(ato I) Cap. 02: Mexicano e asiático


Parei nos últimos degraus da escada, pude ouvir o barulho da porta se abrindo e, logo, uma mulher de cabelos escuros passou junto com Rick. Seu semblante era preocupado, desesperado. Eles pareciam em uma corrida contra o tempo, como se estivessem correndo para algo que não podiam deixar passar, e realmente, cada minuto com Carl, o garotinho que está entre a vida e a morte, é precioso.

A mulher olhou rapidamente para cima, e seus olhos se encontraram com os meus, um pedido silencioso por ajuda refletido em seu olhar. O corpo era agarrado pelo seu marido, que a guiava rapidamente para o pequeno quarto onde seu filho se encontrava lutando pela vida. Meu coração disparou; a tensão no ar era palpável e desesperadora.

Apertei meus dedos contra o pulso, sentindo minhas unhas cravarem na pele fina. Um aperto espalhou-se pelo meu peito enquanto o casal entrava no quarto, me deixando no vazio dos meus pensamentos: se aquele garoto morrer, o sangue estará nas minhas mãos... Eu nunca ao menos senti o sangue de outra pessoa além dos animais da fazenda. A minha especialidade é cuidar de animais, não de uma criança indefesa que levou um tiro que era para ter acertado um cervo.

━Ei, Greene!

Dean surgiu na minha frente, sua voz me tirando do transe em que me encontrava. Seus olhos verdes vagaram por mim com atenção, suas mãos enfiadas nos bolsos da calça, a camisa com os botões abertos e os fios castanhos, iguais às roupas, fora de ordem.

━Como você está? ━ perguntei, fugindo dos meus pensamentos melancólicos e cheios de culpa. Dean ergueu uma sobrancelha, sabendo que ele se tornou uma escapatória da minha prisão, que chamam de mente. Ele suspirou baixo e sorriu.

━Tô igual aquelas lontras: calmo, mas alerta. ━ brincou com um dar de ombros. Ergui a sobrancelha para seu jeito humorístico, mesmo no meio do caos que a fazenda vem enfrentando. Soltei uma risada com a comparação totalmente estranha. ━ E como você está? ━ a pergunta voltou com cautela, carinho e empatia. Olhei-o e sorri fracamente.

━Tô legal, só tenho que tomar um banho e tirar essa roupa. ━ mexi meu corpo levemente, olhando por onde o sangue do garotinho manchou minha camisa. ━ Então, lontra, vai comer alguma coisa.  ━ bati no seu ombro. Ele revirou os olhos com o apelido que dei a ele. ━ Tenho que tomar um banho.

━Tá bem mesmo, Belinha?

━Estou, sou uma lontra também. ━ joguei sua piada de volta, e ele riu levemente. Umedeço os lábios e subi um degrau, mas o homem permaneceu no mesmo lugar. ━ Não vai me deixar mesmo? Vou pensar que deixou de amar a Kristen e tá me amando.

━Eu não amo mais a Kristen.

━Assim como você não ama torta, né?

Deixei a piada no ar e passei a subir as escadas, deixando o homem matutando com ele mesmo e lutando contra seus lobos.

━Fica bem. ━ ouvi sua voz baixa. Não me virei para encará-lo, apenas continuei meu trajeto. Dean sabe muito bem a linha que está começando a se romper nas minhas mãos, o quão essa situação vem quebrando aos poucos a tranquilidade que a fazenda me trouxe de volta.

Enquanto me afastava, eu podia sentir um nó na garganta me sufocar. A imagem da mulher de cabelos escuros, seu olhar desesperado, ainda estava gravada em minha mente, me atormentando a cada minuto que se passava. O peso da responsabilidade me esmagava, como se o tiro tivesse escapado do cano da minha arma, como se eu tivesse mirado em um cervo e acertado o garotinho indefeso do mundo cruel que nos cerca e beira a morte a cada esquina.

Respirei fundo e me dirigi ao meu quarto, que fica no último cômodo do andar de cima. Quando passei em frente ao quarto de Beth, pude ouvir os cochichos dela e de Abigail. Puxei minha blusa para tentar esconder a mancha de sangue e me esgueirei para dentro do quarto de Beth.

━Ei, estão fazendo o quê? ━ perguntei descontraída. Abby levantou a cabeça e sorriu para mim.

