Capítulo XII -


Meus pés estavam em chamas. E quando digo isso, literalmente, estava me referindo a fogo. Se criava a partir de mim, como se eu fosse a própria chama. Ele se alastrava por cada centímetro do meu corpo, me tomando por inteira. Até a minha alma estava sendo incendiada, porém, era um fogo diferente. Ardia em uma intenção destrutiva, de dentro para fora e sequer me afetava. Na verdade, me fazia sentir viva e poderosa. Eu quase não me reconhecia. Estava diferente. Estava com raiva. Raiva por me sentir presa e por saber que havia me permitido ser presa. E por mais que eu tentasse encontrar um fim naquilo tudo, estava sempre dando voltas e retornando ao ponto de partida. Como em um labirinto.

A voz em minha mente gritava "Ele está dominando você. Não pode deixar que ele te domine". Novamente olhei para trás e dessa vez parei de fugir. Olhei ao redor expandindo meu campo de visão. E então uma figura surgiu e se aproximou, com aqueles olhos verdes esmeralda brilhando e me fazendo sentir segura e tranquila em meio ao labirinto. Mas, bem como surgiu, a sensação desapareceu. As nuvens nublaram os céus. O fogo se apagou. E os olhos verdes e puros, antes acolhedores, se tornando frios e maldosos, cravaram-se em mim com ódio. Não conseguia me mover – e eu juro que queria – pois o chão se abriu e eu estava caindo. Caindo em um estado de escuridão profunda. De inconsciência.



Não pude conter o grito. Acordei sobressaltada, ofegante e suando frio. Eirie, que já estava acordado – ou talvez nem tenha dormido – virou o rosto na direção da caverna em que eu me encontrava.

— Vejo que dormiu bem.

O ignorei com seu sarcasmo, enquanto passava a mão pelo cabelo, trazendo para o lado e massageando meu pescoço que doía por causa do chão duro. Havia algo de estranho em meu braço, quase na altura do ombro. Algo que antes eu não conseguira perceber. Reparei bem naquele corte e nas cascas que já estavam se soltando e recordei que antes de cair de uma altura consideravelmente grande, fui atingida por uma lança. Não era uma ferida profunda e também não me afetava muito – a julgar pelo fato de que passei um dia inteiro sem nem perceber que ela estava ali. Na verdade, não fora o ferimento que me chamou a atenção, mas sim o fato dele já estar bem cicatrizado tal qual o machucado do outro dia em minha nuca. Mentalmente me questionei se seria possível o tal chá de Chwikssa ainda estar fazendo efeito.

Eirie não estava perto de mim, o que me deixou mais tranquila, mas infelizmente ainda estava acorrentada sem poder ir muito longe. E então levantei e fui até o pequeno lago, joguei água no meu rosto pálido e também aproveitei para tomar um pouco, utilizando as mãos em posição de concha agora que não haviam as luvas ao redor delas. Depois me dirigi à saída da caverna para sentir um pouco da aconchegante luz do sol antes que eu o detestasse por deixar a floresta mais quente e dificultar as minhas condições enquanto caminhasse sob a vigília daquele jovem pouco confiável.

— E então, alguma nova movimentação?

— Não os vejo, mas consigo sentir a vibração. Eles estão montando alguma espécie de instalação militar.

Andei até ele que se encontrava na abertura da caverna sentado em uma pedra, de costas para mim, com os olhos fechados como se aquilo o ajudasse a evitar as distrações, então fez uma careta por ouvir as minhas correntes se arrastando pelo chão.

— Como é isso?

Indaguei, curiosa por saber se e como ele era capaz de sentir a longa distância os elementos sendo regidos.

— É a Matriz. Ela me... ela nos possibilita fazer certas coisas que os Guers Comuns não podem fazer — ele fez uma pausa e eu olhei para seu rosto, notando pequenas olheiras se formando abaixo de seus olhos — e sentir coisas que eles não podem sentir.

— Isso significa que eu também poderei senti-los algum dia?

