Semana 1
A Ilha de Andros é linda, nunca pensei que viria para as Bahamas e se um dia isso passou pela minha cabeça, certamente não foi na situação em que me encontro. Caminho pela areia escaldante e o sol não me deixa enxergar muito, mas seria impossível não ver o homem pelado vindo na minha direção. Ele está com a mão sobre os olhos, os apertando para tentar amenizar a claridade. Ainda não o vejo com clareza, mas ele parece ser bem bonito – não que isso seja importante, mas uma bela vista nunca é demais.
Ok, tem um homem pelado e bonito cada vez mais perto e não sei como cumprimentá-lo. Um abraço? Um beijo? Um aperto de mão? Ou talvez igual a uma dama antiga segurando a barra do meu vestido imaginário e fazendo uma leve reverência? Enquanto penso nisso, continuo caminhando em sua direção até que finalmente nos encontramos. Meu cérebro só fica repetindo "mantenha os olhos no rosto, mantenha os olhos no rosto..."
– Droga, você copiou a minha roupa! – falo a primeira coisa que vem na minha cabeça para tentar quebrar o clima e ele só esboça um sorriso.
– Sou o William, prazer – estende a mão, ignorando totalmente a minha piadinha infame.
– Sarah – o cumprimento e agradeço por ele tomar a frente, pois eu realmente não sabia o que fazer.
– Parece que aquelas são as nossas bolsas – aponta para três sacolas de sisal.
Espera... Três??
Percebi que ele também ficou confuso. Será que colocaram uma bolsa a mais por engano? Assisti temporadas o suficiente para saber que isso nunca aconteceu. Olho para o cinegrafista e ele finge que nem está aqui. Antes que pudesse questionar qualquer coisa, vemos uma moça loira caminhando em nossa direção e sua nudez já entrega que ela era a terceira participante.
– Olá! Meu nome é Mila – ela fala com um sorriso e nos abraça. Confesso que é bem mais agradável do que um aperto de mão xoxo – Não sabia que seríamos um trio!
– Prazer! Sou a Sarah – abro um largo sorriso – Eu também não sabia.
– William – ele a cumprimenta com um sorriso – Acho que agora a equipe está completa, né? Vamos ver as bolsas?
Pegamos as bolsas designadas a nós e logo Mila volta a falar.
– O que você trouxe? – ela pergunta para William.
– Corda. Vai ajudar na construção do abrigo e de uma possível jangada. E você?
– Uma panela. Não sei se tem algum lago por aqui, mas vamos precisar pra ferver água e cozinhar as proteínas que der pra caçar – Mila sorri – E você, Sarah?
– Eu trouxe uma rede – dou de ombros – Suporta duas pessoas... Achei que seria uma dupla.
– Que item desnecessário – William murmura.
– Claro, porque dormir longe do chão é bem desnecessário pelo jeito – o respondo um tanto irritada. Ele parece ser um porre.
– Olha, eles nos deram um facão! – Mila fala animada, provavelmente tentando apaziguar a faísca que surgiu entre nós dois.
Com os itens já em mãos, Mila retira o mapa de sua bolsa e vemos todo o percurso que temos que percorrer até o dia do resgate em alto mar. Odeio ter que admitir, mas a corda que William trouxe vai ser bem útil para construir a jangada.
Depois de conversarmos, decidimos seguir pela costa por 6km até uma área que acreditamos ter um lago. Por ser muito branca, Mila já está com as costas totalmente vermelhas do sol e eu não sei como ela não está sentindo dor, pois eu estou sentindo por ela.
Algumas discussões em relação à localização do abrigo – principalmente entre mim e William – e finalmente posso começar a construção do telhado entre duas árvores no início da mata e a poucos metros da areia, já que não queremos ficar tão distantes da praia.
– Você está demorando demais, logo vai escurecer e a gente ainda não vai ter um abrigo decente – William reclama e eu tenho vontade de jogar o galho que carrego na cabeça dele.
– Você não disse que ia acender a fogueira? Ainda não estou vendo fogo – retruco.
– Gente, por favor – Mila pede já exausta – A energia que vocês estão gastando reclamando poderia ser poupada.
Nós nos calamos contra a vontade, mas como eu disse antes, posso ser insuportável quando quero. Termino de construir o teto do abrigo e penduro a rede enquanto Mila foca em forrar o fundo e as laterais com folhas de bananeira.