━A Abby tá me falando sobre as amigas da escola dela. ━ Beth respondeu ao olhar para mim. Um sorriso doce surgiu em seus lábios, os olhos azuis tranquilos como a água de um lago. Olhei para o pequeno caderno em suas mãos; estava aberto, revelando uma das páginas com algumas palavras escritas. A caneta de pompom rosa na ponta estava entre os dedos da garota, e ela parecia inerte ao seu diário. Beth adora escrever o que sente nesse caderno. Todos os dias ela joga os pesos dos seus ombros nele: sua felicidade e sua vida. Isso a ajuda a manter a personalidade calma e serena dela.

━Depois conta para a titia aqui também. ━ falei antes de me afastar da porta. Pude ouvi-la concordando e Abby resmungando sobre eu ser a conselheira dela.

Em poucos segundos, a porta do meu quarto se fechou atrás de mim. Me encostei na porta, buscando apoio para me manter em pé. Meu peito pareceu afundar de cansaço por tudo que ocorreu nas últimas horas. Olhei para a janela; a cortina balança fracamente com a brisa fresca. O abajur ao lado do vão na parede tinha sua luz ofuscada de segundo em segundo pelo pano fino que dançava com a brisa.

Entrei no banheiro, decidida a me limpar antes de voltar a enfrentar a realidade. Meu rosto refletiu no espelho, que tinha algumas manchas pretas no vidro. Toquei meu rosto com cuidado, observando como essas horas pareceram ter sido dias passados com os olhos abertos sem dormir. Meu rosto estava abatido e cansado.

━Que saco!

Abri o chuveiro e deixei a água quente cair. Tirei minhas roupas e logo me enfiei debaixo das gotas d’água que caíam por todo meu corpo, percorrendo cada canto que precisava ser lavado. Meus músculos relaxaram instantaneamente, mas a sensação de impotência que me consumia parecia não escorrer com a água.

Enquanto lavava o sangue da blusa, minha mente vagou para as memórias da fazenda: os dias ensolarados, os animais correndo livres... Era um contraste tão grande com o pesadelo que vivíamos agora. Eu queria voltar para aquele tempo simples, onde a única preocupação era se um cavalo tinha se machucado ou se a colheita tinha sido boa.

A paz que tínhamos antes evaporou como uma gota d’água em uma frigideira quente. O mundo, mesmo com o sol queimando nossas peles, parecia estar escuro como um dia chuvoso. A terra foi coberta por sangue e desespero.

Joguei a blusa no chão com força, a mancha vermelha ainda estava grudada no tecido verde-claro. A água espalhou o que antes eu estava lutando para exterminar do tecido fino. Chutei a blusa para o canto do banheiro, sentindo meu estômago embrulhar com a visão da água avermelhada escorrendo dela. Parece que fui banhada pelo sangue do garoto, parece que a cada esfregada mais sangue surgia.

━Otis, não demore tanto.

Murmurei para a parede fria que tinha várias gotículas em sua lajota. Meus olhos se fixaram em um pequeno mosquito, enquanto minha mente fugia para tempos atrás, quando a minha única preocupação era não chegar atrasada no meu trabalho e fazer uma consulta ótima para todos os animais que eram colocados em minha ficha.

Após o banho, vesti uma camiseta e calças limpas e respirei fundo novamente, tentando reunir coragem. O cheiro do sabonete se espalhou pelo pequeno quarto rapidamente; o silêncio acompanhava o cheiro, beirando todos os móveis espalhados pelo cômodo.

Me joguei em minha cama, sentindo minhas costas relaxarem e meus músculos doerem. Apertei meus dedos no lençol fofo do colchão, minhas costas se adequando à forma certa e minha cabeça parecendo viajar a cada instante.

━Bella?

Abri os olhos em um salto, meu coração batendo fortemente dentro do peito como se fosse um prisioneiro tentando fugir de sua cela, minhas mãos apertando minha camisa como se buscassem conforto.

━Bella, sou eu.

Beth se sentou ao meu lado e tocou meus cabelos relativamente longos. Fechei os olhos e respirei aliviada, tentando fazer meu coração voltar ao ritmo normal. Senti os dedos macios de Beth tocarem meu rosto com carinho, me deixando mais calma em relação a tudo.

