Capítulo XLI -

Mais tarde, uma pessoa veio me explicar como aquela regalia se sucederia. Esta mesma enviada fez ajustes na roupa padrão que Roddein supostamente havia feito questão que eu usasse na ocasião. Imaginei que seria justamente para ocultar todos os outros dispositivos, além da coleira, que fossem capazes de me manter inofensiva.

E na mesma noite aconteceu outra coisa. Eu estava no banheiro quando começou a gotejar e uma poça se formou no teto. Olhei para cima achando esquisito demais mesmo uma infiltração ocorrer tão rápido. Logo, a parte mais afetada veio ao chão. Eu, é claro, instintivamente levantei da privada correndo, escorreguei e tive que me segurar na maçaneta da porta para evitar a queda. Enquanto isso, uma pessoa pulou pelo buraco e aterrisou sobre os escombros do que antes fazia parte do teto. Foi vergonhoso. Até mesmo quando aquele indivíduo retirou o capuz e baixou o lenço deixando seu rosto familiar à mostra.

— Philip! — Gritei ainda assustada e tentando manter a dignidade ou o que restava dela.

— Me desculpe Liz. Não era a minha intenção. — Ele respondeu pegando o lenço e amarrando como uma venda, envergonhado.

— Como entrou aqui? — Perguntei ao sair de lá minutos depois. — Quero dizer, além do buraco no teto do banheiro.

— Eirie não te contou que eu entro e saio dos lugares sem ser visto?

Phil rebateu com um ar brincalhão na voz enquanto girava mais gelo entre seus dedos e os preparava para colocar em sua testa. Me sentei ao seu lado na cama.

— Ele disse, mas eu não levava muito a sério. Além disso, você foi visto dessa vez. — Ele riu e depois fez uma careta de dor. — E como me encontrou?

— Vi uma mulher e lembrei que você disse que a conhecia quando esteve no Palácio de Monigram.

— É a Maya. — Toquei o local na testa dele avermelhado pelo gelo e pelo inchaço. Afastei um pouco os fios do cabelo loiro cortado de modo irregular e dei uma olhada.

— Desenvolveu alguma técnica de cura? — Perguntou.

— Não. Mas controlo portais e emano eletricidade.

— Sério? Isso é incrível.

Um sorriso iluminou seu semblante. Girei o corpo, dando as costas para ele e puxei o cabelo para o lado. As pontas de seus dedos tocaram a coleira que em resposta liberou uma carga fraca.

— Mas Roddein tirou isso de mim.

— Sinto muito. — Ele segurou em meus braços com suas mãos frias e ásperas.

— Não sinta, pois eu vou recuperar e impedir essa tal de unificação.

— Você? — Questinou.

— Tudo bem, nós. Nós impediremos a unificação. Satisfeito?

Deixei meu corpo cair sobre a cama. Ele suspirou e também se jogou nela.

— O que não daríamos para ter uma vida diferente?

— Uma vida diferente e grandes chances de nunca conhecermos um ao outro.

— Será que eu posso sonhar com uma realidade onde poderíamos participar da vida um do outro como pessoas normais fariam? — Phil parou e ficou sério, mas não por muito tempo.

— Sabia que é muito fácil gostar de você? — Exclamei para ele que me devolveu um sorriso sincero.

— Mesmo quando quase te matei de susto no banheiro?

— É, menos naquela hora. Nunca mais faço aquilo. — Fiz uma careta pela lembrança vergonhosa enquanto ele ria sem parar.

— Vem comigo.

— Não posso. Fui convidada para jantar com Roddein. — Suspirei pouco animada. Ele pareceu refletir e logo exclamou.

— Então estarei lá. Planeja fazer algo?

— Não esta noite.

— De qualquer modo ficarei atento.

Acenei positivamente com a cabeça, me sentei e o acompanhei com os olhos ao se levantar da cama e me estender a mão. Rapidamente consertei a postura e a apertei, me despedindo por enquanto.

— Nos encontramos lá.


Devidamente vestida com a túnica, fui conduzida pelos impressionantes corredores esculpidos em pedra safira do chão ao teto. À minha frente e na retaguarda haviam quatro acompanhantes e assim como eu, todos usavam vermelho e andavam calados, no entanto, destoavam de mim pela postura perfeita e rígida com que o faziam. Uma porta enorme à nossa frente me fez deduzir que havíamos chegado. Outros dois, como os que iam comigo, abriram-nas e revelaram uma ampla sala de jantar com móveis luxuosos em perfeita disposição, ostentando bom gosto, opulência, beleza e uma mesa completamente composta e digna de um banquete para receber diversos convidados. Mas éramos apenas ela e eu.

