Capítulo XXVIII -
Eu estava correndo, mas não conseguia me livrar da terrível sensação de que as minhas pernas não se moviam. Algo fazia com que me sentisse pesada e cansada, no entanto eu sabia que precisava continuar fugindo.
O barulho explosivo dos tiros se faziam mais altos do que antes e os projéteis que lentamente cortavam o ar, àquela altura já impregnados com odor metálico, passavam rente ao meu corpo atingindo-o em vários lugares o que me fez cair.
Mesmo machucada eu precisava me levantar e continuar, embora eu nem mesmo me lembrasse porque ainda lutava por minha vida. Eu não merecia sequer estar viva. Não mais do que as pessoas que acabei sacrificando para chegar até ali.
Sentia que estava perdida. Não, eu realmente estava perdida e qualquer ponto que eu poderia utilizar como referência para me situar estava completamente destruído pelo bombardeio. Apenas me arrastei para os escombros buscando cobertura, estava cansada. Foi nesse momento que escutei uma voz fraca e sofrida chamar meu nome.
Olhei para todos os cantos em um primeiro instante não conseguindo enxergar nada ou ninguém por conta do fogo e da fumaça daquele cenário devastado. Reconheci a voz antes de ver a figura. Era Queen quem chamava por mim. Ela estava caída no chão alguns metros à frente e sangrando muito.
Me aproximei e delicadamente coloquei sua cabeça sobre o meu colo notando que era esse o local atingido. O ferimento dela era grave e eu não tinha ideia do que fazer para acalmá-la em meio à sua agitação e dor, mas prometi que ela ficaria bem – o que obviamente era mentira mas, de qualquer modo, seria melhor para ela.
Peguei a pequena e frágil Queen no colo e continuamos o caminho juntas. Ela estava em estado de desnutrição tão severa que mesmo machucada eu conseguia aguentar seu peso tranquilamente.
Durante todo o tempo, tentei fazer com que ela conversasse, para ter certeza que a menina ainda vivia. Entretanto, inevitavelmente, aconteceu. Não a vi partir, não senti seu último suspiro. Mas quando olhei seu rosto, a expressão que carregava era de alívio e não de sofrimento.
Simplesmente, estava falando e no instante seguinte, estava pálida e imóvel em meus braços. O que me restou foi entrar em desespero. Caí. Caímos juntas, na verdade.
As lágrimas não rolavam, pois tudo que eu sentia era ódio. Gritei, mas o som insistia em retornar para mim, como um eco numa sala vazia e completamente sem saída.
Tanto tempo se passou, que mesmo com os estrondos ao fundo, adormeci ao lado do pequeno corpo como se o velasse para garantir a passagem tranquila de sua alma. Mas para onde ela iria depois de uma vida tão curta e sofrida? Para onde iríamos todos nós?
Infelizmente, a morte é um privilégio apenas de quem parte. Para os que ficam, o suplício se estende e se arrasta. E a prova disso foi quando as nuvens escuras no céu romperam e começou a chover. E não era uma chuva comum. Uma. Duas. Três gotas depois, veio a constatação.
Era uma chuva de sangue.
E o nível daquele líquido viscoso ia aumentando de forma assustadoramente veloz. Levantei e corri mas dei de cara com uma face lisa e caí sentada no chão. Não estava mais em um cenário de guerra e sim presa em uma sala vazia. No fim, a substância começou a inundar o lugar e não levou muito para que eu estivesse me afogando nele.
Acordei com sensação de sufocamento e em meio a minha própria afobação acabei empurrando Robertta para o chão. A garota deu um grito de espanto, com certeza tinha ficado enfurecida ou no mínimo sem compreender o que se passava.
— Qual é o seu problema?
No instante em que ela gritou e exclamou o que pareceu ter sido um xingamento em sua língua, Honn e Kell também acordaram. Todos ficaram me encarando, atônitos e com a cara amassada de recém despertos.
— Por favor, me desculpem. Eu juro que não foi intencional. Apenas tive um pesadelo.
Juntei as mãos rogando a compreensão de todos. Por um momento ninguém se moveu. Então Kell colocou a mão no bolso do casaco, pegou um objeto e examinou, levantou e deixou um beijo no topo da cabeça de Honn. O objeto começou a apitar.
— Parece que não precisamos mais de despertador. Relaxa, novata. E você também, Robertta.