Eirie nem se deu ao trabalho de olhar para mim, enquanto gargalhava, por algum motivo idiota que eu viria a saber logo em seguida.

— Não. Você não. São habilidades que demandam muito esforço e disciplina.

— Esforço e disciplina? Então, como você conseguiu?

Usei do mesmo tom debochado que o garoto costumava usar. Embora eu já houvesse percebido que pelo menos disciplinado ele parecia ser. Mas ele parou de rir, o que já era alguma vitória.

— Que audaciosa, a pequena Lady. Acho que você está começando a se esquecer com quem está falando. Será que eu vou ter que refrescar a sua memória?

— Você não se atreveria. Até por que, duvido que o seu Regente — dei ênfase nessa parte com aspas — se agradaria.

— Contanto que eu a leve viva, ele não se importaria com o estado.

Ele deu uma piscadela em minha direção, exibindo uma de suas lâminas que se escondia imperceptivelmente em algum lugar entre seu pulso e sua mão. Ele a girou entre os dedos com destreza. Pressionei os dentes contra os lábios com tanta força que consegui sentir o gosto do sangue. Ele possuía um olhar ameaçador, evitei qualquer contato direto, mesmo que ele só tivesse dito aquilo para me assustar. Mais tarde, retomamos a caminhada. Eirie mantinha o foco no caminho, atento a qualquer vibração mínima. Eu ia mais atrás, sendo puxada por ele. Ainda não estava inclinada a ceder e me humilhar por nada que viesse dele. O que seriam alguns dias sem comer? Pelo menos, se ao final dessa viagem eu já não tivesse forças para lutar contra meus inimigos, na melhor das hipóteses seria o meu próprio corpo a me derrotar – e isso aconteceria antes mesmo de eu conhecer o todo poderoso Regente do Fogo.

Enquanto estava sendo obrigada a seguir em meu "corredor da morte", notei uma outra habilidade no jovem Guer-Matriz: resistência. Talvez ele até se sentisse esgotado, faminto ou sedento, mas suportava a pressão sem nenhuma reclamação e sequer transparecia qualquer emoção. Ele havia se alimentado, mas pouco. Já eu, me encontrava em estado totalmente oposto parecia estar derrotada. Claro que, se tivesse me alimentado, mesmo que pouco como ele, teria chances maiores de estar melhor. Mais uma vez minhas pernas fraquejaram e caí ao chão. O baque fez com que Eirie parasse e viesse até mim.

— O que foi agora?

— Estou com sede. — De tão secos, parecia que os meus lábios iriam craquelar.

— Você não pode manipular como também pode produzir qualquer elemento a partir da sua Matriz, inclusive água, esqueceu? — Olhei em seu rosto tentando manter a cabeça erguida, até que ele se desse conta. Ele suspirou, pesadamente e revirou os olhos. — Você não consegue, não é?

Suspirei também, aliviada por ele ter entendido — apesar de não nutrir esperança de que me ajudasse. Então, ele se pôs de pé na minha frente e depositou uma mão contra meu peito e outra na minha testa. A partir daí eu tive a sensação de que meu coração começou a bombear com mais força. Minhas veias saltaram sob minha pele e se repuxaram. Em minha cabeça, as memórias saltavam uma em cima da outra confusas e aceleradas. Após alguns longos minutos de dor e agonia, vomitei uma substância dourada-amarelada e meu corpo pesou para trás. Eirie me segurou, colocando-me encostada nas raízes da árvore mais próxima, em seguida retirou sua jaqueta e a depositou em mim como um cobertor improvisado.

— Você vai precisar. — Apenas aceitei pois ele tinha razão, eu estava sentindo uma súbita gelidez no ar.

— Porque fez isso por mim? — Perguntei, enquanto me encolhia debaixo da jaqueta.