— Fique à vontade, senhorita!

Olhei para trás e tive uma surpresa ao notar Phil passando ao meu lado e puxando uma cadeira para mim.

— Meu Deus, é você? — Sussurrei para ele que piscou e se retirou.

— Minha convidada de honra esperou muito?

A voz dela soou como um estalo em meus tímpanos.

— Eu ainda não entendi o meu papel na nova ordem mundial que deseja implantar. Mas espero que esta reunião sirva para me deixar a par do plano.

— Não sou de dar rodeios e sei que é mais esperta do que os meus seguidores mais fiéis, por isso irei direto ao ponto. Mas antes, sirvam minha convidada.

Roddein, em seu vestido branco leve que provocava um belo contraste com sua pele e todo o ouro e safiras das joias que portava, estava ainda mais linda agora. A noite parecia ter dado um brilho especial, inebriante à ela. Inquieta em meu lugar, provei o conteúdo da taça.

— Você dizia? — Questionei antes que ela pudesse mudar o rumo da conversa.

— Não foi por acaso minha mudança de estratégia com você. Fiz uma impressionante descoberta durante os experimentos.

— E do que se trata? — Fingi desinteresse ao focar no que estavam me servindo.

— Se trata da origem de suas habilidades e de como serão uma peça importante para o que você mesma chamou de "nova ordem mundial".

Engoli em seco. Tive de tomar mais um gole do vinho para disfarçar o desconforto.

— Me acompanha? Quero te mostrar uma coisa.

Roddein se levantou e seu séquito veio atrás em fileira. Deixei tudo como e onde estava e fui com ela. Estávamos deixando a sala. Tratei de não questionar. Caminhamos por alguns minutos pelos jardins e descemos as escadas. Um calafrio percorreu minha espinha ao entrarmos em um enorme e amplo ambiente, arredondado como uma arena, repleto de pessoas vestidas com o vermelho padrão e extremamente quietas. Ao centro, havia uma espécie de altar, que era basicamente um círculo menor elevado, com escadas de pedra que levavam ao topo. Haviam inscrições desconhecidas por todos os lados. Roddein subiu as escadas no centro da arena e eu, relutante, a segui até estarmos dentro de um triângulo grande e dourado no chão. Minhas mãos soavam frio, comecei a respirar mais rápido e pesado.

— O futuro que idealizamos é lindo,  mas exige sacrifícios.

Ao fim dessas palavras ouvi passos e som de correntes. Olhei para os lados e vi as entradas laterais que davam acesso ao nível abaixo da arena se abrindo. De um lado, encoleirados e acompanhados por seguidores de Roddein, subiram Maya, Peter e Kell. Pelo outro, Alexandra e Brandon. Por último foram trazidos Eirie, Robertta, Honn e, para a surpresa de todos, uma versão cadavérica de Sthan acompanhado pelos próprios pais que aparentemente também faziam parte daquela loucura.

— Eis os sacrifícios! Os descendentes de três raças com sangue dos seres de três dimensões distintas as quais buscamos tornar uma só. Como ordena o deus Kronzo, apresentamos os quatro elementais, os três humanos e os dois hanues.

Roddein levantou a voz apontando os que entravam e eram obrigados a se posicionar nas pontas do triângulo dentro de jaulas do mesmo formato e se dirigindo a todos na arquibancada.

— E para selar este pacto, eu, em nome de todos neste Templo, invoco a deusa Koresa.

Neste momento um raio caiu do céu e me atingiu em cheio, mas ao invés de ser eletrocutada como normalmente aconteceria, – e como eu mesma esperava – tive meu corpo totalmente energizado e a eletricidade foi repartida em ramificações que se interligaram às pontas do triângulo. Tudo ficou ofuscado. Eu fechava e abria os olhos e nada mudava. Tudo o que conseguia fazer era escutar uma voz dizendo "Lute! Lute, agora!". Ela latejava dentro da minha cabeça, como algo querendo sair e tomar forma.