Ele comentou. Seus olhos escuros e espertos ainda o faziam parecer sério demais, contradizendo suas palavras descontraídas. Robertta, no entanto, colocou as mãos na cintura e olhou para ele rebatendo com arrogância.
— Relaxar? Relaxar nada. Diz isso porque não foi você quem a Lady derrubou no chão.
— Robertta, já chega! Está cedo demais para isso. Além disso, temos que pegar nossas coisas e partir para a outra Zona.
Disse Kell, enquanto ia até a pequena pia encrustada de sujeira que ficava em um canto com divisória no quartinho e em seguida jogou água no rosto. Ele realmente não parecia muito inclinado a discutir logo pela manhã.
— Quem foi que te nomeou o líder? Em primeiro lugar, vocês nem deveriam estar aqui. Já me tirou da minha cama e agora quer tirar a minha liderança nessa missão também?
— Sua liderança? — Kell virou para ela rebatendo no mesmo tom. Sua postura agora começava a se mostrar de outra forma e ele lentamente foi se aproximando dela. — Você não se lembra pelo que lutamos? Não lembra do discurso do seu próprio pai: “Ninguém acima de ninguém. Todos lado a lado”. Foi um discurso muito bonito no papel, mas na realidade parece que você está sempre "se esquecendo" disso e usando o fato de ser filha de um líder como justificativa para forçar autoridade. Já eu, faço questão de me lembrar perfeitamente...
Agora os dois estavam cara a cara. Robertta levantava a cabeça para parecer mais intimidadora, ao passo que ele só precisou baixar um pouco o olhar, pois intimidador sempre esteve. Honn resolveu apaziguar, espaçando-os o suficiente para ter como segurar firme a face de seu noivo e fazê-lo olhar em seus olhos. Ela gritou com ele até que o garoto desistisse da discussão e saísse batendo a porta, bufando e pisando alto.
- Robertta...
- Eu sei, eu sei. - Ela também saiu, batendo a porta logo atrás de si (parece que ela gosta de um drama).
Honn e eu ficamos sozinhas no quarto. As duas olhando para a porta fechada, quietas e paradas nos mesmos lugares, por pelo menos uns cinco minutos.
- O que ele quis dizer com: "podemos ser donos das nossas próprias vidas"?
Perguntei, simulando aspas com os dedos indicador e médio de cada mão, depois que o momento de tensão havia passado.
- É só o que o pai da Beta disse quando assumiu a proteção da Zona 6. O problema é que ela quer ser líder em tudo. Sempre. E nunca aceitaria que outra pessoa viesse e lhe tirasse esse posto. Por isso ela te trata mal.
- Eu não entendi. Você quer dizer que ela acha que eu vim roubar o lugar dela?
Honn balançou a cabeça, afirmando. De onde Robertta tirou essa ideia? Isso nunca passou pela minha cabeça Muito pelo contrário, inicialmente eu até queria poder resolver tudo de uma forma prática e ir para bem longe dos problemas desse lugar, sem me envolver profundamente em nada. Agora, vejo as coisas de outra forma, pois me sinto inserida na realidade guer; no entanto, nunca foi meu intuito assumir liderança alguma. Era só o que me faltava.
Deixo que meu corpo caia novamente no colchão. Repentinamente, Kell entra pela porta tão alarmado, que me faz dar um pulo, ficando de pé rapidamente.
- Robertta foi pega no mercado!
- Pega por quem?
Honn ficou espantada e já correu para a porta; vou atrás deles do jeito que estou.
- Atravessadores. Temos que ir antes que eles testem a mercadoria e passem pra frente.
Percebo a troca de olhares entre eles, era algo grave. Deduzi que "testem a mercadoria" era a expressão utilizada para dizer que antes de passarem Robertta para o outro lado da Contenção, iriam fazer alguma coisa com ela - e eu realmente ficava horrorizada só de teorizar as possibilidades.
Abrimos espaço no meio das pessoas com alguma dificuldade. Honn se agarrava ao braço de Kell, usando o corpo dele como escudo para amenizar o contato com outros corpos, no entanto, falhava miseravelmente nesta missão. Me adiantei e circundei seu corpo, protegendo-lhe a retaguarda; ao ver a minha tentativa de proteção, ela deu um sorriso tímido. Continuamos a procurar Robertta e o desespero foi começando a nos abater. O tempo não era nosso amigo e imagino que muito menos, da pobre garota feita objeto por estas pessoas inescrupulosas.
