BÔNUS - 02
Olá querido leitor, se você ainda não leu o último
Bônus de Santo Pecado, recomendo que vá
lá ler antes porque os dois se conectam.
Caso já tenha lido, aproveite a viagem ;)
OLÍVIA
ANOS ANTES
Droga.
Eu sabia que não deveria ter aceitado a ajuda de Nick para estudar para aquela matéria de merda.
Agora por conta disso estou em uma furada enorme.
Sem querer acabei esquecendo meu caderno na sua casa e realmente preciso dele, caso contrário nem me daria o trabalho de ir buscá-lo.
Observo o cenário passando rapidamente pela janela do ônibus enquanto penso em como as coisas ficaram estranhas entre nós dois de repente.
Quero dizer, desde crianças sempre gostamos de nos provocar, mas então, de um dia para o outro, tudo mudou.
Nick já não era mais aquele garoto franzino que vivia buscando aprovação de quem estava ao seu redor.
Não.
Como se um interruptor tivesse sido virado, ele se tornou um adolescente cheio de músculos, algumas tatuagens aqui e ali e os olhos azuis mais expressivos que eu já tinha visto na minha vida.
E como se uma venda tivesse sido tirada dos meus próprios olhos, passei a enxergá-lo de uma maneira completamente diferente.
Não que minha diversão em irritá-lo tivesse sumido, é só que tudo ficou diferente.
Mais intenso.
Mais... insuportável.
Até mesmo sua voz ficou mais rouca, dando-lhe aquele ar de garoto misterioso, o que só me deixou ainda mais intrigada.
Mas o pior ainda estava por vir.
Nick passou a estar cada dia mais perto, a ser cada vez mais próximo de Jhonatan -se é que isso fosse possível, já que os dois eram unha e carne - e isso significou que ele começou a passar mais tempo na minha casa.
Perto de mim.
Em volta de mim.
Dentro da minha cabeça.
E eu não gosto disso.
Sei que se deixar que ele entre por completo, vou acabar sofrendo.
No entanto, algumas vezes é inevitável.
Quando penso que sou capaz de parar de pensar naqueles malditos olhos azuis, ele se materializa na minha frente como um fantasma, uma assombração vinda direto do submundo para me atormentar.
É quase como se ele soubesse o efeito que tem em mim.
Quase como se desejasse que eu sofresse.
Que demonstrasse alguma reação ou sei lá, dissesse que estou louca por ele.
Que desejo beijar sua boca até o cansaço e ser segurada pelos braços tatuados como se eu fosse a coisa mais preciosa da sua vida.
Mas é óbvio que jamais farei isso.
Quero pensar que se trata do meu orgulho tentando me proteger de um possível coração partido, mas na verdade, bem lá no fundo eu sei que eu tenho medo do que ele possa me dizer.
De levar um fora e ser feita de idiota bem na sua frente.
E pior ainda: de estragar essa nossa amizade por mais tortuosa que seja.
Mesmo assim, cada vez que penso que ele pode estar com alguma garota, deslizando suas mãos talentosas pela sua pele ou sussurrando palavras sujas no seu ouvido, minha garganta se aperta e sinto vontade de gritar.
Puxo uma longa respiração tentando me tranquilizar bem a tempo de chegar na parada que devo descer para chegar até a casa de Emile.
Para a minha sorte eles não moram muito longe, porque sinceramente odeio pegar transporte público.
Mas quem gosta, não é mesmo?
Sorrio para mim mesma sem me importar em parecer uma maluca e caminho até a entrada do edifício.
Limpo minhas mãos suadas na calça jeans antes de tocar o interfone do seu apartamento e espero pacientemente por uma resposta.
Eu deveria ter ligado antes.
E se ele estiver fora?
Mas que droga.
Eu definitivamente deveria ter ligado.
Sei que Emile está na academia uma hora dessas, mas Nick não se interessa pela faculdade, só quer saber de tatuar, então provavelmente deve ter ido a algum estúdio para treinar.