Não contava que ia conseguir tão rápido, mas quando reabri os olhos – depois de fazê-lo tantas vezes – estava em cima de uma mesa com quatro pessoas me encarando. Um deles mantinha um punhal numa mão e protegia uma garota atrás de si, outro tinha fogo cobrindo-lhe ambos os braços e ainda uma terceira estava com duas beterrabas pronta pra atirá-las em mim.

— Eu vim em paz! — Gritei e ergui os braços, me rendendo. — Eu me chamo Lizlee, e por favor, abaixe as beterrabas.

— Garota do futuro? — Uma figura conhecida apareceu bem na hora entrando pela porta da frente.

— Olá, Lumina.

— Conhece ela? — O garoto com o punhal o apontou na minha direção.

— É a menina com quem conversamos na intersecção. Lembra Eadios?

O garoto jogou no chão todos os sacos – aparentemente pesados – que carregava sozinho e suspirou.

— Lembro. Como chegou aqui? — Questionou sério.

— Acho que sei o caminho para a minha casa. Espera! É a casa de vocês? — Todos responderam "sim" em uníssono. — Em que ano eu estou?

— 2028. — Rebateu Lumina.

— Será que ela é PAQ? — Disse um menino de aproximadamente 14 anos que surgiu em pleno o ar onde não estava antes.

— Não faço ideia do que seja isso. Estou aqui porque o futuro precisa de ajuda e se vocês tem poderes como a Lumina e Eadios, talvez sejam o que procuro.

— Desça da mesa. — Eadios ordenou.

— Eadios, não...

— Sou eu quem dá as ordens. Seu dever é acatar, Jamser.

Os dois se encararam duramente até Jamser ceder e as chamas desaparecerem em sua pele. Lumina abriu espaço entre os dois e veio até mim.

— Então já que somos todos amigos, gente essa é a Lizlee. Lizlee, no punhal temos Rafael. Aquela atrás dele tremendo como um pinscher raivoso, é a Maria. O cara gato, porém incendiário, é o Jamser, mas acho que você já escutou. E no comando de um provável ataque com beterrabas, temos Allegra.

— Olá!? — Acenei com a mão, ninguém correspondeu.

— O que faz aqui? — Indagou Eadios.

— Estou procurando uma coisa chamada Pêndulo.

— O Conselho de Anguirs procurava a mesma coisa quando ordenou a vinda da Operação Qarssoniana para a Terra. — Jamser retrucou.

Os olhos grandes e ávidos de curiosidade do garotinho correram por quase todos ali esperando mais informações e eu estava tão perdida quanto ele neste assunto.

— Isso quer dizer que temos uma missão. — Eadios exclamou tranquilamente e Jamser concordou.

— Sem discurso encorajador? Credo, que decadência.

Lumina reclamou enquanto se unia aos outros que iam deixando o cômodo para se preparar. Fiquei sozinha com o garoto.

— Eu me chamo Latoria. Como é o futuro? Os carros realmente voam? Controlamos todas as coisas com a mente?

— Para de encher a garota com perguntas, temos trabalho a fazer. — Jamser lançou uma bolsa para o menino que fez uma careta. — Retire essa kicre-crode dela.

— Kicre-crode?

Latoria tratou de pegar alguns utensílios e com um sorrisinho no rosto subiu em cima de um banquinho para ver melhor. Para minha surpresa em menos de 2 minutos o garotinho tinha me livrado da coleira que fez o exato som "kicre-crode" e caiu no chão. Os outros também se apressaram para enfrentar o que viria mesmo sem saber ao certo o que seria. Fomos todos para o lado de fora da casa. Eadios me instruiu a ir na frente e me explicou que para este tipo de deslocamento, realizados através dos portais, era preciso visualizar o ponto de chegada, entretanto, eu era a única ali que já havia estado no Templo. No entanto, ele revelou que os portais deixavam uma espécie de "rastro" que durava alguns minutos após o fechamento e eles o utilizariam. Antes da partida, Maria me entregou duas adagas pretas afiadas como quem alertava "Você vai precisar". Eu as guardei escondidas em minha túnica e, logo em seguida, deixei-me ir. Meu corpo simplesmente foi desbotando no meio deles até desaparecer e em um lampejo estava de volta ao triângulo. 

— Conseguiu ir muito longe, querida? — Sibilou Roddein.

— Longe o suficiente.

Atrás de mim materializaram-se Eadios, Lumina, Jamser, Maria, Rafael, Allegra e até Latoria com suas armas em mãos e em posição.

