Capítulo 6 - Não ouça: escute-me
"É tudo preto-azulado", falou Alex certo dia. "Minha casa, quero dizer. É por isso que eu gosto mais daqui."
"Você já me disse isso", disse Thomas, olhando para a própria mão. "Várias vezes."
"Isso não torna menos verdade," argumentou Alex.
"Eu sei", concordou ele. "Só estou dizendo que eu sempre ouço o que você me diz."
"Mas eu não quero que você me ouça! " Alex disse, levemente irritado. "Eu quero que você me escute."
Thomas franziu a testa, finalmente olhando para o amigo. "E qual é a diferença?"
Alex soltou um som frustrado. "Algumas pessoas - filósofos, principalmente - dizem que outras pessoas nunca se ouvem", disse ele. "Mas eu não acho que isso seja verdade. Acho que todo mundo ouve, mas não acho que a maioria das pessoas escuta."
A carranca de Thomas se aprofundou. "Eu ainda não entendi."
"É como ..." Alex se aproximou para pegar a mão de Thomas. "Ok, quando eu digo 'pegue minha mão', você pensa em dar as mãos, certo? Não em levar minha mão para algum lugar com você. A menos que a gente vá à algum lugar de mãos dadas, mas isso é uma história diferente." Ele balançou a cabeça, a bochecha levemente corada com a última frase. "O que quero dizer é que você ouve 'segure minha mão', mas escuta 'segure minha mão'."
"Ah." Thomas fez uma pausa, pensativo. "Entendi!" Mas então ele franziu a testa novamente. "Ou pelo menos eu acho..."
Alex abriu um sorriso, achando fofa a confusão do amigo. "Bem, pelo menos você é honesto."
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"Tom, seu psiquiatra quer que você comece a tomar um novo tipo de remédio.", anunciou o doutor Paulo enquanto Thomas se sentava na poltrona marrom. O médico observou as olheiras profundas de Thomas em silêncio.
"O quê?" Thomas perguntou, incrédulo, quando escolheu uma barra pequena de chocolate da gaveta. "Mas da última vez..."
"Não é um antipsicótico dessa vez", disse o doutor Paulo. "Aquilo foi um erro, eu sei." Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo ralo. "Um erro."
"Que tipo de remédio, então?" Thomas perguntou, desembrulhando o chocolate e mordendo um pedaço pequeno.
"Lorazepam", respondeu o médico. Ele fez uma pausa. "Ativan."
Thomas franziu a testa.
"Isso não é pra ansiedade? " Ele fez uma pausa. "Eu sou ansioso? "
"Ele também trata a insônia", respondeu. "Francamente, Tom, você está começando a parecer um zumbi. Alguém que precisa de uma boa noite de sono."
Thomas deu de ombros. "Eu me sinto bem."
Doutor Paulo suspirou. "Sua mãe me contou que consegue te ouvir falando sozinho às três da manhã. Todas as noites."
Thomas abriu a boca para dizer que ele não estava falando sozinho, mas se conteve. Ele sabia exatamente o que o psicólogo diria.
"Estou bem", repete.
"Tom, eu sinceramente não acho que você está dormindo o suficiente" o doutor Paulo disse suavemente. "Você parece exausto o tempo todo. E um pouco aéreo também. Mais do que o normal."
"Estou bem."
"Eu estou dizendo isso com honestidade, Tom: é o melhor para você", o médico falou gentilmente.
Thomas o encarou. "E por que você se preocupa com o que é melhor para mim?" Ele se inclinou para frente, destemido. "Desde quando?", perguntou ele, colocando a mão na bochecha deliberadamente.
A expressão do doutor Paulo caiu.
"Tom..." ele se inclinou na direção do garoto, a expressão genuinamente arrependida. "Tom, eu sinto muito por isso."
Thomas revirou os olhos, inclinando-se para trás novamente. "Aham. Tudo bem."
O médico suspirou, esfregando os olhos. "Não há desculpas para isso." disse ele. "Mas Tom, isso é realmente para seu próprio bem." Ele pegou outro pedaço de papel e anotou algo nele. "Vou falar com seus pais e, assim que tiver a aprovação deles, vamos começar com Ativan. Tudo bem, Tom?"
"Tanto faz," Repetiu Thomas.
Doutor Paulo suspirou novamente, esfregando o anel em seu dedo esquerdo. "Ok, Tom, agora..."
"Pare com isso", interrompeu Thomas, irritado.
O médico fez uma pausa.
"Parar o quê?"
"De falar meu nome a cada maldita frase. Além disso, me chamo Thomas, não Tom."
"Todos seus documentos listam como Tom. Já conversamos sobre isso: Thomas é apenas o nome que você escolheu." Corrigiu o médico.
Thomas riu secamente. "Tanto faz. Odeio os dois"
"Por que, T... Por quê?" Ele perguntou enquanto anotava algo em sua prancheta.
"Eles são apenas um lembrete."
Doutor. Paulo levantou o olhar. "Um lembrete de quê?"
"É apenas mais um lembrete de que ninguém é realmente único", explicou Thomas. "De que ninguém é realmente especial."
Doutor Paulo colocou seu bloco de notas sobre a mesa, parecendo intrigado. "Disserte".
Thomas deu de ombros. "Sabe, há alguém lá fora chamado Tom Rodrigues. Talvez não agora, mas haverá. Talvez haja até mesmo três ao mesmo tempo, dependendo do quanto eu viver." Ele fez uma pausa, batendo no queixo. "E se realmente existem universos infinitos, existe um número infinito de Tom Rodrigues, pensando e falando exatamente as mesmas coisas que estou falando agora. Com certeza há um infinito número de mundos onde Tom Rodrigues é um encanador que faz travessuras nas horas vagas e nunca considerou outros universos, mas isso significaria que também há um número infinito de mundos que são uma réplica exata deste. E se isso for verdade, não há motivo pra alguém se sentir especial." Ele cantarolou pensativamente. "É claro que você sempre pode argumentar e dizer que não existem outros universos, mas mesmo assim ainda vai haver alguém com o seu nome no seu passado, presente ou futuro. E eu li que todo mundo tem um doppelgänger nesta Terra, embora os dois doppelgängers possam não viver ao mesmo tempo." Thomas suspirou. "Então qual é o ponto em ser único?"
Doutor Paulo o encarou por alguns momentos, sem saber muito bem o que falar. E é por isso que mudou o seu nome pra Thomas?"
O garoto riu um pouco. "Em palavras bem porcas... é. Não que faça alguma diferença querer me chamar Thomas Rodrigues ao invés de Tom. Mas pelo menos me dá a sensação de que eu tô no controle de alguma coisa."
"Definitivamente isso foi bem interessante.", disse o doutor por fim. "Com certeza pensarei muito sobre isso hoje."
Thomas apenas assentiu enquanto colocava mais um pedaço do chocolate na boca.
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