Droga.
Retiro meu celular do bolso da jaqueta de couro e procuro o seu contato para mandar uma mensagem.
Um casal de adultos passa ao meu lado, me encarando com curiosidade e lanço-lhes um olhar debochado.
Odeio gente que se mete onde não é chamado.
Encontro o número de Nick na minha agenda e meu dedo paira sobre a tela, criando coragem para escrever algo, mas nada me ocorre.
Talvez seja melhor eu pedir para que Jhonny me leve a porra do caderno no final das contas.
Vir até aqui não foi a ideia mais inteligente.
Não quando estou sem o meu irmão.
Nick e eu nunca ficamos sozinhos.
Nós provocamos a merda para fora um do outro, mas sempre com plateia, porque tenho quase certeza de que se fizermos isso entre quatro paredes, as coisas ficarão tão intensas que vão acabar ou em briga ou em... sexo.
— Não vá por esse caminho, Liv. -Murmuro guardando meu telefone de volta onde estava e me viro para dar o fora dali antes que alguém conhecido me veja.
Dou alguns passos para voltar para o ponto de ônibus e acabo descobrindo que essa foi mais uma decisão terrível para a minha coleção.
— Liv? O que está fazendo aqui? -O olhar tempestuoso de Nick encontra o meu sob o sol vespertino e respiro fundo, meus olhos indo parar direto na sua mão enroscada na cintura de uma loira estonteante.
Ela é tão linda que me dá vontade de vomitar.
Os cabelos caindo em ondas perfeitas no ombro até os peitos que parecem ter sido feitos sob medida para o corpo esguio.
Seus olhos são verdes como esmeraldas, um contraste interessante com o azul de Nick.
Os lábios carnudos cobertos por um batom quase do mesmo tom da sua pele franzem provavelmente tentando decidir se sou uma ameaça ou apenas uma qualquer e levanto uma sobrancelha antes de voltar minha atenção para o amigo do meu irmão.
— Eu esqueci um caderno no seu apartamento quando estávamos estudando e preciso dele com urgência, então vim buscá-lo, mas não fazia ideia de que você não estaria aqui.
Não paro de encarar a loira enquanto falo e ela inclina a cabeça como um cachorrinho, malícia pura brilhando nas íris esverdeadas.
— Não vai me apresentar a sua amiguinha, amor? -Meu estômago se contrai ao escutar a última palavra e me controlo para não apertar minha barriga como se tivesse levado um soco.
Amor?
Tudo bem que Nick deixou bem claro que não queria nada comigo quando fiz a besteira de levar um ficante até o apartamento, mas porra, mesmo assim dói saber que ele está com alguém.
— Claro, -ele diz coçando a garganta — Liv, essa é Bárbara, minha namorada e hã Bárbara, essa é Olívia, irmã de Jhonatan, você o conheceu semana passada quando fomos ao Devils, lembra?
O ar deixa meus pulmões rapidamente.
Então Jhonny já sabia que Nick está namorando e não me disse nada?
Filho da mãe.
— É um prazer te conhecer, querida. -A loira estende a mão com a manicure perfeita e encaro seu braço como se uma cobra fosse sair enroscada na pele branca como marfim.
Os dois pombinhos trocam um olhar íntimo e tento não fazer careta diante do gesto repulsivo.
Sei que estou demorando tempo demais para lhe responder, o que pode lhe dar a impressão de que não fui com a sua cara, no entanto, é muita coisa para processar.
Todos os anos em que gostei secretamente dele passam diante dos meus olhos.
Todas as brincadeiras e insinuações, toda a humilhação a que me submeti sem nem ao menos perceber.
Então de repente tudo começa a se encaixar.
Nick nunca correspondeu.
Nunca deu indícios de que gostava de mim e a cereja do bolo foi aquela conversa ridícula com Bruno, o cara que eu estava pegando.
Eu me iludi sozinha, me deixei levar pela esperança de que talvez um dia ele me enxergaria com outros olhos.
