Prólogo
Recebi o aviso que estavam me aguardando no saguão do hotel e foi neste momento que repensei todas as decisões que já tomei nessa vida e talvez até nas anteriores que eu sequer me lembro. Eu poderia continuar neste quarto maravilhoso com ar condicionado e um colchão macio, cobertores que me abraçam toda noite e um chuveiro. Mas não, eu tinha que me inscrever. Pior ainda, eles tinham que me chamar.
Pode parecer loucura, mas eu aceitei o desafio de sobreviver 21 dias completamente pelada e de maneira primitiva no meio das Bahamas. Se me perguntarem o que eu tenho na cabeça pra fazer algo assim, eu posso te passar uma lista imensa que antecede o juízo. Dou uma última olhada para o maravilhoso café da manhã em que só faltei lamber os pratos – minha última refeição decente em três semanas – e solto um suspiro antes de seguir até a porta sem minhas malas ou meu celular, já que não precisaria de nada disso.
Deixei para trás também a espécie de manual que recebi da equipe do programa, onde eles apresentaram toda a Ilha de Andros – a fauna, a flora, formatos de plantas venenosas e as próprias para consumo, árvores que podem acabar comigo só de encostar na pele. Ao assistir as outras temporadas eu sempre acreditei que os participantes eram verdadeiros experts, sabiam tudo sobre todos os lugares, mas eu passei cerca de três meses estudando esse manual no conforto do meu lar e percebi que assim como eu, eles apenas estudaram com medo de morrerem ao apoiar num tronco venenoso ou então comerem um sapo colorido.
– Finalmente você chegou.
Um dos produtores fala sem sequer olhar para mim enquanto anota algo em seu celular e eu nem tenho tempo para me desculpar pela demora, já que na mesma hora ele sai andando e me manda segui-lo. Assim como solicitado, sento no banco traseiro de uma caminhonete 4x4 e aproveito os últimos minutos com algum conforto ou alguma roupa. Quando penso que havia chegado, sou apenas transferida para um barco. Ainda sob instruções da produção, preciso conversar com a câmera e me apresentar, e Deus, como é difícil falar de si.
– Me chamo Sarah Hicks, tenho 27 anos, sou bartender e decidi me inscrever depois que um antigo chefe me disse que eu morreria servindo bebidas porque é só isso que eu sei fazer e... bom... eu vim provar que ele está errado. Eu vou vencer os 21 dias nem que seja a última coisa que eu faça.
– E como você se sente ficando pelada na frente de um total desconhecido? – o produtor pergunta.
– A nudez é natural. Não tenho problemas em ficar nua e espero que meu parceiro me respeite tanto quanto eu o respeitarei.
– Você é solteira, você acha possível um relacionamento? – ele pergunta e minha vontade de revirar os olhos é grande. Rapidamente penso em uma resposta que a edição não pudesse me prejudicar.
– Eu vim até aqui para um desafio de sobrevivência, não para um encontro às cegas.
– E quais as suas técnicas de sobrevivência? – ele pergunta ao perceber que eu não estou aberta para falar sobre relacionamentos.
– Nos meses entre minha inscrição e o desafio eu me aperfeiçoei na construção de abrigos e também na pesca. Meu pai é pescador, então cresci neste meio e aprendi muito com ele.
– O que te faria desistir do desafio e como você espera que seja a sua dupla?
– A única coisa que me faria desistir seria a morte de algum familiar e quanto à minha dupla, eu espero que seja bem-humorada, prestativa e não reclame muito porque eu não sei se suporto conviver com um reclamão por 21 dias sem querer afogá-lo no mar.
Eu rio e o produtor também esboça um sorriso. Ele faz mais algumas perguntas sobre minhas qualidades e defeitos e eu deixo claro que sou de fácil convivência, mas se me sentir desrespeitada, viro uma pessoa insuportável.
