Capítulo 18 - Rachel Grayson

“Até isso acontecer com você.
Você não sabe como me sinto, como me sinto.
Até isso acontecer com você.
Você não vai saber, não vai ser real”
Until That Happens to You — Lady Gaga.

Notas  Iniciais:
O capítulo a seguir tem gatilhos de abuso sexual. Se você for sensível sugiro que leia a partir de onde se encontra a quebra da narrativa.

Embora tivesse certa do que faria com Richard ao seu lado mais cedo, no momento que entrou na sala da sua médica com quem solicitou uma consulta, Rachel por alguns segundos pensou em desistir de tudo e orar a Deus por uma direção.

Porém lembrou-se que algo nela estava muito errado e que apenas falar com Deus não vinha adiantando, apenas tornando tudo mais pesado e difícil de lidar.

— Sei que deve estar um pouco desconfortável, mas é necessário, Rachel. Você vai ficar muito melhor agora — a senhora comentando animada recebe um olhar incerto da moça a sua frente.

Sim, ela havia agido feito louca, chorando sem motivo algum, mas dentro dela uma dor muito grande a afligia.
E não era só a sua vergonha por ser tocada, seu nojo por gostar daqueles toques tampouco a sua culpa por achar algo como ser beijada bom. Não era.

Havia mais que aquilo, porém Rachel não conseguia conformar-se com o fato de que em sua mente, ainda que estivesse tentando pensar no que seria aquela coisa que a dava tantas sensações ruins, só lhe vinha um vazio absoluto.

— Temos um psicólogo de plantão, Rachel — doutora Samantha avisa a moça que concorda depressa.

Precisava de ajuda. E só confiar em Deus não levar a lugar algum. Embora tivesse esperando um senhor de idade, deu de cara com um homem jovem e bem-vestido com um sorriso amigável no rosto.

Lendo a ficha que a doutora escreveu, enquanto Rachel sentava na maca do lado contrário do cômodo e tentar focar em outro lugar que não fosse ao pêndulo sobre a mesa do médico, a mulher já ia desistindo, quando ouviu o médico sorrir e dizer:

— Meu nome é Lucius, serei seu psicólogo… O que pode me falar sobre você, Rachel? — pergunta jogando os relatórios da médica numa lixeira.

Achando engraçado aquele gesto, riu recebendo um olhar de pouco caso do psicólogo que se pôs a enchê-la de perguntas sobre coisas bobas e simples. Em pouco tempo Rachel acabou contando a ele o motivo de sua vinda e para sua surpresa ele não apareceu julgá-la por não conseguir sentir-se bem em ser beijada ou tocada por homem algum.

— Existe alguma chance de você ter sido assediada, Rachel? — o psicólogo que pareceu ficar mais sério questionou a mesma que negou veemente.

— A uns dias atrás um grupo de garotos me perseguiu, mas não houve nada de mais grave — afirma com convicção.

Foi criada em casa tendo contatos apenas com seu pai e seu irmão mais velho. Não havia nada em suas memórias que justificassem algo tão grave como aquilo. Sempre foi uma mulher direita e vestiu-se de maneira adequada.

— O que lembra de sua infância? — Lucius muda de assunto por completo.

— Lembro de quando estava com Richard, mas o resto é muito confuso. Na verdade até meus dez anos não me vem nada em mente... — confessando pensativa desiste por fim. — Acha que posso ter algo decorrente da perda de memória? — Rae conclui desconfiada.

Sempre achou que  fosse normal aquele tipo de coisa. Alguma chance de ela ser mais errada do que já tinha notado?

— Sim. Acredito que sim, mas... Você teria algum horário disponível? — o psicólogo questionando a paciente recebe um aceno positivo. — Tenho uma amiga que poderia ajudá-la a descobrir o que houve com suas memórias perdidas... — comentou a olhando pensativo.

— Algum problema? — Grayson o interrompe recebendo um sinal negativo.

— Seus sintomas são típicos de vítimas de abuso sexual, mas para tratarmos...

— Eu já lhe disse, nunca me aconteceu nada desse gênero! Que tipo de mulher você pensa que sou? — ela reclamando com o psicólogo recebe um olhar triste do profissional.

— Uma vítima em negação — Lucius rebateu com calma a entregando um cartão. — Essa aqui é uma hipnoterapeuta que pode te ajudar a descobrir o que houve...

— Uma o quê? — Rachel pergunta confusa.
Que tipo de médico era esse? Nunca havia escutado falar antes.

De maneira mais rabuscada, o médico explicou que aquela era uma terapia que envolvia hipnose para ajudar a superar traumas.

— Eu não acho que isso seja de Deus — Grayson respondendo incerta imediatamente segura seu terço.

— Ainda sim, você quer saber o que houve de errado, certo? — insistiu deixando o papel estendido para Rae.

Embora não quisesse se início, sua curiosidade a venceu e pegou papel, tendo sua consulta encerrada e marcada para próxima semana com o mesmo psicólogo.