Olho por cima dos ombros das pessoas que andam à minha frente e ao meu lado, nada dela. Até tropeçar em alguma coisa que me leva a cair no chão. Dali, consigo ver Robertta, esforçando para balançar um pedaço de pau com os pés e usando a cabeça para sinalizar - já que em sua boca havia uma mordaça; entre os passos dos atravessadores, apressados para ganhar dinheiro, me arrasto até lá e a deixo livre para falar.
- Quem fez isso com você?
A garota parecia sufocada e cansada, em seu corpo haviam sinais de luta - principalmente em seu pescoço, onde se podiam ver, marcas arroxeadas que remetiam a uma tentativa de estrangulamento.
- Merce...nários.
Sua emissão saiu entrecortada e simultaneamente ao momento em que havia acabado de falar, ouvimos um baque seguido pelo som de correntes se quebrando.
- Corram!
Kell gritou para mim e para Honn, enquanto pegava Robertta no colo e se esforçava para nos acompanhar numa corrida disparada. Poucos metros atrás, um grupo se deu conta do nosso deslocamento e assim, teve início uma perseguição entre os becos apertados do mercado. Na tentativa de impedi-los de nos apanhar, voltei-me para a eles e levantei uma parede que os separou de nós; no entanto, eles pularam-na e continuaram.
Seguimos cortando as vielas, desviando dos obstáculos e de eventuais transeuntes, diversas vezes olhando para trás tomando consciência da proximidade dos nossos perseguidores. A adrenalina percorria meu corpo e eu podia sentir meu peito arfando; o cabelo balançando ao sabor da brisa...era bom me sentir assim. Entretanto, o momento evaporou como água, quando passei ao lado de Kell e senti o aperto fraco de um pedido de socorro silencioso, notei que havia sangue escorrendo pelas narinas de Robertta e seus olhos reviravam. Espantada, bradei para que o garoto parasse, sacudindo-o e fazendo com que virasse na primeira esquina para saber o que estava se passando; ela havia perdido a consciência.
Honn, que acabara de ver sua amiga apagar, dirigiu-se ao encontro dos atravessadores. Tentei impedi-la de se ferir, segurando em sua perna, mas a garota encontrava-se transtornada e arrancou numa corrida curta, tendo uma postura confrontante. Levantei e corri atrás dela, mas não cheguei a tempo de conter sua fúria. Honn deu impulso e saltou no ar, erguendo-se a alguns metros do chão e liberando toda a sua raiva contra aquelas pessoas, em forma de um ataque surpreendente. Ao tocar o chão novamente, ela conseguira aumentar de tal forma a potência de sua régia, que fez com que os corpos de todos ao redor dela fossem lançados pelos ares, indo parar somente contra a superfícies firmes das paredes ou muros mais próximos. Inclusive o meu, que foi de encontro a um poste de iluminação.
Kell olhou para sua noiva completamente boquiaberto. Honn olhou para ele e se calou, em seguida, voltou-se para mim procurando ajuda. Arregalei os olhos e, com dificuldade, caminhei até Robertta deixando para falar com ela depois. Analisei bem o seu rosto, limpei o sangue que já estava por secar, engoli o nó na garganta e falei:
- Vamos embora.
Kell recolheu-a em seus braços e deu as costas para Honn, que permanecia ajoelhada no chão. Os passos dele foram se afastando e nos deixando para trás, vagarosamente.
- Ele só ficou assustado, mas vai entender. - Estendi a mão para ela, que após um breve instante segurou e pude puxá-la para cima. Você foi muito bem!
- Foi apenas um impulso e... Robertta é minha melhor amiga.
A garota rebateu, sem muito entusiasmo.
- Fico me perguntando como você e Robertta atingiram esse nível de manipulação. Sabia que eu demorei meses para aprender o básico?
- Acontece quando você tem medo!
Sua resposta foi curta e seca e, também me deixara confusa a procurar o que aquilo significava.
- Eu não entendi. O que isso quer dizer?
- Você tem medo. E o medo te paralisa.
Tentei refletir nas palavras da garota até que sua voz voltou a ganhar destaque entre o som dos nossos passos desritmados.
- Nós já vimos muitos guers lutando, acho que isso também contribuiu.
Vi um sorriso brotar no canto de seus lábios entre uma frase e outra, embora não tenha chegado a ser grande coisa.
- Mas na verdade, Lizlee, é o seu medo quem te enfraquece e te impede de evoluir.