Viemos conversando durante o caminho e até me ofereceram três barras de cereal como uma última refeição. Chegamos na ilha e foi aqui que eu quis desistir. Reluto no momento de tirar a roupa, mas como eu respondi para o vídeo, a nudez é natural. E é pensando assim que tiro a calcinha e jogo dentro do barco antes de pular no mar e caminhar até a areia.
Eu poderia dizer que mal dormi durante a noite de tanta ansiedade, mas seria mentira. Eu dormi igual a alguém que sabe que não vai ter uma noite decente de sono pelos próximos 21 dias. Fui deitar antes mesmo das nove da noite e acordei só para o café da manhã. Fui instruído a comer muito, mas decidi focar na proteína e deixar os carboidratos de lado, já que eles te deixam com fome mais rápido.
Antes de descer para o saguão, dou uma última olhada nas partes que julguei mais importantes do manual. Cheguei e a equipe ainda está se organizando, então largo meu corpo sobre o sofá para poder desfrutar de mais alguns minutos de conforto. Cerca de quinze minutos depois uma das produtoras me deseja bom dia e pergunta se eu me alimentei direito, e com a minha afirmativa, pede para que eu a siga até o carro.
Durante o caminho pela estrada aproveito para tirar um cochilo, pois só Deus sabe quando será o próximo. Sou acordado só ao estacionar, já que serei transferido para o barco. Assim que sento sobre o banco desconfortável – mas com mais conforto do que terei nas próximas semanas – as perguntas começam. Acredito que tenham uma ordem já pré-definida.
– Olhando para a câmera, me fale sobre você e o motivo pelo qual se inscreveu no programa – ela me pede com gentileza.
– Meu nome é William Miller, tenho 30 anos e sou bombeiro. Decidi me inscrever porque queria enfrentar novos desafios. Não conhecia o programa, mas teve um dia durante o plantão que meus amigos estavam assistindo e eu me interessei. Naquele mesmo dia eles disseram que acreditavam que eu seria um bom sobrevivente, então decidi me inscrever para testar minhas habilidades e meus limites. Apesar de trabalhar apagando o fogo, conheço algumas técnicas primitivas para acendê-lo e também fiz alguns treinamentos na selva, então acredito que não vai ser tão difícil. Claro que estar pelado dificulta tudo, mas é algo que estou disposto a enfrentar.
– Muito bem, você me poupou de uma das perguntas – ela parece satisfeita – Mas me diz como é a sua relação com a nudez.
– Eu moro sozinho e costumo ficar pelado em casa, e como aqui vai ser meu lar por três semanas, digamos que não vai ter muita diferença – nós dois rimos – Claro que tem todos os insetos, bichos, areia da praia, mas isso é um detalhe.
– E em relação à sua parceira? Não te incomoda que ela o veja nu?
– Eu não sou mais um adolescente que se empolga com uma mulher pelada aleatoriamente, então espero que com ela seja a mesma coisa. Mulheres amadurecem mais rápido né? Acho que ela nem vai se importar.
– Você espera que ela seja gostosa? – ela pergunta e eu vejo em seu rosto que ela não está confortável com aquela pergunta que provavelmente foi obrigada a fazer para trazer entretenimento após a edição.
– Não me importo com a aparência dela até porque o corpo dela nem deveria ser uma pauta importante, eu só espero que ela seja uma boa parceira e que possamos trabalhar em conjunto.
– Como você já me falou das suas habilidades e do que espera da sua dupla, me diz o que te faria desistir do desafio.
– Se minha vida corresse perigo. Não que ela não vá correr, estaremos pelados no meio do nada e sem recursos, mas se eu me ferir e rolar uma infecção, aí eu saio porque minha saúde é mais importante.
Algumas perguntas a mais são feitas, como se eu me envolveria com minha dupla e algumas coisas sobre defeitos e qualidades. A conversa fluiu bem e minha ansiedade aliviou. Assim que chegamos, me ofereceram três barras de cereal e pediram para ficar nu. Após tirar todas as peças de roupa, agradeço e sigo caminhando do mar até a areia, ansioso para ver onde essa loucura vai dar.
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