━O que aconteceu? Carl piorou? ━ abri os olhos e perguntei com pressa, fitando os azuis de Beth, buscando confirmação ou negação. A garota negou fracamente, os fios loiros caindo ligeiramente em frente ao seu rosto, um sorriso curto se formando nos cantos de seus lábios.

━Chegaram dois garotos do grupo do Rick. ━ deu uma pausa e suspirou. ━ Um deles está com o braço ferido, parece que está no início de uma infecção.

Levantei-me com pressa, minhas pernas quase não aguentaram o peso repentino sob elas, meu corpo girou como um carrossel em alta velocidade.

━Deixa eles confortáveis, já vou descer.

Assim que entrei na cozinha, pude ver duas pessoas desconhecidas. Seus olhos se guiaram para mim rapidamente, e pude ver que eram dois garotos. Pareciam ter a mesma idade, ou algo bem próximo disso.

Eles não podem ser irmãos, a aparência é bem diferente, posso dizer: um deles é asiático, cabelos escuros como a noite, olhos puxados e que têm uma doçura diferente, o rosto levemente avermelhado. Ele sorriu para mim, um sorriso envergonhado. Já o outro: ele tem cabelos encaracolados ━ um pouco curtos ━ olhos escuros e o rosto bem marcado. Os olhos estão fundos, cansados, e sua pele está pálida, como se todo o seu sangue tivesse sido drenado. Ele sorriu para mim, um sorriso fraco.

━Presumo que você seja o ferido aqui. ━ me aproximei com cautela. Ele sorriu levemente e assentiu, se esforçando para manter os olhos abertos. ━ Ok, de que ferimento estamos falando aqui…

━Miguel.

Respondeu bem baixinho, o sotaque na palavra já me dizia que ele não era estadunidense.

━Ok, Miguel. Vamos cuidar de você. Consegue se levantar?

Estendi a mão, mas o jovem concordou que conseguiria. Suas mãos se apoiaram no balcão de mármore, o rosto se contorcendo em dor enquanto os músculos se moviam com esforço. De relance, vi Beth passar pelo outro lado do balcão e ficar um pouco atrás do garoto.

Um grunhido escapou de seus lábios antes de suas pernas não aguentarem mais e ele ceder ao chão. A fraqueza veio tão de repente que nem eu nem seu amigo tivemos tempo de alcançá-lo. Antes que ele batesse no chão, Beth o agarrou por trás. Mesmo com uma força bem pequena, ela conseguiu evitar um impacto maior.

━Miguel, você tá bem? Eu disse pra não se esforçar tanto, seu mexicano idiota! ━ o asiático começou a ralhar incessantemente com o garoto. Estreitei os olhos diante do modo como eles se tratavam. Arrisco dizer que são namorados ou amigos bem próximos.

━Você, ajuda ele a andar.

O asiático se apressou, sem sequer questionar a ordem, passando o braço de Miguel pelos ombros enquanto o ajudava a ficar de pé novamente, embora com certa dificuldade. Miguel resmungou algo em espanhol, provavelmente um xingamento, mas não teve forças para sustentar mais palavras.

Olhei para Beth e trocamos um olhar rápido antes de caminharmos em direção à mesa de jantar, onde o asiático poderia apoiar Miguel, que a cada segundo parecia ceder mais à dor. Ele se sentou em uma cadeira com cuidado, soltando um suspiro longo e exausto. Apoiou o braço na mesa enquanto fechava os olhos com força.

Deve estar doendo pra caralho.

━Vamos precisar ver esse ferimento. ━ disse, minha voz firme, mas calma. ━ Poderiam me dizer o que causou isso?

Ele soltou uma risada baixa, como se fosse uma piada ou algo do tipo.

━Ele se cortou em uma porta de carro enferrujada. Uma horda cercou a gente, e tivemos que nos esconder. Aí aconteceu. ━ foi o asiático quem falou, com a voz carregada de preocupação. Olhei para ele com o cenho franzido pela citação de “horda”.

Miguel soltou um som de desagrado, como se o ferimento não doesse como um coice de cavalo.

━Não é nada demais.