- E você não tem medo de perder tudo outra vez? Mesmo depois do tempo que levou para juntar os seus pedaços?
Honn não parecia feliz com as coisas que estava fazendo desde que ganhou poderes, pois infelizmente eles vieram com um fardo enorme e com muito sofrimento adicional. O seu silêncio dizia tudo.
- Depois de viver por séculos, você aprende que todas as coisas só duram pelo tempo que elas devem durar e nada mais do que isso. Isso é o que me faz não temer. Quando chegar o fim de um ciclo, eu iniciarei outro. É natural. Preciso perder algo para ganhar em dobro.
A lógica não era tão complicada, mas, mesmo assim, eu não conseguia acreditar que era possível alguém ser tão resiliente. Pensando bem, quem era para julgar a resiliência dos outros, se eu sequer fiz o processo de passar pelas fases do luto, preferi fugir ao enfrentar a realidade da perda, antes de estar verdadeiramente preparada para seguir em frente. Tudo aconteceu tão rápido e de uma única vez as peças do quebra-cabeças invadiram o meu mundo...sinto que estou lutando para montar e aceitá-las como verdade, apenas para que assim eu viva em paz. Eventualmente, estou lutando comigo mesma.
[...]
O caminho era longo demais para Kell carregar Robertta o tempo inteiro em seu colo. Temíamos que seu estado piorasse se não nos deslocássemos em velocidade razoável para atender a jovem. Acredito que os atravessadores tenham a envenenado com Flecha Dourada - os sintomas são bem semelhantes aos que apresentei - mas não sabia ao certo se avisá-los sobre isso ajudaria em alguma coisa, já que eu não sabia o procedimento que Eirie realizou quando eu fora envenenada na floresta e provavelmente, nem os outros. Mesmo assim, tentei diversas vezes, pedi que Honn tentasse estabelecer a conexão matricial - por haver vínculos entre as duas, talvez suas matrizes pudessem ter mais afinidade e assim, uma ativaria a outra, expulsando o veneno. Depois de algumas tentativas aceitei que ela não conseguiria. Retomamos o caminho, tentando não sucumbir ao frio e ao cansaço, aguentando firme pois tínhamos a vida de Robertta como nossa prioridade. Chegando a alguns quilômetros da Zona 6, me destaquei e tomei a frente, deixando os outros com Robertta e indo mais rápido para pedir ajuda. Corri pela avenida principal gritando por socorro e indo até o muro, comecei a bater na porta para que alguém abrisse. Por sorte, foi o pai de Robertta quem abriu. Tentei explicar, mas achei melhor mostrar. Levei-o até eles, à certa distância, ao ver sua filha inconsciente no colo de Kell, ele começou a correr e tomando-a em seu colo, ficou maldizendo a hora em que havia pedido que fosse até a Zona 5.
Rapidamente chegamos até a sede e subimos com a garota para o seu quarto. Quando a mãe dela percebeu nossa chegada, desprendeu-se de outros afazeres e pôs-se a querer saber o que havia de errado. Vendo do que se tratava caiu em prantos, ajoelhando-se perto da cama e segurando a mão de sua filha, acariciando. Eles não sabiam o que fazer diante da situação e eu talvez tivesse uma ideia, mas para executá-la, precisaria urgentemente encontrar Adelia. Deixei todos no quarto e desci as escadas correndo, tropeçando ao final e ganhando impulso para chegar na porta, dando de cara com Élan que acabara de chegar e apenas desviou, deixando que eu me firmasse sozinha.
- Elan, você por acaso viu a Adelia? - cocei a cabeça.
- Quem?
Engoli em seco. Havia me esquecido que tinha prometido a mim mesma não tratá-la de forma mais pessoal.
- A doutora Charper.
- Ah sim. Ela está no hotel...ahn, dois quarteirões e vira pra esquerda.
Ele explicou, bati em seu ombro retirando a neve dali - ele fez uma careta com olhar de desconfiança - e saí. Fiz como o garoto havia explicado e encontrei o hotel sem problemas. Na recepção, perguntei pela doutora e me avisaram que ela já esperava. Subi as escadas com muita pressa e de repente, parei. Não havia notado o quão estranho era o local, até chegar na parte de cima. As paredes estavam cobertas de quadros de fotos antigas e móveis bem sóbrios, escuros.
- Lizlee...
