Capítulo 21

Revele seus olhos

Pergunte a si mesmo, onde está o meu reflexo?

_ You there, Aquilo

▪▪▪

Tentando lidar com a situação


Depois de muito pensar, decidi que iria fingir que não tinha ouvido nada, mas iria me afastar e agir com indiferença, pois essa é um dos melhores castigos que se pode dar a alguém. 

Não sei se ele perceberia, mas não estava ligando nem um pouco para isso. Estava me martirizando por um cara escroto e que não valia o meu sofrimento. 

Sempre dizia a mim mesma: "Você tem um dia para chorar, depois disso você tem que renascer, se reerguer!"

Ontem, segunda feira, eu chorei tudo que tinha para chorar. Não sei como não me desidratei. O resto das aulas tinham sido um inferno, tinha que ficar repetindo na minha mente "Não chore! Ele não merece nenhuma de suas lágrimas", e consegui.

Assim que bateu o sinal que anunciava o fim das aulas, saí apressadamente para não ter que conversar com ele e não dar a oportunidade  dele insistir em ir embora comigo. Andei muito rápido na hora da volta como nunca antes tinha andado. Meu coração quase saiu pela boca, mas tinha que ser forte e desmoronar apenas no silêncio confortante do meu quarto.

Cheguei em casa, fui para o quarto, para enfim poder sentir tudo que quisesse. Pensei que iria chorar o Rio Amazonas inteiro, mas não, estava me sentindo vazia, sem nenhuma matéria dentro de mim. Apenas consegui deitar em minha cama, de cabeça para baixo e olhar pro teto, completamente inerte, em estado de dormência com todas aquelas palavras indo e voltando.

" Tô esperando ela liberar" 

Burra, burra, mil vezes burra!

"É só falar de assuntos que ela gosta ou de qualquer outra coisa que ela já se empolga"

Ai que ódio dele! IDIOTAAAA!

"Também não acho ela lá essas coisas, mas salva"

Eu que não acho ele lá essas coisas mais!

— Idiota, escroto, filho de uma boa mãe! — falei em voz alta, imaginando-o em minha frente.

Apenas olhando para o teto, perdi praticamente horas de minha vida. Depois de toda choradeira, só conseguia pensar no amanhã e em como seria quando encontrasse o filho da mãe. 

Nesse dia, não consegui fazer praticamente nada, apenas pensar. Fiquei toda murcha, por dentro e por fora.

Na hora de dormir, fui até mais cedo, e por ter chorado tanto e estar tão para baixo, dormi quase instantaneamente. No mundo dos sonhos tudo era sempre melhor. Poderia passar horas e horas imaginando uma vida perfeita, onde era tudo do jeito que queria, onde as pessoas me amavam e eu era do jeito que sempre mais desejei, nele eu era feliz.

Quando acordei, a realidade me bateu novamente e sem ânimo nenhum, me levantei e me "arrumei" para escola. Na hora de me despedir da minha mãe e do meu pai, me esforcei para não deixar transparecer nada. Sempre fui boa em fingir e mentir sobre como estava, então foi fácil.

Decidi que queria ir andando para escola, fui em passos lentos que tentavam adiar o máximo toda a situação que seria desgastante e que sugaria minhas energias. Enfrentar situações difíceis sempre é complicado, porém necessário. Pensando nisso, segui em frente.

Cheguei na escola, fui ao banheiro e caminhei em direção à sala. Acho que fiquei tão pra baixo que não estava mais ligando sobre o que falaria para ele ou como iria agir com ele perto de mim. Me sentei e  fiquei lá com a mente vazia e o corpo presente.

A professora entrou, e logo atrás o bendito junto de alguns amigos e amigas, conversando e rindo. Ele passou por minha mesa, sorriu para mim e eu apenas desviei o olhar em direção a meu caderno já aberto. Senti que ele ficou me encarando, mas rapidamente seguiu em frente. 

A primeira aula transcorreu normalmente, mas quando chegou o segundo e terceiro horário que eram de português eu sabia que não seria assim. Nas aulas de português sempre tem alguns textos sentimentais, e a análise do dia era: Dom Casmurro, de Machado de Assis. 