— Eu não fiz nada, seu organismo fez. — Ele percebeu que eu estava confusa, e tinha razão de estar. — Eu só usei a minha Matriz para "ativar" a sua. Daí em diante, seu organismo fez o trabalho mais difícil e expulsou, pelo menos, uma parte do veneno. Eu acho.

— E porque esperou tanto para fazer isso? — Indaguei, não como se estivesse brava ou irritada.

— Eu nunca tinha precisado fazer isso antes, afinal de contas, eu era o único Guer-Matriz. Não sabia que daria certo.

— O que poderia ter dado errado?

Percebi que a probabilidade de algo ter dar errado era grande um segundo depois de ter perguntado.

— Você precisa aprender muita coisa.

— Quanto mais rápido você começar, mais rápido aprenderei. — Me aprumei contra o encosto de raízes contorcidas. Ele, por sua vez, apenas sorriu.

— Você não vai desistir nunca, não é? — Fiz que não com a cabeça.

— Eu acredito que naquilo que te disse antes. Você pode não querer me ajudar, mas não pode me impedir de travar a minha luta.

— Mas você sabe que não importa o que façamos... elementais, feiticeiros e humanos só estiveram em paz durante tantos séculos nesse mundo por não saberem da existência uns dos outros. E esta era a única coisa que jamais deveria ter mudado.

Fitei os meus pés. Talvez ele tivesse razão e a humanidade estivesse muito longe de um grande salto na evolução, mas não se começa uma revolução se ninguém dá o primeiro passo.

— Eu não o questiono, só acredito que por algum motivo fomos escolhidos entre todos os outros. Acha mesmo que depois de todos os conflitos, sofrimento e perdas na história da humanidade, alguma "força maior" concederia habilidades como as nossas à pessoas que simplesmente se deslumbrariam e repetiriam os mesmos erros dos nossos antepassados?

Ele ficou pensativo, esperei que minhas palavras tivessem surtido algum efeito. Mesmo que houvesse resistência da parte dele, eu tinha alguma esperança. Acreditar no lado bom que está adormecido dentro de alguém, não é errado ou ruim – embora, para muitos, pudesse ser ingenuidade. No entanto, ele permanecia quieto, com a cabeça baixa.

— Eirie, eu creio que somos diferentes não para causar mais divisão no mundo. Mas sim, para unir o que se rompeu e reconstruir o que foi destruído. Nossos dons e nós... podemos ser a última chance da humanidade.

— Isso não é verdade. — Ele sussurrou. — Somos amaldiçoados.

— Você pode não ter sido aprendido a acreditar nisso, mas ainda há tempo de repensar.

Estava ficando muito frio ali e não deveria. Desconfiei de que havia algo de errado. E foi aí que começou. Vomitei novamente, em cima do meu "cobertor" e acabei tendo que ser afastada da jaqueta que, teoricamente, serviria para me aquecer. E assim ganhei um sermão de Eirie, mas não estava ouvindo uma palavra sequer do que ele dizia. Trouxe minhas pernas para perto do meu peito e as abracei enquanto tremia e era tomada por calafrios que percorriam todo o meu corpo. Enquanto o garoto ainda reclamava pela sua peça de roupa, eu vomitei outra vez. Vendo isso, ele veio se ajoelhar em minha frente.

— Você deveria estar melhorando. O que está acontecendo?

Tentei responder, mas a minha voz não saiu e eu me desesperei. Segurei firme em seus braços e o sacudi, enquanto forçava as minhas cordas vocais e não emitia som algum. Claramente eu o havia deixado tenso, mas não desesperado. Não contive o choro, que também não emitiu som algum e isso me agonizou. O garoto me tomou em seus braços e então retrocedemos até a caverna de onde havíamos saído a algumas horas. No caminho de volta, senti um vazio terrível como se me faltasse algo. Me senti incapaz, sem voz e sem controle sob meus poderes como se fossem parte essencial de mim.