— Amora? — Eadios ameaçou dar um passo e todos na arquibancada se colocaram a postos também com armas de todos os tipos contra nós.

— Não sou mais sua doce Amora. Eu sou Kronzo, o deus do caos e da destruição. E você, Koresa, me devolverá o mundo que é meu por direito. — Ela apontava para mim enquanto falava.

"Deixe-me falar", disse a voz em minha cabeça. Abri a boca mas não eram as minhas palavras saindo.

— Lembre-se: "Onde estiveres eu estarei, portanto, estarão também os que creem em mim."

— Olhe ao seu redor!

Roddein se aproximou de Maya e de Peter, imediatamente notei que devagar uma substância escura começou a escorrer por seus pulsos e ao fim se constituiu em uma espada, a qual ela apontou para as costas de Peter.

— Deixe-os em paz! — Berrei, como se fosse fazê-la parar, mas dessa vez era eu mesma.

— Mesmo depois de terem te conduzido para as minhas mãos? Você e esses mortais não tem a menor chance.

Com um sorriso maléfico escancarado nos lábios, Roddein transpassou a espada em Peter e isso fez com que todo o seu corpo se desintegrasse em uma nuvem preta de fumaça e em seguida, como se não bastasse, separou a cabeça de Maya e resto do corpo.

Por um tempo fiquei paralisada, com os joelhos pressionados contra as pedras e as lágrimas rolando em minha face. Não consegui gritar embora meu coração batesse mais alto do que eu conseguiria fazê-lo.

— Rendam-se ao meu poder!

— Podemos estar em menor número, mas isto não nos impede de tentar.

Exclamou Maria que, munida de seu arco, atirou uma flecha que ao fazer seu caminho até nossa oponente, passou pouco acima de meu ombro e se desintegrou a centímetros de atingi-la bem no coração. Escutei a ordem de ataque proferida por Roddein e deslizei as adagas pretas de minha manga prestes a atacar a mulher que estava muito próxima a mim quando a mesma saltou para trás e lançou em meu rosto uma fumaça densa e preta que escapava entre seus dedos. À minha volta ouvi que os outros começaram a travar a batalha mas não conseguia vê-los devido o efeito cegante da fumaça. De repente recebi um chute no estômago, me curvei de dor e assim recebi um segundo golpe, dessa vez nas costas.

— Levante-se Koresa.

Roddein cravou suas unhas de ferro em minha cabeça e a levantou apenas para batê-la no chão com força em seguida. Um riso de escárnio saiu de seus lábios enquanto sangue jorrou dos meus. Limpei-o na manga da túnica e virei de barriga para cima cravando as duas adagas em seu peito ao mesmo tempo. Roddein liberou um grito de dor e caiu para trás. Parti para cima dela, mesmo sem enxergar, tateei seu corpo em busca das armas e puxei-as apenas a tempo de senti-la se dissipando em fumaça preta.

— Que retorne a luz! — Senti tocarem em minhas pálpebras e voltei a enxergar. Lumina estava agachada na minha frente. — Liberte os outros, eu te cubro.

Corremos para a primeira jaula instalada em uma das pontas do triângulo. Dentro dela estavam Alexandra e Brandon.

— Vocês estão bem?

— Estaremos melhores quando socarmos a cara desse tal de Kronzo. — Rebateu Brandon. Ele parecia exausto e também furioso.

— Lumina! — Gritei em meio a todo o barulho. — Precisamos de Latoria.

A garota de cabelos rosas retirou do bolso um aparelho que cabia na palma de sua mão direita.

— Latoria, siga meu sinal. Câmbio.

Simultaneamente, com a mão esquerda, lançou uma esfera para o alto que a certa altura explodiu irradiando luz num raio de tamanho considerável. Em menos de um minuto o adolescente surgiu diante de nós duas.

— Ajude Lizlee com as jaulas e as kicre-crode.

E dizendo isto ela deu um pulo nas costas de uma mulher levando-as ao chão. Rápida e habilidosamente o garoto foi abrindo a cela. Suas mãos trabalhavam com maestria. Eu cuidava para que ninguém se aproximasse e atrapalhasse. Em pouco tempo os dois irmãos feiticeiros estavam livres de suas coleiras e suas habilidades foram retornando com força. Ambos partiram ao ataque.

— Latoria, a próxima cela!