Saindo de lá direto para o consultório da hipnoterapeuta, Rachel tentou a todo custo se convencer que estava apenas correndo atrás de respostas. Deus não a odiaria por fazer tal coisa. Tinha certeza que não.

Após uma conversa com a profissional, levando a indicação do psicólogo consigo, Rachel se decidiu a fazer a sessão para que pudesse enfim entender o que houve.
Deitada na maca, Rachel observou o relógio a pedido da senhora de cabelos meio ruivos e meio grisalhos.

Embora fosse a senhora Josefine um tanto assustadora, por se vestir de roupas escuras, a voz calma e impessoal da mulher a desligou por alguns segundos.

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Aviso de gatilho.

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Assim que Rachel abriu os olhos se viu num corredor com portas abertas. O que a fez pensar que a hipnose de fato funcionava.

— Senhorita Grayson, o que você vê? — a voz da profissional a pergunta de lugar algum.

Sem entender onde estava, na verdade não pensando muito no que houve, motivo pelo qual havia sido levada naquele corredor, acabou por responder sem pensar duas vezes.
— Num corredor. Cheio de portas abertas...
Caminhando pelo lugar, chegou ao final do corredor onde uma porta de madeira, com cadeados encerrava as portas abertas sem fim.

— Há algo que a chame atenção aí? — Josefine continuou seu interrogatório sem levantar sua voz, quase como um sussurro.

Contando sobre a porta, recebeu a resposta que a chave mestra para abrir os cadeados estava em sua mão, o que se tornou uma verdade de forma que a moça destranca a porta, porém logo que conseguiu atravessar a tal porta viu que ela estava em seu quarto de Little Rock.

— Que estranho... — Rae comenta consigo mesma olhando ao seu redor.

Agora pequena e muito mais jovem, a Grayson estava deitada em sua cama dorsel com seu pijama de ursinhos que tanto gostava. Porém sentia a mesma angústia de mais cedo voltar.

— Rachel, onde você está?

— No meu quarto... — ela responde antes de a porta ser aberta.

Antes que pudesse se levantar, sentiu a pessoa que entrou em seu quarto tirar seu lençol de uma só vez.
Assustada, Rachel tentando se levantar é impedida pelas mãos grandes que a jogaram na cama, fazendo a mulher gritar.

— Rachel? O que está acontecendo? — Josefine perguntou sem alterar sua voz.

— Alguém entrou no meu quarto... — consegue falar antes de a pessoa a fazer deitar mais uma vez.

Desesperada, Rae tentou desvencilhar-se daquele demônio, orando a Deus para que ele desaparecesse de uma vez e a deixasse em paz.

— Rachel. Você consegue falar? — a voz calma pergunta para a, agora criança, senhorita Grayson que entre lágrimas conseguiu morder a mão que cobria sua boca para que respondesse.

— E-ele está me tocando! Para! Faz ele parar com isso! — gritando desesperada se contorce o máximo que pôde antes de o sentir colocar as mãos em suas pernas que afastou contra a vontade da criança.

Chorando em completo desespero, descreveu como pôde a situação, todos os toques e beijos que aquele monstro a dava clamando por ajuda a Deus, que parecia não ouvi-la de jeito algum.

— Eu não quero... Por favor. Para! — Rachel Grayson pediu a sombra que a ignorou por completo.

Ela não queria ser tocada. Aquele monstro era um demônio. Só podia ser um. Era preto, sem rosto, mas com mãos e muita maldade nas coisas que dizia.

Ela odiava que aquela coisa a dissesse que, “estava muito bonita na praia mais cedo”, “a sua pele mesmo naquela cor horrível era macia”, sua boca era a coisa mais doce que ele havia tocado” e principalmente as ameaças, que mataria sua mãe caso ela contasse a ela.

Odiava o fato de ser bonita e de alguma forma ter trago aquele demônio em seu quarto durante a noite. Nunca mais usaria nada que não a cobrisse por completo, pensava em seu desespero lutando o máximo que podia para tirar aquele demônio de cima de si.

Sentido os dedos dele entrarem nela, o que a causou dor de imediato, Rachel gritou o mais alto que pode, fazendo com que sua mãe fosse ao quarto ligando a luz do cômodo.

Agora com as luzes acesas, não pode conter um choro descontrolado ao ver que o tal demônio era ninguém menos que seu pai, que agora sentado na cama, a olhava sério numa ameaça velada do que aconteceria caso contasse a alguém.

Enquanto descrevia a médica, suas outras lembranças foram voltando numa enxurrada e de tantas maneiras que Rae não consegue fazer nada além de chorar.

Naquela noite ele não havia apenas a tocado de maneira nojenta, tampouco a sujado com aquela gosma que ela não entendia o que era, enquanto a obrigava a tocar nele.

Seu pai por muito pouco não a fez algo muito ruim.

— Você tem certeza que não consegue ver quem é? — Josefine pergunta a mulher que precisa de alguns minutos para se recompor e quebrar seu silêncio.