Subi tão alto e agora estou lidando com a queda.
Depois de longos e desconfortáveis minutos, encontrei forças para falar e empurrei as lágrimas que se formaram nos meus olhos ao ver essa cena dolorosa.
— O prazer é meu. P-preciso ir, até mais. -Resmungo dando meia volta e praticamente correndo para o mais longe dos dois que eu consigo.
Em um dos poucos momentos de sorte que tenho, um ônibus já estava parado no ponto e subo apressada rezando para que Nick não tenha me seguido.
Pago a passagem e procuro um assento vazio para pelo menos não ser obrigada a curtir a minha dor em pé.
Seria humilhação demais até para mim.
Me jogo em uma das cadeiras, segurando o apoiador da cadeira da frente e deixo cair minha cabeça nos meus braços.
Ao fazer isso, é como se comportas tivessem sido abertas nos meus olhos e as lágrimas escorrem livremente pelas minhas bochechas.
Depois de descer do ônibus, o caminho até chegar em casa é dolorosamente longo e estou a ponto de gritar para o céu e perguntar o que eu fiz para merecer isso até que avisto o portão do nosso condomínio.
Enquanto coloco a chave na fechadura, não paro de pensar na imagem dele com a mão na cintura daquela garota.
Nick namorando?
E uma loira!
Ele nem gosta de loiras.
Argh!
Empurro o metal com mais força do que o necessário, produzindo um barulho seco por conta do golpe.
Caminho a passos firmes e furiosos até o elevador, praguejando ao dar de cara com a última pessoa que quero ver no momento.
— Eita irmãzinha, parece que chupou uma dúzia de limões. -Jhonny brinca e minha vontade é tirar esse sorrisinho do seu rosto na base do tapa.
— Não estou com saco para te aturar no momento, então não me enche. -Rosno socando o botão do nosso andar sob o seu olhar atento.
— Aconteceu alguma coisa, Liv? -Meu irmão insiste apertando de leve meu ombro.
— Nada, Jhonatan. Não aconteceu nada. Eu só quero que você me deixe em paz, porra. Será que consegue fazer isso? -Continuo me sentindo péssima ao tratá-lo assim, mesmo sabendo que ele tem uma parcela de culpa nesse meu estado.
Se o idiota tivesse me avisado que seu amigo tem uma namorada que mais parece uma boneca Barbie, quem sabe eu teria evitado todo esse transtorno.
E o pior de tudo é que sequer posso dizer o motivo de estar furiosa, pois assim ele saberia que gosto, ou melhor, gostava do seu amigo e zombaria comigo pelo resto das nossas vidas.
— Caramba, Olívia, não precisa me tratar assim, não te fiz nada. -Ele cruza os braços emburrado e puxo uma longa respiração me arrependendo imediatamente.
Eu sou uma idiota.
Abro a boca para pedir desculpas, sendo interrompida pela campainha do elevador indicando que chegamos no nosso andar, o que me faz perder a coragem de falar qualquer coisa, então caminho até a nossa porta e entro no apartamento indo direto para o meu quarto sob o olhar atento da minha mãe e do meu pai.
Eu odeio deixá-los preocupados e me sinto ainda pior.
Me jogo na cama sendo invadida pelo remorso, tristeza e arrependimento e choro baixinho até que escuto batidinhas suaves na minha porta.
— Sou eu, amor, posso entrar? -Meu pai pergunta do outro lado.
— Pode... -Respondo sabendo que ele não vai se contentar com um simples não.
Não passa nem um segundo e ele entra caminhando até a minha cama e o colchão se afunda quando ele se senta do meu lado.
— O que aconteceu entre você e Jhonatan dessa vez? -Sorrio amargamente.
Eu teria preferido que fosse mais uma das minhas brigas com meu irmão.
Seria tudo mais simples.
— Não aconteceu nada. Eu já estava brava quando cheguei e ele apenas estava no lugar errado e na hora errada. -Papai deixa escapar um suspiro triste, sua mão acariciando meu rosto com amor enquanto ele me analisa com aqueles olhos que tudo vêem.