Chegando lá, ele me deitou no chão e secou o suor no meu rosto. Observou que eu estava febril. Mas nada melhorou, pelo contrário. Comecei a ter convulsões e desmaios. Meu corpo estava frio e minha voz não retornava. Cheguei a cogitar que minha força vital estivesse se esvaindo de mim no estágio final do veneno, apesar da dose pequena que me injetaram. Entre um desmaio e outro observei que, além do meu estado de saúde instável, nada oscilava mais do que a expressão de Eirie que se traduzia em tentativas de me curar.


Com algum milagre a minha situação estabilizou. Apesar de que ainda me sentia péssima. Mas tudo que me importava é que estava viva e coloquei em minha cabeça que precisava sobreviver se quisesse retornar à minha casa algum dia. Era noite e estava muito frio, melhor dizendo, eu estava com muito frio – embora minhas roupas estivessem ensopadas de suor. Quando abri os olhos, Eirie estava ali, me observando. Fiquei constrangida e virei o rosto. Meus olhos fitaram a jaqueta dele, seca e limpa – apesar de eu ter vomitado nela.

— Não precisava... ter me... esperado... acordar. — Tentei me erguer quando percebi e levei as mãos ao pescoço, acariciando-o e sorrindo. — Minha voz? A minha voz, ela voltou.

— Voltou na segunda noite enquanto você delirava. Você tem pulmões fortes. — Ele sorriu, mas não parecia feliz.

— Segunda noite? — Indaguei um tanto atônita.

— Você ficou assim por três dias inteiros e... sete horas.

Ele balançou a cabeça, parecendo calcular o tempo. Fiquei calada, absorvendo a informação. Aparentemente estive realmente muito mal para não lembrar dos últimos três dias. Depois de algum tempo em que o silêncio tomou conta da caverna, retomei a conversa.

— Acha que conseguiu expulsar todo o veneno?

— Provavelmente.

Respirei pesadamente. Ainda sentia dor no corpo e muito frio, até me peguei batendo os dentes e os forcei para não continuar.

— Como fez aquilo? Aquilo de...

— Acho que é bom você voltar a descansar. — Ele sugeriu, fugindo de assunto.

Me virei para o lado e tentei, mas falhei. Estava incomodada pelo frio, encolhida no canto da parede e me virando constantemente sem arrumar uma posição confortável. Voltei a me virar para ele, que conservava o olhar fixo na minha direção. Eirie começou a se descalçar das botas e das luvas, para depois retirar suas armas de seus respectivos esconderijos pela roupa. Em seguida, veio até mim. Com um leve menear de sua cabeça as correntes viraram pó. Engoli em seco quando ele se deitou ao meu lado.

— Preciso de você viva. Não vou voltar de mãos vazias.

— Eu nem disse nada.

— Mas pensou. — Ele se virou de frente para mim.

Concordei, ainda que um pouco envergonhada. Gradativamente o ambiente foi chegando a uma temperatura aconchegante. Tomei certa distância dele, ficando bem rente a parede. Mas o calor ainda preenchia o ambiente. Oscilava de vez em quando, mas na maior parte do tempo, estava ali. Presente e acolhedor. Ao despertar de manhã, senti uma quente e leve respiração enrubescendo a maçã das minhas bochechas. Era Eirie. Estávamos de frente um para o outro e ele dormira, o que não era ruim pois pelo menos ele não estava me encarando com um olhar ameaçador, mas era estranho por nunca tê-lo visto nem sequer pestanejar. Sentei e olhei para trás. Sem o peso das correntes e me sentindo um pouco melhor, tomei uma decisão.

Caminhei até a saída da caverna, tomando cuidado para não acordá-lo e ao chegar lá fora comecei a correr. Não fazia a mínima ideia de onde me situava e muito menos como chegar onde queria ir, por isso estaquei no meio do nada quando algo me fez ficar boquiaberta. Não distingui de primeira vista pelo simples fato de estar emanando muita luz e por acabar desaparecendo rapidamente em seguida. Entretanto, na segunda vez que apareceu, subindo um morro, consegui assimilar a figura de um cavalo branco. Estava correndo para o alto, então o segui. Ele se deslocava rápido demais e eu estava subindo lentamente, devido a minha condição de saúde ainda não completamente restaurada. Certamente esse era o cavalo que aparecia em meus sonhos e eu estava obstinada a descobrir aonde iria me levar. Na descida, perdi de vista aquele animal reluzente, embora me parecesse lógico que o veria de longe caso ele passasse no meu campo de visão.