━Nada demais, é? ━ arqueei a sobrancelha e me aproximei, apontando para o pano que estava enrolado em volta do ferimento em seu braço, que tinha uma mancha vermelha escura se espalhando lentamente pelo tecido verde-claro. ━ Acho que sua definição de “nada” é bem diferente da minha. Beth, pega o kit de primeiros socorros e traz bastante gaze. ━ a garota já estava se movimentando antes que eu terminasse a frase.

━Vou precisar tirar esse pano, ok? ━ avisei. Miguel me olhou com hesitação, o medo percorrendo sua feição jovem, mas acabou assentindo. Enquanto eu puxava o tecido ensanguentado, notei o quanto ele tremia. Quando o pano já estava todo fora de sua pele, pude enxergar um corte longo, indo do meio do antebraço até perto do pulso, bem profundo e com bordas irregulares.

━Faz quanto tempo que isso aconteceu? ━ Perguntei, pegando o antisséptico.

━Algumas horas, talvez cinco, seis. ━ murmurou o mexicano, desviando os olhos para o teto.

━Como você não está gritando de dor? ━ Beth perguntou, realmente curiosa. Não a olhei, mas sabia que seus olhos deviam estar arregalados.

━Daryl me deu alguns remédios… ━ a voz saía mais arrastada do que a de uma pessoa que acabou de acordar.

Parei o que estava fazendo e olhei para ele, franzindo a testa. ━ Quem é Daryl?

━Ele é do nosso grupo. Ele emprestou os remédios das gonorreias do irmão dele. ━ o amigo de Miguel soltou, como se fosse uma das informações mais normais do mundo.

━Hum, gonorreia, é?

━Não importa. ━ o mexicano cortou a conversa, a voz firme e mais grosseira, embora a fraqueza estivesse ali. ━ Só cuida disso.

Troquei outro olhar com Beth, tentando me conter para não apertar aquele corte e piorar a situação do moleque que eu mal conheço.

Entram na minha fazenda, gastam meus suprimentos médicos, e um deles ainda me trata mal?

━E você, Glenn, se o Daryl souber que você anda falando da bunda do irmão dele, você vai ficar sem uma.

Por ora, me concentrei no grande ferimento, de onde escorria um sangue mais escuro, misturado com pus. O corte precisava de pontos, mas a prioridade era limpar o local.

━Acha que vai conseguir conter a infecção?

Glenn perguntou depois de ficar alguns segundos em silêncio, talvez refletindo sobre as palavras do amigo.

Definitivamente. Basta ele manter o local limpo e tomar os remédios no horário certo. ━ olhei para Miguel, que agora encarava o teto, visivelmente desconfortável. ━ Isso vai doer um pouco.

Ele apenas assentiu, apertando os olhos. Comecei a limpar o ferimento, usando um antisséptico. Miguel se encolheu e soltou um grunhido de dor, enquanto o amigo se inclinava para frente, segurando a mão dele com força.

━Respira, Miguel. ━ o asiático sussurrou. ━ Você quase teve os pés arrancados pelo Daryl e não vai aguentar isso?

Olhei para eles rapidamente, surpresa pelas palavras de Glenn, que soltou uma informação tão absurda e estranha como se fosse uma piada qualquer.

Pés arrancados? Quem esse Daryl realmente é?




🥀_ O segundo capítulo veio! Eai, o que acharam?

🥀_ Eu achei um nome para chip do nosso casalzinho, vai ser Ritrix!

🥀_ Vou chamar vocês de Sparks - faíscas - acho que combina muito

🥀_ Bom, no primeiro capítulo deram a sugestão de mostrar o rosto dos personagens novos. No final de cada capítulo onde um personagem novo aparecer eu irei colocar o rostinho dele, ok?

🥀_ Vou dar uma explicadinha sobre três personagens aqui... O Dean todo mundo sabe que não é de minha autoria, eu adicionei ele na fic porque sou apaixonado nele!
O Miguel é um personagem da série mesmo! Ele aparece lá no começo lembram? Ele é do grupo Vatos.
E a Kristen é uma personagem que vai ser citada, mas provavelmente nunca vai aparecer em si na fic.

🥀_ Não esqueçam de votar e comentar, beijos!

DEAN WINCHESTER

ABIGAIL WINCHESTER

MIGUEL FERNÁNDEZ

KRISTEN GREENE

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