Realizo uma busca com o olhar e encontro uma porta entreaberta. Empurro-a e vejo Adelia sentada em uma pequena mesinha de três lugares. Depois, com um ruído sinistro, a porta se fecha sozinha, atrás de mim. Digo pra mim mesma que fora o vento.
- Venha até aqui!
- O que você está fazendo?
Interroguei ao me aproximar, com cuidado. Ela estava bem serena e compenetrada, diferente de quando pousamos aqui.
- Analisando umas amostras de sangue. Venha ver!
Ela fez sinal e eu apenas fui, segurando para não deixar escapar a verdadeira intenção de estar ali.
- Está vendo esse líquido escuro se expandido e contraindo?
Fiz que sim, olhando no olho do aparelho microscópico, que me dava um zoom incrível da amostra de sangue.
- São partes que de desprendem da matriz. Agora, veja o sangue de um guer comum e de um não-guer.
Ela trocou a lâmina e eu observei. Era igual ao de um guer-matriz, a única diferença era o líquido escuro, então não entendi.
- Não há diferença.
- Exato. - ela estalou os dedos como se comprovasse algo que já tinha dito antes. Uma composição sanguínea semelhante, exceto pela existência da substância liberada pela matriz no organismo. Isso é realmente fantástico!
Me afastei dela, deixando que suas observações continuassem, já que não podia perder o foco; fui até a janela lateral onde avistei uma certa movimentação e senti meu coração apertar, pensando em Robertta. Eu precisava agir rápido, mas sem deixar que Adelia percebesse o que eu estava prestes a fazer. Era por uma boa causa, ela iria entender depois que eu tivesse tempo de explicar.
- Adelia, sabe o colar que você me mostrou?
- Sei, claro. - ela respondera sem tirar os olhos do que fazia.
- Será que eu posso usá-lo para encontrar... - formulei uma mentira qualquer; o meu colar que está perdido?
Mordo os lábios e espero, aflita, pela resposta. Coloco as mãos para trás das costas, esperando disfarçar o nervossismo.
- Isso poderia dar certo. Mas eu não posso deixar que faça isso - por um segundo vi minha esperança indo por água a baixo. Você não faz ideia de como pode ser perigoso esse tipo de translado. - ela disse.
Soltei o ar que estava prendendo e voltei a me sentar. Por fora eu estava tranquila, mantendo um personagem apenas curioso. Por dentro eu estava desesperada.
- Vou na recepção pedir um quarto pra você. Tudo bem se ele for um pouco longe do meu?
- O que? - Adelia me encarou, arqueando uma sobrancelha. - Não, sem problemas.
Respondi de qualquer jeito e a vi deixar o quarto, cantarolando. Saltei da cadeira e fui à procura do objeto de meus desejos, a minha única aspiração por imediato. Revirei as roupas de Adelia no guarda-roupas, tendo como referência o último lugar onde havia visto e, quando, finalmente o achei, ainda lá no mesmo lugar, comemorei baixinho a pequena vitória. A chance de tudo dar errado era enorme, - muito mais em se tratando de mim, que acabo tornando tudo um desastre - assim como a de eu ficar presa, vagando entre os dois planos eternamente; entretanto, deixei-me ser tomada pelo impulso, fechei os olhos e apertei o colar em minhas mãos, esperando que assim, algo extraordinário acontecesse e eu flutuasse para além deste plano ou uma luz vinda de algo sobrenatural invadisse o quarto. Porém, quando abri-os novamente, eu ainda estava lá no hotel. O que mais estava faltando pra isso dar certo? Além de experiência.
- Lizlee, você acredita que a recepcionista me cobrou adiantado?
Congelo em meu lugar e nem olho para ela, que acabara de adentrar o quarto. Adelia estava a poucos metros de mim e tudo o que eu consegui fazer foi reagir da forma mais absurda que a minha mente atormentada poderia imaginar. Eu poderia apenas ter escondido o colar? Sim. Mas que emoção há nisso.
- Lizlee, devolva o meu colar!
Ela disse. Eu a olhei de lado e apenas fiz que não, bem decididamente, depois corri até a sacada e subindo na proteção, pulei. Durante a queda, que eu esperava não ter resultados piores do que uma perna quebrada; segurei a joia com toda a vontade do meu coração e gritei pela primeira pessoa que passou na cabeça.
- Mãe! Por favor, me ajuda.
De repente, tudo o que havia debaixo de mim, simplesmente sumiu e deu lugar à um campo coberto por flores – mais especificamente, flor de lis – onde caí, indo de encontro ao chão.
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