— Isso só pode ser brincadeira. — Bufei irritada.

— Falando sozinha?

Me virei, vagarosamente, reconhecendo aquela voz. Ao me deparar com a figura do jovem rapaz de cabelo branco, em um ímpeto corro ao seu encontro entusiasmada, como se fôssemos amigos de infância.

— Philip! — Ele pendeu para trás quando o abracei afundando minha cabeça em seu peito. O garoto afagou meu cabelo, que provavelmente estava terrível, enquanto isso a minha respiração se acalmava em conformidade com as batidas serenas de seu coração que escutava através das suas vestimentas.

— Você se lembra de mim?

— É lógico. — Nos separamos, ele sorriu mas sua expressão feliz logo se apagou.

— O que está fazendo aqui tão longe de Vila Royal?

— É uma longa história. — Suspirei. Corri os olhos até um saco preso em sua cintura. — O que é isso? — Apontei, esperando que fosse o que eu pensei que fosse.

— Ah, isso? É a minha comida. Você quer?

Ele apanhou um pão do saco e eu peguei com voracidade e rapidez. Dei logo uma mordida, devorando-o com muita pressa.

— Parece que você está com muita fome mesmo. — Fiz que sim com a cabeça. — Quer mais?

Ele retirou mais pão e frutas e as devorei como um animal, enquanto ele observava tudo.

— Quem fez isso com você? — Philip está agora com um olhar interrogativo e piedoso.

— Um garoto nariz em pé, grosso e cruel que me sequestrou. Estou fugindo dele, mas não sei como achar o caminho para casa... tudo parece igual para qualquer lado que olhe. — Respondo entre uma mordida e outra.

— E onde ele está? Eirie deve ter pegado pesado com você, a julgar pelo seu estado. — Ele faz cara de chateado.

— Espera. Você o conhece?

— Só desde os nossos sete anos de idade.

Alguém interveio na nossa conversa, respondendo a pergunta dirigida a Philip. Eirie. Olhamos para o topo do morro e ele veio até nós. Olhei de Eirie para Philip e depois de Philip para Eirie.

— Vocês são amigos? Isso é estranho.

— Você achou mesmo que ele fosse um dos caras bons? Cuidado, talvez não sejamos tão diferentes assim. — Eirie respondeu com um tom que eu reconheci como sendo apenas implicância.

— Posso ter uma conversa com você, Eirie? — Philip olhou para mim. — A sós.

— Mas é claro, meu amigo.

Os dois se afastaram e eu continuei devorando o que sobrou de comida na bolsa de Phil. Escutei um pouco do que eles estavam conversando antes de me intrometer.

— O seu sumiço me causou um problema enorme, você tem noção? — Phil reclamou.

— Acho que é justificável. — Eirie o respondeu claramente me apontando com um menear de cabeça. Franzi o cenho.

— O Regente Zvatrze está procurando por você. — O tom de Philip parecia assumir nuances de irritação e não mais de apenas uma simples advertência. — Os informantes dele disseram que espiões enviados pela Quarta Regência estão na floresta e na fronteira.

— É, nós já nos encontramos. Não foi muito agradável.

— E o que aconteceu?

Dei um jeito de me enfiar no meio dos dois e atrapalhar a conversa.

— Houve um enfrentamento e nós vencemos, é claro. Apesar de uma tal de Flecha que me envenenou e eu achei que fosse me matar... — Refleti essa última parte ainda bem fresca na minha memória, um arrepio percorreu a minha espinha.

— Como assim? O que ela está falando?