 A professora começou a falar sobre a obra, o contexto histórico da época, os temas retratados, e nos disse que iria sortear alguns alunos para lerem trechos, que ela considerava legal e que achava que iríamos gostar também, e talvez assim ficássemos mais animados para ler o livro, então ela entregou para nós uma folha com 4 partes do romance, que eram:

1- "Sim, eu me faço de forte, mas já chorei no meu quarto, em silêncio, a porta fechada, travesseiro no rosto, chorei por dentro, sofri. Mas sabe o que tudo isso resultou; nada, é preciso aprender a crescer, viver, ser ‘gente grande’ e enfrentar os próprios problemas."

2- "Dizem por aí, mas não tenho certeza, que meu sorriso fica mais feliz quando te vejo, dizem também que meus olhos brilham, dizem também que é amor, mas isso sim é certeza."

3- "E com uma letra bem pequena, lá estava escrito no seu epitáfio: Tentou ser, não conseguiu; tentou ter, não possuiu; tentou continuar, não prosseguiu; e nessa vida de expectativas frustradas tentou até amar… Pois bem, não conseguiu, e aqui está."

4- "Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me açode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me."

Pedi baixinho milhões de vezes para que não saísse meu nome, mas parece que sempre que faço isso o destino me olha e diz: Vai ser você sim! Pior ainda era o trecho do livro que fiquei: a parte 2. E a professora abençoada era do tipo que amava dinâmicas, então ela gostava que fôssemos lá na frente, e olhando para a turma inteira,  lêssemos  em voz alta e com entonação. 

Fui a frente, me virei para turma e li:

— Dizem por aí, mas não tenho certeza, que meu sorriso fica mais feliz quando te vejo, dizem também que meus olhos brilham, dizem também que é amor, mas isso sim é certeza.

— Muito bom, Ana! Gostou do trecho?  — ela perguntou.

— Gostei sim — respondi apenas isso e fui para meu lugar. 

Em outro dia qualquer, eu falaria que gostei, que achei poético e blá blá blá, mas hoje não, hoje meu ânimo está péssimo.

— Obrigada, por ter lido! — ela agradeceu, e como resposta, apenas dei um sorriso fraco.

A próxima pessoa foi escolhida, fez o mesmo percurso e então chegou a vez do último trecho. O sorteado da vez foi o Felipe. Não gostei nenhum pouco, porque me sento na frente, logo ele ficaria de frente para mim. Quando ele se pôs de frente a mim, fiquei sem ter para onde olhar. Decidi levantar meu olhar somente quando ele começou a ler.

— Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu — ele recitou essa parte e me olhou nos olhos — Não me açode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram — dessa vez, ele leu me olhando nos olhos, tentei fazer a expressão mais indiferente o possível.

— Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca — ele contínuo recitando com aquele tom de voz rouca, meio grossa que eram músicas para meus ouvidos, mas que agora me deixavam triste depois de tudo que ouvi — Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.

Quando ele terminou de ler, ainda estava o olhando, mas assim que ele tirou seu olhar da folha e começou a me olhar novamente, desviei o olhar,  e parece que ele percebeu que havia algo de errado, porque minha cara estava péssima, aborrecida.

— Senhor Felipe, o que achou? — a professora perguntou alegremente, já que ele sempre foi participativo.

— Profundo e  incrível. Machado escrevia muito bem — ele comentou olhando para ela. 

Olhei para ele, mas assim que seus olhos se voltaram para mim, desviei o olhar para meu caderno, mas ainda  senti a intensidade de seu olhar sobre mim.

—  Compartilho da mesma opinião.  Pode ir pro seu lugar agora, obrigada! — a professora respondeu, enquanto anotava algo em seu caderno.

— Ok! — ele respondeu e se colocou a caminho de sua carteira, mas não tirou os olhos de mim em nenhum momento, enquanto estava em sua vista.

 Fiquei nervosa, nunca me dei bem com flertes, ou seja, encaradas nunca foram meu forte, me desesperava toda. Olhei para todos os lados, mexi em minhas pulseiras artesanais demonstrando meu nervosismo. 

O pior é que eu sentia que ele sabia que estava nervosa, e também sabia que ele me procuraria ainda naquele dia para me perguntar o que aconteceu. O que me restava era pedir ao universo que me ajudasse.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top