A lua já está no céu e ainda não temos fogo, deixando o humor de William pior do que já é. O cansaço bateu e a sede também, mas não encontramos a água. Erro de principiante. Decidida a descansar, deito na rede e convido Mila para me fazer companhia.
– E eu vou dormir onde? – William pergunta irritado.
– Você não disse que a rede era desnecessária? – arqueio a sobrancelha e queria poder enxergar no escuro para ver sua cara nesse momento – Como eu disse, é uma rede pra dois e a Mila já está dividindo comigo.
– Acho que cabe nós três – Mila sussurra.
– Eu é que não quero dormir com você – a irritação em sua voz é evidente e eu estou sorrindo por dentro – Pode deixar que eu me viro.
Com a visão noturna da câmera de mão o vejo se afastar e ir em direção à praia. Não quero imaginar os perigos que William corre porque não quero dar o braço a torcer e convidá-lo para a rede, mas sei que se pensar muito, isso é exatamente o que eu vou fazer.
O cansaço é tão grande que só percebi que Mila dormiu ao ouvi-la roncar, mas eu não prego meus olhos. Os insetos me picam sem parar e eu não sei se os outros dois estão passando pela mesma coisa, mas parece que toda a população de mosquitos-palha do mundo está sobre o meu corpo nesse momento. Será uma longa noite.
Eu não preguei os olhos durante a primeira noite e sei que parte disso foi culpa da Sarah. Enquanto eu passei toda a madrugada sentado debaixo de uma árvore com o ouvido atento a qualquer movimento de predadores no escuro, a bonita estava dormindo confortavelmente na rede. Isso sem falar nos mosquitos-palha que me atacaram a noite toda.
Eu prometi a mim mesmo que não passaria mais uma noite sem fogo. Além de afastar possíveis predadores, a fumaça também ajuda a controlar os mosquitos infernais. Fiz um arco e uma broca e estou gastando a pouca energia que resta tentando ao menos uma fagulha, mas não consigo.
– Tá difícil aí?
Ouço Sarah dizer e ao me virar para xingá-la, fico abismado com a quantidade de picadas que ela levou. Não que eu tivesse passado ileso, mas ela parece não ter uma parte no corpo que não estivesse vermelha e não consegue parar de se coçar.
– Parece que a rede não te protegeu dos mosquitos – falo com um sorriso maldoso, assumo.
– Não mesmo, porque é uma rede e não um mosquiteiro – Sarah dá de ombros – Mas eu construí o abrigo que disse que faria, já você... Eu não vejo fogo por aqui.
Sarah olha ao redor e nesse momento eu desejo internamente que ela seja ainda mais picada. Que mulher insuportável! O que tem de bonita, tem de chata! Não poderiam tirar ela e deixar só a Mila, que além de prestativa ao menos é divertida??
O segundo dia passou com nós três procurando por água, mas sem sucesso. Até encontramos um dos buracos azuis da ilha, mas sem fogo não podemos ferver a água e tomá-la pura seria loucura. Estamos de volta ao acampamento sem água, sem alimento, sem energia e com fome. Foi aí que percebi que a única coisa que mexe com o humor de Mila é o seu estômago.
– Como vamos fazer para dormir essa noite? – pergunto relutante e torço para que Mila sugira que eu vá para a rede com elas.
– Você pode dormir debaixo do abrigo se quiser – Mila fala um tanto ríspida e minhas esperanças morrem, já que Sarah nunca sugeriria dividir a rede.
– Não é um pouco injusto? – reclamo.
– Você pode construir seu próprio abrigo.
Sarah fala e dá dois tapinhas no meu ombro, me deixando extremamente irritado. Forro o chão com algumas folhas e deito contra a vontade, xingando essa insuportável mentalmente a cada vez que me reviro no chão duro.
Estamos há sete dias sem comer. Sete dias sem dormir mais do que duas horas por noite. Sete dias apenas com água de coco – de um coco para três pessoas. Sete dias sem fogo porque o imprestável do William não é capaz de fazer a única coisa que ele disse ser bom. Mila está a ponto de surtar e eu não quero perder a minha companheira de sobrevivência, então todos os dias eu tento convencê-la de que vamos conseguir chegar ao final juntas.