— Ela foi envenenada por um grupo de Guardiões. Usaram Flecha Dourada nela. Mas, veja pelo lado bom, agora sabemos que realmente funciona. — O garoto do fogo revelou ao amigo em tom descontraído.

— Vocês entendem o risco que correram? — Seus olhos, azuis como safira, não estavam mais serenos e correram do garoto para mim e depois fizeram o caminho contrário. — Não poderiam ter os enfrentado sozinhos. Poderiam ter morrido.

— Estamos vivos não é?

— Por pouco. Imaginem os desdobramentos da morte de vocês dois? Os únicos Guers-Matriz de que temos notícia. — Completou com rispidez, baixei os olhos pois sabia que ele estava certo. Mas, espera...

— Como sabe que eu também sou uma Guer-Matriz?

— Não é muito difícil saber que você é uma Guer-Matriz. Sua chegada causou uma vibração no vortex, o que nunca antes aconteceu pois ninguém de fora já havia conseguido entrar em Una Royal.

Depois de sua explicação ficou mais claro, inclusive o próprio fato de eles terem chegado até mim logo nos meus primeiros minutos naquele lugar.

— Mas agora, vocês precisam encontrar um lugar seguro para se esconderem e eu vou voltar para avisar ao Regente de que as informações sobre os Guardiões são verdadeiras.

— Ele também precisa saber que a Regência da Terra traiu o pacto e estão agindo pelas nossas costas, inclusive estão se instalando na floresta. Queriam levar ela, estão planejando algo e pode ser contra nós.

— Eu posso participar disso? — Indaguei.

— Não! — Os dois responderam ao mesmo tempo. Depois retornaram um ao outro.

— O que eles poderiam estar planejando?

Fiquei quieta, apenas observando os dois rapazes confabulando e terminando de saborear a última maçã.

— Não sei, talvez reunir as matrizes elementais. Se o mito for real...

Quando Eirie falou, Phil ficou perplexo. Então questionei.

— Mito? Que mito? O que isso significa?

— Significa que eles acreditam que a fusão das Matrizes pode conceder imortalidade e capacidade de controle mental sobre qualquer ser que possua substância matricial em seu organismo. Eles querem se tornar indestrutíveis às custas do poder das nossas Matrizes e das nossas mortes. Era apenas uma história sem fundamento, mas para eles parece que não.

Engoli em seco. A ideia era espantosa. Será mesmo que isso era possível? Aquelas pessoas demonstraram não ser nada amigáveis, o que poderiam fazer com um poder assim?

— Os Guardiões são perigosos demais e tem gente infiltrada em quase todos os cantos de Una Royal. Será uma tarefa difícil encontrar um lugar onde fiquem seguros.

— Lanóvia! — O Guer-Matriz respondeu sem titubear. — Não está sob domínio de nenhuma Regência. E sei quem pode nos ajudar quando estivermos lá.

— Três Guers? Em Lanóvia? Eirie, você perdeu o juízo?

— Confie em mim. Lanóvia é o último lugar que os Guardiões do Forte Dourado conseguiriam invadir em toda a terra.

Phil ponderou a sugestão de seu amigo, apesar de que não pareceu aprovar a ideia como um todo.

— Tudo bem. Mas vou escoltá-los até lá e depois retornar para Monigram.

— E o que acontecerá depois disso? — Eles me olharam ao mesmo tempo.

— Sinceramente, eu não sei. Mas creio que não vai ser nada bom.

Aquelas palavras me deixaram preocupada e no fundo eu sabia que Eirie estava certo. Era a verdade. Eu podia sentir. Estávamos nos aproximando de tempos difíceis, tempos em que uma nova guerra se iniciaria e seria praticamente impossível proteger todos, como eu queria poder. Talvez não pudesse salvar nem a mim mesma. Era uma realidade cruel, porém, não deixava de ser uma realidade. Estava na hora de começar a conviver com algumas verdades e de aprender a enfrentá-las. Essa era a minha nova vida.

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