Corremos para lá saltando alguns corpos pelo centro da arena, eu protegia o garoto como podia de ataques endereçados ou não a impedi-lo, mas deixava passar alguns. Latoria conseguira chegar à jaula com os elementais, quando fui agarrada pela cintura e derrubada escada à baixo junto com quem havia me atingido. Antes que me recuperar o homem partiu para cima de mim com as mãos em volta do meu pescoço colocando uma nova coleira nele. O empurrei com as pernas mas já era tarde. Urrei como um animal selvagem quando descargas de alta voltagem foram liberadas fazendo meu corpo se contorcer.

— Prove do seu próprio veneno seu desgraçado.

Observei Robertta pulando em cima do homem e prendendo nele uma coleira nele fazendo-o cair já convulsionando. Por fim, com menos rapidez do que Latoria, ela me soltou.

— Cansou?

— Eu não. E você? — Retruquei, embora quase não me aguentasse sobre minhas próprias pernas.

— Eu não me canso nunca. — Robertta deu um salto no ar girando o corpo em espiral e pousando na parte de cima de volta. — Vê se toma cuidado porque eu estarei ocupada demais para te salvar.

— Pode deixar.

Tomei impulso, pulei e pousei ao lado dela. Corremos juntas e nos separamos no meio dos combatentes. Acima de mim Honn voava como uma ave dando rasantes derrubando seguidores de Roddein e desviando das armas inimigas. Do lado oposto uma explosão me desestabilizou um pouco, muitos gritos, correria e do meio das chamas Eirie ressurgiu lutando. Invoquei os ventos em direções opostas levantando a mim mesma e depois os redirecionei para baixo com alta pressão que atirou várias pessoas pelos ares. Lá de cima localizei Latoria subindo as arquibancadas em perigo, haviam colocado uma coleira nele portanto seus poderes estavam enfraquecidos e não tinha ninguém por perto para protegê-lo. Me desloquei com velocidade estendendo as mãos na direção da construção e movimentando as mãos para trás e para baixo fiz com que desmoronasse, por sorte o garoto era esperto e ágil, conseguiu safar-se da queda. Quando parecíamos ter reduzido bastante o número de inimigos um verdadeiro exército começou a emergir vindo do andar de baixo.

— Esquadrão! — Era a voz de Eadios convocando.

De cima vi Maria dar a última flechada e correr na direção de Rafael que estancava um sangramento no ombro. Lumina e Allegra, ambas ensaguentadas, também foram se reunir com estes. Varri a extensão da arena e encontrei Jamser próximo à Eirie se escondendo atrás de escombros, os dois sendo cercados por soldados sem qualquer identificação. Voltei os olhos para Latoria e notei a chegada de Phil portando dois arpões de gelo, fiquei mais tranquila para realizar um movimento arriscado.

— Reconhece este exército? — Aterrisei no meio deles.

— Pelo visto tem mais gente interessada na unificação do que imaginávamos. — Rebateu Eirie recuperando o fôlego e girando para atirar flechas certamente improvisadas em meio a batalha por sua aparência retorcida com diferentes tipos metais.

— Temos que atraí-los até o Esquadrão. — Sinalizou Jamser para que o seguíssemos.

Movimentei as mãos de dentro para fora, invoquei um portal para o qual pulamos e em seguida caímos a alguns metros de onde se localizava o Esquadrão.

— Maria!

Chamou Jamser de onde estávamos. Ela correu e deslizando por baixo de um seguidor, dando lhe uma rasteira, conseguiu se desvencilhar e chegou até nós. Enquanto acompanhávamos seus movimentos Jamser fez surgir um círculo de fogo no chão com inscrições e símbolos. Do primeiro círculo outros círculos menores foram se originando e começaram a girar em volta de nós três se afastando e voltando ao centro, como em uma dança, obrigando-nos a ficar bem próximos uns dos outros de modo que cheguei a trombar de costas nos dois. Olhei Eirie de soslaio e entrelacei meus dedos com os dele ficando de mãos dadas. Finalmente Maria atravessou as chamas que serpenteavam pelo chão.

— Deixem que se aproximem mais! — Ela gritou.

Jamser tocou o chão com ambas as mãos espalmadas e, as ergueu também juntas, abrindo os braços. Na palma de suas mãos haviam pequenos círculos de fogo desenhados como brasas em sua pele. Com o movimento realizado, outros círculos, idênticos àquele, surgiram em três pontos: em torno do Esquadrão, em torno de Phil e Latoria e também de Robertta, Kell, Alexandra e Brandon.