No terceiro e no quarto dia nós duas saímos para tentar conseguir alguma proteína enquanto o traste tentava fazer a fogueira e o sol judiou de nossas peles, principalmente a de Mila. Suas costas e seus seios possuem bolhas e mais bolhas e ela mal consegue se mexer de tanta dor.
O quinto dia foi a mesma coisa, nós duas procurando por comida e água enquanto William ficava na sua missão impossível de fazer uma fogueira. Ainda bem que ele é bombeiro e sua missão é apagar o fogo, porque se dependesse de acender para sobreviver, ele morreria de fome.
No sexto dia Mila ficou no abrigo por não conseguir lidar com o sol. Mudei minha estratégia e fui atrás de ao menos um bambu para que pudéssemos ingerir algum líquido, mas não consegui carregá-lo. Por sorte, encontrei um coco. Era pouco e tivemos que dividir a água do coco para três pessoas, mas era melhor do que nada. William até me agradeceu, veja só que milagre.
Hoje eu não encontrei mais um coco, mas obriguei William a deixar a tentativa frustrada de fogueira de lado e me ajudar a carregar o bambu. Por mais que odeie ter que pedir algo para ele, Mila não tem condições nesse momento, ela está até febril por conta da insolação.
No primeiro golpe com o facão a água começa a brotar pelo bambu e ele estende a mão para que eu tome primeiro. Muito gentil da parte dele, devo confessar. Sinto a água me dar energia, a garganta hidratar, os lábios ressecados implorarem por mais. Ainda estou longe de estar saciada, mas nada mais justo do que dar a vez para ele, que toma como se fosse a cerveja mais gelada do mundo em um dia quente como este.
Ele está até de olhos fechados saboreando cada gota que sai dali, deixando escorrer por seu queixo até pingar em seu peito. Se minha libido ainda existisse depois de sete dias sem um banho que não seja no mar, eu até poderia desejá-lo. Isso se ele não fosse um insuportável, é claro.
Eu deveria agradecer à Sarah por encontrar água, mas estou ocupado demais carregando o bambu até o acampamento. Nós dois não trocamos muitas palavras no caminho, já que a cada dez palavras, onze são reclamações e ofensas.
Assim que chegamos, somos surpreendidos pela presença de um dos produtores. Olhamos ao redor e vemos Mila com o rosto inchado de tanto chorar. Sarah apressa o passo até ela e eu não ouço o que elas falam, mas não é coisa boa. Sigo até as duas com o cinegrafista na minha cola a fim de registrar cada momento para a edição.
– Eu vou desistir – Mila fala entre soluços – Eu não aguento mais, eu preciso ir pra casa, preciso cuidar da minha pele, olha pra mim!
Mila grita e volta a chorar, sendo consolada por Sarah, que evita abraçá-la por conta de todas as queimaduras. Eu sinceramente não sei o que fazer, não quero que a Mila saia, eu gosto dela, ela é uma pessoa agradável de conviver, não é igual a outra louca e egoísta. Mas assim como eu disse que só sairia se minha vida corresse perigo, espero que ela faça o mesmo, já que o que corre perigo é a sua saúde mental.
– Ei Mila, olha pra mim – me aproximo e seguro seu rosto – É isso o que você quer?
– Sim, eu não aguento mais – fala num sussurro.
– Então vai – é a vez de Sarah falar. Ela está ao meu lado e pela primeira vez nós concordamos em algo – As coisas não vão ficar mais leves aqui, nem mesmo o sol. Você precisa pensar em você agora. Vá pra casa e torça por nós – apoia a mão em meu joelho – Torça para que eu tenha paciência e não o afogue no mar.
Eu poderia rebatê-la agora, mas o riso de Mila valeu à pena a implicância. Ela se levanta e nos dá um abraço fraco para não se machucar mais. Os produtores estão um pouco ansiosos, já está perto de anoitecer e eles tem pressa em ir embora do acampamento.
Acenamos para o barco que se distancia com nossa companheira divertida, a mediadora entre nós. A cena seria até bonita devido ao pôr do sol sobre a água, mas quando se tem medo dos perigos da noite, tudo o que você quer é que o sol nunca se ponha.
Eu e Sarah suspiramos quase ao mesmo tempo e nos encaramos. Agora somos só nós dois e eu não faço ideia de como isso vai funcionar nos 14 dias que ainda temos pela frente. Que Deus me ajude a suportá-la.
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