ela.
- Mas por quê? Eles não gostam de você por qual motivo? – insisti.
- Não sei mamãe. Eu nunca fiz nada de malvado com eles, mas tem alguns meninos e algumas meninas que implicam comigo.
Arregalei os olhos assustada, com essa conversa, eu notei que eu não sabia nada do que acontecia com a minha filha na escola, e aquilo me assustou, eu não queria ser o tipo de mãe que não conhecia nada da vida do filho, não queria ser a mãe que não percebia as dificuldades que o filho passava fora de casa, eu queria ser o tipo de mãe na qual os meus dois filhos confiassem tudo.
- Como assim implicam? O que eles dizem? Pode confiar meu anjo, eu sou sua mãe e prometo que vou te ajudar. – falei, pegando na mão dela.
- Ficam rindo de mim, dizem que eu sou estranha, magricela, falam que meu cabelo é alto e me chamam de quatro olhos – confessou com os olhos marejados.
Fiquei horrorizada com o quanto algumas crianças conseguiam ser maldosas. Crianças estavam praticando bullying com outra criança, a minha filha.
- É por isso que você não quer mais usar o seu óculos? – perguntei, me dando conta naquele momento, o verdadeiro motivo da Eliza ter feito uma birra enorme por causa de um óculos.
- Sim mamãe. Eu não quero mais ser chamada de quatro olhos e... a minha visão está ficando boa, eu nem sei porque uso, devem ter se enganado, eu posso fazer o exame de novo? Talvez o meu problema no olho tenha sarado – falou toda esperançosa.
- Oh querida... eu sinto muito, eu não sabia que você passava por tudo isso na escola, você devia ter me contado antes. Eu prometo que isso vai parar, eu vou conversar com o diretor da escola, e com a professora, as coisas vão mudar, eu prometo – disse, puxando-a para meu colo, estava grandinha, mas ainda assim era a minha criança, a minha menininha.
- Eu posso fazer outro exame?
- Claro, eu vou providenciar. Eliza... e o seu irmão? Ele não vê as crianças implicando com você? – perguntei. Afinal, eles estudavam na mesma escola, como o Théo nunca viu?
- O recreio do Théo é separado do meu, mamãe, por isso ele nunca vê. E quando eu estou com ele lá, ninguém implica, só fazem isso quando estou sozinha.
- Por que nunca contou para seu irmão?
- Eu não queria que ele brigasse e se metesse em confusão.
- Se continuar acontecendo, por favor, me conte. Não tenha vergonha e nem medo, você não é a errada da história, eles que são.
- Obrigada, mamãe.
- Meu amor, não se esqueça nunca, você não é nada do que aquelas crianças falam, você é linda, maravilhosa, tem um enorme e generoso coração, é especial, e o seu cabelo não é alto, é só volumoso, e acredite em mim, esse volume te deixa linda e única. Por isso, não permita que os outros definam o que você é, tanto na aparência física, como na personalidade. Cada um tem uma beleza diferente do outro, e isso não é ser feio, é ser único.
- Obrigada, mamãe. Eu vou me lembrar – ela agradeceu e meu deu um abraço.
- Eu te amo muito – falei.
- Eu também te amo mamãe! Muito, muito mesmo! – disse ela, sorrindo.
- Vamos para o quarto do Théo? – perguntei, pegando na mão dela.
Ela riu. – Vamos sim! – ela concordou e eu fui com ela até lá, queria garantir de que ela ficaria bem com eles.
- Théo, a sua irmã pode brincar com vocês? – perguntei a ele, ele sorriu antes de responder.
- Claro que pode! Vem Eliza, vem cá jogar, quero ver se você consegue ganhar do Pedro! – gritou meu filho, animado.
Eliza correu até eles e começou a jogar, competindo com o Pedro. – Você ta perdendo pra Eliza! – debochou um menino, rindo.
- Ah fica quieto! Se não vou perder aqui.
- Vai Eliza! Você consegue vencer ele! – gritou Théo, e vi minha filha sorrindo, e eu sabia que eu poderia deixá-los brincar a vontade, deixei o quarto, avisando que eu iria preparar um bolo, estavam tão entretidos que nem me escutaram.
Sobre a implicância na escola, tudo foi resolvido quando conversei com a equipe pedagógica da escola.
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