— Achou que era a única com adoradores, Koresa?— Roddein, ou melhor, Kronzo, retornou escurecendo tudo ao seu redor deixando baixa a nossa visibilidade.

— Agora! — Jamser deu a ordem e, pela luz do fogo, observamos Maria cravar sua adaga no círculo menor o que provocou uma enorme explosão. 

— Tudo bem com vocês? — Jamser se dirigiu a nós erguendo a voz por causa do barulho e tocando em nossos ombros após o ocorrido. 

— Sim. — Garantiu Eirie.

— Por que não fez isso antes? — Rebati.

A voz de Koresa retumbava dentro de mim dizendo "Kronzo está aqui. Ative o Pêndulo! Ative-o e me dê vazão."

— Tem certeza disso?

— Com quem você está falando? — Maria questionou e eu a vi bem na minha frente com a expressão confusa.

— Não faça isso, eu imploro!

— Meu amado Morkereth, é a única saída. Essas pessoas são fortes e corajosas mas não são páreo para Kronzo. Só eu tenho poder para fazer o que deve ser feito.

Minhas mãos tocaram o rosto de Eirie mesmo que, de alguma forma, estivesse sendo tomada por uma certeza crescente de que aquele não era o garoto que eu conhecia.

— A forma humana dessa garota não suportará conter vocês dois.

— Espera, o quê? — Eadios chegou se intrometendo.

— Esta garota é mais forte do que pensam. E ela não lutará sozinha, pois, está comigo.

Era como assistir outra pessoa interagindo através de mim. Tudo ao nosso redor tremeu e ameaçou desabar anunciando a chegada de Kronzo.

— Fujam antes que seja tarde! E Morkereth, proteja-os.

— Acharam que seria fácil me derrotar? — Vociferou Kronzo em meio às chamas com fúria, no entanto, ainda se recuperando. — Eu sou um deus!

Kronzo lançou suas trevas em nossa direção. A esta altura eu esperava que os outros estivessem longe o bastante para não serem atingidos. De repente senti meu corpo se elevar e, controlada pela força avassaladora da deusa Koresa, dei um rasante como uma águia em direção a Kronzo com o corpo inteiro brilhando feito o sol. O impacto foi estrondoso e destrutivo como uma bomba, atirando meu corpo pelos ares e fazendo com que tudo desabasse em cima de mim de uma só vez num raio menos amplo e, por efeito colateral, começasse a ruir gradativamente ao redor. Em breve todo o Templo de Roddein estaria em escombros. Mas Kronzo parecia determinado a se vingar de Koresa e como um animal voraz e sem escrúpulos me farejou em meio as ruínas somente para me surrar afundando o chão com tantos golpes, até que eu não conseguisse mais. Tudo o que eu conseguia pensar era se Koresa reagiria ou não antes que eu morrese.

— Vamos Koresa! Revide! Revide!

— A sua sombra sobrevive às custas da minha luz. — Koresa exclamou através de mim. Havia sangue em minha boca. — Não pode me destruir e sabe disso.

— Não posso te destruir mas posso te aprisionar outra vez.

— Não se eu fizer isso primeiro. — Cuspi o sangue na cara de Roddein.

Senti uma dor excruciante que parecia querer partir cada parte do meu corpo ao meio. Era insuportável. Insuportável ao ponto de me fazer acreditar que estava chorando mas não eram lágrimas normais e sim lágrimas de sangue. Sangue saindo por meus olhos, por minhas narinas e orelhas. Kronzo também estava sofrendo, isso eu podia ver. Apesar de relutar e tentar se agarrar àquela realidade palpável a escuridão dele começou a abandonar Roddein e foi se fundindi ao meu corpo, entranhando em minhas células de luz e invadindo o sangue em minhas veias, percorrendo-as velozmente até atingir meu coração. Eu urrava implorando para que aquilo acabasse e me arrastava por cima das ruínas cravando minhas unhas em qualquer coisa sólida nos escombros buscando algo perdido em mim mesma, entretanto, quanto mais dor sentia, mais forte eu ficava e assim até as pedras se partiam ao meio. O pulsar vivificante do meu coração e o pulsar pensante da minha mente não mais resistiram, ambos pararam, tal qual o mundo que me cercava. O mesmo mundo em que deixava toda a minha breve existência. Meu pequeno e insignificante legado.

E enfim, era o fim. O meu fim.










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