— Vai me dizer o que é que te deixou assim? -Nego com a cabeça.
Nem se Nick tivesse me chamado de qualquer palavrão, eu contaria ao meu pai o que ele fez.
Os dois são tão próximos, que às vezes parece que Nick é seu filho e não daquele idiota do pai dele.
Não seria justo com papai, tirar esse conceito que ele tem do melhor amigo do meu irmão.
Respiro fundo.
Nem mesmo estando tão chateada, eu consigo lhe causar algum dano.
— O que quer que esteja acontecendo, sabe que sempre poderá contar com a gente, não sabe? -Papai continua e aceno em concordância. — Tenho uma suspeita de que essa tristeza seja por conta de algum garoto. -Ele completa e quase engasgo.
— Pai!
— Acha que não sei que você e o seu irmão estão crescendo? Os dois já não são mais crianças, daqui a pouco irão para a faculdade e vão começar a viver as suas vidas, como deve ser. -Aperto os olhos desejando que esse momento demore o máximo possível para acontecer. — Você deve pensar que porque estou velho, já não sei de nada sobre o amor, mas eu consigo perceber a dor de um coração partido de longe, minha pequena abelhinha. -Seus dedos arrumam uma porção de cabelo atrás do meu ouvido e lágrimas se formam nos meus olhos, se derramando uma por uma na minha bochecha.
Tento engolir o nó que se forma na minha garganta, mas é praticamente impossível, pois as imagens de Nick e aquela loira oxigenada me deixam sem ar.
— Como faço para que essa dor desapareça, papai? -Pergunto em um fio de voz e de repente sou abraçada pelos braços musculosos cobertos pelas tatuagens únicas.
— Oh meu bem, ela vai passar. Confie em mim.
— É que...eu...eu não sei o que fazer. Nunca tinha me sentido assim, eu sempre gostei dele e ao que tudo indicava, ele também gostava de mim, mas quando eu os vi juntos foi... -Me calo percebendo que falei demais e papai afasta meu rosto com delicadeza, procurando no meu olhar a resposta para todas as perguntas que ele está me fazendo sem dizer uma só palavra.
— Sabe, quando eu conheci sua mãe, foi como se um véu tivesse sido arrancado dos meus olhos e eu soube que ela seria minha. Então nós terminamos por um tempo, no entanto, eu nunca deixei de pensar nela, de desejar que ela voltasse para mim e adivinha?
— Vocês reataram... já escutei essa história um milhão de vezes, pai. O que ela tem a ver com meu fiasco emocional? -Minha voz sai mais ríspida do que deveria e um sorrisinho rouco preenche o silêncio do quarto.
— Deus, você é idêntica à ela, sabia? -Reviro os olhos em brincadeira. — O que quero dizer, Olívia, é que por mais que as coisas não ocorram do jeito que você queira em um início, se vocês estiverem destinados a estar juntos, irão se encontrar outra vez.
— Não estou tão certa disso... -Resmungo lembrando de como Nick parecia feliz com aquela lambisgóia plastificada.
— Só precisa ter um pouco de paciência, querida. Curta a sua vida, aproveite a sua adolescência, conheça pessoas novas. Faça amizades... não pare de viver por uma desilusão amorosa. Além do mais, algumas pessoas demoram certo tempo para perceber que fizeram uma burrada. Tenho certeza que Nick vai perceber cedo ou tarde a garota maravilhosa que está perdendo. -Papai pisca um olho antes de beijar minha bochecha com carinho e se levantar me deixando sozinha no quarto com o rosto tão quente que é bem provável que entre em ebulição.
A vergonha me faz afundar na cama e tampo a cabeça com um travesseiro para abafar o meu grito de frustração.
No entanto, dentro da minha sessão de tortura pessoal, um pensamento se reproduz repetidamente por trás dos meus olhos fechados.
Tomara que papai tenha razão.
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