— Ele é meu pai — fala entre soluços mortificada pela descoberta que havia feito. — Eu... Eu não queria... Pedi pra que ele parasse! Mas, ele... Ele não parou.

Com medo de contar a sua mãe o que houve e ser castigada, Rachel apenas concordou com a desculpa dele que havia tido um pesadelo e só quando o sol já aparecia no céu, quando o escutou sair com o carro para seu trabalho, sai de seu quarto, que de maneira precária havia tentado impedi-lo de entrar com sua cadeira que usava na mesa de estudos.

Embora a senhora Amelie Grayson não tivesse a dito nada, nem mesmo quando viu a mancha de sangue no lençol da garota, sua mãe desceu as escadas em silêncio e ao Rachel voltar a seu quarto viu uma chave na sua mesa de cabeceira.

Chave essa que trancava seu quarto, assim como seu irmão, Jonas Elliot fazia todas as noites.
Chorando sem conseguir parar, Rachel ao acordar não se sentiu mais angustiada, até mesmo mais leve, uma vez que parte da hipnose a fez mais uma vez repetir a situação, dessa vez usando seu abajur de estrelinhas, para acertá-lo na cabeça.

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Fim do Gatilho
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— Acha que consegue ir pra casa? Se quiser, posso ligar para... — Josefine começa a falar logo sendo cortada pela paciente.

— Não. Eu só... Queria fazer uma pergunta.

— Sim? — a mulher a incentivando olha por cima da armação de seus óculos de leitura.

— Algum dia vou conseguir... Ter um relacionamento? — Rachel foi direto ao assunto sem rodeios.

— Sim querida. Você vai. Só precisa continuar com o psicólogo e vir aqui mais uma vez… Tudo bem? — a profissional responde com empatia notável.

— Fui beijada essa manhã e me senti culpada, com nojo e envergonhada. E depois eu não senti na hora, mas depois... Me senti péssima. Sempre vai ser assim? — Rae continuando a questionar faz mulher parar de escrever e olhá-la nos olhos.

— Você não teve culpa,não foi sua roupa, sua aparência, tampouco algo que tenha feito… — contou a moça segurando as mãos dela. — Se olhe naquele espelho e veja a mulher linda que você é! Você mais do que ninguém merece ser amada, querida e respeitada! — encoraja a Rae que sorri e de fato vai até o espelho.

Não se via da mesma forma que antes. Naquela sessão de hipnose algo havia mudado na mulher que agora via que seu rosto era bonito, seu olhos expressivos. Não usaria mais aquele monstro como parâmetro de coisa alguma.

Seu pai a ensinou a ser a mulher perfeita para ele, o que a fazia pensar que talvez quando se casou com uma mulher tendo dois filhos aquele fosse seu propósito desde o início.

Usar as crianças de sua mãe Amélia para suas perversidades escondendo-se sob o disfarce de pai de família religioso. E no que dependesse de Rachel não o deixaria mais controlá-la.

Que Deus a perdoasse, mas só conseguia se sentir com raiva pelo que passou. Havia o perdoado na sessão, porém jamais esqueceria o que houve. Aquele álcooltra maldito iria queimar no inferno até o fim dos dias no que dependesse dela.

— Obrigada, senhora...

— Com o tratamento que iniciamos hoje seus bloqueios vão diminuir, ainda sim, seu namorado precisa de paciência, tudo bem? Se ele não tiver minha recomendação é arrumar outro...! — sorrindo a entrega um papel com os dias que Rachel precisava vir.

Bem, ao menos não se sentia angustiada. Sua angústia deu lugar a uma ânsia de ser mais ela e menos um projeto de esposa perfeita.

Rachel Grayson não queria mais ser uma boa mulher. Ela só queria ser uma versão melhor de si mesma. E com a ajuda dos tratamentos tinha certeza que seria.

Assim que ia saindo do consultório, mexeu em sua bolsa, de lá tirou a bíblia que sempre trazia consigo com a dedicatória de seu pai, a jogando no lixo com o prendedor que usava em seu cabelo, o penteando com as mãos da mesma forma que Richard havia feito mais cedo.

Já na rua, caminhou sem rumo, apenas olhando as pessoas e os lugares até que começou a chover e Rae precisou correr para algum lugar para não se molhar mais.

Encharcada, Rachel desistiu de correr e se pôs a caminhar para um ponto de ônibus. E tão logo que chegou lá um carro parou na sua frente o que, no momento que o vidro desceu revelou ser alguém que Rae nunca havia pensado que fosse ver novamente.

— Olá? — saudou a pessoa a sua frente que sorria largamente.

O que viam de tão engraçado em seu rosto para rirem o tempo todo? Primeiro Richard e agora essa pessoa... Por que diabos ela estava sorrindo de volta?

Assentindo rapidamente, Rachel não pensou duas vezes antes de entrar no carro e aceitar a carona. Que mal haveria de fazer aquilo, não é mesmo?

Notas Finais:
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